Reflexões sobre as UPPs e a fragmentação do tecido sociopolítico-espacial na cidade do Rio de Janeiro: costurar as partes ou afastar ainda mais?



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Transcrição:

Reflexões sobre as UPPs e a fragmentação do tecido sociopolítico-espacial na cidade do Rio de Janeiro: costurar as partes ou afastar ainda mais? Autor: Anderson Francisco de Andrada 1 Este projeto propõe uma análise das modificações que a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) pode trazer para o atual processo de fragmentação do tecido sociopolítico-espacial 2 do Rio de Janeiro, em particular, observando as mudanças na comunidade do morro Dona Marta. Localizada no bairro de Botafogo, foi a primeira comunidade ocupada por essa nova política de segurança do Estado no ano de 2008, o que gerou uma grande discussão sobre a viabilidade de tal projeto e os reais efeitos para a população. Segundo a secretaria de segurança a Unidade de Policiamento Pacificadora é um novo modelo de Segurança Pública e de policiamento que promove a aproximação entre a população e a polícia, aliada ao fortalecimento de políticas sociais nas comunidades. Ao recuperar territórios ocupados há décadas por traficantes e, recentemente, por milicianos, as UPPs objetivam levar a paz às comunidades... Os efeitos das UPPs já estão sendo sentidos em vários níveis como, por exemplo, a valorização dos imóveis próximos as regiões onde há uma UPP instalada. Pesquisa do Sindicato da Habitação (Secovi) constatou uma valorização de até 148,89% nos valores de locação e de 59,41% nos de venda de imóveis em bairros beneficiados pelas unidades na Zona Sul. 3 Os moradores dos bairros onde as UPPs estão sendo instaladas também parecem estar satisfeitos, associando a queda da criminalidade e construção de um ambiente mais tranqüilo à instalação dessas. Presidente da Associação dos Moradores e Amigos de Copacabana, Myriam de Pinho Barbosa diz que a população do bairro têm se sentido mais segura desde a inauguração das UPPs na região. Em entrevista ao jornal O DIA ela fala: Estamos muito satisfeitos. É visível como tudo melhorou muito de um tempo para cá. Hoje em dia, andamos nas ruas despreocupados, os moradores já não reclamam mais de assaltos como antigamente 4. Até mesmo os seguros de carros devem cair nas áreas que estão próximas as UPPs. É o que foi divulgado por mais um meio de comunicação com a seguinte manchete: Seguro de automóvel vai cair com as UPPs: índices menores de roubos em áreas com as unidades vão impactar valores das apólices. 5 1 Graduado em geografia pela Universidade Federal Fluminense 2 De acordo com Souza (2006): Fragmentação do tecido sociopolítico-espacial (formação de enclaves territoriais formados por traficantes de varejo, auto-segregação das elites e classe média, conversão de espaços públicos e outros espaços situados entre aqueles dois extremos em espaços de hipervulnerabilidade). 3 O GLOBO 13/03/2010, Página 26 Benefícios muito além dos morros: UPP agrada também a moradores do asfalto e valoriza imóveis. 4 O DIA 13/05/2010, Página 4 Número de homicídios no Rio é menor já registrado 5 O DIA 06/05/2010, Página 24.

Percebe-se então um apoio total da opinião pública para a instalação das UPPs no Rio de Janeiro. E os moradores das comunidades ocupadas? O que acham dessa política? Uma pesquisa organizada pela Fundação Getúlio Vargas entre os dias 22 e 27 de maio de 2009 demonstrou uma grande satisfação dos moradores nas comunidades Dona Marta e Cidade de Deus. Quando perguntados se achavam que essa política de atuação deveria ser estendida para outras comunidades, 97% dos entrevistados do Dona Marta responderam que sim e 95% dos que moravam na Cidade de Deus também concordaram. 6 Nota-se mais uma vez que esse discurso pela segurança e ocupação policial está colocado para a maioria da população como a solução dos altos índices de violência que assolam o Rio de Janeiro. Pois então como essa nova estratégia pode modificar o esgarçado tecido sociopolíticoespacial do Rio de Janeiro? Será que essa política de segurança pública pode ajudar a costurar este tecido e melhorar o sentimento de insegurança que se encontra na cidade, além de aumentar a interação da população carioca? Atualmente, o que podemos constatar é a fragmentação cada vez maior do tecido sociopolítico-espacial da cidade, como os espaços de auto-segregação, os enclaves de traficantes em favelas e os espaços públicos cada vez mais vigiados e que se tornaram anêmicos e hipervulneráveis (SOUZA 2010; 2008; 2006; 2005;). Quanto maior o clima de insegurança, maior será a formação dos condomínios exclusivos que abrigam elites e diminuem mais a interação dos cidadãos, como podemos ver em Souza (2006): A cidade prisão, os muros, as cercas eletrificadas e os aparelhos de vigilância, o medo, a segregação, a auto-segregação e suas bolhas de proteção : tudo isso colabora para gerar um tipo de criança, depois de adolescente e finalmente de cidadão, muito diferente daquele socializado em um espaço onde as formas espaciais, os territórios e as imagens espaciais e símbolos escritos na paisagem traduzam liberdade e estimulem a solidariedade.. Além disso, é notório que em algum momento, por mais que evite, essa elite terá que cruzar espaços públicos de hipervulnerabilidade e portando, ficarão expostas ao perigo. Podemos constatar também que os espaços auto-segregados podem sofrer possíveis abalos da ordem com crimes sendo cometidos, mesmo com todo seu aparato de segurança. Quanto aos espaços públicos que hoje passam a ser vigiados, cercados e abandonados por uma parcela da população que se refugia nos espaços auto-segregados, nota-se que está anêmico e hipervulnerável (SOUZA). Não podemos deixar de notar que embora a população possa sofrer com a violência em qualquer lugar da cidade, são nos locais próximos aos enclaves de traficantes de drogas que no imaginário popular está o grande perigo de um iminente crime. Quanto mais se afasta desse local, mais segura a pessoa fica. Verdade incompleta, essa afirmação ganha corpo ao observarmos os tiroteios entre traficantes e policiais em comunidades do Rio de Janeiro. O barulho de um tiro, mesmo que afastado, causa uma grande sensação de insegurança na população. Assim fica evidente que esses espaços públicos evitados pela sensação de insegurança estão ajudando a fragmentar o tecido sociopolítico-espacial da cidade. Ainda temos os próprios enclaves de traficantes de drogas no varejo que parecem ser o motor da fragmentação. Como podemos falar que vivemos em uma democracia se ainda 6 http://www.seguranca.rj.gov.br/exibe_pagina.asp?id=397

encontramos uma população sujeita a ordens arbitrárias de um grupo de traficantes onde a norma e também as leis são por eles feitas? A população das comunidades é a que mais sofre com a violência, pois além de sentirem o lado ruim do tráfico, são atingidas por policiais que muitas vezes as tratam como se fossem inimigas e também, com o preconceito cada vez maior da sociedade. Constatando os motivos que atualmente alimentam a atual fragmentação do tecido sociopolítico-espacial da cidade do Rio de Janeiro, podemos nos perguntar qual o papel que as Unidades de Polícia Pacificadora podem ter? Como as reportagens e as próprias pesquisas demonstram todos clamam por mais UPPs e mais vigilância nesses enclaves de traficantes de drogas pelo bem maior que é a segurança. Mas será que a vigilância e a repressão massificada realmente ajudam a minorar essa fragmentação do tecido carioca? É relevante verificar como a ruptura dos ordenamentos anteriores, marcados pela participação do tráfico de drogas, tem desconstruído e reconstruído as relações de poder dentro dessas comunidades e como a nova ordem pode, concomitantemente, alterar a vida da população local já que corriqueiramente projetos são feitos sem ao menos consultar a associação de moradores. Podemos demonstrar essa questão com a carta feita no dia 13/10/2009 (quase dez meses depois da ocupação) pelos líderes da comunidade endereçada à sociedade que diz: SANTA MARTA LUGAR MAIS VIGIADO DO RIO No final de agosto os moradores do Santa Marta foram surpreendidos, pelos jornais e televisões, com a notícia de instalação de nove câmeras em diferentes pontos da favela. O medo de ser mal interpretada imobilizou a comunidade. Muita gente da rua e algumas pessoas do morro, por motivos e razões diferentes, aplaudem esta idéia. No entanto: se somos uma favela pacificada, porque continuam nos tratando como perigosos? Muros, três postos de polícia, 120 soldados, câmeras será que não está havendo um exagero? Quando é que seremos tratados como cidadãos fora de qualquer suspeita?... Quando é que os moradores serão ouvidos sobre os destinos dessa comunidade?precisamos discutir e refletir sobre isso coletivamente O medo está paralisando a comunidade e impedindo-a de se manifestar criticamente. Mas somente o exercício dos nossos direitos é que vai garantir a nossa liberdade. Paz sem voz é medo... Constatamos então que não é unanimidade a visão de que as UPPs podem salvar o Rio de Janeiro. Trocar enclaves de traficantes por novos enclaves de pobreza monitorados para agir de uma forma que não abale o status quo, pode não costurar nosso tecido sociopolítico-espacial, mas simplesmente fazer com que a violência que hoje tem seu foco em algumas comunidades, possa ser paralisada sem realmente costurar o tecido urbano carioca.

No dia 06/06/10, o jornal O DIA traz a seguinte manchete: Muito longe da pacificação 7. A matéria se referia a UPP instalada na Ladeira dos Tabajaras (comunidade separada por aproximadamente 1,5 Km do Dona Marta) onde os mototaxistas eram revistados várias vezes por dia, além de serem limitados de 50 para 40. Embora seja considerado ilegal pela secretaria de transportes, é uma das poucas opções disponíveis para as pessoas que moram no alto do morro. Sem outras opções depois da meia noite, como proibir esse transporte para as pessoas mais idosas que moram no alto? Proibir é regularizar e ao mesmo tempo diminuir o acesso. Costura do tecido ou esgarçamento? Costurar este tecido é criar mobilidade segura e diminuir estigmas criados no decorrer das últimas décadas em nossa cidade. É trazer novamente a interação entre a população da cidade que fez o povo carioca ser reconhecido como alegre. A própria Bossa Nova, símbolo de nosso país, foi criada na década de 1950, na zona sul carioca com uma inspiração do samba cantado em nossos subúrbios e comunidades. Será o caso das UPPs costurarem esse tecido que hoje está fragmentado, esgarçado? Depois da expulsão do Tráfico de drogas e a ocupação da polícia militar, temos esse novo processo. A UPP Dona Marta coloca 120 policiais para o policiamento da comunidade e com vigilância 24 horas por todas as entradas, 624 metros de muro 8 com 3 metros de altura que cerca toda comunidade Além disso, foram instaladas câmeras que monitoram as áreas estratégicas. Embora seja um espaço público, os policiais costumam abordar qualquer suspeito ou pessoa nova no local. 9 Algumas pessoas falam em territorialização da polícia militar no Morro Dona Marta. Ora, o fato da polícia ocupar a região não é o mais importante. A população local pode continuar desterritorializada, como nos diz HAESBAERT (2004) Desterritorialização, se é possível utilizar a concepção de uma forma coerente, nunca total ou desvinculada dos processos de (re)territoriaização, deve ser aplicada a fenômenos de efetiva instabilidade ou fragilização territorial, principalmente entre grupos socialmente mais excluídos e/ou profundamente segregados e, como tal, de fato impossibilitados de construir e exercer efetivo controle sobre seus territórios, seja no sentido de dominação político-econômica, seja no sentido de apropriação simbólico-cultural.. A ocupação policial precisa afastar de vez a territorialização de traficantes de drogas do subsistema de varejo e (re) territorializar a população local. Além disso Souza (2008) nos mostra que: O nosso modelo social mostra-se criminógeno, em especial nos dias que correm, ao despertar um irrefreável desejo de consumo em muitos ou quase todos, ao mesmo tempo em que propicia somente a poucos a chance de satisfazer seus desejos de modo legal... (SOUZA 2008). Por assim ser, uma quantidade de pessoas obrigatoriamente são excluídas do trabalho, tanto formal, como informal, sem necessariamente serem excluídas do sistema capitalista. Essa dinâmica, ainda segundo (SOUZA 2008), pode fazer com que 7 O DIA 06/06/2010, Página 15. 8 Este muro foi construído logo depois da instalação da UPP como Eco-limite. 9 As duas primeiras vezes em que o autor deste anteprojeto visitou o local, foi abordado por policiais de forma educada e amistosa e questionado se precisava de ajuda. Em ocasiões posteriores, já conhecido, não mais foi abordado.

a população favelada se volte maciçamente contra a população de classe média dos bairros formais, contra o Estado e contra o status quo econômico-social em geral, então parece que o subsistema de varejo (drogas) é, acima de tudo, uma válvula de escape, em última análise, conveniente.. Dessa forma podemos também por em dúvida se apenas vigiar e expulsar o Tráfico de drogas no varejo das comunidades pode ser uma solução real da cidade ou só mais uma forma de fazer uma contenção da proliferação de enclaves de traficantes, sem atingir a base do problema. Haesbaert (2009) embebido do pensamento Foucaultiano revela que: Uma das características do termo contenção, e que justifica sua aplicabilidade, hoje, é que ele dá conta, justamente, do caráter sempre parcial, provisório e paliativo dos fechamentos, ou melhor, do efeitobarragem que cria através das tentativas de contenção dos fluxos que, contidos por um lado, acabam por encontrar outro vertedouro por onde possam fluir. Em uma macroescala pode ocorrer um aumento da criminalidade dos espaços que não serão contemplados pela UPP e assim criminosos expulsos por essa estratégia de segurança pública de um lado podem se concentrar em outras áreas. No bairro de Madureira, onde o autor deste anteprojeto trabalha e foi criado, é corriqueiro na população dizer que depois das UPPs os bandidos vieram todos para Madureira. Para além do senso comum, parece que podemos observar algo desse tipo ocorrendo em regiões sem UPP como nos coloca a notícia do site do Instituto de Segurança Pública (ISP) no dia 12/05/2010 quando fala que: Apesar de índice de homicídio cair no Rio, Madureira tem crescimento de 83% 10. Em um momento em que a população carioca está tomada pelo medo, parece que as UPPs vêm para apaziguar, ou pelo menos aumentar no imaginário a segurança vivida. Essa política não tem indícios de ser temporária, pois a copa do mundo (2014) e as olimpíadas (2016) pedem uma cidade pacífica ou pelo menos sem grandes espetáculos de violência como ocorrido no morro dos Macacos em 2009, quando um helicóptero da polícia militar foi derrubado 11, pois além de ser apoiada pela opinião pública, estatísticas (mesmo que precoce) mostram diminuição no número de violência nas comunidades e seus arredores. Na sociedade brasileira onde as instituições disciplinares como o sistema carcerário estão funcionando de forma péssima, parece que os dispositivos de segurança da biopolítica foucaultiana entram em ação através dessas UPPs em uma forma de garantir segurança à população. Basta descobrir quais as possíveis positividades e negatividades que essas políticas levam ao tecido sociopolítico-espacial da cidade do Rio de Janeiro. A partir do conceito de biopolítica de Foucault e de fragmentação do tecido sociopolíticoespacial estudada por Marcelo Lopes de Souza, montaremos um quadro de como a UPP modifica o espaço. Dentro da biopolítica poderemos encontrar os Dispositivos de Segurança que, segundo Foucault são acionados sempre que algo coloca em risco a vida da população e assim o Estado deve agir para protegê-la sendo o todo da população o mais importante e não as individualidades. Nesse processo algumas pessoas podem ser vitimadas pelo bem geral 12. Colocamos as UPPs como um 10 http://urutau.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/uploads/saiunaimprensa10_175.pdf 11 http://oglobo.globo.com/rio/mat/2009/10/17/tiroteio-no-morro-dos-macacos-leva-panico-moradores-de-vilaisabel-grajau-derruba-helicoptero-da-pm-768099949.asp 12 Foucault fala sobre os dispositivos de segurança no curso que ministrou de 1977 até 1978 e que foi publicado em 2008 com o título de Segurança, Território, População.

desses dispositivos de segurança. Além disso, a questão da fragmentação do tecido sociopolíticoespacial também serve de base para nossos estudos, pois as modificações que ocorrem na cidade podem modificar esse processo, positivamente ou negativamente. Partindo das análises de Souza, criamos o seguinte quadro com duas possibilidades que podem ocorrer no tecido urbano a partir da instalação das UPPs. É válido lembrar que as possibilidades são muitas.

Bibliografia AGAMBEN, G. Estado de Exceção. 2004a. São Paulo, Boitempo. BARCELOS, Caco. Abusado: O Dono do Morro Dona Marta. 20 edição. Rio de Janeiro: Record, 2009. FOUCAULT, M. Microfísica do Poder, Rio de Janeiro: Graal, 1985.. Vigiar e Punir, 36 edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.. Segurança, território, população / Michel Foucault. - São Paulo : Martins Fontes, 2008. HAESBAERT, Rogério. O mito da Desterritorialização: Do Fim dos Territórios à Multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.. Sociedades biopolíticas de in-segurança e des-controle dos territórios. In: Oliveira, M. et al. (orgs.) O Brasil, a América Latina e o Mundo: Espacialidades Contemporâneas. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008. Dilema de Conceitos: Espaço Território e Contenção Territorial. In: : Saquet, M. e Sposito, E. (org.) Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular. 2009. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA. Território territórios. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. SAAD, Paulo, "Santa Marta: ousar urbanizar a favela", in RIO DE JANEIRO (CIDADE), Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, "PENSAR E FAZER - A política habitacional e fundiária da cidade do Rio de Janeiro", Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1988. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. Editora: Hucitec. 1996. SOUZA, Marcelo Lopes de. O desafio metropolitano: Um estudo sobre a problemática sócioespacial nas metrópoles brasileiras. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.. A prisão e a ágora : Reflexões sobre a democratização do planejamento e da gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.. Fobópole: O Medo Generalizado e a Militarização da Questão Urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.. Mudar A Cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2006.