1 PARECER Nº 47/PP/2013-P CONCLUSÕES 1. O nº1 do artº 74º do E.O.A. dispõe que No exercício da sua profissão, o advogado tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, sem necessidade de exibir procuração. 2. Da mesma forma que o facto de a Participação de Acidente de viação conter dados pessoais dos intervenientes não obsta a que um deles possa ter acesso aos dados pessoais do outro, sem que tenha sido por este prestado consentimento para esse efeito, por estar em causa um interesse legítimo que foi salvaguardado pela Lei da Protecção de Dados Pessoais (artº 6º, al. e) da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro), também não pode constituir impedimento a que essa consulta seja feita por Advogado, esteja ou não munido de procuração de um interveniente no acidente, a não ser que o processo tenha carácter secreto, por poder estar em causa a prática de um crime. 3. O Advogado pode, portanto, ter acesso e obter certidão ou fotocópia do auto de ocorrência de acidente de viação sem ter de apresentar procuração passada por um dos intervenientes, desde que o acidente não tenha dado origem a processo que, nos termos da lei penal, esteja ou possa vir a estar em segredo de justiça. I - Por requerimento que deu entrada no dia 19 de Setembro de 2013 dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, o Senhor Dr. ( ), Advogado, titular da cédula profissional nº ( ), veio comunicar que a PSP ( ) (Comando Metropolitano) lhe negou o acesso a um processo de sinistro rodoviário, bem como a emissão de qualquer fotocópia, por não ter apresentado procuração de algum dos intervenientes no sinistro. Referiu ainda que é marido de uma interveniente e que, como Advogado, entende ter o direito de consultar o processo em causa; mais afirmou que apresentou uma reclamação no Livro de Reclamações, tendo recebido resposta nos termos da qual os dados em causa são considerados dados pessoais de acordo com o previsto na al. a) do artº 3º da Lei da Protecção de Dados Pessoais (Lei nº 67/98, de 26 de Outubro), cujo tratamento, como dispõe o artº 6º deste diploma, só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento, ou então se o mesmo for necessário para as situações
2 elencadas nas als. a) a e) do mesmo artigo, não se verificando nenhuma delas no caso vertente. Delimitada a questão, importa emitir parecer, o qual é da competência deste Conselho Distrital, nos termos do disposto no art. 50º, nº 1 al. f) do E.O.A. II O nº 1 do artº 74º do E.O.A. dispõe que No exercício da sua profissão, o advogado tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, sem necessidade de exibir procuração. Com efeito, os Advogados, quando no exercício da sua actividade profissional, devem considerar-se dispensados da invocação de um interesse pessoal, directo e legitimo pois decorre do seu estatuto jurídico-profissional a faculdade de acesso a quaisquer dados constantes de processos ou procedimentos administrativos e à guarda da Administração Pública, desde que os elementos ou dados constantes de tais processos ou procedimentos não possuam carácter reservado ou secreto. É o que expressamente decorre do nº1 do artigo 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro. Esta é uma norma especial e, como tal, estabelece uma regra própria a observar quando esteja em causa o exercício da profissão ou a prática de actos próprios dos advogados. Na verdade, quando a informação pedida não abrange factos de carácter reservado ou secreto, é de acessibilidade geral e, portanto, deve ser considerada prática de actos próprios dos advogados. Com a invocação do estatuto de advogado, a única exigência que os membros da entidade policial (ou os funcionários da Administração) poderão fazer, a quem se apresenta a solicitar a consulta e/ou a emissão de certidões será a da comprovação, através da exibição da cédula profissional, do estatuto invocado e que habilita e autoriza os titulares respectivos a utilizar e gozar do estatuto correspondente a esse título.
3 III - A questão que se coloca no caso concreto prende-se com o carácter reservado ou secreto da informação pretendida, relacionada com a consulta de um processo relativo a um acidente de viação, uma vez que o Comando Metropolitano ( ) da P.S.P. invocou, para fundamentar a recusa do acesso ao processo, a Lei de Protecção de Dados Pessoais. A Lei da Protecção de Dados Pessoais (Lei nº 67/98, de 26 de Outubro) transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. Nos termos da al. a) da Lei de Protecção de Dados Pessoais, entende-se por «Dados pessoais» qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social. O tratamento de dados pessoais consiste em qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição. (artº 3º al. b)) Em face desta definição, temos de concluir que a elaboração pela entidade policial da participação de acidente de viação e a inserção dos elementos de identificação das pessoas nele intervenientes implica necessariamente o tratamento de dados pessoais. Com efeito, ao elaborar um auto de ocorrência de um acidente de viação a entidade policial está a registar uma situação de facto, procedendo à identificação das pessoas com ela relacionadas, para o que tem de utilizar dados pessoais. Esta é uma das situações em que não é necessário que o titular dos dados pessoais preste o seu consentimento para o tratamento desses dados, por se estar perante a Execução de uma missão de interesse público ou no exercício de autoridade pública em que esteja
4 investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados (artº 6º, al.d)). Outro caso, previsto na Lei de Protecção de Dados Pessoais, em que pode ser feito o tratamento de dados pessoais sem que o seu titular tenha dado de forma inequívoca o seu consentimento, é aquele em que o tratamento seja necessário para a Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados (artº 6º, al. e)) Quando um dos intervenientes no acidente de viação solicita certidão do auto elaborado pela entidade policial, tem acesso aos dados pessoais do outro interveniente (pois os direitos e garantias deste não devem prevalecer sobre os daquele). Nesta situação, não há dúvidas de que estamos perante um interesse legítimo desse interveniente na obtenção de cópia ou certidão de um documento, donde constam os dados pessoais do outro interveniente (em relação ao qual aquele é terceiro para efeitos da norma da Lei da Protecção de Dados Pessoais). Ora, se não está vedado a um dos intervenientes (ou ao seu advogado munido de procuração) aceder ao auto de notícia de acidente de viação, no qual estão inseridos dados pessoais de outro ou outros intervenientes, não colhe o argumento utilizado pela entidade policial, para fundamentar a decisão de recusar o acesso ao processo a Advogado não munido de procuração, de que estão em causa dados pessoais cujo tratamento só poder ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento. É que, mesmo que o Advogado apresentasse procuração de um dos intervenientes no acidente, teria sempre acesso aos dados pessoais da outra parte, sem que esta tivesse prestado consentimento. Daí que, diferentemente do que entendeu a entidade policial, nos pareça que o tratamento de dados pessoais é, neste caso, necessário para uma das situações previstas no artº 6º (designadamente, na alínea e)). Se um dos intervenientes no acidente de viação pode ter acesso a dados pessoais de outro, por os mesmos constarem do auto de notícia, sem que o titular dos dados tenha dado o seu consentimento, temos de concluir que não estamos perante um documento com carácter reservado ou secreto para os efeitos previstos no artº 74º do E.O.A.. Com efeito, não tendo
5 sido facultada a consulta do processo ao Advogado, apenas por, como invocou a entidade policial, estar em causa o tratamento de dados pessoais, que só poderia ter lugar com consentimento do titular, e tendo-se verificado que, neste caso, um terceiro (a outra parte) pode ter acesso a esses dados, sem que tenha sido prestado esse consentimento, parecenos que o Advogado, no exercício da profissão, deverá também poder ter acesso a esses dados, seja um Advogado mandatado pelo interveniente no acidente, seja um Advogado que não apresente procuração, atendendo ao direito que lhe é conferido pelo artº 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados de solicitar o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto. Afinal, não há razão para distinguir a posição do interveniente no acidente da posição do Advogado com o argumento da necessidade de consentimento para o tratamento de dados pessoais. Só assim não sucederá se o processo a que o acidente deu origem tiver, ainda que temporariamente, carácter secreto (por envolver a prática de um crime), mas nesta hipótese nem munido de procuração poderia o Advogado obter cópia ou certidão do mesmo (sem prévia autorização judicial). Assim, entendemos que o acesso e obtenção de certidões dos dados constantes de processos de acidente de viação devem ser facultados a Advogados, sem que que tenham de apresentar, junto da PSP, instrumento de mandato emitido por algum dos intervenientes titular dos dados pessoais constantes desse processo, a não ser que o mesmo tenha carácter secreto (não por conter dados pessoais, mas sim por poder estar em causa a prática de um crime). IV - EM CONCLUSÃO 1. O nº1 do artº 74º do E.O.A. dispõe que No exercício da sua profissão, o advogado tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, sem necessidade de exibir procuração.
6 2. Da mesma forma que o facto de a Participação de Acidente de viação conter dados pessoais dos intervenientes não obsta a que um deles possa ter acesso aos dados pessoais do outro, sem que tenha sido por este prestado consentimento para esse efeito, por estar em causa um interesse legítimo que foi salvaguardado pela Lei da Protecção de Dados Pessoais (artº 6º, al. e) da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro), também não pode constituir impedimento a que essa consulta seja feita por Advogado, esteja ou não munido de procuração de um interveniente no acidente, a não ser que o processo tenha carácter secreto, por poder estar em causa a prática de um crime. 3. O Advogado pode, portanto, ter acesso e obter certidão ou fotocópia do auto de ocorrência de acidente de viação sem ter de apresentar procuração passada por um dos intervenientes, desde que o acidente não tenha dado origem a processo que, nos termos da lei penal, esteja ou possa vir a estar em segredo de justiça. Este é, salvo melhor opinião, o meu parecer. À sessão. Porto, 5 de Dezembro de 2013 A Vogal Conselheira Relatora, Catarina Pinto de Rezende