Revista de Geologia, Vol. 20, nº 1, 83-89, 2007

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RESUMO. Palavras chave: Explotação, ambligonita, lepidolita, potencial. ABSTRACT

Transcrição:

83 Revista de Geologia, Vol. 20, nº 1, 83-89, 2007 www.revistadegeologia.ufc.br Estágio atual e desafios futuros da atividade extrativa mineral em pequena escala na província pegmatítica Borborema, estados do Rio Grande do Norte e Paraíba Guttenberg Martins a,b, Carlos M. B. Cortez & A. Farias Filho Recebido em 21 de junho de 2007 / Aceito em 13 de dezembro de 2007 Resumo Na Província Pegmatítica Borborema (PPB), a produção de bens minerais apresenta um histórico de lavra predatória e um arranjo produtivo marcado pela informalidade e de baixo nível de organização entre os pequenos produtores (garimpeiros). Os bens minerais comercializados, principalmente o feldspato, possuem baixo valor agregado proporcionando baixa rentabilidade apesar da crescente demanda do mercado nacional. A discrepância entre os dados de produção e os de comercialização sugere que a produção dos pequenos produtores encontra-se aparentemente formalizada através da participação de empresas de médio porte ou por ações de compradores de outras regiões. Nos últimos anos ocorreu a formação de quatro associações de garimpeiros e de duas cooperativas de base mineral, as quais estão ancoradas principalmente na extração de feldspato. Entretanto, o quadro geral do modelo de produção de bens minerais na PPB encontra-se limitado, entre outros fatores, pelo baixo aporte tecnológico e pela ausência de financiamento compatível para os pequenos produtores. Diante deste quadro, os autores sugerem a atuação conjunta de órgãos governamentais em parceria com as cooperativas e empresas para o fortalecimento de toda cadeia produtiva relacionada aos corpos pegmatíticos. Palavras-Chave: Mineração em pequena escala, pegmatito, explotação de feldspato, Província Borborema Abstract In the Borborema Pegmatite Province, northeast of Brazil, the mineral production is being historically marked by rudimentary mining, low-level of formality and lack of miners organizations. The mineral business, mainly a trade of high-quality feldspar, has low profits despite to the rising demand of the internal market. The discrepancies between the certified official production and commercialization data suggest an apparent formalization through the medium scale mining. In the last years was occurred the formation of six miners associations that are exploitation generally feldspar mines in pegmatite. However the mineral production scenario is limited by various factors including mainly the application of inefficient techniques and the lack of financing or credit schemes. Therefore a new arrangement aggregating governmental, no-governmental and private sectors to improve a new production model related to pegmatite exploration becomes indispensable. Keywords: Small scale mining, pegmatite, feldspar exploitation, Borborema Province a 14 Distrito do Departamento Nacional de Produção Mineral. Rua Tomaz Pereira 215. Lagoa Nova. Natal-RN b Projeto Desenvolvimento em rede do arranjo produtivo em pegmatito RN/PB MME/MCT-FINEP/FUNPEC

84 1. Introdução Martins et al., Estágio atual e desafios futuros da atividade extrativa mineral... A Província Pegmatítica Borborema (PPB), localizada no nordeste oriental do Brasil, foi reconhecida como região produtora mineral desde o começo do século XX. Os primeiros registros de lavra de mica nesta região datam da época da primeira guerra mundial. A partir de meados da década de 30 os trabalhos de lavra para tântalo e nióbio foram intensificados com o suporte do acordo de cooperação entre o DNPM e a Comissão Americana de Compras, tendo o apoio técnico da U. S. Geological Survey. Com este arranjo institucional, essa região supriu uma quantidade considerável de minerais estratégicos para a segunda guerra mundial (Da Silva & Dantas, 1984). A produção de gemas remonta também deste período destacando a explotação de diversos tipos de berilos e turmalinas (Pough, 1945; Johnston Jr., 1945; Rolfh, 1946). Ainda neste período, tornou-se usual as práticas ambiciosas e predatórias de lavra com atividades sazonais de garimpagem, as quais persistem até o momento atual. Nesse trabalho, serão abordados e discutidos sinteticamente alguns temas relacionados às atividades extrativas minerais em pequena escala na PPB, amplamente chamadas de garimpo. Os temas focados são os aspectos geológicos gerais, os dados de produção e o associativismo e cooperativismo entre os garimpeiros, os fatores limitantes do modo tradicional de produção e comercialização dos bens minerais na PPB. 2. Síntese do conhecimento geológico A definição espacial-geográfica da PPB foi inicialmente proposta por Scorza (1944) como uma região com 11.250 km 2, situada nos estados do Rio Grande do Norte e Paraíba, nordeste oriental do Brasil. Do ponto de vista geológico, a PPB está inserida na porção sudeste da Faixa Seridó do Domínio Rio Grande do Norte da Província Borborema. Outros autores relacionam à PPB outros setores de ocorrências de pegmatitos (p. ex., Solonópole no Estado do Ceará). Na região do Seridó, a grande maioria dos corpos pegmatíticos encontra-se intrudido nos pacotes de mica-xistos da Formação Seridó e subordinadamente, nos quartzitos da Formação Equador e nos paragnaisses e cálcio-silicáticas da Formação Jucurutu. Os primeiros dados geocronológicos publicados como idades Rb-Sr e U-PB em uraninita obtidas por Almeida et al. (1968) e Ebert (1969) indicaram a formação dos corpos pegmatíticos no intervalo de 80 Ma (530-450 Ma). Dados U-Pb em columbita obtidos por Baumgartner et al. (2001) apontaram um intervalo de 4 Ma para as intrusões dos corpos pegmatíticos (523-527 Ma). Por outro lado, idades Ar-Ar em biotitas por Araújo et al. (2003) demonstraram um intervalo mais longo (17 Ma) para o arrefecimento destes corpos (518-525 Ma). De modo geral, o posicionamento dos corpos pegmatitos da PPB é interpretado por vários autores como as últimas manifestações magmáticas relacionadas ao final da Orogênese Brasiliana na Faixa Seridó, muito provavelmente ocorridas no Eo-Cambriano. Na grande parte dos corpos pegmatíticos, a estrutura interna não apresenta o zoneamento clássico proposto por Johnston Jr. (1945). Comumente, são identificados tipos mineralizados portadores de padrões de zoneamentos internos incompletos ou não definidos. Outro grupo de corpos são pegmatitos homogêneos de pequena espessura. Exemplos clássicos descritos na literatura são geralmente corpos com fracionamento magmático acentuado, os quais apresentam padrão de zoneamento formado pelas seguintes unidades: a) borda com textura e composição bandada formada por faixas centimétricas de quartzo-feldspato-esperssatita±dravita-apatita; seguindo b) uma zona de espessura métrica com quartzo-muscovita-kfelspato pertítico-albita±gahnita-manganocolumbita, c) uma zona predominantemente rica em k-feldspato pertítico e albita, subordinadamente espodumênio, muscovita e elbaíta, com bolsões de albita e d) um núcleo ou vários núcleos de quartzo róseo ou leitoso branco com cristais de espodumênio (Soares et al., 2004). Os formatos dos corpos pegmatíticos também apresentam variações geométricas consideráveis, sendo encontrado geralmente formato de dique direções predominantes NE-SW ou E-W e mergulho subvertical. Mas também formato de folha (sheet) concordante com a foliação regional e com mergulhos suaves a intermediários.

Martins et al., Estágio atual e desafios futuros da atividade extrativa mineral... Em escala regional, Cunha & Silva (1981) sugeriram um padrão regional na distribuição de corpos mineralizados. Este constituído por uma zona externa rica em pegmatitos em Li-Sn, uma zona intermediária dominada por pegmatitos ricos em berilo e uma interna enriquecida em berilo-tantalita. Entretanto, a escassez de corpos mineralizados em cassiterita na região tem proporcionado uma forte resistência à aceitação deste modelo. Portanto, considerando sua importância geológica e econômica, a pesquisa geológica sistemática dos corpos pegmatíticos da PPB tem pouco evoluído comparado com o conhecimento de outras províncias no mundo. Ainda neste sentido, parte do conhecimento científico produzido tem sido focado em áreas específicas sem uma aplicação prática nos métodos e processos de exploração dos recursos minerais relacionados. 3. Dados da produção mineral Os dados oficiais obtidos por Farias Filho et al. (2004) indicaram que a produção média dos bens minerais produzidos dos corpos pegmatíticos no Estado do Rio Grande do Norte apresenta os seguintes números: 1) A produção do feldspato tem-se mantido num patamar de 2.500 toneladas no período entre 1995 e 2000 e aumentado para 5.000 toneladas nos anos de 2001 e 2002, os concentrados de feldspatos brutos obtidos por pequenos produtores são comercializados a preço de R$ 20-30 por tonelada e o valor agregado do feldspato varia com o grau de cominuição, atingindo até R$ 120 por tonelada; 2) uma produção estimativa de 500 toneladas/ano de mica, na sua quase totalidade advinda do setor informal; 3) a produção do quartzo não apresenta um quadro estimativo; 4) A produção de berilo encontra-se estagnada no patamar de 15-20 toneladas anuais, tendo sido seu declínio influenciado por vários fatores, inclusive pela a substituição deste metal, visto sua classificação pela Agência Ambiental Norte-Americana como poluente perigoso; 5) Nos anos de 1999-2000, o preço internacional da tantalita atingiu R$ 90-120/Kg com produção entre 60-120 toneladas, entretanto, os dados recentes demonstraram o declínio na produção da tantalita para <20 toneladas/ano e preços a < R$ 40/Kg; e 6) A produção de caulim no ano de 2000 atingiu 40.800 toneladas com um preço médio de R$ 22,00 por tonelada. Por outro lado, Brito et al. (2007) estimam que no Estado da Paraíba, nas regiões de Pedra Lavrada e Junco do Seridó, sejam comercializadas cerca de 6.000 toneladas/mês de feldspato e 10.880 toneladas/mês de caulim, induzindo a circulação de R$ 140 mil/mês e R$ 1,3 milhão/mês, respectivamente. Ainda segundo os mesmos autores, na região de Parelhas e Currais Novos, Estado do Rio Grande do Norte, são comercializadas em torno 6.000 toneladas/mês de feldspato a preço médio de R$ 20/ tonelada. Coelho (2005) demonstrou que dados comerciais do feldspato da PPB nos anos de 2002-2003 apresentam variação do preço do produto bruto de melhor qualidade entre R$ 35/tonelada a R$ 22/tonelada passando a R$ 42/tonelada após a britagem e a R$ 13/tonelada quando o mesmo produto é comercializado com a moagem e a classificação. Ainda este autor estima que o preço do frete da PPB para as regiões consumidoras pode variar em até 300 % em relação ao preço do produto bruto. A Tabela 1 apresenta tabela com os dados comerciais do feldspato na PPB. A desigualdade entre os números oficiais e os números estimados da comercialização demonstra que a atividade extrativa mineral nesta região está geralmente formalizada pela participação de empresas de mineração de médio porte atuante na região ou por ação de compradores de outras regiões. Nessa simbiose, a produção de bens minerais como o feldspato, a mica, o quartzo, o berilo, a tantalita, as gemas, entre outros, atravessou várias décadas de forma intermitente. Vale ressaltar que nas últimas décadas ocorreu um incremento na produção de minerais industriais, por exemplo, do feldspato para a indústria cerâmica, da mica para a indústria de tintas, do caulim para diversos fins e do quartzo para uso como pedra decorativa e ornamental. As atividades extrativas minerais em corpos pegmatíticos na região do Seridó, estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, perduram por mais de meio século dentro de ciclo envolvido pela informalidade, pela ilegalidade, pelo uso de técnicas inadequadas, pela baixa capacidade de investimento, pela baixa produtividade e baixo valor agregado, o chamado ciclo negativo. Conforme orientação 85

86 Martins et al., Estágio atual e desafios futuros da atividade extrativa mineral... Tab. 1. Dados comerciais do feldspato na província Borborema.Fonte: Coelho (2005). Local Produt o Grau de Beneficiamento (1) P reço Fob R$/Tonelada Preço rete de (3) F Parelhas / RN Gráfico 1ª 2ª Potássico 2,00 7,60 ( 2) Bahia 2 (2) 1 4,20 (2) 1 R$ 65,00/Ton MG/ES R$ 110,00/Ton 35,00 São Paulo R$135,00/Ton Currais Novos/ RN Potássico Britado 42,00 Areia 60,00 Moído (200#) 130,00 Albita 46,00 Soledade / Pb Potássic o 1ª Moído 130,00 Santa Catarina R$165,00/Ton (1) Dados de Fevereiro/Abril de 2002, (2) Dados de Janeiro de 2002 e (3) Dados de julho de 2003. do relatório de procedimentos do Artisinal Mining Internacional Workshop, organizado pelo Banco Mundial e editado por Barry (1996), o rompimento deste ciclo é dado em primeira instância pela legalização das atividades extrativas, para qual precede o passo zero - formação de empresas de pequeno porte ou formação de cooperativas de pequenos mineradores. 4. Associativismo e cooperativismo na PPB No Estado do Rio Grande do Norte, duas cooperativas de base mineral foram formadas nos últimos quatro anos (cooperativa de mineradores de Currais Novos UNIMINA e cooperativa de mineradores de Parelhas COOPMINA), além de quatros associações de pequenos mineradores (Lajes Pintadas, Ouro Branco, Parelhas, São Tomé). Dois marcos balizaram a formação destas cooperativas e associações: 1) a baixa dos preços dos bens minerais produzidos na década de 90 provocou desemprego na atividade formal da mineração levando um contingente de trabalhadores à exploração rudimentar dos corpos pegmatíticos; e 2) a constituição vigente e um aparato de leis complementares (p. ex., a Lei 7805 de 18/07/1989) favoreceram a formalização das atividades extrativas em geral, priorizando a produção de forma associativa ou cooperada como alternativa econômica em regiões de baixo índice de desenvolvimento humano. Entretanto, Priester (2005) tem citado que na América Latina, as experiências com a legalização de atividades mineiras de pequeno porte e sua introdução à economia informal têm levado benefícios ao topo final das operações sem o desejável efeito retroativo aos operadores posicionados na base. Entre os bens minerais explorados e comercializados na PPB, destaca-se o feldspato pela alta qualidade e pela alta demanda oriunda do setor nacional de revestimento cerâmico e da indústria de vidro, destino de 87% do feldspato extraído dos pegmatitos. Portanto sendo capaz de manter por longo

Martins et al., Estágio atual e desafios futuros da atividade extrativa mineral... período as atividades extrativas de pequeno porte na região. De fato, a expansão do consumo interno de revestimento cerâmico pode constituir a principal âncora para formalização da atividade garimpeira na PPB. Segundo projeções otimistas elaboradas pelo Ministério de Minas e Energia (Brasil, 2001), o consumo de feldspato no Brasil considerando crescimento médio do PIB em torno de 3,8% crescerá de 360.000 toneladas em 2005 para 680.000 toneladas em 2010. O mesmo estudo prevê num cenário pessimista com crescimento médio do PIB em torno de 2,8% que o consumo de feldspato no país incrementará de 327.000 toneladas em 2005 para 479.000 toneladas em 2010 (Fig. 1). Outros fatores limitam no curto prazo o desenvolvimento das formas de associativismo e cooperativismo de base mineral na região da PPB, entre os quais se destacam: 1) a ausência de arcabouço institucional e/ou não governamental para fornecer suporte tecnológico e monitoramento das atividades mineiras de pequena escala na região; 2) métodos de exploração e uso de equipamentos ineficientes e obsoletos; 3) adequação das atividades para práticas ambientais corretas; 4) ausência de linhas de financiamentos compatíveis com as demandas básicas dos pequenos produtores e 5) uma política de comercialização e orientação aos mercados consumidores. Conforme Xavier et al. (2005), a situação dos pegmatitos na PPB caracteriza por alguns pontos frágeis que persistem desde em toda cadeia de valor passando pela base e rede de fornecedores até o topo do arranjo produtivo, ressaltando o baixo nível tecnológico da extração, beneficiamento e classificação do produto, gerando pouco ou nenhum valor agregado. 5. Conclusões e discussões A mineração em pequena escala (MPE), tanto na Província Pegmatítica Borborema, caso em estudo, como em outros países, apresenta características comuns: baixo ou nenhum nível de mecanização, trabalho intensivo, padrões baixos de segurança e saúde, mão obra mal treinada, falta de apoio técnico, má utilização dos recursos, atividade sazonal, nível elevado de impacto ambiental e grau elevado de rompimento social. A regulamentação da mineração em pequena escala é um problema complexo que requer uma abordagem ampla sobre as condições sócio-econômicas, culturais e ambientais. Em muitos casos, esta atividade está associada com sérios problemas de saúde nos trabalhadores e nas comunidades relacionadas. Os problemas ambientais incluem a contaminação por minerais pesados e/ou radioativos, o desflorestamento, a erosão dos solos férteis, a degradação de bancos 87 Fig. 1. Estimativa da demanda de feldspato no Brasil. Fonte: BRASIL (2001).

88 Martins et al., Estágio atual e desafios futuros da atividade extrativa mineral... de rios, escavações provocadas pelas trincheiras e poços, etc. Para regular eficazmente a MPE, as autoridades governamentais devem cumprir tanto o papel regulatório como fomentar o treinamento, o apoio técnico e disseminar informações sobre o mercado. Desta forma, os governos nas várias esferas desempenham papel central na transferência e implementação de tecnologias e práticas de gerência ambiental aceitáveis. Abordando especificamente o caso em estudo, como exposto anteriormente, conclui-se que a região da PPB é uma área tradicionalmente mineradora, sendo o garimpo dos pegmatitos, uma atividade de sustentação socioeconômica da região. Nesta região, o trabalho foi sempre realizado na sua maioria de forma irregular, estando geralmente ilegal perante a legislação ambiental, mineral, trabalhista e fiscal, o que traz perdas econômicas aos municípios e aos próprios garimpeiros. O maior desafio para a regularização desta atividade é a falta de organização dos garimpeiros, entretanto falta suporte técnico para a estruturação de formas avançadas de associativismo e cooperativismo. As áreas, em sua grande parte, não pertencem aos mineradores, nem registros nos órgãos reguladores e são exploradas através de acordo verbal com os proprietários das terras ou dos direitos minerais através do pagamento de comissão (conga) que varia de 10 a 20% do valor apurado na extração mineral. Diante deste quadro, sugere-se uma a articulação permanente de vários órgãos públicos em parceria com as cooperativas de base mineral e outras empresas para planejar uma atuação conjunta. Esta rede de instituições deve ter como objetivos promover ações para co fortalecimento de toda atividade mineral relacionada com os corpos pegmatíticos, desde a exploração até a comercialização do produto final, agregando valor ao produto mineral e aumentando a produtividade com a aplicação de novas tecnologias. Agradecimentos Os autores agradecem às agências financiadoras (FINEP, FUNPEC) pelos recursos aportados no Projeto Desenvolvimento em Rede do Arranjo Produtivo em Pegmatitos RN/PB, com apoio do Ministério de Minas e Energia através Departamento Nacional de Produção Mineral, assim como os dois revisores anônimos. Referências Bibliográficas Almeida, F.F.M., Melcher, G.C., Cordani, U.G., Kawashita, K. & Vandoros, P., 1968. Radiometric age determinations from Northern Brazil. Soc. Bras. Geol., Bol., 17: 3-15. Araújo, M.N.C., Silva, F.C.A. & Jardim de Sá, E.F., 2003. Geocronologia Ar/Ar de ocorrências auríferas e de Be- Ta-Li do extremo nordeste da Província Borborema: reativação cambriana seguida de mineralizações cambroordoviciana de zonas de cisalhamento transcorrentes proterozóicas. XX Simpósio de Geologia do Nordeste, SBG, 18-23. Barry, M., 1996. A summary of the proceeding of the International Round table on Artisinal Mining. World bank, Washington, USA, May 17-19, 1995. BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Secretaria de Minas e Metalurgia, 2001. Atualização do plano plurianual para o desenvolvimento do setor mineral - PPDSM - 2000. MME-SMM, Brasília, 263p. Brito, J.S., Lima, A.A., & Pereira, E.B., 2007. Diagnóstico sobre a produção de bens minerais na Província Pegmatítica da Borborema. Projeto Desenvolvimento em rede do arranjo produtivo em pegmatito RN/PB. FINEP/ FUNPEC, Natal, no prelo. Baumgartner, R., Moritz, R., Romer, R. & Sallet, R., 2001. Mineralogy and U-Pb geocronology of beryl and columbo-tantalite pegmatite in the serido pegmatite district, northeastern Brazil. In: A. Piestrzynski et al. (eds), Mineral deposits at the beginning of the 21 st century, Proceedings of the 6 th biennal SGA meeting, Krakow, Poland, 26-29 August 2001, Balkema Rotterdam, 371-375. Coelho, J.M., 2005. Balanço da situação atual do feldspato no Brasil. XXIII Encontro Nacional de Mineradores e Consumidores, Natal, 135-137. Cunha e Silva, J., 1981. Formação polimetalífera da região Borborema, estados do Rio Grande do Norte e Paraíba. Relatório Técnico, CPRM, Recife, 135p. Da Silva, M.R.R. & Dantas, J.R.A., 1984. A Província Pegmatítica Borborema Seridó nos estados da paraíba e Rio Grande do Norte. In: A Montalverne (ed) Principais Depósitos Minerais do Nordeste Oriental. Série Geologia Econômica, 4, DNPM, 235-304. Ebert, H., 1969. Geologia do Alto Seridó. Recife, Brazil. SUDENE, Serie Geol. Reg., 11: 120p. Farias Filho, A., Cortez, C.M.B., Xavier, C.B., Costa, J.L., Rego, J.M., Nesi, J.R., Carvalho, O.O. & Ventura, P.E., 2004. Perfil dos bens minerais e energéticos. Avaliação preliminar do setor mineral do Rio Grande do Norte 1995 2002. capítulo 6: 65-127. Johnston Jr., W.D., 1945. Beryl-Tantalite pegmatite of Northeastern Brazil. Bulletin Geological Society American, 56: 1015-1070.

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