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Transcrição:

Cinco Ducatones, Antuérpia Excecional peça de cinco ducatones de Antuérpia de 1653 * J. A. Godinho Miranda Investigador Numismático. Membro da SCEN J. Saez Salgado Presidente Numisma Leilões, S.A. M. Crusafont i Sabater Doutor em História. Presidente da SCEN Faz pouco mais de um ano, foi publicado por dois de nós (J. S. S. e J. A. G. M.) o catálogo da coleção numismática do rei Luís de Portugal (1861-1889), um livro que foi registado no número anterior de Ata Numismática 1. O rei numismata reuniu uma extraordinária coleção de moedas que se encontram atualmente no Museu Numismático Português da Casa da Moeda. Foi por isso que a publicação do livro foi realizada por iniciativa desta instituição e também da Fundação da Casa de Bragança. O objetivo principal da publicação era dar a conhecer de forma documentada o fundo numismático mas não podia incidir de forma pormenorizada em cada uma das moedas. Esta foi a razão que nos impulsionou a dedicar um pouco mais de atenção numa das suas peças, tanto pelo caráter excecional, realmente único, e, naquele momento, inédito, como para favorecer o conhecimento geral de uma moeda tão singular. Também pensamos que era necessário situá-la no seu contexto e compará-la com outros tipos que têm um caráter similar. Estamos a falar da peça de prata de cinco ducatones cunhada em nome do rei Felipe IV de Espanha (1621-1665), que foi emitida em Antuérpia no ano 1653 e que consta na página 288 do livro anteriormente referido e em terceiro lugar, com a descrição aqui apresentada. O ducatón de prata foi um tipo monetário que iniciou a sua cunhagem na segunda metade do reinado de Alberto e Isabel (1598-1621), principalmente devido a um decreto de 1618. A sua emissão manteve-se nos reinados seguintes. Como nos * Artigo originariamente publicado em Numisma, S.A. Leilões, separatas 2009-2016, pp. 10-14. 1 SAEZ SALGADO, Javier Godinho Miranda, José Antonio, Coleção Numismatica D. Luis, Lisboa, 2014. Recensão nas pp. 260-261 do n.º 45 (Barcelona, 2015) por M. de Crusafont. 1

indica F. de Callataÿ, no século XVIII era qualificada como a moeda mais magnífica, daquele reinado, tanto pela beleza como pelo peso e lei 2. Com um peso de 32,48 gramas, o ducatón era uma peça regular do sistema monetário dos Países Baixos e foi cunhada em grandes quantidades. Além da emissão regular destas peças, foram cunhadas também tipos múltiplos de dois, quatro e cinco ducatones de prata e outras variedades singulares que iremos comentar no final. Estas peças especiais, que aparecem já no mesmo ano da introdução do ducatón (no ano 1618) são extremamente raras, especialmente os múltiplos de valor mais elevado. Aparentemente não estavam destinadas à circulação mas para obséquio de altas personalidades. Costuma dar-se a estas peças o nome de pesos pesados, e Callataÿ adverte que não se podem confundir com os pieforts ou amostras que tinham os ateliers monetários como modelos 3 ou que eram distribuídas às autoridades do reino para dar a conhecer os novos tipos que iam sendo colocadas em circulação. A peça que se descreve, não se encontra referenciada em nenhuma das obras mais comuns utilizadas para a catalogação das moedas dos Países Baixos, nem nas mais especializadas, segundo nos informaram também os nossos colegas F. de Callataÿ e Alain Rénard do Cabinet de Médailles de la Bibliothèque Royale de Belgique 4, e nos confirmou o especialista numismata Hugo Vanhoudt, autor do últmo dos livros que referenciamos. Agradecemos portanto aos nossos amigos e colegas esta colaboração. No trabalho de Callataÿ anteriormente referido aparece uma tabela com todos os pesos pesados conhecidos naquele momento e constatamos que se tinha detetado a existência dos seguintes exemplares: 10 duplos ducatones de Felipe IV 5 duplos ducatones de Alberto e Isabel 3 quádruplos ducatones de Felipe IV 2 quádruplos ducatornes de Alberto e Isabel Onze destas vinte peças eram da Casa da Moeda de Antuérpia e os seus pesos se correspondiam com muita exatidão com as cifras múltiplas: 64,96 g para os duplos, 97,44 g para os triplos e 129,92 g para os quádruplos 5. 2 CALLATAY, François de, Un multiple inédit pour le règne d Albert et Isabele, Revue Belge de Numismatique et de Sigillographie, 128, 1992, pp. 129-135 e lámina (p. 130). Seguiremos de perto este trabalho, que descreve e documenta de forma magistral outro ducatón múltiplo, neste caso a peça de quatro ducatones de Alberto e Isabel, da Casa da Moeda de Bruxelas. 3 Ibid., p. 133. 4 Nós já o tínhamos verificado nos dois guias mais conhecidos, ENNO VAN GELDER, H. HOC, Marcelo, Les monnaies des Pays Bas Bourgignons et Espagnols 1434-1713, Amsterdão, 1960, e DELMONTE, A., Le Benelux d Argent, Amsterdão, 1967. Os nossos amigos comprovaram isto em obras mais recentes como por exemplo, a de VANHOUDT, Hugo, De munten van de Bourgondische, Spaanse en Oostenrijkse Nederlanden en van Franse en Hollande periode 1434-1839, Heberlee, 2015. 5 Un múltiple inédit, op. cit., pp. 134 e 135. 2

Por outra parte, a peça que estamos a comentar resulta ser excecional pois como estamos a ver, naquele momento não havia constância da existência de nenhum múltiplo quíntuplo. É certo que nalguns catálogos incluem-se peças de cinco ducatones, mas sem dados ponderais nem localização que permitissem acreditar a sua existência real e que talvez se baseavam em dados documentais sem ter examinado fisicamente exemplares. Naquilo que se refere ao peso, o nosso exemplar, com 159,535 gramas, separase, de forma decrescente, só em 2,865 gramas, do qual lhe corresponderia 162,4 gramas, quer dizer, uma diferença mínima inferior a 2% e que resulta totalmente aceitável como variabilidade dentro dos parâmetros de fabrico do seu tempo. Podemos observar que a peça de cinco ducatones que temos descrito tem um valor ponderal muito próximo ao dos cincuentines emitidos em Castela e, em concreto, no famoso Ingenio ou moinho hidráulico de Segovia. A diferença fundamental nestes múltiplos dos Países Baixos reside no facto de não serem de diâmetros grandes e que todo o acréscimo de peso é aplicado para aumentar a sua espessura, de maneira que têm o mesmo módulo que as unidades, chegando neste caso até um centímetro. Conhecemos outros casos de atuações parecidas mas não idênticas. Assim, as peças de dez ducados aragoneses de Fernando o Católico foram cunhadas com o mesmo módulo que as de quatro ducados, CCG-3196 e 3197, e aconteceu o mesmo com as de quatro reais ou ducados de ouro do mesmo soberano, cunhadas em Navarra que se realizaram com o mesmo módulo que a de dois ducados, CCG-3212 e 3213 6, mas em nenhum destes casos se manteve o módulo da unidade. Ao reunir a bibliografia sobre estas peças, reparamos que, no ano 1999, o numismata J. M. Olivares salientou a existência de dois múltiplos destes ducatones, também de Felipe IV mas com dois valores aparentemente insólitos: a peça de um ducatón e meio de Antuérpia de 1642 e a de um ducatón e 2/3 de Bruges de 1634. Surpreendem estes valores porque não os encontramos em nenhum dos catálogos especializados nas moedas dos Países Baixos, mas os exemplares descritos não parecem falsos e os seus valores ponderais concordam com os valores indicados. Nesse ano, apareceu também um trabalho de F. de P. Pérez Sindreu onde descrevia outro múltiplo, esta vez de Carlos II e de Bruges datado em 1666 com o peso de um ducatón e 2/3. Devemos salientar que os dois autores qualificam de forma errada estas peças de piéforts 7 em vez de pesos pesados. 6 As referências correspondem ao nosso livro CRUSAFONT, M., Catàleg General de la Moneda Catalana, Barcelona, 2009. 7 OLIVARES ABAD, J. M., Múltiplos inéditos de ducatón, Gaceta Numismática, 132, Barcelona, 1999, pp. 31-34; PEREZ SINDREU, Francisco de Paula, Acerca de los múltiples inéditos de ducatón, Gaceta Numismática, 134, 1999, p. 39-44. Dado que o segundo autor colocava em discussão, sem argumentos probatórios, questões metrológicas do primeiros, o mesmo descreveu ainda uma réplica; OLIVARES 3

Se fosse um único exemplar, poderíamos pensar em algum erro no fabrico, apesar de termos visto que era de boa qualidade. Perante a singularidade dos valores, torna-se necessário tentar alguma explicação. Se temos em conta que o ducatón valia 3 florins ou 60 sueldos, o ducatón e meio dá-nos um valor de 4,5 florins ou 90 sueldos, e o ducatón e 2/3, de 5 florins ou 100 sueldos. São números bastante redondos, mas talvez esta explicação seja pouco satisfatória se tivermos em conta que estas moedas não se destinavam à circulação. Certamente, de acordo com Gelder/Hoc, os múltiplos de ducatón eram oferecidos aos oficiais do Conselho das Finanças e da Câmara de Contas e aos Mestres gerais da moeda, de forma que tanto estas peças como outras de tipo especial que eram cunhadas por encomenda, as qualificam de pesos pesados, insígnias ou peças de prazer 8, aquilo que denominamos normalmente peças presente ou ostentação. Trata-se portanto de uma questão que para já não podemos resolver. Convém esclarecer, finalmente, que os mesmos autores salientam que não podemos incluir na categoria de moedas de ostentação ou pesos pesados as peças que também foram cunhadas com a impressão do ducatón e do meio ducatón, mas que foram fabricadas em ouro sendo-lhes designados valores em curso, nomeadamente 8 soberanos para os ducatones de ouro e 4 soberanos para os meios ducatones 9. Uma peça destas caraterísticas, do tipo ducatón e em ouro, aparece, por exemplo, no leilão de Vicente Fraysse de París de 17 de Novembro de 2015 com o número 193. Trata-se de uma peça de Bruges em nome de Carlos II e do ano 1694. Pesa 44,23 gramas. Focando de novo a atenção sobre a nossa peça, ignoramos como foi possível que viajasse dos Países Baixos até Portugal. Certamente, as circunstâncias históricas não eram nada favoráveis para poder pensar numa gentileza do rei castelhano ao português, pois não tinha passado muito tempo desde que Portugal, aproveitando o levantamento da Catalunha de 1640, teria recuperado a sua independência com uma ajuda inglesa eficaz. Por outro lado, Felipe IV, perante uma situação deste tipo, teria escolhido provavelmente um cincuentín de Segovia antes do que um ducatón múltiplo dos distantes Países Baixos. Portanto, resulta muito mais provável que a entrada da moeda em Portugal se concretizasse muito mais tarde e no contexto da formação da coleção do Rei D. Luís I. Este rei construía a mesma com meios potentes e sabemos que adquiriu várias coleções completas, como por exemplo, aquela do prestigioso autor numismata Teixeira de Aragão. Esperamos que este artigo seja útil para melhorar o nosso conhecimento sobre estas peças singulares das cunhagens espanholas nos Países Baixos, bem estudadas no seu país, mas praticamente desconhecidas aqui. É incompreensível certamente que os ABAD, J. M., Múltiplos inéditos de ducatón (aclaraciones imprescindibles a una réplica), Gaceta Numismática, 138, 2000, pp. 59-62. 8 Les monnaies op. cit., p. 172 9 Ibid. 4

catálogos que pretendem apresentar a totalidade da moeda espanhola não tenham em consideração as emissões que os monarcas espanhóis realizaram nos seus domínios europeus. É preciso voltar ao antigo trabalho do francês Aloïs Heiss e portanto, meados do século XIX, para encontrar uma obra que as tenha em consideração e nos ofereça, como consequência, uma catalogação completa 10. De qualquer maneira, pensamos que conseguimos evidenciar que a excecional peça de cinco ducatones de Antuérpia da coleção do Rei D. Luís I merecia uma atenção mais pormenorizada. 10 HEISS, Alois, Decripción general de las monedas hispano-cristianas desde la invasión de los árabes, 3 vol., Madrid, 1865-1869. 5