Os salgados portugueses no séc. XX - que perspectivas para as salinas portuguesas no séc. XXI?

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Transcrição:

127 Os salgados portugueses no séc. XX - que perspectivas para as salinas portuguesas no séc. XXI? Renato Neves I Seminário Internacional sobre o sal português Instituto de História Moderna da Universidade do Porto, 2005, p. 127-134

128

129 Os salgados portugueses no séc. XX - que perspectivas para as salinas portuguesas no séc. XXI?* Renato Neves** Resumo Embora no passado existam referências históricas (documentais e toponímicas) à presença da exploração do sal em praticamente todas as zonas húmidas do tipo estuarino e lagunar da costa portuguesa, no século XX esta actividade era desenvolvida apenas a sul da Ria de Aveiro, agrupando-se os salgados da seguinte forma: Ria de Aveiro, Figueira da Foz, Lagoa de Óbidos, Estuário do Tejo, Estuário do Sado, Estuário do Mira e Algarve. Apesar de obedecerem a princípios básico comuns, os salgados portugueses compreendem uma enorme variedade de tipologias, expressas na morfologia e traçado dos seus compartimentos. Uma boa parte destas tipologias podem já considerar-se como perdidas para sempre, pois quase não restam vestígios físicos do seu traçado, como é o caso das marinhas de cabeceiras do Tejo e mistas de corredores e cabeceiras da mesma região. Actualmente as salinas são espaços ameaçados e a maioria dos salgados portugueses conheceu nos últimos 20 anos uma redução superior a 50%, resultante da destruição ou transformação de salinas, estando as restantes maioritariamente abandonadas e, por isso mesmo sujeitas também à destruição. Os salgados portugueses constituem um património notável, importando encontrar uma estratégia para a sua defesa, a qual passará sempre pela valorização e certificação do sal tradicional. Though in the past, there had been historical references to salt exploitation in almost every wet zones of estuary and lagoon types in the Portuguese coast, in the 20th century this activity was developed only in the south of Aveiro s estuary, combining salt in this way: Aveiro estuary, Figueira da Foz, Óbidos lagoon, Tejo, Sado and Mira estuaries and Algarve. In spite of having common basic principles, Portuguese salt has an enormous type variety, expressed in the morphology and feature of its compartments. A reasonable part of it can be considered lost forever, because there aren t historical signs of their existence, such as marinhas de cabeceiras and corredores and cabeceiras of Tejo. At the present, salines are threatened spaces and major part of the portuguese salt has known in the last 20 years more than a 50% decrease, resulting from salines destruction or transformation (others are abandoned and so threatened * Vide apresentação e fotografias no CD-ROM anexo a este volume. ** Sócio-gerente da Mãe d água consultoria técnica em áreas de interesse natural, Lda.: apoio à C.M. da Figueira da Foz na gestão técnica do Projecto ALAS (ALL ABOUT SALT) - 2002-2003; Actualmente presta assistência à Faculdad de Ciencias del Mar (Universidade de Cadiz) no projecto INTERREG ARC ATLANTIC nas salinas atlânticas. Ornitologista do Instituto de Conservação da Natureza (até Set. 2000): inventariação e caracterização ecológica de salinas e outras zonas húmidas, em Portugal e em Marrocos; colaboração com a insula/unesco no projecto Nature and Workmanship (1997).

Renato Neves 130 by destruction too). Portuguese salt is a remarkable patrimony, needing a defense strategy, which includes traditional salt s valorization and certification. 1. Breve enquadramento histórico e geográfico Marinha é o termo português mais antigo para designar salina, termo que perdurou até aos nossos dias nos topónimos das explorações salineiras e no falar e viver das gentes do sal e dos habitantes das regiões produtoras. No entanto o topónimo marinha designa também as terras baixas de solos arenosos ao longo da costa, que em alguns contextos são também designadas por gândaras. Assim ainda que numa análise sumária, realizada a partir do reportório toponímico proveniente das cartas 1:25.000 do Instituto Geográfico do Exército (IGE), verifica-se que uma boa parte dos topónimos marinha existentes no litoral são provenientes daquela designação geográfica, já que não existem quaisquer estuários, lagunas ou nascentes salgadas que pudessem ter suportado a actividade salineira. De mais difícil explicação é a existência do topónimo em várias localidades bastante distanciadas da costa, no Centro e Norte de Portugal, em contextos geológicos que afastam a possibilidade de terem existido nascentes salgadas. Já no que toca às fontes documentais a sua profusão sugere que terão existido salinas em praticamente todas as zonas estuarinas e lagunares do litoral português, havendo referências a Caminha, foz do Douro, Cávado, Ave e Salir do Porto, as quais desapareceram ao sabor da conjuntura económica e do dinamismo costeiro, não restando no século XX vestígios fisícos destas salinas nas localidades referidas. Neste período a actividade salineira consolidou-se nas regiões onde desde há muito estava implantada: Ria de Aveiro, estuários do Mondego, Tejo, Sado e costa algarvia (desde Lagos a Castro Marim), mantendo-se a exploração de salinas interiores em Rio Maior. Tendo-se ainda assistido ao nascimento de novos salgados como aconteceu na Lagoa de Óbidos e em Vila Nova de Milfontes (estuário do Mira), e Leiria (salinas de interior). 2. Tipologia das salinas tradicionais portuguesas As salinas tradicionais portuguesas podem ser agrupadas nas seguintes tipologias, correspondentes às várias regiões e métodos de exploração: a) Aveiro e Figueira da Foz Não obstante as diferenças de nomenclatura e traçado existentes entre estas duas regiões, a tipologia e tecnologia das salinas da Figueira e Aveiro pode ser agrupada na mesma categoria, já que possuem muitas características comuns, nomeadamente: - São pequenas unidades (por norma inferiores a 10ha); - Possuem numerosos compartimentos (entre 7 e 9); - A colheita do sal é feita a intervalos de 3 dias; - Grande parte da superfície da marinha é constituída pelas áreas de armazenamento de água (cerca de 40 a 50 %).

131 Os salgados portugueses no séc. XX - que perspectivas para as salinas portuguesas no séc. XXI? b) Salinas do Tejo Originalmente existiram 3 tipos de salinas no Tejo: a chamada marinha de cabeceiras, a marinha de corredores e a marinha de corredores e cabeceiras. A marinha de cabeceiras será talvez a salina primitiva do Tejo, de muito pequena dimensão, tendo provavelmente sido posteriormente adoptada uma outra tipologia correspondente aos corredores. A primeira tipologia, algo rara, é observável ainda em algumas áreas abandonadas no antigo grupo do Samouco; tratavam-se de pequenas unidades (por norma inferiores a 5 ha) a segunda corresponde à maioria dos estabelecimentos de que há actualmente vestígios, sendo marinhas de muito maiores dimensões (por vezes com mais de 40/ 50 ha); a terceira teve alguma representatividade na margem norte, mas infelizmente não restam praticamente vestígios físicos. Uma característica comum às salinas do Tejo era o facto das reduras (colheitas do sal) serem efectuadas a intervalos maiores do que na Figueira/Aveiro, registando-se um máximo de 6 colheitas por safra (época), por outro lado a existência de grandes salinas determinava a existência de um verdadeiro proletariado do sal, possuindo portanto a actividade características sociais bastante diferentes do que acontecia nos salgados a norte do Tejo, em que imperavam regimes de parceria entre o proprietário e o mestre que explorava determinada salina, sendo os assalariados constituídos pelo moço que o acompanhava na actividade diária e as mulheres que retiravam o sal. Nesta região assistiu-se também a uma concentração da propriedade que levou a que uma boa parte da área do salgado na margem sul (Benavente, Alcochete, Montijo, Moita e Barreiro) fosse propriedade de uma única empresa, o que lhe permitiu realizar o agrupamento de algumas marinhas, num processo de industrialização, embora em escala reduzida. Factos que tornaram o Tejo a principal região produtora de Portugal até meados da segunda metade do século XX. c) Salinas do Sado A situação do Salgado do Sado (Setúbal e Alcácer do Sal) é algo peculiar nos salgados portugueses, já que existe uma tipologia regional, correspondente às chamadas salinas setubalenses e uma tipologia importada - as salinas aveirenses - esta importação parece ser datada do final dos anos 30 e constituiu na altura uma modernização pois entendia-se que localmente seria uma tipologia mais produtiva, tendo ocorrido a transformação de numerosos estabelecimentos, dando origem igualmente à migração periódica de trabalhadores de Aveiro e Ílhavo para o Salgado do Sado. A característica mais evidente da tipologia das salinas setubalenses é a simplificação do número de compartimentos que leva a que a permanência da água seja muito maior do que nas tipologias anteriores, ocorrendo reduras em intervalos muito longos que por vezes se prolongavam até aos 40 dias. Algumas das salinas setubalenses conheceram processos de modernização nos anos 60 e 70, aumentando as suas superfícies de cristalização e, simultaneamente, utilizando madeira nas suas divisórias. d) Algarve A tipologia algarvia correspondia a duas variantes a da Ria Formosa e a de Castro Marim a primeira é já algo difícil de encontrar, a segunda tem ainda bastante representatividade em

Renato Neves 132 Castro Marim. Tratam-se também marinhas de traçado bastante simplificado, por norma muito pequenas e onde a extracção do sal ocorre em média 5 a 7 vezes ao ano. Graças às suas excelentes condições climatéricas para a produção de sal, o Algarve foi a única região de Portugal onde podemos considerar ter ocorrido uma verdadeira industrialização da actividade, quer com a construção de grandes unidades na década de 60, quer com o agrupamento de pequenas salinas e alterações na sua forma de exploração, o que levou que num espaço de tempo relativamente curto se viesse a tornar na principal região produtora. Finalmente é também o Algarve a região pioneira nas modernas acções de valorização do produto sal artesanal - nomeadamente através da comercialização de flor de sal. e) Salinas interiores A exploração de salinas solares (em que o sal cristaliza por evaporação) a partir de nascentes salgadas - as chamadas salinas interiores, esteve até início do século XX restrita a Rio Maior, região que adaptou a sua tipologia própria, com uma nomenclatura muito particular, em que até os salineiros são designados por marinheiros, facto que não ocorre nos restantes salgados portugueses. No entanto na primeira metade do século foram descobertas algumas nascentes salgadas na região de Leiria que foram exploradas. Curiosamente, no entanto pelo menos uma delas (a que se manteve em actividade durante mais tempo e com maior produção) adoptou, em termos de traçado, a tecnologia das salinas da Figueira. 3. Evolução da situação da exploração salineira no século XX A evolução da exploração salineira durante o século XX conheceu, até aos finais dos anos 60, períodos alternados de estagnação e incremento, ao ritmo das conjunturas económicas e sociais, no entanto a década de 60, de que existe um retrato fidedigno proveniente dos Inquéritos à Indústria Salineira, realizado pela Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos entre o final dos anos 50 e meados de 60, poderá corresponder ao período áureo da actividade, já que os processos de conservação de alimentos a nível doméstico e industrial (pesca e indústria alimentar) utilizavam ainda abundantemente o sal como conservante (embora o frio estivesse já a instalar-se), ocorrendo ainda o incremento de indústrias químicas e têxteis que constituíram novos mercados, além do tradicional mercado colonial. Quarenta anos depois a situação tinha-se alterado completamente, a abertura de mercados e as modificações tecnológicas na pesca e na indústria levaram a um colapso quase total da actividade, facto bem visível no quadro anexo que compara os dados provenientes do Inquérito da CRPQF com os por nós recolhidos no final dos anos noventa, durante trabalhos de monitorização de populações de aves aquáticas dependentes de salinas. Região/Salgado Marinhas activas 1960 s Marinhas activas 2000 Aveiro 270 c. 15 Figueira da Foz 229 c. 50 (a) Leiria 1 - (b) Rio Maior Em actividade Em actividade Óbidos 3 - (b) Tejo 230 1 Sado 300 6 Vila Nova de Milfontes 1 - (b) Algarve 136 c. 15 (a) Cómodos activos (cada salina pode comportar mais do que um cómodo em exploração); (b) Desaparecidas

133 Os salgados portugueses no séc. XX - que perspectivas para as salinas portuguesas no séc. XXI? 4. Que perspectivas para as salinas portuguesas no século XXI? Acompanhando um movimento que se tem desenvolvido em alguns países com problemáticas semelhantes, parece-nos que haverá que desenvolver em Portugal estratégias nos seguintes vectores: - Reconhecimento das paisagens salineiras tradicionais como paisagens culturais; - Certificação e denominação de origem para o sal de produção artesanal, o qual deverá ser destinado exclusivamente para o mercado alimentar; - Recuperação in situ de pelo menos cada uma das tipologias tradicionais portuguesas com fins demonstrativos; - Exploração de actividades complementares nas salinas com recurso a trabalhos experimentais no domínio da produção de algas, exploração da flora halófita para fins alimentares e ornamentais e aquacultura extensiva; - Gestão de salinas abandonadas para fins de Conservação da Natureza; - Organização dos produtores ao nível nacional e europeu. Bibliografia Inquéritos à Indústria do Sal em Portugal (Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos): - Vol III, Salgado da Figueira da Foz, Lisboa 1955. - Vol V, Salgado de Setúbal, Lisboa 1957. - Vol VII, Salgado do Tejo, Lisboa 1958. - Vol VIII, Salgado do Algarve, Lisboa 1959. - Vol XI, Saalinas de Óbidos e Junqueira, Lisboa 1960. Lepierre, C. A (1936). Indústria do sal em Portugal. Lisboa. Neves, R. & R. Rufino. (1995). A Importância ornitológica das salinas. O caso do Estuário do Sado. Estudos de Biologia e Conservação da Natureza. No. 15. ICN, Lisboa. Petanidou, T. (1997). Salt Salt in European History and Civilization. Hellenic Saltworks S.A., Athens. Sadoul, N., J. Walmsley & B. Charpentier (1998). Salinas and Nature Conservation. Conservation des Zones Humides Mediterranéennes No. 9. MedWet - Tour du Valat.

Renato Neves 134 A exploração das salinas de Rio Maior mantém-se praticamente nos mesmos moldes há vários séculos (fotografia: Renato Neves)