Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa 2011/2012. Módulo V.II Nefrologia



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2011/2012 Módulo V.II Nefrologia Tema da Aula:. Docente: Dr. Edgar Almeida Data: 25/11/2011 Número da Aula Previsto: 16 Desgravador: Manuel Rocha Corrector: Sara Serafino comissaodecurso0713@gmail.com desgravadascc0713@gmail.com http://comissaodecurso0713.isgreat.org/ Bibliografia Harrison s Principles of Internal Medicine, 18th Edition, Chapter 279, p. 2307-2308, Chapter 280, p. 2320-2321, Chapter 281, p.2322-2326. Site National Kidney Foundation: http://www.kidney.org/professionals/kdoqi/guidelines_commentaries.cfm #guidelines Índice BASES GERAIS DA DIÁLISE... 2 1. Porquê dialisar e quando iniciar a diálise?... 2 2. Quais são as indicações para se iniciar uma terapêutica de substituição renal?... 2 (A) DOENÇA RENAL AGUDA... 3 (B) DOENÇA RENAL CRÓNICA... 4 3. De que técnicas de substituição da função renal dispomos?... 5 (A) DIÁLISE PERITONEAL... 5 (B) HEMODIÁLISE... 7 4. Que acessos temos para realizar diálise?... 9 5. Quais são as vantagens da hemodiálise relativamente à diálise peritoneal?... 12 6. Quais são as complicações possíveis da hemodiálise?... 12 7. Como é que avaliamos a eficácia da diálise?... 13 Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 1 de 13

Nefrologia 1. Porquê dialisar e quando iniciar a diálise? Existem várias complicações inerentes ao facto de o rim não desempenhar as suas funções, quer pela acumulação de toxinas, quer pela alteração do equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base. Por um lado a anemia, porque há diminuição da produção de eritropoietina (EPO) e porque há citocinas inflamatórias, devido ao facto de se tratar de uma doença renal crónica (DRC), citocinas essas que fazem com que haja uma resposta deficitária da medula à EPO circulante. Por outro lado há alterações do metabolismo ósseo porque há diminuição da produção de vitamina D com consequente hiperparatirodisimo secundário. Há retenção dos produtos azotados e das toxinas urémicas sendo possível medir, na prática clínica diária, a ureia e a creatinina. Há alterações do equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base: na DRC, os doentes têm tipicamente acidose metabólica, hipercaliémia, hipervolémia, hiperfosfatémia e, além disso, hipertensão arterial. 2. Quais são as indicações para se iniciar uma terapêutica de substituição renal? No contexto da aula, foram referidas pelo Professor as seguintes indicações para iniciar uma terapêutica de substituição renal: Em doentes renais crónicos: Com sintomatologia urémica (ou seja, náuseas, vómitos, anorexia, astenia, alterações do padrão do sono e prurido); Com Taxa de Filtração Glomerular (TFG) < 5-10 ml/min; Desnutridos; Com derrame pericárdico e/ou encefalopatia urémica. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 2 de 13

Em doentes renais crónicos ou doentes com lesão renal aguda com as seguintes condições refractárias à terapêutica médica: Hipervolémia; Hipercaliémia; Acidose metabólica. Apesar disto, e de acordo com a fonte bibliográfica consultada, é importante ressalvar o seguinte: As técnicas de Diálise podem ser utilizadas, quer para o tratamento de doença renal aguda, quer para o tratamento de doença renal crónica. (A) Doença Renal Aguda As técnicas de Diálise estão indicadas quando a terapêutica médica falha no controlo de: Sobrecarga de volume; Hipercaliemia; Acidose; Ingestões tóxicas; Complicações graves decorrentes da urémia (ex.: asterixis, atrito ou derrame pericárdico, encefalopatia, hemorragia urémica). A tomada de decisão relativamente ao melhor timing para iniciar Diálise, nestes doentes, ainda é pouco consensual. Por um lado, o início tardio da Diálise pode acarretar riscos potencialmente evitáveis de complicações electrolíticas, metabólicas e de volume, decorrentes da Doença Renal Aguda. Por outro lado, o início precoce da Diálise pode expor desnecessariamente os doentes a procedimentos invasivos que acarretam riscos desnecessários de infecção, hemorragia, complicações relacionadas com os procedimentos em si e ainda hipotensão. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 3 de 13

Nefrologia Apesar disto, considera-se, de um modo geral, que o início da Diálise não deve ser adiado para o momento de instalação ou aparecimento de complicações graves que ponham em risco a vida do doente. (B) Doença Renal Crónica Nestes doentes, consideram-se geralmente como critérios para iniciar Diálise, os seguintes: Sintomas urémicos (ex.: pericardite urémica, encefalopatia, caimbras musculares intratáveis, anorexia e náuseas); Hipercaliemia que não ceda às medidas/terapêuticas conservadoras; Expansão de volume extracelular persistente que não ceda a terapêutica diurética; Acidose refractária à terapêutica médica; Diátese hemorrágica; Clearance de creatinina ou Taxa de Filtração Glomerular < 10 ml/min. Existem recomendações específicas para estabelecer o timing óptimo de início de Diálise nestes doentes, recomendações essas estabelecidas pela National Kidney Foundation (KDOQI Guidelines cuja consulta se recomenda para um conhecimento mais detalhado sobre este assunto). De uma forma geral, e com base na melhor evidência recente, tem-se demonstrado que o atraso no início da terapêutica de substituição renal até ao momento em que os doentes já apresentam complicações graves, designadamente complicações urémicas e malnutrição, conduz a um pior prognóstico. Neste sentido, e apesar de estudos recentes não terem sido capazes de confirmar uma associação clara entre o início precoce de Diálise e uma melhor sobrevida destes doentes, poderá ser pertinente apostar nesta abordagem. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 4 de 13

3. De que técnicas de substituição da função renal dispomos? Actualmente, dispomos de dois tipos de técnicas de substituição da função renal: o Transplante Renal e a Diálise. O Transplante Renal, proveniente de dador vivo ou cadáver, é a técnica de eleição pois confere, não só maior sobrevida, mas também maior qualidade de vida. Contudo, para além de se tratar de uma grande cirurgia, com riscos inerentes, implica ainda terapêutica imunosupressora para o resto da vida, acarretando um risco aumentado de infecções, neoplasias e complicações cardiovasculares. Relativamente à Diálise, dispomos de duas técnicas distintas: a Diálise Peritoneal (DP) e a Hemodiálise (HD). Em ambas as técnicas, existe uma membrana semi-permeável (isto é, uma membrana que não permite a passagem de todas as moléculas mas apenas as de menores dimensões) e duas soluções: o sangue e um líquido dialisante, cuja composição varia, de acordo com a técnica utilizada. Ambas as técnicas se baseiam, pois, na difusão dos solutos através desta membrana semipermeável, tendo como objectivo a depuração do sangue. (A) Diálise Peritoneal No caso da DP, a membrana semi-permeável corresponde ao peritoneu e o líquido dialisante utilizado corresponde, habitualmente, a uma solução que contém dextrose (isto é, D-Glicose). De uma maneira geral, e tal como se pode ver na figura (Fig.1), na DP é colocado um catéter no abdómen do doente (catéter de Tenckhoff), sendo infundido através deste, cerca de 1,5 a 3 L de solução dialisante para o interior da cavidade peritoneal, que permanece durante um período de aproximadamente 2 a 4h. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 5 de 13

Nefrologia É no interior desta cavidade, e através do peritoneu, que ocorrem as trocas de solutos entre o sangue e o líquido dialisante. Findas as trocas, o líquido já dialisado (que contém, portanto, o material tóxico resultante da depuração do sangue), contido no abdómen, é drenado para ser desperdiçado. Fig. 1 Diálise Peritoneal. Na DP, a remoção do material tóxico do sangue para o líquido dialisante, que ocorre através do peritoneu, depende essencialmente da combinação de três mecanismos: Difusão os solutos de menores dimensões (ex.: ureia, creatinina, fósforo, potássio, sódio) são removidos mediante um gradiente de concentração que se estabelece entre o sangue e o líquido dialisante; Convecção os solutos de maiores dimensões (ex.: ácido úrico, glicose, vitamina B12) são arrastados pela água, através da membrana. Uma vez que esta é semi-permeável, é de relembrar que as substâncias de alto peso molecular, como a albumina, não são removidas do sangue. Ultrafiltração a água é removida mediante um gradiente de pressão osmótica e hidrostática. Durante a DP, a clearance dos solutos e da água depende do balanço entre o movimento dos solutos e da água para o interior da cavidade peritoneal versus a absorção a partir dessa mesma cavidade para o sangue (via capilares peritoneais) e para a linfa (via linfáticos peritoneais). Isto significa que, a taxa de difusão diminui com o tempo e à medida que se estabelece um equilíbrio entre o plasma e o líquido dialisante. A taxa de difusão dos solutos e água através do peritoneu varia de doente para doente e depende de vários factores, designadamente, Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 6 de 13

características do peritoneu (como, presença de infecção ex.: peritonite), fármacos, posição do doente e exercício físico, entre outros. Uma vez que o líquido dialisante contém dextrose, no caso de doentes diabéticos, é possível adicionar insulina à solução dialisante. (B) Hemodiálise A HD é a técnica de substituição renal que mais se utiliza em Portugal. Trata-se de uma técnica de depuração extra-corporal que, tal como a DP, prevê a remoção de solutos e água, através de uma membrana semipermeável, igualmente mediante os três processos acima descritos (difusão, convecção e ultrafiltração). A figura 2 (Fig. 2) apresenta de forma esquemática um circuito de HD, constituído pelos seguintes elementos: 1) Acesso de Diálise 1 ; 2) Dialisador; 3) Líquido Dialisante; 4) Aparelho de Diálise. Fig. 2 Circuito de Hemodiálise. Ao nível do acesso de Diálise, o sangue sai sempre pelo ramo arterial do acesso e reentra sempre pelo ramo venoso do mesmo 2. O sangue sai a partir do ramo arterial da veia puncionada, por intermédio de uma bomba arterial que puxa o sangue, caso contrário este ficaria estagnado e coagulava no interior do vaso. 1 Ver tópico seguinte Que acessos temos para realizar Diálise?. 2 Neste ponto é importante fazer a seguinte ressalva: quando puncionamos um acesso de Diálise, puncionamos sempre uma veia. O termo ramo arterial refere-se apenas à punção que é feita na porção da veia mais proximal em relação à artéria que é usada para estabelecer a anastomose, enquanto o termo ramo venoso se refere à punção que é feita na porção mais distal da veia, em relação à artéria referida (ver Figura 4). Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 7 de 13

Nefrologia Após passar por essa bomba, o sangue continua a percorrer o circuito, sendo que, a dada altura, existe uma seringa que injecta heparina no interior do mesmo. A injecção de heparina deve-se ao facto de, apesar da existência de uma bomba arterial que promove a circulação do sangue no interior do circuito, este não circula à mesma velocidade a que circula nos vasos sanguíneos. Para além disso, o sangue está em contacto com um material estranho, pelo que, sem heparina, coagularia. É administrada uma dose de carga e uma dose de manutenção que está constantemente a ser enviada para o sistema. Após a bomba de heparina, o sangue entra num filtro, o dialisador (Fig. 3). O dialisador corresponde a uma câmara, no interior da qual existem múltiplos microtúbulos ocos, cuja parede é composta por uma membrana semi-permeável. É no interior desses microtúbulos que circula o sangue, num determinado sentido. Exteriormente a esses microtúbulos, circula, em sentido contrário (mecanismo contracorrente), o líquido dialisante. À medida que o sangue passa no Fig. 3 Dialisador. interior dos microtúbulos, a água e os solutos em excesso, presentes no sangue, vão ser removidos pelos mecanismos anteriormente descritos (difusão, convecção e ultrafiltração), através da membrana semi-permeável dos microtúbulos, para a solução dialisante. Após passagem pelo dialisador, o sangue já dialisado sai do dialisador, entrando novamente no circuito e regressando à circulação do doente, através do ramo venoso do acesso de Diálise. De realçar que os aparelhos de diálise estão equipados com alarmes que disparam e param o circuito se houver alguma complicação durante o procedimento, como hipotensão ou a detecção de uma bolha de ar no interior do circuito. Existem vários tipos de dialisadores (cujas membranas podem ter características diferentes) que são seleccionados tendo em conta as características do doente. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 8 de 13

Relativamente às soluções dialisantes, são compostas por água, por um tampão, o bicarbonato, e electrólitos que são calibrados de forma a corrigir as alterações do doente (por exemplo, se o doente tiver hipercaliémia, a solução dialisante terá que ser pobre em potássio para garantir que, após as trocas, os níveis de potássio do doente fiquem dentro dos valores normais). É ainda importante referir que a água corrente utilizada no procedimento de HD é submetida a um rigoroso tratamento (sendo sujeita a filtração, desionização e osmose reversa), em salas especiais, no sentido de impedir qualquer tipo de contaminações por microrganismos ou mesmo de forma a evitar intoxicações (por exemplo, alumínio). Existem também aparelhos de diálise que têm um circuito de purificação de água incorporado, o que os torna portáteis, permitindo que sejam transportados a doentes que se encontrem instáveis (por exemplo numa UCI). No caso da HD, os doentes fazem geralmente 3 sessões de diálise/semana, sendo que cada sessão dura cerca de 4 horas. Está provado que este número de sessões e respectiva duração reduz o risco cardiovascular nestes doentes. 4. Que acessos temos para realizar diálise? Relativamente à DP, tal como anteriormente referido, o acesso faz-se através do cateter de Tenckhoff. Relativamente à HD, existem 3 tipos de acessos possíveis: fístulas arterio-venosas, enxertos e cateteres de diálise. Fístulas arterio-venosas (Fig. 4) em que se cria cirurgicamente uma anastomose entre uma artéria e uma veia, de forma a promover a arterialização da veia, isto é, induzimos uma circulação de alta pressão a nível da veia, promovendo o seu desenvolvimento (as suas paredes tornam-se mais elásticas). Deste modo, facilitando a colocação de agulhas de grande calibre para aceder à circulação de alto débito, necessária no contexto da HD. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 9 de 13

Nefrologia Fig. 4 Fístula arterio-venosa. Fig. 5 Enxerto. Enxertos (Fig. 5) neste caso, o mecanismo é semelhante ao anterior, na medida em que se cria também cirurgicamente uma anastomose entre artéria e veia. No entanto, neste caso, a anastomose faz-se por intermédio de uma prótese. Este tipo de acesso utiliza-se em doentes com um capital vascular peculiar, como por exemplo os diabéticos e os doentes com má circulação periférica. Desta forma, picamos directamente a prótese e não os vasos, que são frágeis. Cateteres de Diálise são semelhantes a cateteres venosos centrais de soros, tendo, no entanto, um lúmen maior, uma vez que passa uma quantidade maior de sangue. Os cateteres de diálise podem ser provisórios ou de longa duração. Os cateteres provisórios (com duração de 7 a 10 dias) são utilizados em doentes que necessitem urgentemente de diálise e que não tenham nenhum acesso construído e em doentes em que surjam complicações nos acessos e necessitem de os remover (ex.: infecção de um enxerto neste caso, o cateter tem que ser provisório pelo perigo de colonização do mesmo por microrganismos). Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 10 de 13

Pelo contrário, no cateter de longa duração é construído um túnel subcutâneo que funciona precisamente como mecanismo de defesa contra infecções. Na figura 6 (Fig. 6) é possível observar o túnel subcutâneo (entre as setas azuis) que representa a primeira barreira à entrada de microrganismos. Para além disso, nestes cateteres existe também um cuff (seta branca) que desenvolve uma reacção de fibrina em torno do cateter, aderindo fortemente aos tecidos adjacentes, constituindo mais uma barreira à entrada de microrganismos. Figura 6 Catéter de diálise. Relativamente à escolha dos acessos para diálise, a ordem de preferência é a seguinte: fístulas arteriovenosas > enxertos > cateteres de diálise. As fístulas têm menor risco de infecção, trombose, estenose e formação de aneurismas comparativamente aos enxertos e cateteres. Por outro lado, os cateteres são os menos preferidos pelo facto de terem um grande risco de infecção (apesar da construção do túnel subcutâneo e da existência do cuff), de trombose e de estenose (pelo facto de ser um corpo estranho que se encontra dentro do vaso). Este tipo de acesso utiliza-se sobretudo em doentes com múltiplas complicações relacionadas com os acessos vasculares e sem outras opções para acesso vascular permanente. Apesar disto, tanto as fístulas como os enxertos têm uma complicação que é a Síndrome de Roubo, que se deve ao facto de ambos os acessos serem de alto débito, o que pode provocar isquémia das extremidades a jusante do acesso, havendo doentes que podem ser confrontados com a necessidade de amputação de dedos devido a esta síndrome. Quando esta complicação ocorre, os acessos podem ter que ser encerrados. Uma vez que, tanto as fístulas como os enxertos requerem um período de maturação desde que são construídos até poderem ser puncionados (período de 6 semanas para as fístulas e de apenas 3-4 semanas para os Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 11 de 13

Nefrologia enxertos), o ideal é que um doente que tenha uma doença renal crónica já em estádio pré-diálise, com diminuição grave da TFG, seja enviado ao Nefrologista para que seja construído um acesso antes de ser iniciada a diálise. 5. Quais são as vantagens da hemodiálise relativamente à diálise peritoneal? Nas situações de emergência, a diálise peritoneal é muito menos eficaz do que a hemodiálise. Para além disso, a diálise peritoneal remove muito menos creatinina comparativamente à hemodiálise. Acresce a isto ainda o facto de a diálise peritoneal poder ser feita pelo próprio doente (com piores condições de assepsia e falta de ajuda se surgirem intercorrências). Pelo contrário, a hemodiálise deve ser feita em centros especializados, onde estão presentes médicos e enfermeiros, o que podendo ser uma vantagem também obriga simultaneamente à deslocação dos doentes a estes centros, cerca de 3 vezes por semana. De acordo com o Harrison, comparativamente à Hemodiálise (HD), a Diálise Peritoneal (DP) é contínua mas muito menos eficaz em termos de clearance de solutos. Não existem ainda ensaios clínicos de grande escala completos que comparem os resultados/sucesso da HD vs. DP. Até agora, os resultados obtidos têm sido semelhantes na maioria dos estudos efectuados, pelo que, a decisão em relação a qual das técnicas utilizar, baseia-se, com frequência, na preferência pessoal do doente e na sua qualidade de vida. 6. Quais são as complicações possíveis da hemodiálise? As complicações mais frequentes são a hipotensão e as arritmias, porque é removida uma grande quantidade de água durante o procedimento. Para evitar isso, os doentes são pesados antes de cada sessão de diálise e esse peso é comparado ao peso com que saíram após a última sessão, sendo que 1 kg 1 L (uma vez que os doentes não urinam). Estes doentes devem ingerir, no máximo, 0,5 L de líquidos, para evitar sobrecarga hídrica, já que praticamente todo o líquido ingerido é acumulado. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 12 de 13

Para além disso, para estes doentes é estabelecido aquilo que habitualmente se designa por peso seco, ou seja, um peso em que há um equilíbrio hídrico. Os doentes que se encontrem acima desse valor de peso seco apresentam-se habitualmente com sinais e sintomas de sobrecarga de volume, por exemplo, com dispneia, devido a estase pulmonar, edema dos membros inferiores com Godet + (uma medida prática é: os doentes com Godet + têm pelo menos 3 L a mais). Outra complicação é a Síndrome de Roubo, que já foi referida. Podem ainda ocorrer cãibras, tanto porque há desidratação muscular ao ser retirado volume, como porque há remoção de magnésio, cálcio e potássio das células musculares. Há doentes que têm mesmo convulsões, apesar de acontecer raramente. Podem ainda verificar-se cefaleias, pelo desequilíbrio osmótico causado pela remoção de substâncias osmolares (como a creatinina, ureia, glicose), náuseas e vómitos, reacções alérgicas (por exemplo aos filtros) e embolias gasosas. 7. Como é que avaliamos a eficácia da diálise? Existem vários padrões que se relacionam com as complicações da Doença Renal Crónica. Temos que saber verificar se, nestes doentes que têm tantas complicações, a diálise está a ser eficaz. É necessário monitorizar: Doença cardiovascular (ter em atenção os principais factores de risco, como a HTA, a obesidade e o tabagismo); Anemia (devem ter entre 10-12 g de Hb); Doença mineral óssea; Estado nutricional (nas clínicas de diálise existem dietistas e nutricionistas que acompanham estes doentes e procuram assegurar um equilíbrio nutricional); Qualidade de vida dos doentes. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 13 de 13