POSSSÍVEIS APLICAÇÕES DO CAROÇO DE ESPIGA DE MILHO COMO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO J. PINTO S. PEREIRA Prof. Eng.º Civil Prof. Eng.ª Civil tiago@utad.pt spereira@utad.pt A. BRIGA SÁ A. PAIVA Prof. Eng.º Civil Prof. Eng.º Civil anas@utad.pt apaiva@utad.pt RESUMO I. BENTES J.MARCOS Prof. Eng.º Civil Est. Mest. Eng.ª Civil UTAD Vila Real, Portugal ibentes@utad.pt juliana.sl.marcos@gmail.com Alguns edifícios de tabique da Região de Trás-os-Montes e Alto Douro apresentam a particularidade de incluir no material de enchimento das paredes exteriores, uma mistura de caroços de espiga de milho e terra. Este facto incentivou a realização de um trabalho de investigação no sentido de analisar o potencial de aplicação do caroço de espiga de milho como material de construção ecológico e sustentável. Este trabalho de investigação pretende contribuir para o conhecimento deste material, no que respeita à sua macroestrutura e microestrutura, composição química elementar, densidade, absorção de água, resistência ao fogo e condutibilidade térmica. Os resultados obtidos sugerem que o caroço da espiga de milho possa ser usado como matéria-prima para o fabrico de produtos de isolamento térmico, de paredes divisórias leves, de painéis de revestimento de tetos, de portas interiores, de mobiliário, e também como agregado de betão leve não estrutural. 1. INTRODUÇÃO As questões ambientais têm sido alvo de uma preocupação crescente a nível mundial. Tem havido uma evolução nos padrões comportamentais no sentido de haver uma conduta mais adequada na salvaguarda do meio ambiente e na minimização do impacte nefasto que a sociedade moderna tem exercido nos recursos naturais. A busca de práticas alternativas mais sustentáveis tem-se verificado nos diferentes quadrantes da sociedade. Na indústria, por exemplo, um grande esforço tem sido realizado para se encontrar novas soluções que, para além de protegerem o meio ambiente, sejam económicas e garantam as exigências de conforto, saúde e qualidade, segundo os padrões atuais e sem comprometer as gerações vindouras. A indústria da construção não está imune a esta realidade. Neste contexto, diversos trabalhos de investigação têm tido um enfoque na proposta de materiais de construção e de técnicas construtivas alternativas mais amigas do ambiente. O elevado consumo de água de boa qualidade e de energia, e o consequente aumento de emissões de CO 2 para a atmosfera, são fatores cruciais nesta problemática e aos quais deverá ser dado um especial destaque. A reutilização de materiais e a aplicação de resíduos na construção poderão ser duas práticas amigas do ambiente e tecnicamente eficientes. O potencial da utilização de materiais orgânicos na construção tem sido alvo de diversos trabalhos de investigação. Vários autores [1-5] analisaram o interesse da utilização de diversos produtos agrícolas, tais como o bagaço, os cereais, a palha, a cana do milho, o caroço da espiga de milho, a casca de arroz, o arroz, a casca e o caule de girassol, a casca de 1
banana, a casca de coco, o bambu e o óleo de folhas de palmeira, cujo processamento da matéria-prima resultou na obtenção de produtos à base de partículas, de painéis e de placas de fibra com capacidade de isolamento térmico. Destes produtos agrícolas, alguns são considerados resíduos. Em paralelo, o potencial de utilização de outros tipos de resíduos já tem sido alvo de estudo, destacando-se o jornal [6], os favos de mel [7] ou os resíduos poliméricos [8]. No caso específico dos produtos agrícolas, a utilização do caroço de espiga de milho mostra-se vantajosa relativamente aos outros produtos agrícolas identificados anteriormente na medida em que a sua aplicação como um produto ou componente alternativo na construção não compromete a disponibilidade de recursos alimentares, para além de ser considerado um resíduo agrícola. Em Portugal, a produção de milho é bastante relevante, principalmente no norte e centro do país, resultando portanto numa elevada quantidade de resíduos, cujo destino deverá ser potenciado. Nos locais de produção deste cereal, verificou-se que, após a obtenção do grão de milho, o caroço de espiga de milho é habitualmente utilizado para o aquecimento dos animais nos abrigos, nas lareiras e fogões como complemento ao uso da lenha. Para além disso, observou-se que pontualmente o caroço da espiga de milho também pode ser aplicado na construção de paredes tradicionais para colmatar os vazios existentes nas paredes de alvenaria de pedra ou integrados no enchimento terroso das paredes de tabique. Este facto incentivou a realização de trabalhos de investigação no sentido de analisar o potencial de aplicação do caroço de espiga de milho como material de construção ecológico e sustentável. Este artigo pretende sumariar alguns dos resultados que tem vindo a ser obtidos nesses trabalhos de investigação. Numa primeira fase será efetuada a contextualização do uso do caroço de espiga de milho nos edifícios tradicionais de tabique; numa segunda fase, serão apresentadas diversas características físicas e mecânicas do material; numa terceira fase serão apresentados dois casos de estudo relativos à análise do potencial de aplicação do material como isolante térmico e como agregado de betão leve; finalmente serão discutidos os resultados obtidos e apresentadas as principais conclusões. 2. CONTEXTO O tabique é uma técnica construtiva aplicada em paredes que caracteriza um elevado número de edifícios tradicionais portugueses e que pode ser encontrada em edifícios com idades superiores a 100 anos. Os materiais de base utilizados nesta solução construtiva são a madeira e a terra, verificando-se também a possibilidade de incorporação de outros materiais naturais orgânicos tais como o caroço da espiga de milho, aparas de madeira, a palha e a rama de cebola. O tabique é basicamente formado por uma estrutura de madeira composta por tábuas dispostas verticalmente e às quais são pregadas em ambas as faces ripas de madeira horizontais (designadas por fasquio). Esta estrutura de madeira é preenchida com um material terroso, contribuindo para isolar este elemento construtivo e para manter a integridade da madeira, protegendo-a, nomeadamente, do ataque de insetos xilófagos e da ação do fogo [9]. As soluções estruturais de madeira das paredes de tabique podem ser muito diversificadas [10]. Face ao exposto, verifica-se uma certa heterogeneidade decorrente da variabilidade estrutural e material subjacente a este tipo de elemento construtivo. Estudos de caracterização da construção de tabique existente na região de Trás-os-Montes e Alto Douro revelaram que alguns dos edifícios de tabique localizados nos concelhos de Alfândega da Fé, Mirandela e Izeda apresentavam o caroço de espiga de milho como material constituinte do enchimento de paredes de tabique [11], (Figura 1). Figura 1: Incorporação do caroço de espiga de milho em paredes de tabique [11] A incorporação do caroço de espiga de milho nas paredes de tabique pode ter diferentes explicações. Por um lado, pode estar associada à intenção de simplificar e de economizar o processo construtivo do edifício dado que este material é um resíduo agrícola abundante no local. Por outro lado, pode também ter sido usado com o intuito de colmatar a existência de vazios e minimizando possíveis infiltrações de ar. Relatos de utilizadores de edifícios antigos revelam que este material também era utilizado em edifícios tradicionais de xisto e de granito com o intuito de preencher frestas existentes no aparelhamento de pedra. Esta constatação estimulou os autores deste trabalho a estudar, numa primeira 2
fase, o potencial de aplicação do caroço de espiga de milho como uma alternativa ecológica e sustentável de material de isolamento térmico, e numa segunda fase, a sua incorporação como agregado leve no betão. Para avaliar a possibilidade de introdução deste resíduo agrícola como material de construção, mostrou-se necessário analisar as suas propriedades físicas, químicas. 3. CARACTERIZAÇÃO DO CAROÇO DE ESPIGA DE MILHO Nesta secção pretende-se caracterizar o caroço de espiga de milho no que respeita à macroestrutura e microestrutura, composição química elementar, densidade volúmica, absorção de água, resistência ao fogo e condutibilidade térmica. Os resultados obtidos serão posteriormente comparados com os de materiais de isolamento térmico correntemente utilizados. Esta análise mostrou-se necessária para prosseguir com o estudo do potencial de aplicação deste resíduo como material de construção, cujo procedimento adotado e os principais resultados serão apresentados na secção 4. 3.1 Macroestrutura e microestrutura O caroço de espiga de milho (figura 2 a)) é caracterizado por uma elevada heterogeneidade, o que pode dever-se ao facto de ser um material orgânico e natural. No que respeita à macroestrutura, o material é constituído por três camadas, (I, II e III, figura 2)) [11], bem diferenciadas entre si, em termos de forma, textura, densidade e cor. Figura 2: Caroço de espiga de milho: a) vista geral; b) seccionamento longitudinal [11] A camada I caracteriza-se por ser esponjosa, de densidade mais baixa e de cor clara. Os resultados obtidos através dos ensaios SEM/EDS (Scanning Electron Microscopy/Energy Dispersive Spectroscopy) para esta camada indicam que existe algumas semelhanças interessantes entre o caroço de espiga de milho e o correntemente utilizado poliestireno extrudido (XPS) no que respeita à microestrutura e à composição química elementar. Estas semelhanças estão relacionadas com o tipo de microestrutura celular regular, fechada e fortemente alveolar, constituída por paredes finas e espaço interior preenchido por ar, tal como se pode observar na figura 3. Figura 3: Microestrutura alveolar (500.0 µm): a) camada I do caroço de espiga de milho; b) XPS [12] Quanto às camadas II e III, verificou-se que estas tendem a perder gradualmente as particularidades anteriormente referidas. A análise da camada II permitiu verificar que a macroestrutura e a densidade são similares às de uma madeira leve. Relativamente à camada III, que corresponde à camada exterior que aloja os grãos de milho, esta é bastante heterogénea a nível longitudinal e transversal e apresenta também uma densidade reduzida. 3
3.2 Composição química elementar A análise da composição química elementar foi efetuada, recorrendo ao ensaio EDS, para o caroço de espiga de milho e também para materiais de isolamento térmico correntes: aglomerado de cortiça, argila expandida, poliestireno expandido (EPS) e XPS. Verificou-se que, para além do oxigénio (O), os elementos químicos predominantes nas amostras analisadas são o silício (Si) e o alumínio (Al). O caroço da espiga de milho apresenta na sua composição 77.53 % de oxigénio (O) e 10.05 %, de silício (Si). O ferro (Fe), o magnésio (Mg) e o sódio (Na) estão presentes em menores quantidades com 1.06 %, 1.49 % e 1.14 %, respetivamente. Constata-se ainda que elementos químicos detetados no caroço da espiga de milho, na argila expandida e no XPS são praticamente os mesmos, à exceção do flúor (F) que apenas foi identificado no XPS, e do titânio (Ti) que apenas foi identificado na argila expandida e no XPS [12]. 3.3 Densidade Com o intuito de se determinar a massa específica do caroço da espiga de milho, usou-se uma amostra aleatória constituída por dez caroços da espiga de milho, tendo-se obtido o valor médio de 212.11 kg/m 3 com um coeficiente de variação de 22.4%. Este valor elevado é expetável dada a heterogeneidade do material e a variabilidade ao nível da densidade nas diferentes camadas. Conclui-se que a camada II (Figura 2b) do caroço de espiga de milho é a principal responsável pela obtenção deste valor uma vez que corresponde à camada mais densa. Constata-se também que este valor é significativamente maior do que o valor da densidade do XPS e do EPS, e que são 25-40 kg/m 3 e 10-25 kg/m 3, respetivamente [13]. No entanto, verifica-se alguma semelhança no valor da densidade do caroço da espiga de milho e da cortiça. A densidade da cortiça varia entre 100 e 350 kg/m 3. A argila expandida é o isolante térmico que apresenta valores de densidade mais elevados, variáveis entre 275 e 430 kg/m 3 [14]. Grande parte dos materiais de isolamento térmico correntemente utilizados são processados (XPS, EPS e argila expandida), com exceção do aglomerado de cortiça, resultante de um material natural e orgânico, tal como ocorre no caso do caroço da espiga de milho. 3.4 Absorção de água Os ensaios efetuados no sentido de analisar o comportamento do caroço de espiga de milho na presença da água revelam que este tem uma elevada capacidade de absorção de água, quando comparado com os materiais de isolamento térmico correntes. Para dez amostras de caroço de espiga de milho escolhidas de forma aleatória, obteve-se um valor de absorção de água de 327%. Amostras de XPS, EPS, granulado de cortiça e argila expandida foram também ensaiadas e os respetivos valores de absorção de água foram 13%, 34%, 244% e 36%. Estes resultados experimentais permitem observar novamente alguma similaridade material entre o caroço de espiga de milho e o granulado de cortiça. Além disso, o ensaio realizado permitiu verificar que a espiga de milho requer, em média, mais de 15 dias para ficar totalmente saturada. Este fato indica que o caroço de espiga de milho apresenta um processo de saturação progressiva, o que se pode dever à microestrutura e à composição do material que origina a existência de uma rede capilar que potencia a permeabilidade à água. É importante também referir que, no final do ensaio efetuado, todas as amostras de caroço de milho mostraram integridade material, o que permite concluir que a espiga de milho apresenta uma resistência à água aceitável para certas aplicações de construção. O facto de um conjunto de edifícios portugueses antigos apresentarem caroços de espiga de milho aplicados em paredes exteriores poderá corroborar esta conclusão [13]. 3.5 Resistência ao fogo O estudo expedito do comportamento ao fogo do material caroço da espiga de milho visou essencialmente observar se este material era inflamável e/ou combustível, e perceber o seu processo de combustão para o período de tempo considerado para o ensaio que decorreu durante 5minutos. Concluiu-se que o caroço da espiga de milho é inflamável e que possui uma combustão muito lenta visto que ao fim de cinco minutos este ainda se encontrava muito pouco destruído apesar de ter perdido matéria. O mesmo tipo de análise experimental simplificada foi efetuado em amostras de granulado de cortiça, XPS, EPS e argila expandida. Este ensaio expedito permitiu concluir que todos os materiais ensaiados são inflamáveis e combustíveis, à exceção da argila expandida, como é possível observar na Figura 4. O EPS e o XPS apresentaram uma combustão muito rápida atingindo o estado apresentado nas Figuras 4.b e 4.c em pouco segundos. A argila expandida foi o material que apresentou melhor comportamento ao fogo, visto não ser inflamável nem combustível, mantendo-se totalmente íntegro durante a realização do ensaio. Em relação ao granulado de cortiça, verificou-se que este, apesar de ser inflamável, apresenta uma combustão lenta. 4
Face aos resultados obtidos é possível afirmar que, em caso de um cenário de incêndio, em que o material de isolamento térmico esteja exposto a uma fonte de calor, o caroço de espiga de milho terá melhor comportamento do que a generalidade dos materiais correntemente aplicados neste contexto [12]. Figura 4: Estado de combustão: a) caroço de espiga de milho (5 minutos); b) granulado de cortiça (5 minutos); c) argila expandida (5 minutos); d) XPS (30 segundos); e) EPS (40 segundos) [12] 3.6 Condutibilidade térmica No sentido de analisar o potencial de aplicação do caroço de espiga de milho como material de isolamento térmico foi construída uma amostra de 0.25m 0.25m resultante da montagem de caroços de espiga de milho envolvidos em cola branca (figura 5 a)), inserida numa placa de XPS com dimensões de 0.64m x 0.76m e com 5 cm de espessura. A amostra foi colocada na envolvente exterior de um compartimento de ensaio, sujeito a uma temperatura interior aproximadamente constante de 21.6ºC e humidade relativa média de 46%. A temperatura média no exterior foi de 10.7ºC. A realização de um ensaio de termografia permitiu obter de forma quantitativa e qualitativa os valores da temperatura superficial da referida amostra (figura 5 b)). Tal como se observa na figura 5 b), o termograma revela que a temperatura superficial do caroço de espiga de milho apresenta valores semelhantes aos obtidos na placa circundante de XPS. Esta análise expedita revela que o caroço de espiga de milho poderá ter propriedades térmicas semelhantes ao XPS, nomeadamente no que respeita à condutibilidade térmica. Figura 5: Ensaio de termografia: a) amostra; b) termograma [11] 4. DOIS CASOS DE ESTUDO DE APLICAÇÃO DE CAROÇO DE ESPIGA DE MILHO Os resultados obtidos através da análise das propriedades acima referidas incentivaram a realização de outros trabalhos de investigação no sentido de analisar o potencial de aplicação do caroço de espiga de milho como material de construção. Apresenta-se de seguida dois dos estudos já efetuados neste âmbito e onde foi efetuada uma análise mais aprofundada da aplicação do caroço de espiga de milho como material de isolamento térmico e como agregado leve em elementos de betão. 5
Tendo em conta que a utilização deste resíduo agrícola como material de isolamento térmico não poderá ser efetuada apenas através da integração dos caroços de espiga de milho nos elementos construtivos, procedeu-se ao fabrico de placas à semelhança do que ocorre em isolantes térmicos correntes, como é o caso do XPS e do EPS. O caroço de espiga de milho foi granulado, Figura 6 a), misturado com cola branca e posteriormente colocado num molde concebido para o efeito que permitiu obter placas de dimensões 0.25m 0.25m, Figura 6 b), resultando em amostras com as espessuras de 3cm, 5cm, 6cm e 8cm. A densidade média obtida para as diferentes amostras foi de 334 kg/m3 [12]. Figura 6: a) Granulado de caroço de espiga de milho; b) Placa desmoldada [12] Cada uma destas amostras foi posteriormente inserida numa placa de XPS com espessura semelhante e colocada em substituição de uma janela de um compartimento de ensaio, figura 7a), com condições climáticas interiores controladas no sentido de analisar o seu comportamento térmico. A colocação da amostra na janela permitiu que esta funcionasse como elemento de separação entre o exterior e o interior. A amostra foi colocada na fachada orientada a Noroeste, evitando assim a exposição direta aos raios solares. Os ensaios foram realizados durante o Inverno de forma a ser possível obter um diferencial mais elevado entre a temperatura interior e a exterior. Para estudar o comportamento térmico da placa de granulado de espiga de milho recorreu-se à metodologia de determinação do coeficiente de transmissão térmica in situ desenvolvida por Pereira [15], tendo por base a norma ISO 9869 [16]. Para isso recorreu-se a um sistema de medição de fluxo de calor constituído por dois sensores de fluxo de calor (( figura 7b) I)) e quatro sensores de temperatura superficial ((figura 7b) II)) e ainda a dois termo-higrómetros que permitiram medir os valores da temperatura e da humidade relativa no interior do compartimento de ensaio e no exterior. Estes valores foram registados de forma contínua e em intervalos de 10 minutos durante 5 dias. Figura 7: Ensaio de comportamento térmico das placas: a) vista geral; b) sistema de fluxo de calor utilizado [12] Os valores obtidos permitiram posteriormente determinar o valor do coeficiente de transmissão térmica (U) para as placas de granulado de caroço de espiga de milho com as diferentes espessuras estudadas. O valor de condutibilidade térmica (l) da placa de granulado de espiga de milho foi estimado, tendo-se chegado ao valor de 0,101W/mºC [17]. Apesar de este valor ser mais elevado que os valores de l do XPS e do EPS, é mais reduzido do que o valor para 6
outros materiais também utilizados como isolantes térmicos, como é o caso de grânulos de argila, de vermiculite ou de perlites expandidas, cujo valor de lé de 0,16 W/mºC para uma massa volúmica aparente inferior a 400 kg/m 3. Apesar de o processo de fabrico das placas de granulado de espiga de milho ainda estar em desenvolvimento, os resultados obtidos são satisfatórios e revelam que há razões para crer que este resíduo poderá ter potencial de isolante térmico. Um outro estudo foi realizado no sentido de analisar a possibilidade de aplicação deste material como agregado de betão leve em substituição da argila expandida, tendo sido efetuados ensaios de comportamento térmico e de resistência à compressão [18]. Os ensaios foram realizados para amostras de betão leve contendo agregado de caroço de espiga de milho, Figura 8a), e posteriormente comparadas com a solução tradicional de betão leve com incorporação de argila expandida, Figura 8b). Figura 8: Agregados de betão leve em estudo: a) caroço de espiga de milho; b) argila expandida O ensaio de determinação do coeficiente de transmissão térmica in situ foi realizado para os dois tipos de amostras, tendo-se obtido um valor de U de 1,99 W/m 2 ºC para a amostra contendo agregado de espiga de milho e de 2,72 W/m 2 ºC para a amostra de betão leve com argila expandida, o que representa uma melhoria de 27 % a nível térmico com a introdução de agregado de caroço de espiga de milho [18]. Os dois agregados em estudo foram posteriormente incorporados em provetes cúbicos de betão, figura 9, para analisar a sua influência na resistência à compressão. Os resultados experimentais obtidos indicam que o caroço de espiga de milho incorporado no betão na razão de 6:1:1 (agregado de caroço de espiga de milho: cimento Portland: água) conduz a uma resistência à compressão menor quando comparado com o betão leve à base de argila expandida. Figura 9: Provetes de betão leve em estudo: a) incorporação de caroço de espiga de milho; b) incorporação de argila expandida [18] Aspetos relacionados com a granulometria do agregado de caroço de espiga de milho utilizado, a proporção dos diferentes componentes e o tempo de cura das amostras pode justificar a vulnerabilidade acima referida. Apesar de ser necessário prosseguir com os estudos no que respeita à resistência à compressão do material, as propriedades avaliadas permitem concluir que este poderá ser adequado para fins não estruturais, como por exemplo, para camada de regularização de pavimentos. 5. CONCLUSÕES Os resultados obtidos neste trabalho permitiram identificar algumas propriedades do caroço de espiga de milho e analisar o seu potencial de aplicação como material de construção. O caroço de espiga de milho é caracterizado por uma elevada heterogeneidade, o que pode dever-se ao facto de ser um material orgânico e natural. No que respeita à 7
macroestrutura, o material é constituído por três camadas, bem diferenciadas entre si, em termos de forma, textura, densidade e cor. A microestrutura e a composição química elementar são semelhantes à do XPS. Este apresenta ainda um valor de densidade similar a outros materiais de isolamento térmico, como é o caso da cortiça e da argila expandida. O ensaio de absorção de água permitiu concluir que a espiga de milho apresenta uma resistência à água aceitável para certas aplicações de construção e o ensaio de comportamento ao fogo demonstrou um melhor comportamento do caroço de espiga de milho do que a generalidade dos isolantes térmicos. No que respeita ao comportamento térmico, os estudos efetuados revelam que o caroço de espiga de milho e as placas de granulado de espiga de milho apresentam valores de condutibilidade térmica semelhantes a alguns materiais de isolamento térmico. Verificou-se ainda que o caroço de espiga de milho apresenta propriedades que permitem a sua incorporação em elementos de betão leve em substituição da argila expandida. Os resultados obtidos sugerem assim que o caroço da espiga de milho pode ser usado como matéria-prima para o fabrico de produtos de isolamento térmico, de paredes divisórias leves, de painéis de revestimento de tetos, de portas interiores, de mobiliário, e também como agregado de betão leve não estrutural. 6. REFERÊNCIAS [1] Younquist, J. et al, Agricultural fibers in composition panels, Proceedings of the 27th International Particleboard/Composite Materials Symposium, 30 31 March, Pullman, Washington, 1993, pp. 133 152. [2] Chow, P., Dry Formed Composite Board from Selected Agricultural Residues, World Consultation on Wood Based Panels, Food and Agriculture Organization of the United Nations, New Delhi, India, 1974. [3] Lertsutthiwong, P. et al, New insulating particleboards prepared from mixture of solid wastes from tissue paper manufacturing and corn peel, Bioresource Technology, 2008, n.º 99, pp. 4841 4845. [4] Khedari, J. et al, Agricultural waste materials as thermal insulation for dwellings in Thailand: preliminary results, PLEA 2008: 25th Conference on Passive and Low Energy Architecture, 22 24 October, Dublin, Ireland, 2008. [5] Stone, N., Thermal performance of straw bale wall systems, Ecological Building Network, 2003, pp. 1 7. [6] Soon-Ching, N.; Kaw-Sai L., Thermal conductivity of newspaper sandwiched aerated lightweight concrete panel, Energy and Buildings, 2010, n.º 42, pp. 2452 2456. [7] Hasse, C., et al, Realization, test and modeling of honeycomb wallboards containing a phase change material, Energy and Buildings, 2011, n.º 43, pp. 232 238. [8] Quaranta N. et al, Addition of polymeric wastes as pore formers in ceramic lightweight bricks, Transactions on Ecology and the Environment, 2010, n.º128, pp. 447 458. [9] Cunha, S. et al, A contribution for the improvement in thermal insulation of tabique walls coated with metal corrugated sheets, Building Services Engineering Research and Technology, DOI: 10.1177/0143624414558720, Nov2014. [10] Cardoso, R. Caracterização da construção em tabique de Lamego e Alto Douro, Tese de doutoramento para a obtenção do Grau de Doutor em Engenharia Civil, UBI, Covilhã, 2013. [11] Pinto, J et al, Corn s cob as a potential ecological thermal insulation material, Energy and Buildings, 2011, n.º43, pp. 1985 90. [12] Cruz, D., Desenvolvimento de um material de isolamento térmico e acústico à base de caroços da espiga de milho, Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, UTAD, Vila Real, 2011. [13] Pinto, J et al, Characterization of corn cob as a possible raw material, Construction and Building Materials, 2012, n.º34, pp. 28-33. [14] Santos C., Matias L., ITE 50 - Coeficientes de transmissão térmica de elementos da envolvente de edifícios, Ed. LNEC, Lisboa, 2006. [15] Pereira S., Avaliação e certificação em obra da qualidade térmica - Edifícios de habitação, Tese de Doutoramento, UTAD, 2010. [16] International Organization for Standardization, ISO 9869 - Thermal insulation - Building elements - In-situ, 1994. [17] Paiva, A. et al, A contribution to the termal insulation performance characterization of corn cob particleboards, Energy and Buildings, 2012, n.º45, pp. 274-279. [18] Pinto, J. et al, Corn cob lightweight concrete for non-structural applications, Construction and Building Materials, 2012, n.º34, pp. 346-351. 8