Cuche, Denys. A Noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 1999.

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Transcrição:

Cuche, Denys. A Noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 1999. -Introdução. - A noção de cultura é inerente à reflexão das ciências sociais. E é necessária para pensar a unidade da humanidade na diversidade para além dos termos biológicos. Essa noção fornece a resposta mais satisfatória à questão da diferença entre os povos, contra a resposta baseada na noção de raça (p. 9). - O ser humano é essencialmente um ser de cultura (p. 9). É a cultura que torna possível a transformação da natureza (p. 10). - Se todas as populações humanas possuem a mesma carga genética, elas se diferenciam por suas escolhas culturais. A noção de cultura é o instrumento adequado para acabar com as explicações naturalizantes dos comportamentos humanos. A própria natureza é interpretada pela cultura (p. 10). - Nada é puramente natural no homem. Mesmo aquelas funções que correspondem a necessidades fisiológicas (fome, sono, desejo sexual) são informadas pela cultura: as sociedades não dão as mesmas respostas culturais a estas necessidades. - Desde que surgiu, no século XVIII, a noção moderna de cultura esteve em meio a acirrados debates. Seu uso remete à ordem simbólica, ao que se refere ao sentido é é difícil entrar em acordo quando se trata de pensar em simbologia e em sentidos. - É preciso estudar a gênese social da idéia moderna de cultura. Esse estudo nos revela que, por trás das disputas semânticas dadas à palavra, escondem-se disputas e desacordos sociais e mesmo nacionais. Essas lutas de definição são em verdade lutas sociais. - O conceito de cultura oferece a possibilidade de conceber a unidade humana na diversidade de deus modos de vida e de crença. Os debates em torno do conceito de cultura tem a ver com a ênfase na questão da unidade ou da diversidade nesse processo. - Cultura remete também à questão da identidade. Esses são conceitos que remetem a uma mesma realidade. Quando se fala na identidade de um grupo, se está aludindo à idéia de unidade cultural dele. E se leva em conta as relações dele 1

com outros grupos e como ela influencia nesse processo de formação de uma identidade (p. 14). - Embora seja tema clássico da Antropologia e da Sociologia, outras ciências recorrem ao conceito de cultura: a psicologia, sobretudo social, a psicanálise, a linguística, a história, a economia etc. A noção Tb é utilizada na filosofia. - Capítulo 1. Gênese social da palavra e da idéia de cultura. [Baseia-se no livro O Processo Civilizador, de Norbert Elias]. - As palavras têm sempre uma história. E fazem a história também. Pensar o peso das palabras é indagar sobre sua relação com a história, tanto com aquela que as fez quanto com aquela para a qual contribuem (p. 17). [Perigo das histórias únicas pensadora nigeriana, vídeo]. - Nomear é ao mesmo tempo colocar um problema e já resolvê-lo [Foucault] (p. 17). - A invenção do conceito de cultura é reveladora de aspectos da cultura onde surgiu a ocidental. Essa palavra não tem um equivalente na maior parte das línguas estudadas pelos/as antropólogos/as. [Conceito de cultura é ocidentaç século XVIII]. Isso não significa que as sociedades não tenham suas culturas! Mas que essa questão não lhes é importante muitas vezes. É importante para quem as estuda. - Vai falar sobre a gênese do conceito nas ciências sociais fundamentalmente (p. 18). - Evolução da palavra na língua francesa da Idade Média ao século XIX. - Se no século XVIII é que se forma o conceito moderno da palavra, ela já existia na França desde o século XIII. Vem do latim, significando o cuidado dispensado ao campo ou ao gado e no século XIII aparece designando uma parcela de terra cultivada. Já no século XVI, passa a ser utilizada para expressar a ação de cultivar a terra. Somente na metade do século XVI surge seu sentido figurado e passa a ser considerada a cultura de uma faculdade, ou seja, o fato de trabalhar para desenvolve-la. Mas esse sentido figurado só ganha popularidade no século XVII (p. 19). E começla a se impor no século XVIII. Entra na edição de 1718 do Dicionário da Academia Francesa e é quase sempre seguida de um complemento fala-se da cultura das artes, ou das letras, ou das ciências a coisa cultivada era explicitada (p. 20). Progressivamente, passa a ser utilizada para se 2

referir somente à formação, educação do espírito. Passa-se de cultura como ação a cultura como estado idéia de ter cultura. Em 1798, o Dicionário da Academia fala num espírito natural e sem cultura, sublinhando assim a oposição conceitual entre natureza e cultura (p. 20). Tal oposição é fundamental para os pensadores do Iluminismo. A definição iluminista de cultura (p. 21): Soma dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade, considerada como totalidade, ao longo de sua história. Cultura como algo distintivo da espécie humana. No século XVIII, cultura é sempre empregada no singular, o que reflete universalismo e humanismo dos filósofos. Homem, em maiúscula. Cultura do Homem (p. 21). Tem a ver com a ideologia do iluminismo: a palavra está associada à idéia de progresso, evolução, educação, razão, questões centrais para o e no pensamento daquela época. Repercussão não apenas na Inglaterra e França, mas em outras grandes metrópoles Berlim, Milão, Madri, Amsterdam, Lisboa e São Petesburgo (cidade russa, também conhecida como Petesburgo foi Tb chamada de Petrogrado durante a União Soviética) (p. 21). Otimismo do século XVIII confiança no futuro perfeito do ser humano. Progresso=instrução=cultura (p. 21). - Cultura aparece muito próxima à idéia de civilização, palavra que na França do século XVIII fará mais sucesso ainda. Mesmo campo semântico. Mesmas concepções fundamentais. Mas não são equivalentes. Cultura indica progressos individuais; civilização, os coletivos (p. 21-22). Civilização idéia cara aos pensadores buegueses reformadores apoio na razão, nos conhecimentos, no progresso. Seria algo positivo, um processo de melhoria das instituições, da legislação e da educação (p. 22). Busca por liberar o Estado de tudo que fosse irracional. Por fim, a civilização era algo que podia e devia ser estendido a todos os povos que compõem a humanidade. Ligação com evolucionismo (p. 22). E com visão progressista da história [Rousseau era um dos que se opunham a essa visão muito embora vá influenciar os revolucionários, não acreditava nessa noção progressista da história] (p. 23). - Tanto o uso de cultura quanto de civilização, no século XVIII, marcam uma concepção histórica dessacralizada. A filosofia da história se liberta da teologia. Homem no centro das reflexões e do universo [sujeito e objeto de conhecimento]. Surgem as condições para o desenvolvimento das ciências do homem (p. 23). Expressão utilizada por Diderot pela primeira vez em 1755; etnologia, Alexandre de Chavannes, 1787 diz que é a disciplina que estuda, nas palavras do próprio, a história dos progressos dos povos em direção à civilização (p. 23). - O debate franco-alemão sobre a cultura ou a antítese cultura / civilização (século XIX início do século XX). 3

- Kultur no sentido figurado aparece na língua alemão no século XVIII, sendo transposição exata do conteúdo da palavra francesa (p. 23). Prestígio da língua francesa entre as classes superiores alemãs; influência do Iluminismo (p. 23-24). - Mas na segunda metade do século XVIII já tem um sentido mais restrito que sua homóloga francesa. Norbert Elias, em 1939,k vai dizer que esse sucesso da palavra se deveu à sua adoção pela burguesia intelectual alemã em seu uso como oposição à aristocracia da corte. Diferentemente da França, na Alemanha a burguesia e a aristocracia não têm laços estreitos. A nobreza é relativamente isolada das classes médias, as cortes são muito fechadas e a burguesia afastada de ações políticas. Na segunda metade do século, intelectuais vão opor os chamados valores espirituais (baseados na ciência, arte, filosofia, religião) aos valores de corte ou corteses da aristocracia (p. 24). É uma crítica aos príncipes que governavam os diferentes estados alemães, que seriam por demais afracesados. Opõe-se a noção de cultura da de civilização, como a profundidade se opõe à superficialidade. A intelligentsia alemã se coloca a tarefa de desenvolver e fazer irradiare a cultura alemã. Por esta tomada de consciência, a ênfase da antítese cultura civilização se desloca pouco a pouco da oposição social para a oposição nacional (p. 25), como vai dizer Norbert Elias em 1939. Crítica à afrancezação e reabilitação da língua alemã (a vanguarda intelectual se expressavam nela), busca por definir o que era especificamente alemão. Contexto de unificação do Estado alemão necessidade de procurar unidade no plano da cultura (p. 25-26). - Essa cultura que distinguia no século XVIII a intelectualidade alemã, no XIX vai se converter em marca distintiva da Nação inteira (p. 26). Expressão de uma consciência nacional que questiona sobre o aspecto específico do povo alemão que não conseguiu ainda sua unificação política. Diante das poderosas França e Inglaterra, glorificando sua cultura a Alemanha esfacelada e enfraquecida por divisões políticas pôde afirmar sua existência (p. 27). - Por isso que no século XIX a noção distancia-se da noção francesa de civilização. Enquanto uma tende à universalização, a outra busca especificidades. Por isso se diz que a cultura, na Alemanha, era uma noção particularista. Enquanto civilização é universalista, expressão de uma nação unificada desde há muito e com pretensões expansionistas já (p. 27). Preocupações diferentes. - Johann Gottfried Herder, em 1774, final do XVIII, Uma outra filosofia da história, já criticava a noção de civilização e ressaltava a especificidade de cada cultura. Cada cultura exprimiria à sua maneira um aspecto da humanidade [essa idéia se 4

mantém] (p. 27). Espécie de precursor do conceito relativista de cultura [Dumont, por exemplo, diz isso] (p. 28). - No início do XIX, o esforço para definir esse caráter alemão se intensifica, após a derrota para Napoleão e a ocupação das tropas napoleônicas na Alemanha (p. 28) - Essa noção evolui no século XIX ligada ao nacionalismo. Cultura liga-se à idéia de Nação. Vem da alma, do gênio de um povo. A nação cultual precede a nação política. Cultura como conjunto de conquistas artísticas, intelectuais e morais que constituem o patrimônio de uma nação, algo que funda sua unidade (p. 28). Na França, esse sentido da palavra cultura não era tão claro a noção sempre esteve ligada à idéia de civilização (p. 29). O conceito francês era mais marcado pela idéia de unidade do gênero humano. E o nacionalismo francês era mais universalista. No século XX, a rivalidade dos dois nacionalismos se exarceba e mostra um debate ideológico entre as duas concepções de cultura. As palavras tornam-se slogans utilizados como armas (p. 30). O debate franco-alemão do século XVIII ao século XX é arquetípico das duas concepções de cultura, uma particularista, a outra universalista, que estão na base das duas maneiras de definir o conceito de cultura nas ciências sociais contemporâneas (p. 31). - Capítulo 2. A invenção do conceito científico de cultura. - Antropologia: como pensar a especificidade humana na diversidade dos povos e dos costumes? - Postulado da unidade do ser humano, herança da filosofia iluminista. A dificuldade é pensar essa unidade na diversidade. Proposta é dar outra explicação à diversidade, diferente da suposição de raças diferentes. Dois caminhos serão percorridos: um que privilegia a unidade e minimiza a diversidade ela seria temporária é o esquema evolucionista (p. 33); o outro caminho dá importância à diversidade, preocupando-se em demonstrar que ela não é contraditória com a unidade da humanidade (p. 33-34). O conceito que vai permitir enfrentar essa problemática é o de cultura (p. 34). - Antropologia tenta uma autonomia em relação ao debate entre cultura e civilização. - A introdução do conceito difere de país a país. E não houve entendimento entre as diferentes escolas sobre a questão de saber se era preciso utilizar o conceito no singular (a Cultura), numa acepção universalista; ou no plural (as culturas), numa acepção particularista (p. 34-35). 5

- Tylor e a concepção universalista de cultura. - Edward Burnett Tylor, antropólogo britânico, que em 1871 define a cultura como um todo complexo. Uma definição que se pretende descritiva, objetiva. Rompe com as descrições restritivas a cultura é a expressão da totalidade da vida social do homem. Caracteriza-se por sua dimensão coletiva. E é adquirida, não depende da hereditariedade biológica (p. 35). Ele foi influenciado por pensadores alemães e pela tradição romântica germânica (p. 36). - Tylor não utilizou civilização porque essa palavra remetia às cidades e não poderia ser aplicada aos primitivos. E o conceito de cultura sim. Partilhava dos pressupostos evolucionistas de seu tempo (p. 36). Não duvidava da unidade psíquica da humanidade, contudo. Aderiu também à concepção universalista francesa dos filósofos do século XVIII. [Seu conceito meio que junta cultura e civilização, segundo o Laraia]. - Tylor tentou conviliar em um mesmo conceito a evolução da cultura e sua universalidade, no seu livro Cultura Primitiva, de 1871. Obra que se considera ter fundado a antropologia como ciência autônoma. Examina as origens da cultura e a sua evolução. Dedica-se ao estudo da cultura em todas as sociedades e sob todos os aspectos, materiais, simbólicos e até corporais (p. 37). Tylor passou uma temporada no México, onde elaborou seu método de estudo da evolução cultural pelo exame de sobrevivências culturais. No México, observou a coexistência de costumes ancestrais e traços culturais recentes. Estudando as sobrevivências, seria possível reconstituir o conjunto cultural original. Era seu princípio metodológico. Daí que a cultura dos povos primitivos representasse globalmente a cultura original da humanidade: era sobrevivência das primeiras fases da evolução cultural pelas quais os povos civilizados já teriam passado necessariamente (p. 37-38). Esse método levava à adoção do método comparativo, que Tylor introduziu na Antropologia. Por meio da comparação, seria possível reconstituir a escala grosseira dos estágios da evolução da cultura. Desejava provar a continuidade entre a cultura primitiva e a civilizada (p. 38). Não há, para ele, entre primitivos e civilizados uma diferença de natureza, mas de grau cultural. Reconhecia a humanidade e o atraso primitivos ao mesmo tempo (p. 38). Já coloca os seres humanos como seres de cultura. Seu evolucionismo, portanto, não excluía certo grau de relatividade cultural (p. 38-39). Foi graças a Tylor que a Antropologia tornou-se ciência e disciplina universitária na Inglaterra ele foi o primeiro professor da disciplina, em Oxford, em 1883 (p. 39). - Frans Boas e a concepção particularista de cultura. 6

- Boas (1858-1942) foi o primeiro a fazer pesquisas de campo para a observação prolongada das chamadas culturas primitivas. Foi o inventor da etnografia (p. 39). - Veio de uma família judia alemã e sempre foi sensível à questão do racismo. Foi vítima do anti-semitismo na universidade. Cursou física, matem patica e geografia na Alemanha. Em 1883-1884 participa de uma expedição entre os esquimós da terra de Baffin. Foi com preocupações de geógrafo e percebeu que a organização social era determinada mais pela cultura do que pelo ambiente físico. Retorna para a Alemanha interessado por Antropologia. Parte em 1886 novamente para a América do Norte e vai realizar pesquisas etnográficas de campo sobre os índios da costa noroeste, na Colúmbia Britânica (p. 40). - Entre 1886 e 1889, permaneceu entre os Kwakiutl, os Chinook e os Tsimshian. Em 1887 decide adotar a nacionalidade norte-americana e estabelecer-se nos Estados Unidos (p. 40). - Sua obra é uma tentativa de pensar a diferença, que entre os grupos humanos entende como cultural e não racial. Dedica-se a desmontar o conceito de raça. É impossível definir uma raça com precisão. A característica dos grupos humanos no plano físico é a plasticidade, a instabilidade e a mestiçagem. Antecipou descobertas posteriores da genética das populações humanas (p. 41). Também apontou o absurdo das ligações entre traços físicos e mentais, implícita na noção de raça. As diferenças entre primitivos e civilizados são de cultura, portanto adquiridas, e não raciais. Foi um dos primeiros a abandonar o conceito de raça na explicação dos comportamentos humanos (p. 41-42). - Toma de Tylor o conceito de cultura. Mas ao contrário dele, não fala no singular. Fala em culturas. Era reticente em relação à teoria evolucionista unilinear que dominava o campo intelectual. Em 1896, apresenta uma comunicação chamada Os limites do método comparativo em antropologia, na qual em que critica o evolucionismo (p. 42). - Também duvidava das teses difusionistas. A idéia de difusão de traços culturais. Rejeitava explicações universalizantes e qualquer generalização que não pudesse ser demonstrada empiricamente. Era um empirista, portanto (p. 42-43). Antropologia advinha da observação direta. Tudo deveria ser anotado, até os mínimos detalhes. Era necessário aprender a língua, e não utilizar informantes. A não se deve levar em conta apenas as entrevistas formais, mas as conversas espontâneas. Isso demanda longo tempo de permanência junto à população cuja cultura se quer estudar (p. 43). Adere à tese de que cada cultura constitui um todo coerente e funcional. Tem o relativismo cultural como um princípio metodológico. Contra etnocentrismo na prática científica (p. 44). Tinha, assim, uma concepção 7

relativista de cultura. Foi influenciado pela concepção particularista alemã. Cada cultura para ele é única, específica. A atenção deveria se voltar para as especificidades de cada cultura (p. 44). Era necessário compreender os costumes em seu contexto e compreender o que fazia a unicidade de cada cultura. Além disso, explicar o vínculo entre o indivíduo e sua cultura (p. 45). Em sua obra se apóia toda a Antropologia Cultural norte-americana [ou Escola Culturalista, ou Culturalismo] (p. 46). - A palavra etnocentrismo foi criada pelo sociólogo americano William G. Summer e apareceu pela primeira vez em 1906 (p. 46). - A idéia de cultura entre os fundadores da etnologia francesa. - É na França que nasce a sociologia como disciplina científica. A Antropologia era um anexo dela (p. 48-49). - Uma constatação: a ausência do conceito científico de cultura no início da pesquisa francesa. - Na França, entre os séculos XIX e XX, não se usava o termo. Mas sim civilização. O título da obra de Tylor na França é A Civilização Primitiva! (p. 49). - Contexto influenciado pelo Iluminismo. Pouca preocupação com particularismos, mas sim com universalidade. A epopéia colonial se fazia em nome da missão civilizatória da França. A rivalidade e os conflitos com a Alemanha opunham dois nacionalismos que se serviam das noções de Kultur e e civilização como armas de propaganda (p. 50). - É só nos anos 30 do século XX, entre antropólogos de campo e que pesquisavam na África, que surge o termo cultura como conceito na França. Marcel Griaule e Michel de Leiris, por exemplo. Pesquisadores africanistas (p. 50). Mas até os anos 60, ainda se utilizava indistantemente os termos cultura e civilização. - Durkheim e a abordagem unitária dos fatos de cultura. - Emile Durkheim (1858-1917). Nasceu no mesmo ano de Boas. Desenvolve uma sociologia com orientação antropológica. Sua ambição: compreender o social em todas as suas dimensões e sob todos os seus aspectos, incluindo a dimensão cultural, através de todas as formas de sociedade (p. 51). Contribuiu para fundar a antropologia francesa. Não utilizava quase nunca o conceito de cultura. Mas para ele os fenômenos sociais têm dimensão cultural, pois também são fenômenos simbólicos. Contribuiu para extrair os pressupostos ideológicos do conceito de 8

civilização, junto a seu sobrinho Marcel Mauss. Em 1913, Nota sobre a noção de civilização. Propunham a pluralidade de civilizações sem enfraquecer idéia da unidade do homem. No artigo Algumas formas primitivas de classificação, em 1902, pretendiam mostrar que os chamados primitivos eram aptos para o pensamento lógico. Durkheim rejeitava o esquema unilinear de evolução de todas as sociedades. Pensava em caminhos diversos evolutivos, como os galhos de uma árvore. Partilhava da metáfora do social como organismo (p. 53-54). Seu pensamento era impregnado de sensibilidade em relação à relatividade cultural [embora não use muito a palavra cultura]. A idéia da normalidade como relativa a cada sociedade e a seu nível de desenvolvimento [não abandona certo evolucionismo] (p. 54). - Ele e Mauss falavam em civilizações, no plural. Retiram a carga universalizante do conceito no singular (p. 55-56). - Também era um empirista. Recusava comparações especulativas. Sua preocupação principal, em sua obra, era determinar a natureza do vínculo social. Sociedade como organismo civilizações constituem sistemas complexos e solidários (p. 56). [Certo funcionalismo ]. Era contra o psicologismo afirmava a prioridade da sociedade sobre o indivíduo. Desenvolve a teoria da consciência coletiva em O Suicídio, de 1897 composta das representações coletivas, dos ideais, valores e sentimentos comuns a todos os indivíduos de uma determinada sociedade. Tal consciência precede, se impõe, é exterior e transcende o indivíduo. A unidade social se deve à consciência coletiva, que é superior à individual (p. 57). - Essas idéias exerceram influência na idéia de cultura como super organismo, de Alfred Kroeber, de 1917. Também influencia os culturalistas americanos, preocupados com padrões culturais e personalidades básicas sociais [Vai ter no seminário 1]. Ele chegou a dizer personalidade coletiva no ligar de consciência coletiva (p. 57). - Lévy-Bruhl e a abordagem diferencial. - 1857-1939. Antropologia francesa. Sua obra inspirou uma abordagem diferencial, e não uma abordagem unitária da cultura (p. 58). Interroga-se sobre as diferenças de mentalidades entre os povos. Essa noção de mentalidades não difere muito da acepção antropológica de culturas, embora ele também quase não utilizasse o termo. Todo seu esforço consistiu em refutar a teoria do evolucionismo unilinear e a tese do progresso mental. Se opunha ao termo primitivos, embora utilizasse de vez em quando, devido ao seu largo uso no contexto em que produz (p. 59). Tentava conjugar a idéia de diferentes mentalidades à tese da unidade psíquica 9

humana (p. 61) [A idéia de mentalidade primitiva, pré-lógica, ele pensa como um instrumento metodológico para pensar a diferença, mas ainda assim foi bastante criticada posteriormente]. De todo modo, Lévy-Bruhl dizia que o que diferia entre os grupos eram os modos de exercício do pensamento e não suas estruturas psíquicas profundas [vai influenciar Lévi-Strauss]. Mas esse conceito de mentalidade que ele propõe não alcança êxito na Antropologia, como o de cultura alcança (p. 62). Vai ter mais sucesso na História (p. 63). 10