O BULLYING E A VIOLENCIA NA ESCOLA: CONCEPÇÕES DE UM PROFESSOR SURDO



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Transcrição:

ISSN: 1981-3031 O BULLYING E A VIOLENCIA NA ESCOLA: CONCEPÇÕES DE UM PROFESSOR SURDO RESUMO Marily Oliveira Barbosa Arlindo Lins de Melo Junior Arlete Rodrigues dos Santos Segundo Silva (2010) o bullying se manifesta através de insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações, acusações injustas, tomar pertences, meter medo, atuação de grupos que hostilizam e ridicularizam a vida de outros alunos, levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais. Em relação a este fenômeno surge a importância de se desenvolver um trabalho nesta área, sendo assim buscamos analisar o posicionamento de um professor surdo sobre o bullying e seus efeitos dentro da escola, principalmente quando se refere a escola e ao que esta vem fazendo para eliminar novos casos de bullying. Este estudo é de natureza qualitativa, constituído pelo estudo de caso e envolveu um professor surdo que participou do estudo, de forma livre e esclarecida. Os resultados mostraram que existe a necessidade uma melhor divulgação sobre o bullying dentro da comunidade dos surdos. Contudo para que essa realidade seja modificada é necessário uma união entre escola, pais, alunos e comunidade, favorecendo assim que mudanças benéficas venham a ocorrer dentro da escola e que haja a prevenção de futuros casos de bullying. Palavras chaves: Bullying - Professor surdo. INTRODUÇÃO É notório que a escola vem passando por momentos difíceis em nossa nação, dificuldades estas, que podem gerar alguma forma de violência, e que geralmente envolve direta e indiretamente alunos, professores e funcionários. É importante salientar que violência vem sendo discutida, quer seja através dos debates em relação aos acontecimentos no entorno da escola ou pela violência gerada dentro da própria escola, de acordo com Abramovay e Rua (2003), a violência escolar é um fenômeno antigo em todo o mundo e configura um grave problema social, podendo ocorrer, conforme já classificado pela ciência e adotado pelo senso comum, como indisciplina, delinqüência, problemas de relação professor-aluno ou mesmo alunoaluno, entre outros. É inerente que a sociedade tenha o conhecimento sobre fenômeno bullying e que o mesmo é definido como violência, contudo nem toda violência é bullying. Lopes Neto (2005) diz que o bullying compreende todas as atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudante contra outro(s), causando dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder.

A palavra Bullying vem do inglês e não sendo traduzido para o português, por não haver nenhuma outra palavra que a substituísse e que tivesse um sentido tão amplo, sobre o qual o bullying se refere, significando todo e qualquer tipo de comportamento agressivo, cruel, proposital e sistemático inerente às relações interpessoais, principalmente através de escolares. Este termo vem do adjetivo em inglês bully que significa tirano, valentão, demonstrando a situação do aluno que se utiliza do poder para impor autoridade e manter suas vítimas sob total domínio ( SILVA, 2010). Ainda segundo a autora o bullying se diferencia das brincadeiras normais e sadias nas quais todos os participantes se divertem e interagem juntos sem nenhum tipo de agressão, pois quando apenas alguns se divertem às custas de outros que sofrem, isso ganha outra conotação, bem diferente de um simples divertimento, o bullying se manifesta através de insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações, acusações injustas, tomar pertences, meter medo, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos, levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais. De acordo com Chalita (2008) o bullying pode ser classificado em direto e indireto. O bullying direto geralmente é manifestado por meninos que se utilizam de atitudes mais violentas, como agressões físicas, xingamentos, empurrões, murros, chutes e apelidos ofensivos repetitivos. Já o bullying indireto é praticado mais pelo sexo feminino e crianças menores, caracterizando-se por ações que levam ao isolamento social da vítima. As estratégias mais usadas são: as fofocas, boatos cruéis, intrigas e difamações e se utilizam de meios para obterem seus objetivos, principalmente por meio de pichações e do chamado cyberbullying que é o bullying executado por meios de comunicação virtual no qual o agressor não pode ser identificado, como é o caso de perfis falsos no Orkut, MSN e mensagens via celular. Este mesmo autor classifica os personagens ligados ao bullying como: agressores, vítimas, espectadores e as vitimas-agressores. Os agressores normalmente são alunos populares, reconhecidos como valentões que oprime e ameaça suas vítimas para impor autoridade, e segundo Lopes Neto (2005, p 167): O autor de bullying tende a envolver-se em uma variedade de comportamentos antisociais; pode mostrar-se agressivo inclusive com os adultos; é impulsivo; vê sua agressividade como qualidade; tem opiniões positivas sobre si mesmo; é geralmente mais forte que seu alvo; sente prazer e satisfação em dominar, controlar e causar danos e sofrimentos a outros. Além disso, pode existir um componente benefício em sua conduta, como ganhos sociais e materiais. As vítimas, alvos do bullying são escolhidas sem motivo evidente, apresentam comportamentos e hábitos diferentes dos demais, quer seja pela sua maneira de se vestir, aparência física fora do padrão de beleza, falta de habilidade em algum esporte, gagueira ou

deficiência física. Geralmente elas são inseguras, retraídas e possuem baixa auto-estima (CHALITA, 2008). Silva (2010) afirma que os espectadores também conhecidos como testemunhas são a grande maioria dos estudantes que assistem ao bullying e aprendem a conviver com ele ou simplesmente a escapar dele, acabam por não interferir quer seja para defender ou ameaçar. São omissos a dor do outro e acabam por entender o bullying como normal acreditando que alunos diferentes mereçam ser ridicularizados por outros, alguns destes não reagem por medo de represália ou para não serem atingidos. O último personagem que surge são as vítimas agressoras que ao mesmo tempo que sofrem cometem atos violentos contra outros. Observando tais fatos surge é interesse de se desenvolver um trabalho nesta área, principalmente quando se busca dar voz a determinados grupos, como neste caso especifico ao professor com surdez. Em relação ao professor surdo Vieira e Martins (2009), mencionam que o professor surdo possui algumas necessidades específicas que, por vezes, torna-o diferente dos demais, quer seja pelo fato deste professor não escutar ou pelo uso das Libras (Língua Brasileira de Sinais). Sendo assim buscamos analisar a visão de um professor com surdez acerca do bullying e da violência na escola, principalmente quanto a atuação deste professor frente a este fenômeno. METODOLOGIA O trabalho é de natureza qualitativa, pois se preocupa com uma realidade que não pode ser quantificada, trabalhando com a subjetividade dos participantes, em particular com as suas atitudes, valores, crenças, e buscando compreender suas respostas de forma a tornar o problema mais explícito (COSTA, 2001). Mais especificamente, trata-se de um estudo de caso, que visa descrever a concepções de um professor surdo sobre o bullying e violência dentro da escola. Para Gil (2002), o estudo de caso consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos de modo que se consiga obter um amplo e detalhado conhecimento a respeito do objeto que se pretende estudar, tendo como propósito nessa pesquisa descrever a situação do contexto atual sobre o problema, identificando assim os possíveis fatores que influenciam na visão do sujeito. Por se tratar de um estudo de caso, com o objetivo especifico de buscar o ponto de vista de um determinado sujeito, realizamos a entrevista com um professor surdo da rede estadual, que trabalha numa escola, atuando com alunos surdos e ouvintes, em uma escola-polo voltada para o

atendimento de alunos com surdez. O instrumento escolhido foi a entrevista semi-estruturada que contém perguntas abertas e fechadas, segundo Boni e Quaresma (2005) o pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, e o faz em um contexto semelhante ao de uma conversa informal, podendo intervir durante a entrevista, com perguntas adicionais, tentando obter as respostas ao questionamento proposto. Os dados foram coletados dentro da própria escola, na qual o professor participou da entrevista. É inerente ressaltar que a mesma foi realizada com o auxilio de uma interprete que trabalha nesta mesma instituição. Todos os procedimentos seguiram estritamente os princípios éticos. Posteriormente a entrevista e sua transcrição, foram conferidas e estudadas, juntamente com uma análise minuciosa e exaustiva de todos os dados, onde partir destes realizamos a criação das categorias. Que se utilizou da análise de conteúdo que segundo Esteves (2006) é um conjunto de técnicas possíveis para tratamento de informação previamente recolhida, quer sejam por meios de dados de observação, entrevistas, entre outros. Foi possível levantar as seguintes categorias: O fenômeno bullying e a violência nas escolas e a atuação como educador e sua ação quanto ao bullying. RESULTADO E ANÁLISE DE DADOS Começamos a apresentação dos resultados com a descrição de algumas características do participante da pesquisa, que pode ser vista a seguir O estudo de caso foi baseado na percepção e vivência de um professor surdo, que atua como instrutor de Libras para alunos ouvintes e surdos, numa escola estadual voltada para o atendimento ao aluno com surdez. Para manter o sigilo do individuo usaremos um nome fictício determinado de Paulo. Tal professor nasceu com surdez profunda, e nunca descobriu o motivo que determinou a sua surdez, possui 27 anos e tem graduação em Letras-Libras. Atua como professor a um período de cinco anos. O bullying e a violência nas escolas Ao perguntarmos ao professor surdo acerca da palavra bullying, este mencionou não conhecê-la. Nem ele e nem a intérprete possuíam conhecimento do sinal equivalente a esta

palavra, no entanto quando a mesma foi exemplificada, ele soube falar sobre o fenômeno, embora não o relacionasse a palavra usada atualmente para estes fatos. Segundo Silva (2010), a palavra ainda é desconhecida pelo grande público, apenas uma parcela da comunidade tem conhecimento acerca deste assunto. A palavra bullying pode até ser desconhecida, mas o fenômeno da violência nas escolas, não passa por despercebido. Vale salientar ainda que as informações para os surdos são mais visuais dificultando ainda assim o conhecimento sobre determinados assuntos. Este desconhecimento pode ser observado na fala do entrevistado. Não conheço a palavra bullying. Houve brincadeiras, tem muito na época da infância, acredito que com crianças, a murro e tapas. (Professor Paulo) O professor pesquisado relacionou o bullying as brincadeiras da época da infância, e ainda mencionou sobre agressões físicas, contudo Rolim (2008) diferencia o bullying das brincadeiras ditas normais nas quais todos os participantes se divertem e interagem juntos sem nenhum tipo de agressão, no entanto se apenas alguns se divertem às custas de outros que sofrem a brincadeira ganha outra conotação, bem diferente de um simples divertimento. O mesmo professor mencionou tapas e murros envolvido com crianças dentro da escola e isto é caracterizado como bullying direto. Segundo Santos (2009) este tipo consiste na violência física relacionado a agressões como bater e chutar. Ao perguntamos ao professor pesquisado sobre suas lembranças sobre a violência na escola e também sobre o bullying em sua época de estudante, o mesmo relatou que se lembrava de confusões relacionadas a violência entre colegas de sala, como podemos observar a seguir: Lembro de fofocas, mentiras, confusão. Mas eu não me envolvia em brigas, nunca. Nunca briguei, só palavras. (Professor Paulo) O professor relatou lembrar de fatos relacionados a violência entre os estudantes, denominado atualmente como bullying, e é justamente por isso que Pereira (2009) menciona que o bullying sempre existiu na escola, mas a pouco tempo é que ele recebeu uma nomenclatura que exemplificasse tal fenômeno. Um fato interessante na fala do professor pesquisado é que ele não relaciona as brigas com palavras aos atos de violência, contudo Rodrigues (2010) afirma que o bullying direto verbal é caracterizado por ofensas verbais e que na maioria das vezes os responsáveis não imaginam o poder que uma palavra mal intencionada pode acarretar na vida do sujeito que sofreu tais ações, acarretando em conseqüências psicológicas que acompanharam o sujeito por longo período da sua vida. Ainda sobre o envolvimento com atos de bullying o professor pesquisado mencionou

que buscava manter-se longe das brigas ocorridas na escola, como veremos a seguir: Eu me afastava quando tinha brigas. Pois é muito ruim, eu queria paz e tranqüilidade. Acho bobagem pessoas perderem tempo. O importante é união! (Professor Paulo) De fato o bullying é algo complicado de se perceber, pois por mais que o professor pesquisado acreditasse estar fazendo o certo em apenas se distanciar dos atos de violência, alguns autores acreditam que esta postura também não é correta. Chalita (2008) relata que por mais que indivíduos mencionem não se relacionar com atos de violência ou com o bullying existem aqueles que se tornam praticantes do bullying como autor passivo, que é o estudante que observar os casos de bullying e apenas se distancia do fenômeno como relatou o professor pesquisado. Tais alunos nada fazem, nem tentam impedir as agressões físicas ou verbais, e também não reportam o fato aos professores. Ainda sobre isso Lopes Neto (2005) denomina estes alunos como testemunhas de bullying, que são a maioria dos alunos que não se envolve diretamente em atos de bullying e geralmente se calam por medo de ser a próxima vítima ou por não saberem como agir frente a estas situações. A atuação como educador e sua ação quanto ao bullying Como vimos anteriormente o professor pesquisado ao falar sobre o bullying interligou ao período da sua vida escolar, relacionando ao momento em que era aluno, contudo não mencionou o bullying na escola e sua fase atual, talvez por que atualmente este professor leciona em turmas de jovens. Rolim (2008) afirma que a incidência de casos de bullying diminui entre os alunos com mais idade. Por conta disto foi perguntado ao professor qual sua ação quando ocorre casos de bullying dentro de sua sala de aula, enquanto ele atua como professor e o mesmo mencionou que atua dependendo da situação que encontra, como veremos a seguir em sua fala: Bem, quando há um problema em sala... [pausa para pensar] Depende, tem que ter atitude, é da consciência de cada um... Geralmente mando parar, peço por favor e exijo que saía,até mesmo porque a diretora sempre fala e avisa aqui a escola não é lugar de confusão. (Professor Paulo) Como assim mencionou o professor depende da ação do aluno, para assim o professor ter uma reação, uma vez que cada situação necessita de uma solução diferenciada. Contudo o professor pesquisador mencionou que geralmente se refugia na solicitação da saída do aluno da sala de aula. E esta é uma prática bastante utilizada pelos professores, talvez pelo desconhecimento de como agir em situações dentro da sala de aula. Pingoello (2009, p. 54)

afirma que: O pouco ou nenhum conhecimento por parte dos professores sobre a forma como o bullying se apresenta e se propaga pode contribuir com a omissão, não por negligência, mas por falta de conhecimento em como atuar de forma ativa na tentativa de solucionar o problema [...] (PINGOELLO, 2009, p. 54). Vale mencionar ainda em relação ao nosso estudo que o professor pesquisador enfrenta ainda algumas dificuldades com uma parcela de seus alunos, no caso os alunos ouvintes, devido a barreira lingüística pelo uso das Libras, embora este professor em determinados momento receba o auxilio de uma interprete. Quando novamente indagado sobre o que fazer frente a situação de bullying ele mencionar que solicita o auxilio da direção da escola, principalmente por não saber como agir, como fica evidenciado a seguir: Mando chamar a diretora, O que eu faria? Lá no meu curso quando acontece eu paro e digo que existe regras. parem de falar! Eu fico olhando até eles deixarem de falar... e depois solicito que saiam da sala de aula. Existe uma regra. (Professor Paulo) Talvez pelo fato do bullying se mostrar em tantas faces seja difícil o diagnóstico, dificultando assim a ação dos professores. Seguindo este viés Silva (2010) relata que os professores e a direção da instituição educacional ainda estão falhando na identificação do problema. Tal fato pode ocorrer por desconhecimento do fenômeno. Ainda sobre isso Pingoello (2009) considera que os professores realmente necessitam de uma melhor formação para lidar com estes assuntos. Pois, eles enfrentam dificuldades em identificar o bullying. E uma formação continuada que abrangesse o tema violência escolar como um todo poderia auxiliá-los a lidar melhor com os conflitos ocorridos em sala de aula, na tomada de decisões adequadas para a solução e na prevenção dos problemas. Andrade e Capellini (2008) relatam que para prevenir a ocorrência do bullying, é necessário que exista um trabalho coletivo por parte da escola com os professores, pais, comunidade e alunos, pois o bullying nada mais é do que o dês respeito ao próximo, a não aceitação das diferenças, tanto físicas, quanto sociais, enfim, as diferenças existentes de um ser humano para outro. O professor surdo quanto ao significado da palavra bullying Sabe-se que grandes são os desafios de um educador brasileiro dito normal, imaginemos quando se fala de um professor surdo, trazer esclarecimentos sobre o que vem a ser a violência nas escolas e uma maneira eficaz de prevenir é inerente para a formação do

aluno como cidadão. Contudo é evidente que os desafios quanto a este esclarecimentos são imensos, e se dá pelo fato, de que não é sabido por parte do professor surdo a existência na língua brasileira de surdos, algum conceito ou significado da palavra bullying como conferimos na entrevista com professor quando perguntado enfaticamente sobre seu conhecimento a respeito da palavra bullying Novamente afirmo não conheço a palavra bullying... (Professor Paulo) Construir um conceito sobre o bullying revela-se importante para futuras intervenções contra essas praticas dentro da comunidade surda, possibilitando interações entre as diversas faixas etárias dos surdos para trazer clareza sobre este fenômeno, sobre isso Hautrive (2010), nos fala que a interação, com pares surdos da mesma idade e surdos adultos, possibilita influxos culturais, intelectuais e lingüísticos de sua comunidade, possibilitando a construção da identidade. O mesmo autor ainda nos fala que O educador surdo tem um papel fundamental dentro de uma escola com a proposta bilíngue, pois é o usuário experiente da língua e membro da comunidade surda isso, atua na mediação da aprendizagem em língua de sinais e na transmissão da cultura surda para os alunos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que a sociedade pode inferir para o combate do crescimento da violência na escola, considerando também dentro desta intervenção positiva, a concepção de um professor com surdez principalmente no que diz respeito a comunidade surda. Contudo, indaga-se em qual momento o professor poderá identificar a agressão física ou verbal como violência na escola e a partir de qual ponto estes acontecimentos transforma-se em bullying. Considerar vivencia e percepção deste professor em relação ao tema abordado é essencial para construção de estratégias que o mesmo utilizará com o seu alunado, contudo, para que essas estratégias tenham um resultado positivo acredita-se que necessário um conhecimento e um conceito próprio sobre o que vem a ser o bullying, o que evidentemente não acontece com o mesmo, pois desconhece a palavra, fala apenas da violência vivenciada por ele na infância e vista entre seus alunos não sabendo porem identificar o bullying. O mesmo descreve os tapas e murros envolvendo crianças dentro da escola e isto é caracterizado como bullying direto. Nesse sentido, acredita-se que os estudos no campo da Educação Especial devem se debruçar mais em discussões a respeito da necessidade de criar um sinal na Língua Brasileira de Sinais, que represente o bullying, trazendo a efetivação de

um conceito próprio sobre o assunto visando esclarecimento para gerar qualidade para o aluno surdo. No cerne da concepção e estudo de caso deste professor existe a necessidade latente de trazer o conceito e diferenciação do tema. Neste sentido, faz-se necessário pensar para além da dicotomia bullying versus violência nas escolas. Importa refletir sobre o tema na escola entre aluno e professor, isto é, o significado que a escola tem, pois quanto se pensa em qualquer tipo de violência seja ele repetido ou não, deve-se refletir muito além da eliminação de barreiras de comunicação para a transformação da realidade local, considerando-se os procedimentos didáticos, flexibilização curricular, metodologias de ensino diferenciadas. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, M., & RUA, M. G. Violências nas escolas:versão resumida. Brasília, DF: Unesco, 2003. BONI, V; QUARESMA, S. J. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências Sociais. Disponível em: http://www.emtese.ufsc.br/3_art5.pdf Acessado em: 20 de outubro de 2009. CHALITA, G. Pedagogia da amizade, Bullying: o sofrimento das vítimas e do agressores. São Paulo: gente, 2008 COSTA, M. Antonio F. da. Metodologia da pesquisa: conceitos e técnicas. Rio de Janeiro: Interciência, 2001. ESTEVES, M. Análise de conteúdo in LIMA, J. Á.; PACHECO, J. A. Fazer investigação: contributos para a elaboração de dissertações e teses. Porto, Portugal: Porto Editora, 2006. GIL, Antônio C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4º ed. São Paulo: Atlas, 2002. HAUTRIVE, Giovana M. F. A Construção da escrita na diferença: Saberes e fazeres em sala de aula ENDIPE, Belo horizonte, 2010. LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria. 81(5Supl): pp. 164-172, 2005 PEREIRA, S. M. S. Bullying e suas implicações no ambiente escolar. São Paulo: Paulus, 2009 PINGOELLO, I. Descrição comportamental e percepção dos professores sobre o aluno vítima do bullying em sala de aula. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP - campus de Marília - SP, Marília, 2009.

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