A INCIDÊNCIA DO ICMS E DO ISSQN NA COMERCIALIZAÇÃO ELETRÔNICA DO SOFTWARE



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO A INCIDÊNCIA DO ICMS E DO ISSQN NA COMERCIALIZAÇÃO ELETRÔNICA DO SOFTWARE Orientando: Jau Schneider von Linsingen Orientador: Prof. Dr. Aires José Rover FLORIANÓPOLIS 2001

II JAU SCHNEIDER VON LINSINGEN A INCIDÊNCIA DO ICMS E DO ISSQN NA COMERCIALIZAÇÃO ELETRÔNICA DO SOFTWARE Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Aires José Rover FLORIANÓPOLIS 2001

III Com efeito, longe de ser um dado objetivo, impessoal, físico, a distância é um produto social; sua extensão varia dependendo da velocidade com a qual pode ser vencida (e, numa economia monetária, do custo envolvido na produção dessa velocidade). Todos os outros fatores socialmente produzidos de constituição, separação e manutenção de identidades coletivas como fronteiras estatais ou barreiras culturais parecem, em retrospectiva, meros efeitos secundários dessa velocidade 1. Zygmunt Bauman 1 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 19.

IV RESUMO A rápida disseminação da World Wide Web está modificando a economia das sociedades que têm acesso à internet. Hodiernamente já é possível a negociação de bens e serviços através da WWW negociação esta que vem sendo denominada de comércio eletrônico, e que movimenta valores cada vez maiores. O advento de novos conceitos impõe modificações no orbe jurídico, que necessita adequar-se à nova realidade. Durante esta adaptação, é curial o estudo dos reflexos no dos novos institutos trazidos pela internet no ordenamento jurídico. Dentre os diversos ramos do Direito que sofrem os impactos da internet, de grande relevância é a análise da tributação da nova economia, pois o Estado vê no comércio eletrônico uma grande fonte de arrecadação. Em face disto, deve-se harmonizar a notória ânsia em arrecadar do Estado com as garantias conferidas aos cidadãos em sede de Direito Tributário. Esta monografia tem por escopo a análise da possibilidade de incidência do ICMS e do ISSQN sobre as operações relativas à comercialização de programas de computador intermediadas por via de comércio eletrônico.

1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...3 CAPÍTULO I - INTERNET, COMÉRCIO ELETRÔNICO E SOFTWARE...7 1. Internet...7 2. Comércio eletrônico...11 2.1. Espécies de comércio eletrônico: direto e indireto...12 3. Software...14 3.1. Tipos de software...15 3.2. Natureza jurídica do software...16 3.3. Contratos de software...17 3.3.1. Contrato de encomenda...18 3.3.2. Contrato de cessão...19 3.3.3. Contrato de licença de uso...20 CAPÍTULO II - CONCEITOS DE DIREITO TRIBUTÁRIO...22 1. Princípio constitucional da legalidade tributária...22 1.1. Princípio da estrita legalidade tributária...24 2. Tributo...27 3. Obrigação Tributária...28 3.1. Obrigação tributária e fato gerador...29 4. A expressão fato gerador e suas duas acepções...30 5. Norma tributária...31 5.1. Hipótese de incidência da norma tributária...32 5.2. Conseqüência da norma tributária...33 6. Interpretação e Integração...35 6.1. Analogia...37 6.2. Princípios gerais de direito privado...38 7. Incidência e não-incidência...39

2 CAPÍTULO III - A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NAS OPERAÇÕES RELATIVAS À TRANSMISSÃO DE SOFTWARE PELA INTERNET...41 1. ICMS...41 1.1. Aspecto material da hipótese de incidência do ICMS...42 1.2. Aspecto espacial da hipótese de incidência do ICMS...43 1.3. Aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS...44 1.4. Aspecto pessoal da hipótese de incidência do ICMS...45 2. ISSQN...47 2.1. Aspecto material da hipótese de incidência do ISSQN...47 2.2. Aspecto espacial da hipótese de incidência do ISSQN...49 2.3. Aspecto temporal da hipótese de incidência do ISSQN...49 2.4. Aspecto pessoal da hipótese de incidência do ISSQN...50 3. Os impostos e o software...50 3.1. O imposto do software de base...51 3.2. O imposto do software aplicativo...52 3.2.1. Software por encomenda (à medida do cliente)...52 3.2.2. Software adaptado ao cliente (customized)...54 3.2.3. Software standard (padrão ou de prateleira)...54 4. Os impostos e a internet...60 4.1. A tributação do software no comércio eletrônico indireto...62 4.2. A tributação do software no comércio eletrônico direto...64 CONSIDERAÇÕES FINAIS...67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...71

3 INTRODUÇÃO A internet está operando uma série de mudanças no mundo fático. A Terceira Revolução Industrial, protagonizada pela informática especialmente pela internet, está provocando mudanças na economia, na sociedade e na política 2. Conseqüentemente, torna-se patente a necessidade de readequação dos postulados jurídicos a essa nova realidade. O Direito Tributário, assim como as demais áreas do conhecimento jurídico, necessita adequarse às modificações impostas pela internet. Dentre as modificações observadas, vislumbra-se uma revolução na economia. A transição do capitalismo tradicional, centrado na circulação de bens materiais, para um novo capitalismo, onde a informação e o conhecimento tornaram-se a moeda de maior valor, vem operando mudanças drásticas no setor econômico. Neste sentido, Gustavo Testa Corrêa observa que a tecnologia da informação tem sido responsável pela crescente expansão de uma nova fórmula econômica, que vem excedendo em números a tradicional indústria de manufatura de bens em diversos países. Junto com o setor de serviços, a indústria virtual cresce na medida em que outros setores retraem ou estagnam 3. Atividades já consolidadas na sociedade, como a compra e venda de produtos, vêemse revestidas de uma nova conotação quando intermediadas por meios eletrônicos, em especial pela internet. Neste contexto, discute-se hoje, no âmbito tributário, a possibilidade de cobrança de impostos nas transações que envolvam a transmissão on-line de software. As questões tributárias conexas à internet de maior relevância são aquelas oriundas do e-commerce, ou comércio eletrônico. São nas relações jurídicas surgidas do intercâmbio comercial de bens incorpóreos que surgem os maiores problemas de adequação das leis tributárias à nova realidade trazida pela internet: 2 OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. Aspectos jurídicos do comércio eletrônico. In: ROVER, Aires José (Org.). Direito, Sociedade e Informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000. p. 59. 3 CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos Jurídicos da Internet. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 38.

4 algumas transações de comércio eletrônico não oferecem maiores dificuldades, tendo em vista que não existe nenhuma norma específica tributária aplicável somente pelo fato de a transação ter sido realizada pela Internet. Entretanto, em outras transações de comércio eletrônico envolvendo o comércio de bens incorpóreos e/ou meios eletrônicos para a liquidação da transação (como por exemplo, a de download de software com pagamento através de cartão de crédito) a aplicação dos correntes conceitos e definições se torna muito difícil 4. Diversas operações intermediadas pela internet não se chocam com a atual sistemática tributária, por serem, em seu âmago, semelhantes às operações correntes nos sistemas tradicionais. Assim, a compra de um bem corpóreo através de um site, não elide a aplicação das leis tributárias vigentes, pois esta transação pode operar-se através do correio, do telefone, fax, etc. São as transações ocorridas em meio exclusivamente eletrônico, com o intercâmbio de bens incorpóreos, que merecem estudo, pois o sistema tributário atual foi concebido e opera nos moldes de uma economia baseada na troca e circulação de bens corpóreos, o que torna a sua aplicação se não impossível, ao menos muito difícil aos bens intangíveis circulantes em meio virtual, transacionados através do e-commerce 5. A função precípua do tributo é a de arrecadar subsídios pecuniários para o Estado, que redireciona este manancial financeiro para a consecução das suas finalidades, que visam o interesse público. O tributo figura, pois, como uma troca: o contribuinte recolhe seus tributos, e em contrapartida o Estado fornece segurança, saúde, educação, etc. Ocorre que a nova economia vem movimentando valores cada vez mais expressivos, fato que não passa desapercebido pelo Estado, que procura de todas as formas aumentar sua arrecadação pecuniária. Assim, é visível o esforço estatal no sentido de tributar as operações ocorridas em sede de comércio eletrônico, e em especial através da internet. Mas observa-se que neste campo o Fisco, em alguns casos, vem desrespeitando princípios tributários, até porque a internet trouxe situações novas, que causam perplexidade ao aplicador do Direito Tributário. Portanto, faz-se necessária a correta observância da sistemática tributária vigente, para que não se cometam desvarios tributários, prejudicando os contribuintes e atentando contra o Estado Democrático de Direito. 4 NUNES, Esther Donio Bellegarde, GROTTI, Franco Musetti.Comércio eletrônico: onde estamos? Disponível em: <http://www.pinheironeto.com.br/anexo-bi-1603.htm>. Acesso em: 22 jun. 2000. 5 LUNA FILHO, Eury Pereira. Internet no Brasil e o Direito no Ciberespaço. Jus Navigandi. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/netbrasil.html>. Acesso em: 13 jul. 2000.

5 A salvaguarda dos contribuintes relativamente à tributação desmesurada por parte do Estado se dá principalmente pela aplicação do princípio de estrita legalidade tributária, o qual preconiza que o Estado somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante expedição de lei 6. Desta forma, é necessária uma análise mais profunda da legislação tributária, relativamente às operações ocorridas em sede de internet, para verificar-se a possibilidade de incidência tributária nestas situações. Não ocorrendo explicitação legal para dada situação fática, não há que se falar em imposição tributária, por expressa vedação legal. Como salientam Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo, (...) não é admissível a utilização de interpretações extensivas para fazer incidir a norma tributária sobre operações anteriormente não tributadas. Tal procedimento é evidentemente contrário a todos os princípios de direito tributário 7. Esta monografia procura analisar a aplicação da sistemática tributária vigente mais precisamente a incidência do ICMS e do ISSQN às operações relativas à transmissão de programas de computador por intermédio da internet. Para alcançar este desiderato, estrutura-se o presente trabalho em três capítulos, assim intitulados: Internet, Comércio Eletrônico e Software; Conceitos de Direito Tributário; e, por derradeiro, A Incidência Tributária nas Operações Relativas à Transmissão de Software pela Internet. No primeiro capítulo, abordar-se-á questões relativas à informática jurídica. Assim, internet, comércio eletrônico e software serão analisados, pois o estudo destes institutos é imprescindível ao deslinde desta monografia, uma vez que o tema nela proposto funda-se na aplicação do Direito Tributário ao comércio eletrônico, mais precisamente na transmissão de software através da internet. No segundo capítulo, estudar-se-á alguns conceitos de Direito Tributário importantes para a correta aplicação das leis fiscais vigenpes às operações sob análise. Especial atenção 6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário nos termos da Constituição Federal de 1988. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 98. 7 MACHADO, Hugo de Brito, MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Imunidade tributária do livro eletrônico. Jus Navigandi. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/imunelet.html>. Acesso em 23 jun. 2000.

6 será dispensada ao estudo do princípio da legalidade, com ênfase no caráter estrito com o qual este se manifesta em sede de Direito Tributário. No terceiro capítulo, primeiramente analisar-se-á a hipótese de incidência do ICMS e do ISSQN, para que se possa verificar a possibilidade de incidência destes impostos nas operações relativas à transmissão do software. Por fim, estudar-se-á a incidência daqueles impostos quando estas operações são intermediadas pela internet.

7 CAPÍTULO I INTERNET, COMÉRCIO ELETRÔNICO E SOFTWARE 1. Internet O desvario armamentista decorrente da guerra fria, protagonizada pelos países capitalistas e os países socialistas, possibilitou o surgimento de um fenômeno que está repercutindo fortemente na estrutura social e econômica mundial: a internet. Nas palavras de Esther Dyson, a relevância da internet é patente porque as pessoas a usam como um lugar para se comunicar, fazer negócios e compartilhar idéias, e não como uma entidade mística em si mesma. Ela é uma poderosa ferramenta para integrar economias locais na economia global e estabelecer sua presença no mundo 8. A iminência de um ataque nuclear soviético fez com que no final dos anos sessenta o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, mais precisamente sua Agência de Projetos Avançados (ARPA 9 ), encomendasse à Rand Corporation a viabilização da Arpanet, cujo escopo era a elaboração de um sistema de telecomunicações que garantisse que um ataque nuclear russo não interrompesse a corrente de comando dos Estados Unidos 10. A solução se deu através da criação de pequenas redes locais (LAN), posicionadas nos lugares estratégicos do país e coligadas por meios de redes de telecomunicação geográfica (WAN). Na eventualidade de uma cidade vir a ser destruída por um ataque nuclear, essa rede de redes conexas Internet, isto é, Inter Networking, literalmente, coligação entre redes locais distantes, garantiria a comunicação entre as remanescentes cidades coligadas 11. 8 DYSON, Esther. Release 2.0: A nova sociedade digital. Traduzido por Sonia T. Mendes Costa. Rio de Janeiro: Campus, 1998. p. 18. Apud CORRÊA, Gustavo Testa. Questões Jurídicas Relacionadas à Internet. Monografia (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, dez. 1998. p. 14. 9 Do inglês Advanced Research Projects Agency. 10 PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet. São Paulo: Atlas, 2000. p. 25. 11 Idem.

8 Este foi o embrião da internet como é conhecida hoje. A interconexão remota entre redes, de cunho exclusivamente militar, passou a ser utilizada para o tráfego de mensagens eletrônicas entre os funcionários do Departamento de Defesa norte-americana 12, e a partir daí, com o uso disponibilizado às universidades, possibilitou o desenvolvimento, em 1973, do protocolo TCP/IP 13. Este protocolo, desenvolvido por Vinton Cerf 14, viabilizou a interligação entre diversas redes, pois estabeleceu a possibilidade de sistemas incompatíveis comunicarem-se entre si, abrindo caminho para que a teoria desenvolvida por J. C. R. Licklider, responsável pelo Departamento de Ciências do Comportamento da ARPA, se consolidasse. Esta teoria aduzia que computadores aumentariam a capacidade humana de pensar, otimizando suas aptidões de comunicação e intercâmbio de informações, como se, ocorrendo um fluxo de dados em escala macrohumana, as idéias compartilhadas pudessem resultar em uma unidade inatingível antes 15. Mas a internet começou a se tornar expressiva a partir da adoção do conceito de hipertexto, através da World Wide Web. O Hipertexto foi idealizado por Ted Nelson, pesquisador do MIT 16, e consiste em uma forma de interligação de informações: o usuário, ao acessar uma palavra ou um termo destacados em um dado documento, é levado a um outro documento conexo àquela palavra ou termo destacado. A World Wide Web, WWW, ou simplesmente Web, é uma das formas 17 de utilização 12 ALMEIDA, André Augusto Lins da Costa. A Internet e o Direito. Revista Consulex, Brasília, DF, ano 2, n. 24, dez. 1998, p. 52. 13 Protocolo de Controle da Transmissão/Protocolo Internet, do inglês Transmission Control Protocol/Internet Protocol. 14 Pesquisador do Departamento de Pesquisa avançada da Universidade da Califórnia. (PAESANI, Liliana Minardi. Op. Cit., p. 25). 15 LUNA FILHO, Eury Pereira. Internet no Brasil e o Direito no Ciberespaço, Cit. 16 Massachusetts Institute of Technology (Instituto Tecnológico de Massachusetts), EUA. 17 Outras formas de utilização da internet são a Usenet e o FTP (File Transference Protocol).

9 da internet, que se destacou das demais justamente por aplicar o conceito de hipertexto 18, facilitando o acesso às informações disponíveis na internet. Criada em 1989 pelo Laboratório Europeu de Física de Altas Energias, sediado em Genebra, Suíça, a WWW pode ser conceituada como um conjunto de padrões e tecnologias que possibilita a navegação dentro da Internet através da utilização dos browsers, programas navegadores, que tiram todas as vantagens deste conjunto de padrões ou tecnologias através da utilização do hipertexto e suas relações com a multimídia, como som e imagem, trazendo ao usuário maior facilidade na utilização na rede e um resultado mais positivo 19. Em conjunto com a popularização dos computadores pessoais e do desenvolvimento das telecomunicações, a WWW impulsionou um intercâmbio de informações sem precedentes, e está reformulando os paradigmas sócio-econômicos vigentes, ampliando a mundialização da economia e as relações interpessoais. No Brasil, a primeira manifestação do ordenamento jurídico relativamente à internet se deu com a publicação da Norma n. 4 do Ministério das Comunicações, aprovada pela Portaria n. 148/95 de 31 de maio de 1995, que regula o uso dos meios da rede pública de telecomunicações para o provimento e utilização de serviços de conexão à internet. Segundo esta norma, a internet é o nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o software e os dados contidos nestes computadores 20. Em junho de 1995, com a publicação da Nota Conjunta do Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia, que veio em resposta à necessidade de informar à Sociedade a respeito da introdução da Internet no Brasil 21, delinearam-se as linhas de implementação da internet no Brasil. 18 Percebe-se claramente a aplicação este conceito nos hiperlinks (ou hipertext links), onde uma palavra destacada (hiperlink), uma vez acionada pelo internauta, leva-o a uma nova página da internet, com informações conexas àquele hiperlink. 19 CORRÊA, Gustavo Testa. Questões..., Cit., p. 16. 20 BRASIL. Ministério das Comunicações. Norma 004/95. Uso de meios da rede pública de telecomunicações para acesso à Internet. Aprovada pela Portaria n. 148, de 31 de maio de 1995. Disponível em: <http://www.ahand.unicamp.br/ahand/leis/disposicoes/p148.95.html>. Acesso em: 18 mai. 2001. 21 BRASIL. Ministério das Comunicações e Ministério da Ciência e Tecnologia. Nota Conjunta de Junho de 1995. Disponível em: <http://www.cg.org.br/regulamentacao/notas.htm>. Acesso em: 18 mai. 2001.

10 No primeiro tópico, intitulado Aspectos Gerais, a Nota Conjunta dispôs que o Governo considera de importância estratégica para o País tornar a Internet disponível a toda a Sociedade, com vistas à inserção do Brasil na Era da Informação 22. Em seguida, a Nota Conjunta definia o que é a internet: a Internet é um conjunto de redes interligadas, de abrangência mundial. Através da Internet estão disponíveis serviços como correio eletrônico, transferência de arquivos, acesso remoto a computadores, acesso a bases de dados e diversos tipos de serviços de informação, cobrindo praticamente todas as áreas de interesse da Sociedade 23. Outra disposição importante da Nota Conjunta foi a previsão, no item 7, da criação do Comitê Gestor Internet: 7.1 No sentido de tornar efetiva a participação da Sociedade nas decisões envolvendo a implantação, administração e uso da Internet, será constituído um Comitê Gestor Internet, que contará com a participação do MC e MCT, de entidades operadoras e gestoras de espinhas dorsais, de representantes de provedores de acesso ou de informações, de representantes de usuários, e da comunidade acadêmica. 7.2 O Comitê Gestor terá como atribuições principais: a) fomentar o desenvolvimento de serviços Internet no Brasil; b) recomendar padrões e procedimentos técnicos e operacionais para a Internet no Brasil; c) coordenar a atribuição de endereços Internet, o registro de nomes de domínios, e a interconexão de espinhas dorsais; d) coletar, organizar e disseminar informações sobre os serviços Internet 24. Hodiernamente, a internet já está amplamente disseminada no Brasil. Em número de hosts 25, o Brasil se posiciona em décimo primeiro lugar no âmbito mundial, em terceiro lugar nas Américas atrás somente dos Estados Unidos e Canadá e é o primeiro colocado na América do Sul 26. 22 Idem. 23 Idem. 24 Idem. 25 Computador ligado à Internet. Também chamado de servidor ou nó, por vezes. (Glossário Internet. Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/macknet/ajuda/glossario.htm>. Acesso em: 18 mai. 2001). 26 Dados obtidos na página do Comitê Gestor Internet. Disponível em: <http://www.cg.org.br/indicadores/brasilmundo.htm>. Acesso em: 18 mai. 2001.

11 2. Comércio eletrônico A disseminação da internet operou uma importante mudança nas relações comerciais. Com a crescente popularização da World Wide Web, são cada vez mais correntes os negócios envolvendo bens e serviços efetuados por intermédio da internet. A Web se tornou uma grande vitrine virtual, onde os mais variados produtos e serviços são colocados à disposição dos internautas. O fato de congregar um amplo leque de potenciais consumidores, em contínua ascensão, fez com que a internet não passasse desapercebida por aqueles que pretendem realizar negócios: devido ao seu grande espectro de abrangência, além de atrair usuários particulares, a Internet também vem atraindo um grande número de organizações comerciais que sabem das estimativas relativas a sua popularização, e a vêem como um grande negócio 27. Mas não são apenas as relações de consumo que vislumbram suas possibilidades se expandirem e modificarem. Toda a nova economia está inexoravelmente atrelada aos bits: todas as indústrias, uma após a outra, olham-se no espelho e se perguntam sobre seu futuro; pois bem, esse futuro será determinado em 100% pela possibilidade de seus produtos e serviços adquirirem forma digital 28. Citando Peter Drucker, considerado o maior pensador contemporâneo do mundo dos negócios 29, Marcelo de Luca Marzochi afirma que o comércio eletrônico representa para a chamada Revolução da Informação o que a ferrovia foi para a Revolução Industrial: um avanço inesperado. E a razão disso é a eliminação da distância. Pois a concorrência se tornou global. Mesmo que uma empresa atue num mercado local ou regional necessita ter um padrão global de administração 30. No Brasil, embora ainda incipiente, o comércio efetuado pela internet já é representativo. A Nona Pesquisa Internet POP, realizada em dezembro de 2000 pelo Instituto IBOPE, constatou que cerca de 15% dos Internautas das nove principais regiões brasileiras fizeram compras pela Internet. Em números absolutos, isto representa quase um milhão de compradores online 31. 27 CORRÊA, Gustavo Testa. Questões..., Cit., p. 12. 28 NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 18. 29 OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. Op. Cit., p. 59. 30 MARZOCHI, Marcelo de Luca. Direito.br: aspectos jurídicos da internet no Brasil. São Paulo: Ltr, 2000. p. 45. 31 IBOPE. 9ª Pesquisa Internet POP. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/digital/produtos/internetpop/index_analise.htm>. Acesso em: 16 mai. 2001.

12 Diante da incontestável importância que assume esta forma de comércio, o orbe jurídico já se manifesta. Cabal constatação desta afirmativa se encontra nos projetos de lei que se encontram em tramitação no Senado Federal e na Câmara de Deputados. No Senado 32, o projeto de lei n 672/99, de 13 de dezembro de 1999, que de acordo com a ementa dispõe sobre o comércio eletrônico ; na Câmara 33, o projeto de lei n. 1.483/99, que institui a fatura eletrônica e assinatura digital nas transações de comércio eletrônico, e o projeto de lei n. 1.589/99, que dispõe sobre o comercio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital. 2.1. Espécies de comércio eletrônico: direto e indireto Cumpre então, diante da expressiva relevância ao Direito, delimitar o que seja comércio eletrônico. De acordo com Augusto Tavares Rosa Marcacini, a expressão comércio eletrônico tem significado jurídico vago, e tem sido utilizada para denominar todo o tipo de contratação realizada por intermédio de computadores, nem sempre atividades tipicamente comerciais, mas também abrangendo a prestação de serviços 34. Explicitando melhor o conceito, Luis Carlos Cancellier de Olivo, citando Alexandre Libório Dias Pereira, diz que o comércio eletrônico traduz-se na negociação realizada por via eletrônica, através do processamento e transmissão eletrônicos de dados, incluindo texto, som e imagens. Entre tais negociações destacam-se as de bens e serviços, a entrega em linha de conteúdo multimídia, as transferências financeiras eletrônicas, o comércio eletrônico de ações, conhecimento de embarque eletrônico, leilões comerciais, concepção e engenharia em cooperação, contratos públicos, comercialização direta ao consumidor e serviços pós-vendas 35. Este mesmo autor realiza importante distinção, classificando o comércio eletrônico em indireto e direto. O primeiro é a encomenda eletrônica de bens, que devem ser entregues fisicamente por meio de canais tradicionais, como os serviços postais ou de serviços privados de correio expresso 36. Ou seja, é uma nova versão com todas as melhorias que a tecnologia 32 BRASIL. Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 17 mai. 2001. 33 BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 17 mai. 2001. 34 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Notas sobre o Projeto de Lei de Comércio Eletrônico, Documento Eletrônico e Assinatura Digital. Farol Jurídico. Disponível em: <http://www.faroljuridico.com.br/artnotasdigital.htm>. Acesso em: 22 jun. 2000. 35 OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. Op. Cit., p. 61. 36 Idem.

13 permite de formas consagradas de comércio à distância, como por exemplo, a tradicional compra por catálogos. Já o comércio eletrônico direto consiste na encomenda, pagamento e entrega direta (em linha) de bens incorpóreos e serviços, como programas de computador, conteúdo de diversão ou serviços de informação 37. O comércio eletrônico indireto guarda grande identidade com a mercancia tradicional : a internet serve como um novo veículo para a realização do velho comércio. Mas quando se analisa o comércio eletrônico direto, constatam-se implicações jurídicas inéditas: por exemplo, contratos ultimando a transferência de bens imateriais não são equivalentes aos que ultimam a transação de bens materiais. Contratos relativos a informações digitais dão ênfase a situações que criam relações jurídicas diversas dos contratos habituais. Estes últimos orientam-se pela materialidade do objeto, pela sua tangibilidade, enquanto os primeiros se orientam pela intangibilidade do bem em questão, pela sua imaterialidade. Para entendermos tais preceitos devemos ter em mente que softwares, bases de dados, sistemas de inteligência artificial e outras formas de informação computadorizada são governadas por leis de propriedade intelectual, direitos autorais e, mas especificamente, Lei do Software. É aí que surge o grande problema do comércio eletrônico, conciliar o comércio de bens materiais e imateriais dentro de um meio intangível 38. É justamente no campo do comércio eletrônico direto que existem repercussões jurídicas que merecem uma análise mais aprofundada. O Direito Comercial vigente, cuja espinha dorsal legislativa é constituída pelo vetusto Código Comercial de 1850, complementado por farta legislação esparsa, já não se mostra compatível com as novas formas de circulação de riquezas. As relações comerciais que têm por objeto transações ocorridas em meio exclusivamente eletrônico, com o intercâmbio de bens incorpóreos 39, são as que demandam maiores incertezas jurídicas. Como salienta Gustavo Testa Corrêa, a economia está mudando. As transações de bens materiais continuam importantes, mas as transações de bens intangíveis, em um meio dessa 37 Idem. 38 CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos..., Cit., p. 39. 39 von LINSINGEN, Jau Schneider. Tributação na internet: considerações e possibilidades acerca da tributabilidade das operações envolvendo bens intangíveis. Caderno de Temas Jurídicos da Revista da OAB/SC. Florianópolis, n. 102, jan.-fev. 2001, p. 8.

14 mesma natureza, são os elementos centrais da dinamicidade comercial contemporânea, do comércio eletrônico 40. Ao tema aqui proposto, é importante ressalvar a inaplicabilidade de conceitos de Direito Comercial a um determinado tipo de bem incorpóreo, qual seja, o software. Produto da nova economia, o programa de computador merece uma explanação mais acurada, em face da proteção específica a ele conferida. 3. Software Para definir software mister analisar o que é hardware. Hardware é a máquina que realiza as operações, um corpo físico onde operam os programas 41. É o computador, tangível e concreto. Mas o hardware não tem nenhuma utilidade se dissociado do software, pois é este que faz com que a máquina execute as funções desejadas: o hardware constitui-se a máquina, o instrumento através do qual se tem acesso à informação, e esta informação só pode chegar até o usuário através do software 42. O software possibilita a comunicação do usuário com a máquina e que determine a ela os procedimentos que esta deve realizar para chegar ao resultado almejado pelo usuário 43. Ou seja, o software estabelece uma comunicação inteligível da máquina com o ser humano, além de ser um complexo de informações e comandos que fazem com que o hardware execute as funções às quais se destina. É um tradutor entre a linguagem humana e a linguagem da máquina 44, além de ser uma ferramenta que faz o hardware executar tarefas específicas, pretendidas pelo usuário. 40 CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos..., Cit., p 38. 41 LUPI, André Lipp Pinto Basto. Proteção jurídica dos direitos de propriedade intelectual sobre softwares: eficácia e adequação. Monografia (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, nov. 1997. p. 8. 42 SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Contratos informáticos: breve estudo. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 762, abr. 1999. p. 49. 43 Idem. 44 O programa de computador é um conjunto de dados e instruções que são dirigidos à máquina computadora e por ela executados se transmitidos em linguagem de baixo nível, que é a linguagem de máquina. As linguagens são de alto ou de baixo nível de acordo com a sua proximidade à linguagem humana, sendo de alto nível as mais próximas e de baixo nível as mais distantes da linguagem do homem (LUPI, André Lipp Pinto Basto. Op. Cit., p. 8).

15 O termo software é utilizado como sinônimo de programa de computador 45. A lei 9.609/98, em seu art. 1º, parágrafo único, estabelece o conceito legal de programa de computador, além de definir o que é hardware: programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento de informações, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou similar, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. 3.1. Tipos de software Existem as mais variadas espécies de software: para processar textos, para realizar cálculos, para gerenciar escritórios, enfim, incontáveis programas de computador que atendem os anseios de uma larga gama de usuários. Um aspecto, contudo, é imutável: qualquer que seja o software, ele será um conjunto ordenado de instruções para a máquina, que faz com que ela execute determinadas tarefas para se chegar a um resultado qualquer desejado pelo usuário 46. Com o fito de sistematização, pode-se fazer dois tipos de classificação a respeito do software. Uma leva em consideração a sua função, e outra o seu grau de padronização 47 (ou standardização ). Quando se considera um software de acordo com sua função, ele pode ser de base ou aplicativo. O programa de base é aquele que está relacionado com o funcionamento do hardware. É fundamental a sua existência na máquina, sem a qual o hardware não irá funcionar 48. Já o programa aplicativo é aquele que executa uma função específica, pretendida pelo usuário. 45 Mas o software, de acordo com o Projeto de Lei-Tipo da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), é composto de três elementos, quais sejam, o programa de computador, a descrição deste programa e o material de apoio. Criado em 1978, este Projeto de Lei-Tipo não foi adotado por nenhum país, mas, além de trazer ao mundo jurídico conceitos conexos ao tema, é um marco histórico, pois trouxe a lume a necessidade de proteção do software pelo ordenamento jurídico. (LUPI, André Lipp Pinto Basto. Op. Cit., p. 18). 46 OLIVEIRA, André da Silva de. A Tributação do Programa de Computador: ICMS ou ISS? Monografia (Graduação). Faculdade de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, jun. 2000. p. 48. 47 Idem, p. 50. 48 Idem.

16 Segundo Rui Saavedra, os softwares são subdivididos em três categorias quanto ao seu grau de padronização: standard, por encomenda e adaptados ao cliente 49. De acordo com este autor, os programas de computador standard (também denominados de padrão, de prateleira, canned software, ou ainda off the shelf) constituem, em regra, pacotes (packages) de programas bem definidos, estáveis, concebidos para serem dirigidos a uma pluralidade de utilizadores e não a um utilizador em particular, com vista a uma mesma aplicação ou função. (...) São programas fabricados em massa e, como são vocacionados a um vasto público, são até comercializados nos hipermercados daí que também se fale aqui de software off the shelf 50. Já os programas de computador por encomenda (ou à medida do cliente ) são programas aplicacionais, que geralmente não se mantém estáveis e acabados como os programas standard ; pelo contrário, são continuamente adaptados, corrigidos e melhorados para responder aos requisitos internos e externos das empresas 51. Por sua vez, os programas de computador adaptados ao cliente (ou customized) constituem uma forma híbrida entre os programas standard e os programas à medida do cliente. Baseiam-se em programas standard que são modificados para se adequarem às necessidades de um cliente particular (customization). Essa adaptação pode ser realizada tanto pelo fornecedor do programa como pelo próprio utilizador 52. 3.2. Natureza jurídica do software Tarcisio Queiroz Cerqueira aduz que o software tornou-se uma entidade definida e relevante, do ponto de vista jurídico-legal 53. Pode-se dizer que software é bem móvel, intangível e com características de obra intelectual. O programa de computador está sujeito ao mesmo regime de proteção dado aos 49 Apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Recorrente: Estado de São Paulo. Recorrido: Munps Processamento de Dados Ltda. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. 1ª Turma. Julgado em 10 de novembro de 1998. Publicado no DJU de 11 de dezembro de 1998. fls. 318. 50 SAAVEDRA, Rui. A proteção jurídica do software e a Internet. Lisboa: Don Quixote, 1998. p. 29. Apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 318. 51 SAAVEDRA, Rui. Op. Cit., pp. 29-30. Apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário n. RE-176626-3-SP. Cit., fls. 319. 52 Idem. 53 CERQUEIRA, Tarcisio Queiroz. Software e a Regulamentação: aspectos jurídico-legais acerca do software. Disponível em: <http://www.nts.com.br/tarcisio/artigos/software_e_a_regulamentacao.htm>. Acesso em: 23 jun. 2000.

17 direitos autorais e conexos 54. A Lei dos Direitos Autorais (n. 9.610/98), em seu art. 7º, inciso XII, elenca o programa de computador no rol das obras intelectuais protegidas. A Lei do Software (n. 9.609/98), reafirma a característica de propriedade intelectual que tem o programa de computador, ressalvando, nos parágrafos do art. 2º, as peculiaridades da proteção conferida. Esta proteção difere daquela dada às obras intelectuais agasalhadas pela Lei dos Direitos Autorais, basicamente por adequar às características dos programas de computador a tutela dada aos direitos morais e patrimoniais da obra intelectual. Maria Cecília de Andrade Santos assim define estes direitos: O direito de propriedade constitui o próprio direito patrimonial do autor de exploração econômica da obra, in casu, do programa de computador, com os poderes de utilizar, fruir e dispor da obra, através das modalidades de reprodução, edição, adaptação e distribuição. São direitos pela sua própria natureza, disponíveis. Os direitos de personalidade, ou os direitos morais do autor, estão relacionados aos poderes de reivindicar a autoria de sua obra e assegurar a sua integridade, com o intuito exclusivo de garantir a sua reputação e honra por qualquer ato de terceiro que possa vir a perturbá-las. São direitos relativos diretamente à pessoa do autor, e, por isso mesmo, inalienáveis e irrenunciáveis, havendo inclusive ressalva legal expressa neste sentido 55. Sobressai ao objetivo deste trabalho as peculiaridades do regime de proteção dos direitos patrimoniais do autor do programa de computador, e os reflexos destas características na exploração econômica do software. Para melhor tratar destes reflexos, insta traçar algumas considerações sobre os contratos de programas de computador. 3.3. Contratos de software Os contratos que têm por objeto o programa de computador revestem-se de algumas particularidades. Por se tratar de bem protegido por legislação própria, com característica de obra intelectual, o programa de computador sofre algumas restrições quanto à sua comercialização. Para melhor compreender tais restrições, forçosa é a análise dos contratos relativos aos 54 E não poderia ser de outra forma, pois visto que a lei específica visa tão somente adaptar o sistema autoral à realidade dos programas de computador, a descrição terá por fundamento obrigatório também a lei dos direitos autorais (...), pois é sob a égide destes direitos que está construído o regime jurídico do software no Brasil (LUPI, André Lipp Pinto Basto. Op. Cit., p. 19). 55 SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Op. Cit., p. 55.

18 softwares. Existem três tipos de contratos possíveis de serem efetuados em se tratando de programas de computador: contrato de encomenda, contrato de cessão e contrato de licença de uso. 3.3.1. Contrato de encomenda Como já visto anteriormente, uma das espécies de programas de computador é o programa de computador por encomenda ou à medida do cliente. Para resolver dada necessidade, alguém procura outrem especializado em criar softwares para satisfazer este desiderato. A partir deste contato, é acertado o desenvolvimento de um programa de computador específico àquele problema apresentado. O resultado deste acerto é o programa de computador por encomenda ou à medida do cliente. Destarte, pode-se definir o contrato de encomenda de programa de computador como aquele por meio do qual uma empresa, ou pessoa interessada, solicita a outra pessoa (pessoa ou empresa criadora, ou softhouse) determinado programa de computador, para fins próprios e certos 56. O art. 4º da Lei do Software dispõe que salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos. Assim, pela leitura deste dispositivo legal, nos contratos de encomenda de programa de computador o contratante é o titular dos direitos relativos ao software, sendo conferida a ele a proteção prevista pela Lei n. 9.609/98, salvo estipulação contratual em contrário. Não obstante, Maria Cecília de Andrade Santos observa que usualmente há estipulação contratual para que a titularidade do programa de computador fique com a parte contratada: o que se verifica na prática é que dificilmente há transmissão da titularidade do programa e a entrega do código fonte, e, quando isto ocorre, geralmente o preço aumenta ou dobra, havendo inclusive ignorância dos próprios adquirentes quanto à existência de tais direitos e do valor decorrente do potencial de exploração econômica. A prática 56 BITTAR, Carlos Alberto. Os Contratos de Comercialização de Software. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Novos Contratos Empresariais. São Paulo: RT, 1990. p. 44.

19 tem demonstrado que as partes limitam-se a celebrar um contrato de licença de utilização, e, dependendo do interesse, decidem se será temporário ou perpétuo 57. Assim, o contrato de encomenda resta por ser cindindo em duas etapas: uma composta pelo contrato de encomenda propriamente dito, com reserva de titularidade à parte contratada; e outra consistente em um contrato de licença de uso, até porque esta é a única forma admitida em lei para o uso de programa de computador, como será visto mais adiante. 3.3.2. Contrato de cessão A Lei do Software não prevê a cessão dos direitos do autor, mas em contrapartida não veda esta possibilidade. Logo, é aplicável a Lei dos Direitos Autorais no que concerne à cessão da titularidade dos programas de computador, em virtude do art. 2º da Lei do Software 58. O art. 50 da Lei dos Direitos Autorais dispõe que a cessão de direitos autorais deve sempre ser onerosa e realizada por escrito, dentre outras limitações, previstas nos incisos do art. 49 59 da lei em epígrafe. Embora o contrato de cessão se aproxime do contrato de compra e venda, com ele não se confunde, pois enquanto na compra e venda ocorre a transferência da titularidade de uma mercadoria em caráter perpétuo, na cessão há a transferência de direitos, em regra, a título temporário 60. Ademais, os direitos morais do autor do programa de computador, embora limitados, não são transferidos pela cessão. É um direito indisponível, e como tal não pode ser vendido, comercializado. 57 SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Op. Cit., p. 58. 58 Art. 2º. O regime de proteção a propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei. 59 Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações: I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei; II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita; III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos; IV - a cessão será válida unicamente para o País em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário; V -a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato; VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato. 60 OLIVEIRA, André da Silva de. A Tributação do Programa de Computador: ICMS ou ISS? Cit., p. 83.

20 Assim, a única forma de transferir a titularidade de um programa de computador, com as ressalvas já referidas, é através do contrato de cessão. 3.3.3. Contrato de licença de uso Alexandre Libório Dias Pereira apresenta duas espécies de licenciamento: as relativas à produção e distribuição e as de utilização. A primeira consiste no contrato pelo qual o titular dos direitos concede a outrem, em certos termos, autorização para, durante um determinado período de tempo, e, mediante retribuição, produzir e comercializar, por conta própria, um determinado número de cópias de um programa de computador 61. Já a licença de utilização é o contrato de programa de computador típico, e é o licenciamento previsto no art. 9º da Lei do Software, que dispõe taxativamente: o uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença. Esta forma de licenciamento pode ser definida como um ato inter vivos, oneroso ou gratuito, pelo qual uma pessoa, o licenciante ou cedente, transfere a outrem, o licenciado ou cessionário, o crédito ou direito de uso de que é titular acerca de um bem fungível, de caráter intelectual ou imaterial. Recebe, como pagamento pelos direitos de autor, uma remuneração denominada royalties 62. A característica precípua do contrato de licença de uso é que esta forma contratual autoriza o consumidor a utilizar o programa, sem contudo transferir a ele a propriedade 63. O programa de computador standard, ou padrão, é objeto por excelência do contrato de licença de uso, somando-se a este a maioria dos programas por encomenda, cuja titularidade fica com a parte contratada, licenciando-se o uso para a parte contratante. Assim, o grande contingente de contratos efetuados em sede de programas de computador é o de licenciamento. Os contratos de cessão e os de encomenda (quando puros ) são parcos. Não obstante a possibilidade destes contratos, a única forma de comercialização do software é o contrato de licença de uso: 61 PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Contratos de Software. Textos de apoio ao Curso de Direito da Comunicação no ano letivo de 1995/1996, Instituto Jurídico da Comunicação, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1997. p. 136. Apud SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Op. Cit., p. 56. 62 CERQUEIRA, Tarcisio Queiroz. Licença de Uso e Locação de Software: a fungibilidade do programa de computador. Disponível em: <http://www.nts.com.br/tarcisio/artigos/licenca_uso.htm>. Acesso em: 23 jun. 2000. 63 OLIVEIRA, André da Silva de. A tributação do programa de computador padronizado In: ROVER, Aires José (Org.). Direito, Sociedade e Informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000. p. 163.

21 a lei 9.609/98 estabelece, de forma inconfundível, em seus arts. 7º e 9º, que os programas de computador devem ser comercializados através de contratos de licença de uso. Não dispõe a lei de forma diferente, não admite expressamente qualquer outra alternativa de modalidade de comercialização 64. Deve-se entender comercialização como a maneira pela qual o titular do programa de computador aufere benefícios econômicos de sua criação. O programa de computador, em si, só cumpre sua destinação quando efetivamente utilizado, e é de sua utilização que o titular da propriedade intelectual irá se beneficiar economicamente. Como o uso do software é adstrito ao licenciamento, em se tratando de comercialização de software, a forma contratual possível é a licença de uso, conforme determina o art. 9º da Lei do Software. Em virtude disto, nunca ocorre venda considerada em sua acepção técnica de programas de computador para o usuário final. A venda implica em transferência de propriedade 65, o que não ocorre no licenciamento. Esta constatação é de cabal importância ao estudo da incidência tributária no âmbito das transações envolvendo programas de computador. 64 CERQUEIRA, Tarcisio Queiroz. Não há fundamentação legal para a tributação de operações com programas de computador. In: ROVER, Aires José (Org.). Direito, Sociedade e Informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000. p. 155. 65 Como já observado, a transferência de propriedade só se dá na cessão e na encomenda (quando não há disposição contratual reservando a titularidade para o criador do software). Mesmo assim, a transferência não é plena, pois ficam salvaguardados ao criador do programa de computador os direitos morais previstos pela Lei do Software em seu art. 2º.

22 CAPÍTULO II CONCEITOS DE DIREITO TRIBUTÁRIO 1. Princípio constitucional da legalidade tributária O ordenamento jurídico é composto de várias normas, compostas hierarquicamente. Sucessivamente, uma norma busca seu fundamento de validade em outra norma imediatamente superior. Nas palavras de Hans Kelsen, as normas de uma ordem jurídica estão dispostas em uma construção escalonada de normas supra-infra-ordenadas umas às outras 66. Galgando-se o escadório hierárquico, chega-se à norma fundamental, que confere o fundamento de validade a todas as demais. Em um Estado de Direito, como o nosso, a norma fundamental se materializa na Constituição, que encarna a soberania do Estado que a editou 67, porquanto as normas constitucionais integram o cume da pirâmide jurídica. Dentro do ordenamento jurídico, encontramos normas que ocupam posição destacada: os princípios. Roque Antonio Carrazza define princípio jurídico como um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam 68. Os princípios exsurgem em diversas esferas do ordenamento jurídico, destacando-se entre eles os princípios constitucionais, por integrarem o ático do edifício jurídico. Assim, como os princípios informam e dirigem a urdidura jurídica, indubitável a proeminência dos princípios constitucionais sobre todo o orbe jurídico. Vários princípios constitucionais regem o Direito Tributário, 66 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. pp. 213-214. 67 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 28. 68 Idem. pp. 31-32.