OS CONCEITOS DE PÁTRIA E NAÇÃO À ÉPOCA DA INDEPENDÊNCIA NA AMÉRICA PORTUGUESA 1820 A 1834

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Transcrição:

OS CONCEITOS DE PÁTRIA E NAÇÃO À ÉPOCA DA INDEPENDÊNCIA NA AMÉRICA PORTUGUESA 1820 A 1834 Aluna: Thiago Mathias Costa Orientador: Marco Antonio Villela Pamplona Introdução Durante o período da Independência na América Portuguesa observou-se uma transformação no conceito de Pátria, onde o pertencimento regionalista perdeu espaço, progressivamente para uma concepção mais nacional, associada ao Estado em construção. Este projeto político e ideológico encaminhado pela corte de Dom Pedro sofreu grande resistência por parte das oligarquias provinciais, como foi o caso das províncias do Grão Pará, Bahia e Pernambuco. O desdobramento das revoluções liberais na Europa resultou na instalação das Cortes Constituintes em Lisboa que passariam a funcionar como um centro de poder paralelo ao da Coroa sediada no Rio de Janeiro. Foi nesse momento que as províncias do reino experimentaram uma intensa atividade política. A América Portuguesa no final do século XVIII e XIX não era um bloco integrado, sendo mais associada a um compósito de mosaicos [2] alguns mais ou menos integrados com Lisboa, mas sem qualquer ou com muito pouca integração entre si. Isto contribuiu para que, à época da Independência, várias destas regiões tivessem uma ideia de Pátria bastante diferente daquela que começava a ser proposta pelas cortes do Rio de Janeiro [2]. Demétrio Magnoli no seu texto O Estado em Busca do Seu Território [3] demonstra como a América Portuguesa desde o final do século XVII passou por uma serie de intensas transformações geopolíticas, datadas do período Pombalino, que tinham como objetivo melhor controlar a então América Portuguesa. Conceitos como Pátria e Nação não tinham o mesmo significado. Mas, ao longo dos anos pós-independência, o recémcriado Império Brasileiro começou a aproximar o conceito de Pátria ao de Nação. Com o sucesso do reconhecimento externo do novo Império Brasileiro percebeu-se a necessidade e dificuldade em construir um programa de unidade que subordinasse as (agora) províncias a um centro político de fato, materializado no imperador e tendo o Rio de Janeiro como sede das decisões políticas. Tal centralização da autoridade que distinguia o Estado das oligarquias provinciais e buscava consagrar o poder do Executivo sobre as esferas regionais e locais acabou por ser incorporada à Constituição de 1824. Nela, as províncias que até então gozavam de certa autonomia política e administrativa, passariam a figurar unicamente como (...) circunscrições territoriais da unidade geral. A divisão do território circunscrevia-se apenas à dimensão administrativa, não possuindo nenhuma substância política. Ou, dito de outro modo, a atividade política tinha por condição a lealdade à integridade territorial do Estado e implicava a renúncia absoluta à própria representação de espaços políticos regionais. [3] Esse poder imperial no Rio de Janeiro certamente limitava a autonomia das províncias e comprometia os interesses das oligarquias ali dominantes. Assumindo a forma de uma entidade oligárquica de tipo pré-nacional [3] o Estado Imperial buscou para si a função de gerir os múltiplos e por vezes conflitantes interesses dessas oligarquias que se expressavam de maneira desigual no território brasileiro.

Longe de ter sido um processo pacífico, o Estado imperial conseguiu impor seu programa de construção da unidade política e territorial, programa este primordial para que se legitimasse como Estado-Nação, mas, também, fundamental por ser fonte de sua própria existência. O caso da província de Pernambuco No caso da província de Pernambuco, entretanto, tal aproximação imperial encontraria vários problemas. Desde a segunda metade do século XVIII a região constituída pelas capitanias subordinadas à capitania de Pernambuco e pela comarca de Alagoas passara por um gradativo processo de reordenamento territorial. A sociedade dessa região havia sido bastante dinâmica e em expansão. O processo de interiorização que ocorreu a partir deste período e manifestou-se em um maior crescimento demográfico, tanto nas áreas rurais como nas áreas urbanas. O reordenamento administrativo e territorial da área representou, pois, o reconhecimento do Estado português dessa dinâmica territorial e da valorização econômica da província. No plano político, significou a maior presença do Estado na colônia, mas também permitiu, de certa maneira, a incorporação dos poderes locais ao aparato politicoadministrativo da colônia através das câmaras municipais. A efêmera experiência republicana de 1817 deixara marcas profundas e, quando houve a tentativa da província de aderir ao constitucionalismo advindo da revolução do Porto, novos projetos políticos entraram em cena. Em outubro de 1821, por exemplo, foi eleita a primeira junta de governo provisório com duas importantes propostas: primeiro, uma grande ação administrativa, incluindo a instrução pública, a criação de uma inspetoria de obras públicas, reformas na administração pública e maior controle sobre as rendas locais [1]. Segundo, um modo de governar que fazia largamente apelo à grande participação de várias camadas da população, convocando-as para deliberar em Grandes Conselhos. Essa participação local nas câmaras municipais desempenhou um papel importante entre os anos de 1821 e 1824 formando estruturas de representação local pelas quais os povos passaram a expressar suas reivindicações, discordâncias, ou mesmo o seu apoio e submissão ao poder central. Essa junta de governo seria posteriormente deposta por uma sedição militar, urdida com o apoio e sob influência do ministério do príncipe regente [1]. Mas, mesmo o novo governo que a substituiu acabaria levando, no futuro, a outra experiência política bem mais importante, marcando profundamente a região Recife e cidades e vilas de ser entorno no ano de 1824: a Confederação do Equador. No contexto estudado, entretanto, o dos movimentos políticos ocorridos entre 1817 e 1824, é importante destacar a participação de um grande número de pessoas tidas como do comum (isto é, não apenas os homens de condição ) nos eventos da política principalmente a crescente participação dos negros livres e, entre eles os que faziam parte de instituições bastante tradicionais, como as tropas auxiliares de pretos e pardos. Dada a importância deste grupo é necessária uma maior explicação de suas origens, motivações e onde estavam inseridos socialmente. Em 1810, segundo Luiz Geraldo Silva, cerca de 42% da população de Pernambuco eram de negros e mulatos livres. Esses segmentos da população local habitavam as cidades e vilas mais importantes da província, além das áreas rurais ainda disponíveis na Zona da Mata e do Agreste. Suas sociabilidades eram vividas no mundo do trabalho e das tavernas, além desses setores disporem de instituições como as irmandades e os terços de pretos e pardos. Uma das vias mais destacadas de ascensão social para os homens livres de cor eram os terços auxiliares que funcionavam na capitania de Pernambuco. Os primeiro membros eram

remanescentes das guerras de invasão (1630-1640) e restauração (1645-1654) da capitania contra o domínio holandês. Em meados do século XVII, havia terços de Henriques em quase todas as freguesias de Pernambuco e suas capitanias anexas. Em 1768, os terços de pardos eram compostos por 2359 praças, número maior que a da tradicional milícia negra egressa da restauração. Não se deve atribuir o crescimento dos terços apenas pelo desejo de ascensão social de negros livres, mas também pelo aumento de conflitos bélicos que nesse momento ocorriam nas fronteiras meridionais e no norte amazônico. Ao mesmo tempo em que se percebe esse desejo de ascensão social entre membros dessa camada social, pode-se se perceber o desejo da metrópole de utilizar esses novos contingentes militares como bucha de canhão nos conflitos ocorridos nesse período. É notável a mobilidade desses homens e sua capacidade de construir redes de sociabilidade que se estendiam para fora de suas vilas, cidades e capitanias. Muitos homens de cor que sabiam ler e escrever se deslocavam com frequência e carregavam ideias, textos e noticias sobreo o que acontecia no mundo. Citando Luiz Geraldo Silva: o negro livre possuidor de bens materiais e simbólicos que ocupava funções destacas nas mesas das irmandades ou em corpos militares exercia verdadeiro fascínio sobre os cativos [4]. Sendo assim, para aqueles que ainda eram escravos, era um exemplo para ser seguido. Os negros livres que participaram das lutas políticas tinham conflitos de ideias, admiravam e incomodavam-se tanto com a visão barroca de mundo, como com as ideias liberais. Por um lado incorporavam aspectos que se reportavam a crítica ilustrada e radical da monarquia, mas ao mesmo tempo mantinham vivas aspirações do Antigo Regime: a busca de cargos, promoções, privilégios e sinais de status e distinção social. O que explica como alguns revolucionários republicanos em 1817 cederam aos encantos do projeto imperial do Rio de Janeiro. Logo, servindo ao rei ou lutando contra ele, os negros livres da era da Independência viviam uma tensão interna entre as ideias mais democráticas da ilustração e o acesso a bens materiais e simbólicos típicos do Antigo Regime. Assim ora eles se uniam a movimentos de autonomia, ora ao projeto político do Rio de Janeiro. Objetivos A pesquisa indaga sobre o valor conferido aos termos pátria e nação dentro da linguagem política e social utilizada à época das independências, para mostrar como eles vão se transformando e se adaptando, sendo influenciados e influenciando, simultâneamente, as transformações políticas em curso. Na documentação existente, conceitos como pátria, nação e povo apresentam diferentes significados, conforme as províncias tratadas e nem sempre seus sentidos coincidem com aqueles contemplados pelo projeto político proposto a partir da corte do Rio de Janeiro. Assim a análise parte de questões sobre a utilização desses conceitos, se foram objeto de disputa e sobre que pontos se deram as principais controvérsias. Quem utilizava esses conceitos? Quais os seus propósitos e a que tipo de público se destinou os seus usos? Houve uma ressemantização ou ressignificação desses termos? Tais mudanças passaram a fazer parte de algum vocabulário ou linguagem específicos? Entende-se, portanto, que será com a análise dessas categorias pátria e nação das quais os contemporâneos se utilizaram e com as quais deram sentido ao campo político, que poderemos entender como foi reativada e politizada essa linguagem do patriotismo na América portuguesa.

Metodologia A pesquisa tomou como ponto de partida o exame de documentos que mostravam as principais notícias e informes produzidos pelas autoridades locais das províncias brasileiras do Pará, Bahia e Pernambuco, onde ocorreram as maiores reações ao então conturbado e instável momento político vivido pelo nascente Império do Brasil após a independência dentre estes demos destaque principalmente aos periódicos publicados nessa época. Além disso, durante os encontros do grupo de pesquisa discutimos as análises dos textos teóricos e historiográficos lidos em conjunto e as apresentações dos alunos sobre os respectivos temas individuais. As diversas formas de autonomia buscadas na reação das antigas províncias da América Portuguesa ao processo de independência e a utilização que fizeram dos conceitos de Pátria e Nação foram a preocupação em todos os estudos de caso. Coube-me estudar no âmbito dos periódicos da região de Pernambuco primeiramente o intitulado Segarrega, começando do número um ao número dez que cobre o período de dezembro de 1821 e maio de 1822. Segundo jornal aparecido na cidade de Recife impresso na oficina Trem de Pernambuco e posteriormente na Tipografia Nacional, o Segarreaga, teve seu primeiro número datado em 8 de dezembro de 1821. Possuí o formato de 27 x 18, com quatro páginas com duas colunas de 12 cíceros e valor de 80 réis. O seu redator foi Filipe Mena Calado da Fonseca, um português radicado no Recife desde criança e que foi um dos participantes do movimento de 1817, além de ex-secretário da junta revolucionária de Goiana, traz no artigo de abertura, uma ideia de qual seria a sua linha editorial: Não pretendo dar uma determinada direção à opinião pública; limitar-me-ei a narrar fatos despidos de todo o atavio de figuras. Minhas reflexões serão imparciais e não serei aferrado aos meus princípios ao ponto de desprezar as advertências dos meus correspondentes. Prometo ser fiel à palavra. Referir acontecimentos, eis a principal tarefa da Segarrega, que também acolhe a correspondência noticiosa e oficiosa [...]. Divulgava atos oficiais; correspondências entre o governo pernambucano e o regencial; notícias das províncias vizinhas e do exterior; avisos de interesse público, como saída de embarcações do porto do Recife, venda de imóveis, gêneros alimentícios, compra e venda de escravos. Nos números um e dois tanto o redator quanto as cartas publicadas no periódico deixam claro o fato destes que escreviam e seus leitores se considerarem Pernambucanos e não Portugueses, chamando os que moravam na província de Portuguezes de Pernambuco (sic) já no âmbito nacional se chamavam de Brasillianos (sic). No Segarrega de número três datado em 29 de janeiro de 1821, o redator escreveu em seu editorial que a junta de governo fora eleita na província com sucesso, apesar de vozes contrárias de um cardume de baxas [sic], mandarins mandões e servis que, movidos por interesses próprios, procuravam minar a Constituição. O jornalista se perguntava se importava que até mesmo o governador do bispado fosse contra aquelas reformas. De qualquer maneira as reformas haviam começado e pedia ao público que observasse o efeito das mudanças e advertia que mesmo com novos governantes as irregularidades não seriam ao todo erradicadas, mas diminuiriam, provando a diferença na forma como vinham sendo organizados os negócios públicos. O cidadão logo percebeu os efeitos das mudanças passando a expor seus pensamentos por meio de cartas enviadas ao periódico que denunciavam as autoridades, os maus funcionários e os problemas da administração pública. Em uma carta publicada no Segarrega número sete de 9 de março de 1822 um correspondente escreveu que o cidadão não temia em escrever verdades. Para ele a Constituição assegurava às pessoas o direito da fala, por isso todos queriam obedecer à lei e desejavam ser bem governados. No entanto, outros cidadãos não eram tão otimistas, por achar que muitos haviam se beneficiado no tempo do Antigo Regime, poderia tentar fazer parte das mudanças para se

beneficiar como antigamente. Um deles escreve no Segarrega número nove do dia 24 de abril de 1822, não haver na província cantinho por onde o corcundismo e o interesse tenham deixado de fazer suas presas. Segundo ele, durante as eleições para deputado suplente às cortes de Lisboa realizadas em dezembro de 1821, Manoel Félix Veras foi eleito para representar a província. O eleito era apaixonado do sistema velho. Assim a província não deveria esperar nada dele, pois como era contra o sistema constitucional, provavelmente quase não lutaria a favor dos interesses dos pernambucanos. Conclusões No tratamento que pretendemos conferir à discussão do vocabulário político do patriotismo, com destaque para os conceitos de pátria e nação, no período assinalado, buscaremos atentar para os distintos contextos linguísticos aos quais os registros das fontes analisadas pertenciam ou se encontravam inseridos, bem como reconhecer ou identificar os agentes sociais que os produziram esses discursos políticos. Os momentos de tensão social e instabilidade política vividos por Pernambuco, tanto em 1817 como em 1824, possibilitou uma experiência transformadora cuja amplitude se fez sentir em todas as camadas sociais. Como podemos ver o Segarrega foi um dos porta-vozes dessa transformação a incentivar os cidadãos e a denunciar, em suas folhas, os resquícios do Antigo Regime. O cidadão não deveria mais temer os desmandos administrativos. A presença das demais categorias sociais (cativos e homens de cor livres) não deve ser subestimada, e tampouco esvaziada de qualquer reinvindicação própria. Com nosso estudo, pretendemos aprofundar algumas dessas questões. Referências 1 - BERNARDES, Denis Antonio de Mendonça. Pernambuco e sua Área de Influencia: Um território em transformação (1780-1824). In: JANCSÓ, István (org.). Independência: Independência História e Historiografia. Editora HUCITEC. São Paulo, 2005, p.379-410 2 - JANCSÓ, István. Independência, independências. In: JANCSÓ, Istvan (Org.). Independência: Independência História e Historiografia. Editora HUCITEC. São Paulo, 2005, p.17-48. 3 - MAGNOLI, Demétrio. O Estado em busca do seu território. In: JANCSÓ, Istvan (Org.). Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, 2003, p.285-296. 4 - SILVA, Luiz Geraldo. Aspirações barrocas e radicalismo ilustrado. Raça e nação em Pernambuco no tempo da Independência (1817-1823). In: JANCSÓ, Istvan (Org.). Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, 2003, p.497-529. 5 -. Negros patriotas. Raça e identidade social na formação do Estado Nação (Pernambuco, 1770-1830). In: JANCSÓ, Istvan (Org.). Independência: Independência História e Historiografia. Editora HUCITEC. São Paulo, 2005, p.915-934.