OCORRÊNCIA DE OCRATOXINA A EM CAFÉ (Coffea arábica L.) MOÍDO, TIPO FORTE E TRADICIONAL EMBALADO A VÁCUO Í. S. F. Freire 1,G.S. Maria 1, C.S. Martins 1, J.R. Silva 1, M.E.V. Pereira 1, V. M. Scussel¹ 1 Laboratório de Micotoxinas e Outros Contaminantes Alimentares Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Agrárias Rodovia Admar Gonzaga 1346 Itacorubi Florianópolis Santa Catarina Brasil Telefone: 51 (48) 9972-8294 e-mail: (sabrinaffreire@gmail.com) RESUMO O café (Coffea arábica L.) é uma das bebidas mais consumidas no mundo, tendo o Brasil como um dos principais produtores e exportadores. A contaminação por fungos toxigênicos e micotoxinas, principalmente durante a secagem e armazenagem do fruto do café é um problema frequentemente enfrentado nessa cultura. O fungo da espécie Aspergillus é o mais encontrado no café, o qual é responsável pela produção da ocratoxina A (OTA), um contaminante tóxico a humanos e animais. Este estudo teve por objetivo avaliar a contaminação por OTA em café moído do tipo forte e tradicional, embalados a vácuo. As amostras (n=55) foram analisadas de acordo com a metodologia para multi-toxinas (AOAC 980.21) e quantificadas por cromatografia em camada delgada. Do total de amostras, 16 apresentaram contaminação com OTA com níveis variando de 1,5 a 12,0 µg/kg, somente uma amostra apresentou OTA acima do limite máximo permitido (LMT) pela legislação brasileira. ABSTRACT The coffee (CoffeaarabicaL.) is one of the most consumed beverages in the world, with Brazil as one of the leading manufacturers and exporters. The contamination by toxigenic fungi and mycotoxins, particularly during drying and storage of coffee fruit is often faced problem in this culture. The fungus Aspergillus species is the most found in coffee, which is responsible for the production of ochratoxin A (OTA), a contaminant toxic to humans and animals. This study aimed to evaluate the contamination by OTA in ground coffee strong and traditional type, vacuum packed. The samples (n = 55) were analyzed according to the method for multi-toxin (AOAC 980.21) and quantitated by thin layer chromatography. Of the total samples, 16 were contaminated with OTA at levels ranging from 1,5 to 12,0 µg/kg, only one sample showed OTA above the maximum allowed (LMT) by Brazilian law. PALAVRAS-CHAVE: contaminação; legislação; OTA; micotoxinas, Aspergillus. KEYWORDS: contamination; legislation; OTA; mycotoxins, Aspergillus. 1. INTRODUÇÃO O café teve origem na África, porém coube aos árabes o domínio inicial da técnica de plantio e preparação do produto. No século XIV, foi desenvolvido o processo de torrefação obtendo a bebida que conhecemos hoje (Martins, 2008). Segundo o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café e o segundo maior consumidor do mesmo, apresentando 2,25 milhões de hectares plantados e cerca de 287 mil produtores em aproximadamente 1900 municípios. Em decorrência das suas condições climáticas (tropical e subtropical), o Brasil favorece o cultivo de café em mais de 15 regiões. De janeiro a dezembro de 2015, o café representou 7% das exportações do agronegócio brasileiro, ocupando a 5ª posição no ranking, com receita de US$6,16 bilhões, o equivalente a 37,1 milhões de sacas de 60kg. Os principais destinos foram os Estados Unidos, Alemanha, Itália, Japão e Bélgica (MAPA, 2015), mostrando que essa bebida é bastante consumida em diversos países. Uma grande preocupação dos países produtores está voltada para a qualidade intrínseca do produto final, do qual podemos citar a presença de micotoxinas e/ou contaminantes. De acordo com o MAPA (2015), os trabalhos de pesquisas contribuem para a evolução da cafeicultura brasileira, concentrando-se principalmente nas áreas de segurança alimentar, manejo integrado de pragas e doenças, biotecnologia, entre outros. As condições de armazenagem se relacionam com a qualidade dos grãos. Durante a colheita, processamento, beneficiamento e armazenamento, o grão de café é exposto a alterações bruscas, tendo como exemplo umidade e temperatura (Parizzi, 2005). Por essa razão, contribuindo para o desequilíbrio de alguns processos importantes, tais como físicos, químicos ou biológicos, comprometendo a qualidade e futura utilização do café (Mabbett, 2002). A contaminação por fungos é um fator de risco a ser levado em consideração, uma vez que algumas espécies são responsáveis por produzir substâncias tóxicas. As micotoxinas são metabólitos secundários produzidos por fungos, durante o período de cultivo, colheita ou quando em condições favoráveis na pós-colheita de várias culturas agrícolas. O Aspergillus (clima tropical) e Penicillium (clima temperado) são responsáveis por produzir uma micotoxina denominada Ocratoxina A (Parizzi, 2005; Scussel, 2002). A ingestão de alimentos que contenham micotoxinas pode causar graves efeitos sobre a saúde humana e animal. Tais efeitos são conhecidos como micotoxicoses, cuja gravidade depende de diferentes fatores: toxicidade da micotoxina, grau de exposição, idade e estado nutricional do indivíduo, e dos possíveis efeitos sinérgicos de outros agentes químicos aos quais está exposto. Muitas destas toxinas têm afinidade por determinado órgão ou tecido, sendo o fígado, os rins e o sistema nervoso frequentemente os mais atingidos (Maziero, Bersot, 2010). Como exemplos dos efeitos têm: doenças carcinogênicas, nefrotóxicas, teratogênicas e, alguns pesquisadores e estudiosos, apontam inclusive para neurotóxicas (Mislevic, et al., 1983; Nakajima et al., 1997; Téren et al., 1997; Bucheli et al., 1998; Jorgensen, 1998; Abarca et al., 2001; Joosten et al., 2001; Parizzi, 2005). Sendo assim, este trabalho teve por objetivo avaliar a contaminação por OTA em café moído do tipo forte e tradicional, embalado a vácuo, comercializado na região de Florianópolis- Santa Catarina. 2. MATERIAL E MÉTODOS As amostras de café, num total de 55, foram coletadas randomicamente a fim degarantir que todas as unidades tenham as mesmas chances de serem escolhidas. Para análise de OTA, utilizou-se a metodologia de Soares e Rodriguez Amaya (Multi-toxinas) (AOAC, 1987) e para leitura de micotoxinas, utilizou-se luz ultravioleta (365 nm) versus padrão de OTA. Além da análise de OTA, foi realizada a análise segundo metodologia para multitoxinas incluindo aflatoxinas, zearalenona e esterigmatocistina, por cromatografia em camada delgada art.980.21 (AOAC).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A OTA está fortemente associada a contaminação no café, assim foi efetuada análise em café de dois tipos (a) moído do tipo forte e (b) tradicional, embalados a vácuo, produzido no país. Os resultados obtidos mostraram que do total de amostras 16 (8,8%) apresentaram contaminação com OTA (limite de quantificação - LOQ: 10 µg/kg) com níveis variando de 1,5 a 12,0 µg/kg, sendo que somente uma amostra apresentou OTA acima do limite máximo permitido (LMT) pela legislação brasileira (10 µg/kg). Conforme mostra a Tabela 1. Tabela 1. Níveis de ocratoxina A em cafés torrados moídos do Tipo forte e tradicional CAFÉ Ocratoxina A Nível (µg/ kg) Número (%) Amostras não contaminadas ND** 39 (91,2) Amostras contaminadas 1,5 a 12,0 16 (8,8) LMT* (acima) 12,0 1 (0,5) LMT (abaixo) 1,5 e 2,5 15 (8,3) Total de amostras = 55 *LMT: limite máximo tolerável; **ND: não detectado Fonte: Autor Em comparação com outros estudos, o nível de OTA do presente trabalho apresenta-se mais baixo, como observado no estudo do café Etíope, o qual apresentou níveis de contaminação de 0,03 e 22,9 µg/kg (Geremew, et al. 2016). Pode-se comparar os níveis de OTA do presente trabalho com os do estudo realizado com a mesma micotoxina em cafés Chilenos, onde os níveis variaram de 0,28 a 5,58 µg/kg. Ambos os estudos apresentaram níveis abaixo do permitido pela legislação (Galarce-Bustos, et al. 2014). Outro estudo realizado em Minas Gerais com café torrado e moído e café solúvel, apresentou níveis de contaminação de 0,25µg/kg e 0,10µg/kg (0,00025 µg/kg e 0,0001 µg/kg), respectivamente, sendo que utilizaram cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) e não cromatografia por camada delgada. Ambos os estudos apresentaram níveis de contaminação a baixo do permitido pela legislação (Prado, 2010). O presente estudo, foi comparado com o trabalho realizado em cafés bem como no estado de Minas Gerais, com diferença de que eles aplicaram diferentes tempos de espera antes da secagem e constataram que não foi observado indícios de contaminação relevantes de OTA presente no mesmo. Desse modo, ambos os estudos estiverem dentro dos parâmetros da legislação, dos quais um não apresentou indícios de contaminação e outro ficou a baixo do permitido pela legislação (Pimenta, 2003). De modo semelhante em outro estudo, os pesquisadores identificaram presença de fungo do gênero Aspergillus. Após terem sido isolados, observou-se que 85,39% foram produtores de OTA em níveis que variaram de 0,1 a 5,0 µg/kg de café. Esses resultados, expressaram que 75,09% das amostras analisadas estariam dentro dos limites estabelecidos pela Legislação Europeia que regulamenta a concentração máxima de OTA em grãos de café. As demais amostras, 24,91%, expressaram contaminação acima de 5 µg/kg, ou seja, ficando acima do limite estabelecido pela União Europeia (Chalfoun, 2006). Porém estando dentro dos limites estabelecidos pela legislação brasileira (10 µg/kg).
Estudos anteriores já avaliaram OTA em amostras de café do tipo forte, moído, torrado e/ou solúvel. Segundo (Sabino, 2007), foi analisado OTA em café solúvel brasileiro, constatou-se que 81 de 82 amostras estavam contaminadas com OTA, isto é, 98,8% das amostras analisadas, com limites de detecção variando de 0.17 a 6.29 µg/kg (0,00017 a 0,00629 µg/kg). Novamente ambos os estudos apresentaram níveis abaixo do permitido pela legislação brasileira. Contudo, em duas amostras de café solúvel do estado do Paraná, os níveis de OTA foram superiores ou iguais aos limites legais na Itália, Cuba, Singapura e Indonésia. De 2012 a 2013 foram realizados trabalhos de monitoramento com amostras de cafés torrados, com isso, revelou-se que os cafés comprados no Rio de Janeiro não excederam o limite permitido, porém, apenas duas das amostras analisadas, não continham vestígios detectáveis de OTA. Este resultado distingue-se do acompanhamento realizado em 2002 a 2003, onde a contaminação média foi mais baixa e a porcentagem de amostras contaminadas do mesmo também se manteve mais baixa. Com isso, de 2002-2003 para 2012-2013, a percentagem de amostras de café contaminadas aumentou (Silva, 2014). 4. CONCLUSÃO Diante do exposto, pode-se verificar que as amostras de cafés não estão isentas de contaminação fúngica, embora os resultados sejam em sua grande maioria baixos ou dentro da legislação brasileira para alimentos, é necessário que haja o controle desses contaminantes, para que não ocorra produção de toxinas no mesmo, uma vez que prejudicaria a exportação deste produto. Além de ressaltar que OTA é uma substância tóxica a saúde humana, afetando a longo prazo principalmente órgãos como rins e fígado. O café é um produto consumido em larga escala pela grande maioria dos brasileiros e também por povos estrangeiros, sendo de fundamental importância o controle dessas possíveis contaminações, que pode colocarem risco toda uma população. O controle da contaminação por OTA em café é indispensável para manter a segurança no produto final comercializado, lembrando que OTA é uma micotoxina ligada diretamente a contaminação no café. Com isso, por mais que os níveis de contaminação estejam baixos, se torna indispensável o estudo e o controle sobre essase outras toxinas para garantir que a exportação do mesmo seja viável uma vez que a legislação internacional se mostrou mais rigorosa em relação à brasileira. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abarca, M. L.; Accensi, F.; Bragulat, M. R.; Cabañes, F. J. Currentimportanceofochratoxin A ProducingAspergillusspp..JournalofFoodProtection. 64(6):903-906, 2001. Almeida, A. P.; Alaburda, J.; Shundo, L.; Ruvieri, V.; Navas, S. A.; Lamardo, L. C. A.; Sabino, M.; Ochratoxin A in brazilianinstantcoffee. Braz J Microbiol. 2007 São Paulo ANVISA. Resolução RDC n.07/2011, de 22 de fevereiro de 2011. Aprova o regulamento técnico sobre limites máximos de ocratoxinas admissíveis no café. Batista, L. R.; Chalfoun, S. M.; Incidência de Ocratoxina A em diferentes frações do café (CoffeaarabicaL.): Bóia, Mistura e Varrição após secagem em terrenos de terra, asfalto e cimento, 2006. Bucheli, P.; Meyer, I.; Pittet, A.; Vuataz, G.; Viani, R. Industrial storage of green robusta coffee under tropical conditions and its impact on raw material quality and ochratoxin A content. Journal of Agricultural and Food Chemistry. 46(11):4507-4511, 1998. Chalfoun, S. M. e Corrêa, T. B. S. (2000). MICOTOXINAS EM CAFÉ - RISCOS E CONTROLE. I Simpósio de Pesquisa dos Cafés do Brasil.
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