O ERUDITISMO EM NIETZSCHE Jacson Gonçalves de Oliveira Universidade estadual da Paraíba gonsalvespb83@gmail.com RESUMO Uma das preocupações filosóficas do jovem Nietzsche é a educação. O filósofo alemão analisa e critica o sistema educacional do seu país no período oitocentista. A preocupação de Friedrich Nietzsche acontece devido ao ensino da Alemanha estava tornando-se apenas um instrumento formador de mão de obra para o Estado. Provocando diante disso o surgimento da figura do erudito, alguém de um saber excessivo, mas sem vitalidade. O pensador em estudo propõe uma educação onde haja uma obediência ao gênio, não no sentido de perca da subjetividade, mas para o aprendiz descobrir e valorizar suas potencialidades. Palavras chave: Eruditismo, erudito, educação, Nietzsche. INTRODUÇÃO Friedrich Nietzsche é conhecido no meio acadêmico como um crítico da moral cristã. Mas o pensador alemão também se preocupou com a educação, o ensino e formação humana. Diante do que foi afirmado, devemos mencionar que o filósofo concentrou sua reflexão filosófica nas instituições educacionais do seu país no período oitocentista. O foco dessa pesquisa é o eruditismo, ou melhor, a oposição que Nietzsche teve em relação à postura extremamente erudita da educação. Diante disso, esse trabalho é relevante, pois poderá servir de modo tímido para motivar a reflexão sobre o tipo de ensino oferecido pelas escolas do Brasil. Como sabemos, reflexão é uma espécie de movimento de retorno a si mesmo, o posicionamento nietzschiano poderá provocar, naqueles que estão envolvidos com o ensino, uma reavaliação de sua forma de ensinar. Exporemos aqui o posicionamento da filosofia de Nietzsche sobre o ensino não para transformá-lo em um dogma de uso irrefletido, mas o desejo maior é fomentar a reflexão sobre o tema usando a visão do pensador alemão, que teve propriedade para escrever sobre o assunto levando em consideração sua experiência de professor da Universidade da Basiléia.
Com isso, pretendemos atingir os seguintes objetivos: expor a posição de Friedrich Nietzsche sobre o eruditismo, o segundo objetivo é provocar a reflexão sobre o ensino no que se refere aos métodos e conteúdos. METODOLOGIA O método de pesquisa usado nesse trabalho foi exploratório de natureza bibliográfica, onde procuramos nos familiarizar com o tema proposto objetivando um maior aprofundamento sobre o mesmo. Alguns artigos foram consultados para essa pesquisa, onde percebemos várias visões sobre o eruditismo em Nietzsche, possibilitando com isso entendermos qual o significado e o peso desse tema no pensamento do filósofo alemão. Preocupamo-nos também em ler um livro de fundamental importância para os objetivos acima mencionados que é a obra Assim falou Zaratustra, na qual encontramos uma passagem que serviu como metáfora esclarecedora. A mesma serviu como um ponto de partida para iniciar a discussão, para motivar o debate, e também a polêmica. A metáfora que nos referimos é aquela na qual Nietzsche diz que existem três transformações do espírito. Preferimos iniciar a discussão dessa forma devido ao significado filosófico da imagem, e também pelo fato da mesma ser elucidativa para as nossas pretensões. Com isso não pretendemos trazer para esse trabalho a subjetividade de um texto literário, mas essa menção deve ser entendida como um recurso necessário para a exposição do objeto de estudo. RESULTADOS Os resultados desse trabalho foram motivados por um questionamento interessante e que ocupa os pensamentos de muitas pessoas que é: como formar além da informação? Ao que parece existe na maioria dos educadores o sentimento de que a formação requer uma quantidade excessiva de informações e conteúdos para a ministração de uma boa aula,
esquecendo-nos do incentivo ao pensamento. Para analisar esse questionamento buscamos na filosofia de Nietzsche seu posicionamento sobre a formação humana. A partir disso encontramos a crítica do pensador sobre a educação da Alemanha oitocentista. Dentro dessa visão percebemos a rejeição dele em relação aos eruditos, para falarmos sobre isso se faz necessário entendermos a seguinte citação: Três transformações do espírito vos menciono: como o espírito se converte em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança. O espirito de carga sobrecarrega-se de todas estas coisas pesadíssimas; a semelhança do camelo que corre carregado pelo deserto, assim ele corre pelo seu deserto. (NIETZCHE, P.37) Em relação à citação acima lemos que Nietzsche menciona o camelo, este é um símbolo de todo aquele que traz consigo mesmo o peso da sua existência, além de carregar coisas extrínsecas em relação ao seu ser. Diante disso, podemos afirmar que o erudito se encaixa nessa descrição. Friedrich Nietzsche diz que o homem erudito é contrário ao espírito livre, este pode ser entendido como aquele que se preocupa com a vida e não se dedica ao conhecimento enquanto fim em si mesmo, ou seja, a erudição. Podemos verificar na filosofia nietzschiana uma postura vital em relação ao conhecimento, vital no sentido da valorização da vida. Por isso, Friedrich Nietzsche acusa o eruditismo de um afastamento da vida, além de um mero treinamento da mente que ao invés de libertar, aprisiona. Quando falamos em aprisionamento isso significa uma rejeição da autonomia que as pessoas devem ter diante da vida. Os excessos das regras do academicismo, a erudição tornam as pessoas não independentes no pensar, mas as tornam engessadas no pensamento. Nas três transformações do espírito que mencionamos a última fala da criança, este símbolo é significativo para os nossos propósitos. Essa transformação significa a reafirmação da vida, do novo e criação de novos valores, para Nietzsche isso é significativo, pois o mesmo sempre pregou defendendo a moral nobre, uma moral nova que cria seus próprios valores e
não é subserviente, submissa e nem tão pouco frágil. Diferentemente do camelo que carrega muitas vezes o que é velho, antiquado e não necessário, a criança tem a capacidade de esquecer e a partir disso construir para si uma nova moralidade. Essa possibilidade do novo está diretamente relacionada com o espírito livre que contraria frontalmente o erudito. Aquele é alguém que não crê em convenções e posições morais preconcebidas, mas preocupa-se com a vida, dedica-se ao novo, ao devir, as experiências com a imanência da vida. Constatamos também que o eruditismo se apresenta de modo maciço no sistema educacional do seu país, este na visão do filósofo alemão promove uma educação puramente informativa, e que não privilegia e nem se preocupa com o aprimoramento das capacidades vitais do estudante. Falando de modo mais claro, esse tipo de educação promove uma espécie de aborto do impulso crítico, isso significa uma eliminação da singularidade do indivíduo, havendo uma massificação, contrariando o verdadeiro propósito da educação. Nessa valorização das capacidades individuais, do impulso crítico e da autonomia devemos levar em consideração da figura do gênio. Este, de acordo com Nietzsche, usaria os saberes vindos de sua formação para incentivar valores da vida, rejeitando, por consequência, aquilo que é desvinculado desta. Schopenhauer seria o modelo de educador, já que tem a função instituir de novo o valor da existência e também de ensinar a honestidade e a simplicidade no pensar e na vida. Algo contrário à posição de Nietzsche em relação à educação é a tendência utilitarista da educação. Uma das acusações do filósofo alemão contra as instituições educacionais do seu tempo é o uso da educação e da cultura como meios úteis para satisfazer as necessidades do Estado. Existe a preocupação de especializar cada vez mais as ciências para que essas especializações sirvam para que o mercado e o poder estatal tenham funcionários que alimentem suas engrenagens e repartições. Nesse cenário a figura do erudito é necessária, pois este é um especialista, dedicado a aumentar seu conhecimento motivado pelo desejo de ser conhecido e visto com um grande intelectual. Vemos que o tipo de educação erudita valoriza a memorização de informações como meio mais importante para se educar, deixando de lado a ação e a criação. Quando se fala
aqui em criação, isso está relacionado diretamente com a valorização das singularidades humanas, ou seja, a formação significativa preocupada em provocar o desenvolvimento das habilidades do ser humano e com sua autonomia. Para usar um termo mais conhecido podemos dizer que existe um destaque à criatividade contrariando a memorização. Essa descoberta das potencialidades do educando tem como motivador principal o mestre, por meio do contato que o aluno tem com seu professor haverá um aprofundamento de forças e libertação, tudo isso pela imitação criadora. É evidente que esse processo não acontece pela simples transmissão de conhecimento, mas pelo modelo e exemplo de vida do mestre. As ações deste são significativas para o aprendizado libertador. Ampliando a ideia de Nietzsche sobre os mestres, podemos afirmar que a educação segundo ele, deve ser realizada por sujeitos sinceros, nobres, e não por pessoas de um proceder grosso, pequenas de espírito que destacam a técnica, banalizando a educação, deturpando-a e a corrompendo. O jovem no ensino ginasial deve se submeter e habituar-se a obedecer a uma autoridade de um gênio, com isso se pretende eliminar os riscos do aluno tornar-se superficial, sem nobres padrões de avaliação. Percebemos que a obediência exposta aqui não é algo aprisionador, nem tão pouco ditatorial, mas o ato de obedecer é necessário para uma formação nobre e valorativa, elementos que fazem parte da vida do verdadeiro educador. DISCUSSÃO Em relação à filosofia, como sabemos um dos seus princípios reflexivos é rigorosidade, isso não significa que o pensamento filosófico é inflexível, mas que o mesmo preocupa-se com a estruturação dos argumentos, logo a preocupação com os argumentos não significa dogmatismo. Diante disso, não existe nesse trabalho a pretensão de afirmar que Nietzsche deve ser seguido por todos para o melhoramento educacional. Mas que o pensamento do filósofo alemão nos serve de provocação, de um elemento questionador em relação às formas de ensino possibilitando um enriquecimento pedagógico. A preocupação de Friedrich Nietzsche com o destino da educação do seu tempo
também nos leva a questionarmos o sistema educacional do nosso país. Preocupação essa que pode gerar um debate sobre esse tema que leve em consideração a opinião de muitos brasileiros e não apenas de especialistas. Na visão nietzschiana a educação estava a serviço dos interesses do Estado, esta instituição é descrita por ele da seguinte forma: Estado chama-se o mais frio de todos os monstros. Mente também friamente, e eis que mentira rasteira sai da sua boca: Eu, o Estado, sou o povo. É uma mentira! Mas o Estado mente em todas as línguas do bem e do mal, e em tudo quanto diz mente, tudo quanto tem roubou-o. (NIETZSCHE, P.55). Longe de promovermos aqui uma reação contra o Estado brasileiro, devemos entender que as discussões em torno da educação não devem ficar apenas a cargo do poder estatal. Quando isso acontece é como se esse monstro chamado Estado nos roubasse o nosso direito de opinião e de contribuição. É importante nesse contexto reforçamos a necessidade da ampliação dos mecanismos de participação da sociedade no que se refere à educação. Como foi dito nessa pesquisa, Schopenhauer é descrito por Nietzsche com o modelo de educação, isso nos leva a entender que existe a valorização do mestre como essencial para o aprendizado. O educador com seu exemplo desperta nos seus alunos a suas potencialidades e habilidades, esse posicionamento do pensador alemão nos faz defender algo há muito falado nos debates: a valorização do professor. Por valorização não se entende que o educador deve ser visto de forma messiânica, como aquele que resolverá todos os problemas. Mas destacá-lo como significativo e fundamental para a educação. A proposta aqui apresentada apesar de ter sido desenvolvida no período oitocentista é atual e serve de motivação para a reflexão sobre temas educacionais. Quando falamos em servir temos em mente o enriquecimento das análises e avaliações que fazemos da conduta como professor, penso que as ideias expostas nessa pesquisa trarão resultados importantes sobre o modo de ensinar.
CONCLUSÃO Diante do que foi exposto nesse trabalho não devemos esquecer que Friedrich Nietzsche não propôs um sistema educacional ou um modelo pedagógico rigoroso. Mas o pensador alemão aceitou o desafio de criticar e refletir sobre a educação de sua época, indo além ao criticar também a cultura da Alemanha. Tentando fazer com que seu país se voltasse para uma educação dedicada à vida e a terra, isso significa que Nietzsche defendia um saber vital, libertador e dedicado ao homem. Essa outra faceta de Nietzsche apresentada aqui nos lembra da fertilidade do seu pensamento, além de nos mostrar que a filosofia aborda temas atuais e que a mesma deve ser convidada aos grandes debates, pois pode contribuir de modo significativo para o aprimoramento das ideias. O conteúdo desse artigo nos lembra de que o pensamento filosófico não é uma contemplação extra terra, mas que sempre a filosofia lidou com a realidade, com situações que envolvem pessoas e suas vidas cotidianas. Como vimos, a posição de Friedrich Nietzsche foi um modo diferente de ver a educação, algo que causou estranhamento em sua época. Essa afirmação é importante, pois nos leva ao seguinte conceito: o estranhamento provocado pela filosofia. Isso se apresenta quando situações, fatos e fenômenos ditos como habituais são questionados e muitos começam a entender o habitual pode ser de outro modo. O pensador alemão com suas ideias sobre a educação provocou espanto no sentido de questionar o que era tido como familiar e normal. Essa provocação do espanto foi acompanha de uma proposta educacional que valoriza a figura do mestre, a liberdade do aluno e suas potencialidades e a vida. Tudo isso contrariando uma postura extremamente erudita e utilitarista da educação que permeava a Alemanha de sua época. REFERÊNCIAS A crítica ao eruditismo no jovem Nietzsche. Felipe Luiz Gomes Figueira. www.uel.br. Acesso: 04/05/15, 03h00min.
As críticas do professor Nietzsche á educação de seu tempo. Elenilton Newkamp. www.consciencia.org. Acesso: 04/05/15, 02h04min. Assim Falou Zaratustra. Friedrich Nietzsche, ed. Martin Claret, São Paulo, 1999. O problema do eruditismo na critica de Nietzsche ao sistema pedagógico moderno. www.filosofiacapital.org. Acesso: 04/05/2015, 03h30min.