UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de Humanidades e Direito FAHUD Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião

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Transcrição:

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Faculdade de Humanidades e Direito FAHUD Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião POR UMA ECLESIOLOGIA ABERTA Reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira Por Alonso de Souza Gonçalves São Bernardo do Campo/SP 2014

2 Alonso de Souza Gonçalves POR UMA ECLESIOLOGIA ABERTA Reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro São Bernardo do Campo/SP 2014

3 A dissertação de mestrado sob o título Por uma eclesiologia aberta: reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira elaborada por Alonso de Souza Gonçalves, foi apresentada e aprovada em 30 de Setembro de 2014, perante Banca Examinadora composta pelos professores doutores Claudio de Oliveira Ribeiro (Presidente/UMESP), Rui de Souza Josgrilberg (Titular/UMESP) e Jorge Pinheiro dos Santos (Titular/Faculdade Teológica Batista de São Paulo). Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro Orientador e Presidente da Banca Examinadora Prof. Dr. Helmut Renders Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião Programa: Pós-graduação em Ciências da Religião Área de Concentração: Linguagens da Religião Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura

4 A igreja na força do Espírito ainda não é o reino de Deus, mas já é sua antecipação na história. O cristianismo ainda não é a nova criação, mas já é o efeito do Espírito da nova criação. Os cristãos ainda não são a nova humanidade, mas já são sua dianteira na resistência contra o enclausuramento mortífero, em entrega e representação em prol do futuro dos seres humanos. Jürgen Moltmann

5 Agradeço... À Lívia de Oliveira Simões Gonçalves e ao André Simões Gonçalves, sem eles não seria possível chegar até aqui; À Igreja Batista Central em Pariquera-Açu pelo apoio, compreensão e incentivo; À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES) por financiar parte dessa pesquisa, apoio imprescindível; Ao professor Etienne Alfred Higuet, que iniciou minha orientação; Ao professor Claudio de Oliveira Ribeiro, por ser mais que um orientador, um amigo; Ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, bem como seu Corpo Docente e Administrativo; Aos colegas e amigos da Casa do Estudante, por tornar o ambiente amigável e favorável ao diálogo; Ao teólogo Jürgen Moltmann, que com profundidade e singeleza me apresentou a esperança que impulsiona para a ação.

6 Dedico... Ao meu pai, José Alonso Gonçalves Filho.

7 GONÇALVES, Alonso de Souza. Por uma eclesiologia aberta: reflexões a partir da eclesiologia de Jürgen Moltmann como uma contribuição teológica à Igreja Batista brasileira. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo). São Bernardo do Campo/SP: UMESP, 2014, 125p. Resumo A pesquisa pretende tratar de um tema na produção acadêmica do teólogo alemão Jürgen Moltmann, sua eclesiologia. Ela procurará abordar as principais chaves hermenêuticas da eclesiologia moltmanniana, por entender que o autor, em sua eclesiologia, desenha uma concepção de igreja em dimensões abertas. Sendo, portanto, uma igreja que procura estar ciente do que ocorre na sociedade e dela fazer parte com um grau alto de comprometimento e inserção significativa nos grandes temas suscitados pela cultura contemporânea. Moltmann, com suas categorias teológicas, favorece o estabelecimento de bases para se pensar em uma eclesiologia com dimensões abertas, contribuindo assim para o desenvolvimento de uma práxis que seja mais condizente com o contexto em que a comunidade de fé está inserida. Para isso, considerando que as reflexões de Moltmann podem contribuir para o contexto eclesiológico brasileiro, na pesquisa optamos por fazer a comparação dos principais aspectos eclesiológicos do autor com o modo de ser batista no Brasil, a partir de autores que produzem reflexão teológica para a denominação, sendo, portanto, autores reconhecidos no universo batista. Além destas fontes bibliográficas, a pesquisa trará o pensamento teológico da Igreja Batista brasileira a partir da Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, procurando apontar caminhos que são passíveis de reflexão teológica e contribuição pastoral críticas. Palavras-chave: Eclesiologia Jürgen Moltmann Igreja Batista brasileira.

8 GONÇALVES, Alonso de Souza. For an open ecclesiology: reflections on the ecclesiology of Jürgen Moltmann as a theological contribution to the brazilian Baptist Church. Master Thesis (Post-graduation in Religious Studies, Faculty of Humanities and Law of the Methodist University of São Paulo). São Bernardo do Campo/SP: UMESP, 2014, 125p. Abstract This research aims to work with the ecclesiology in the academic production of the German theologian Jürgen Moltmann. It will seek to handle the principal hermeneutical keys of Moltmann s ecclesiology. For it understands that his ecclesiology designs a concept of church in open dimensions, i.e., a church that demands to be aware of what occurs in society and be part of it, having commitment and significant inclusion in the major issues raised by contemporary culture. By his theological categories, Moltmann contributes towards the achievement of thinking about an ecclesiology with open dimensions, also to the development of the praxis, which is more consistent within the context of the community of faith. For this, considering that Moltmann s reflections can contribute to Brazilian ecclesiological context, the research chooses to compare the main ecclesiological aspects of the author with the Baptist way of life in Brazil, and uses authors of consensus in the Baptist universe in which they produce theological reflection for the church. In addition to the bibliographical sources, the research will consider the Brazilian Baptist Church theological thinking on the Doctrinal Statement of the Brazilian Baptist Convention, trying to point out ways that are liable to theological reflection and pastoral contribution critiques. Key-words: Ecclesiology Jürgen Moltmann Brazilian Baptist Church.

9 Caminhante, não há caminho......faz-se caminho ao andar. Antônio Machado

10 Sumário Considerações iniciais 12 Problemas, objetivos e metodologia 13 Justificativas 15 A teologia de Jürgen Moltmann na América Latina 19 Um Jürgen Moltmann: notas bioteográficas 25 Considerações iniciais 25 1. Jürgen Moltmann: uma trajetória de esperança 26 2. Trilogia da esperança: uma leitura eclesiológica 31 2.1. A igreja na força do Espírito: uma proposta eclesiológica 32 2.2. A eclesiologia na Teologia da esperança 34 2.3. A eclesiologia no O Deus crucificado 37 3. Aspectos hermenêuticos da teologia moltmanniana 40 3.1. Promessa e esperança 42 3.2. Escatologia e história 44 3.3. Messianismo e missão 46 Considerações parciais 48 Dois A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann 50 Considerações iniciais 50 1. A eclesiologia no contexto da teologia sistemática 51 1.1. Cristologia: o seguimento na eclesiologia messiânica 51 1.2. Pneumatologia: a igreja sob o impulso do Espírito Santo 53 1.3. Reino de Deus: a mediação do futuro a partir da igreja 57 1.4. Criação: a responsabilidade ecológica da igreja 59 1.5. Trindade: o modelo teológico de uma comunidade 61

11 2. A eclesiologia no contexto da práxis 63 2.1. A dimensão comunitária de uma eclesiologia aberta 66 2.2. A eclesiologia pneumática e sua abertura ao mundo 69 2.3. A tarefa missionária da igreja: abertura ao reino de Deus 72 Considerações parciais 75 Três A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann como contribuição teológica à Igreja Batista brasileira 77 Considerações iniciais 77 1. Os batistas no contexto do protestantismo(s) brasileiro 78 1.1. A teologia dos missionários 82 1.2. Os batistas: aspectos histórico-teológicos 85 1.3. O modo de ser batista 89 2. Contribuições de Jürgen Moltmann à Igreja Batista 92 2.1. Igreja e reino de Deus 93 2.2. Vocações e ministérios 99 2.3. Missão e proclamação 103 Considerações parciais 107 Considerações finais 109 Referências bibliográficas 113 De Jürgen Moltmann 113 Sobre Jürgen Moltmann 115 Obras complementares 118

12 Considerações iniciais O início da minha caminhada com a teologia se deu quando tinha 18 anos de idade, quando a Primeira Igreja Batista em Hortolândia/SP reconheceu minha vocação para o ministério pastoral e assim ingressei na Faculdade Teológica Batista de Campinas (FTBC), no início do ano de 2001. O ingresso na FTBC foi uma abertura em termos de vida e crescimento. Lá entrei em contato com alguns professores provenientes dos Estados Unidos e que, de alguma forma, incutiram a maneira de pensar sobre Deus, igreja, Cristo e outros temas teológicos em bases tradicionais. No entanto, com outros professores, pude aprender a pensar de maneira diferente. Um deles foi o professor Natanael Gabriel da Silva, então diretor da instituição. Com ele, pude beber de fontes teológicas como as de Karl Rahner, Paul Tillich, Karl Barth, Leonardo Boff, Juan Luis Segundo dentre outros que jamais eu tinha ouvido falar. Abria-se um novo horizonte de perspectivas e de pesquisa teológica. Certa vez, ao ouvir a menção sobre o teólogo alemão Rudolf Bultmann, foi despertado em mim o interesse pelo seu processo hermenêutico conhecido como demitologização. Ter outra leitura do Novo Testamento foi uma descoberta frutífera, embora eu não tivesse naquele momento a mínima ideia das consequências de tal método. Daí para chegar até Jürgen Moltmann foi um passo. Ouvi falar da sua Teologia da esperança e fiquei encantado com a perspectiva escatológica desse autor. Pensei: há outras possibilidades de pensar a escatologia fora dessas três correntes que ouço aqui pré-milenismo, pós-milenismo e amilenismo. Confesso que foi um alívio e ao mesmo tempo um desafio. O teólogo alemão Jürgen Moltmann, conhecido como o teólogo da esperança, tem dado uma importante contribuição ao pensamento teológico contemporâneo em diversos temas, mas principalmente dentro do tema da escatologia. A reflexão teológica do autor é amplamente pesquisada e suas intuições teológicas vêm favorecendo o diálogo no campo ecumênico bem, como também, ampliando o diálogo inter-religioso, em especial o judaico-cristão. O meu interesse, a princípio, foi a Teologia da esperança de Moltmann. Percebi logo a sua importância no cenário teológico latino-americano. Fui descobrindo que o

13 autor escrevia sobre quase todos os temas da teologia e procurei investigar a sua eclesiologia. Problemas, objetivos e metodologia Partindo de alguns aspectos do esboço teológico de Moltmann, esta pesquisa procurará trabalhar com a sua eclesiologia. O objetivo com o tema, dentro do sistema teológico do autor, é procurar mostrar a relevância da eclesiologia moltmanniana e seus elementos que podem contribuir para uma eclesiologia que seja mais aberta ao contexto vivencial da igreja e a cultura contemporânea. Não obstante a isso, o tema eclesiologia, recorrente na produção bibliográfica do autor, ainda não foi objeto de pesquisa no Brasil. Sobre a sua eclesiologia, o autor considera que a doutrina teológica sobre a igreja precisa observar pelo menos três dimensões: diante de Deus, diante dos seres humanos e diante do futuro. No seu entender isso demonstra a vivacidade da igreja, pois a igreja de Cristo é uma igreja aberta. Ela está aberta para Deus, aberta para o ser humano e aberta para o futuro de Deus e dos seres humanos. A fim de elaborar questões que possam dar direção à pesquisa, algumas perguntas são necessárias. Quais os fundamentos da eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann? Dentro do seu esboço teológico é possível visualizar uma eclesiologia que tenha dimensões de abertura? Cabendo a resposta ser positiva, qual a contribuição que Moltmann poderia dar ao protestantismo(s) no Brasil, particularmente à Igreja Batista brasileira 1 e sua eclesiologia? A proposta de Moltmann é fomentar uma concepção de igreja que procura concretizar a abertura dela ao mundo, mas para isso precisa deixar de manter uma fé subjetivista, intimista e incapaz de comunicação. A eclesiologia moltmanniana que se configura em sua abertura, procura articular temas a partir de um diálogo com a cultura contemporânea, ou seja, uma igreja que tenha interação ecumênica; uma práxis que insira a igreja dentro do mundo e não fora dele; uma dinâmica voltada para as reais necessidades da história; uma eclesiologia 1 Quando, no decorrer da pesquisa, surgir Igreja Batista brasileira, estará se referindo à denominação Batista representada pela Convenção Batista Brasileira (CBB), uma vez que há outros grupos que também se qualificam como Batistas no Brasil.

14 marcada pela ação do Espírito Santo; uma dinâmica comunitária baseada em ministérios. Dentro desse quadro, a realidade eclesial do protestantismo(s) de missão 2 parece não retratar a concepção teológica do autor pesquisado e não corresponderia a uma eclesiologia que se elabora em dimensões abertas. Há no protestantismo(s) de missão alguns elementos que segregam a comunidade de fé de alguns temas e comportamentos sociais nos quais o discurso teológico sobre a igreja é espiritualizado, carecendo de um engajamento político-social mais consistente. Nesse sentido, a eclesiologia moltmanniana pode contribuir por trazer propostas de integralidade entre igreja e sociedade. A partir disso, a pesquisa persegue alguns objetivos. O primeiro é analisar como o autor pesquisado vê a igreja em sua abertura ao futuro. Daí a concepção da pesquisa em tratar de uma eclesiologia aberta, tendo como consequência a reflexão teológica de temas como reino de Deus, missão, política e a relação igreja-política-e-sociedade. Essa reflexão teológica é possível quando a igreja assimila, conscientemente, de que é a antecipação do futuro, ou seja, um futuro com a marca do reino de Deus. Moltmann pontua de que Jesus, com sua missão e os desdobramentos da ressurreição, trouxe o reino de Deus para a história, sendo assim, a igreja é sua antecipação, ou seja, é a experiência dinâmica do reino de Deus. A esperança do futuro reino de Deus é tarefa da igreja quando assume concretamente a sociedade em que está inserida dando um horizonte de esperança, justiça, vida e humanidade. A eclesiologia moltmanniana não concebe um grupo de pessoas fechado em seus pressupostos teológicos que não contemple sua abertura ao mundo. Aqui, então, o objetivo é articular a eclesiologia de Moltmann dentro do seu esboço teológico a fim de elencar elementos que configuram uma igreja aberta. Outro objetivo é procurar fazer com que a eclesiologia aberta de Moltmann proporcione chaves de leitura para a realidade eclesial e teológica do protestantismo(s) de missão e, mais especificamente, para a Igreja Batista (Convenção Batista Brasileira CBB) e sua eclesiologia. Nossa hipótese é que as principais características da eclesiologia moltmanniana podem contribuir para um caminhar da igreja no sentido de 2 Embora a designação protestantismo(s) de missão esteja sendo revisada para identificar as igrejas históricas, uma vez que pesquisadores prefiram denominar de protestantismo no Brasil ou ainda protestantismo(s) brasileiro, a pesquisa irá optar por essa referência tendo em vista o foco teológico e não, precisamente, o aspecto sociológico.

15 fomentar uma discussão teológica a fim de auxiliar na formulação de um discurso mais aberto aos desafios da contemporaneidade. Mesmo pertencendo ao protestantismo(s) de missão, o que em tese deveria favorecer uma eclesiologia livre, a eclesiologia batista parece aglutinar algumas características que acentuam uma postura eclesiológica fechada. Esperamos analisar aspectos como: a concepção soteriológica exclusivista; a incapacidade de trabalhar com a pluralidade eclesial; o fechamento quanto ao ecumenismo; uma noção de que a única igreja verdadeira se dá na configuração da denominação. Além disso, há a discussão quanto ao gênero, onde a mulher não tem o seu espaço legítimo no âmbito ministerial e sua capacidade pastoral é condicionada pelo crivo de ser mulher, na maioria das avaliações. A pesquisa é bibliográfica e explanatória, ou seja, num primeiro momento a pesquisa bibliográfica será desenvolvida a partir dos principais textos de Moltmann e correlatos para fundamentar a abordagem eclesiológica na obra do autor. Além disso, será dada uma atenção especial para autores interlocutores da teologia moltmanniana tais como: Rosino Gibellini (1998), Battista Mondin (1980, 1983, 1984), Levy Bastos (2009, 2011b), Richard Bauckham (1995) dentre outros. Como um dos objetivos da pesquisa, além da análise da eclesiologia de Moltmann, é dialogar e apontar caminhos de um discurso mais acentuadamente comunitário e libertador para uma comunidade de fé, no caso a Igreja Batista brasileira como instituição e ramo do protestantismo(s) de missão, pretende-se abordar os principais teóricos do discurso eclesiológico da referida denominação, mas principalmente a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (1986), com o propósito de confrontar ideias, conceitos e comportamentos e, no sentido de contribuir, sugerir, apontar e mediar possíveis contribuições, a partir da leitura moltmanniana, para uma realidade eclesial que venha ter uma inserção ética, social e prática com alguns valores de uma eclesiologia aberta que serão elencados na pesquisa. Justificativas No Brasil, a teologia de Jürgen Moltmann tem sido divulgada e pesquisada mais em relação aos temas da escatologia, pneumatologia, trindade e ecologia. Este último tema é atual e vem ganhando cada vez mais pesquisadores por ser um assunto que está

16 na pauta das Nações Unidas e demais contextos no mundo. Quanto à eclesiologia do autor, ainda é recente a pesquisa e escassa a produção acadêmica sobre este tema dentro do esboço teológico moltmanniano. A reflexão sobre a igreja sempre ocupou um espaço considerável na produção teológica. Diversos teólogos de diferentes concepções, conservadores ou progressistas, tem se dedicado ao tema em vários momentos da história da igreja. Aqui nos interessa Moltmann, pela importância que ele tem no cenário teológico. Com sua reflexão eclesiológica, Moltmann passa a fazer parte do grupo de teólogos sistemáticos que refletiram sobre a igreja, tanto católicos quanto protestantes. 3 O autor, quando se propõe a fazer uma leitura da eclesiologia 4 em perspectiva messiânica, se junta a Karl Barth que elaborou a sua Dogmática eclesial, alguém que exercerá certa influência nele, principalmente com o método dialético; a Hans Küng, com suas obras dedicadas à eclesiologia da Igreja Católica e que, recentemente, publicou no Brasil um texto provocativo: A igreja tem salvação? (2012). Outro teólogo de expressão, Roger Haight, que ficou conhecido pelo seu livro Jesus, símbolo de Deus (2005), dedicou-se ao tema da igreja em dois volumes com o título A comunidade cristã na história (2012). Por esses e outros autores, o tema da eclesiologia se faz importante e necessário tanto a sua reflexão no contexto protestante, quanto no contexto católico. No universo católico o tema voltou com força principalmente depois da eleição do cardeal Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa latino-americano, que vêm assumindo, como papa Francisco, posições que causam, em alguns setores da igreja, entre os mais conservadores, por exemplo, certo desconforto. Por outro lado, Francisco está promovendo novos ares de libertação e projetando uma igreja que seja mais aberta aos temas da sociedade como divórcio, casamento de pessoas do mesmo sexo e contraceptivos. Esses e outros temas estão sendo trazidos à tona para que a igreja e seu papa possam responder de maneira pastoral e, pelo menos é o que alguns estão esperando, que não sejam posições enrijecidas pelo dogma, ou seja, que seja com o 3 Quando o termo protestante ou protestantismo(s) surgir no texto não tem um sentido teológico definido de uma igreja específica, apenas uma distinção em relação à Igreja Católica. Aqui o termo será para identificar as igrejas comumente conhecidas como igrejas históricas. 4 Tomo o conceito eclesiologia sempre como um discurso teológico que se faz a partir da igreja, não especificamente como doutrina da igreja. Aqui sigo a definição teológica de Roger Haight quando ele diz que o objeto de estudo da eclesiologia é o povo que confessa ser Deus quem atua em sua vida e que, portanto, se articula como igreja, precípua e centralmente, por causa dessa fé em Deus (HAIGHT, 2004, p. 271).

17 objetivo de contribuir para o diálogo. O caminho, ao que tudo indica, será difícil, mas necessário. Voltando a Moltmann, a pretensão em refletir sobre sua eclesiologia se deve não somente ao fato dele ser um teólogo contemporâneo que vêm exercendo uma influência benéfica em diferentes lugares onde a teologia está sendo pensada de maneira responsável, principalmente na América Latina. Ela se deve, principalmente, à originalidade e criatividade do autor, que o torna um teólogo relevante para a discussão acadêmica e pastoral. Embora a sua ênfase seja na escatologia, isso não o impediu de contribuir para se pensar e projetar uma eclesiologia mais humana e caracterizada pela dinâmica concreta da vida. Na sua extensa bibliografia, há implicações definitivas em seu trabalho para o tipo de eclesiologia necessária para sustentar a visão escatológica que ele descreve. A sua escatologia o leva a assumir algumas posições a respeito da igreja e sua relação com o mundo (sociedade). A teologia de Moltmann vem sendo objeto de intensa reflexão e produção acadêmica. É um autor de linhas definidas em termos teológicos e uma história de vida marcada pela experiência de prisioneiro de guerra em um campo de concentração na Segunda Guerra Mundial, e de exercer o pastorado por um tempo em uma comunidade pequena em uma região bucólica da Alemanha. A pesquisa se dá por entender de que a eclesiologia do autor ainda não foi devidamente pesquisada. Por um bom tempo a sua eclesiologia foi preterida por outros temas, igualmente importantes, como a trindade, a criação, a cristologia e sua escatologia. Até recentemente a sua principal obra sobre eclesiologia, A igreja na força do Espírito (1975), ainda não havia sido traduzida para o português, sendo trazida ao Brasil em 2013 com o título A igreja no poder do Espírito. Além disso, como pastor de uma comunidade batista que tem sua matriz teológica e histórica no protestantismo(s) de missão do século XIX, percebo que é visível a ausência de uma eclesiologia que seja inclusiva, ou seja, a Igreja Batista no Brasil ainda não contempla alguns elementos para maior abertura que vise uma reflexão teológica holística e engajada socialmente. A recusa à ordenação feminina ao ministério pastoral, o que constitui como um sinal claro de discriminação quanto ao gênero e uma teologia meramente salvacionista, escapista (celestial), predominante em seminários e faculdades teológicas (com exceção de algumas instituições teológicas), revelam, por

18 exemplo, que há uma necessidade de formular bases para se pensar em uma eclesiologia aberta ou que pelo menos contribua com uma abertura gradativa nesses temas. Nesse sentido, como já referido, nos orientamos por algumas perguntas: a eclesiologia de Moltmann pode contribuir para ampliar a concepção teológica da eclesiologia da Igreja Batista ao pontuar críticas e promover a sinalização de alguns caminhos pastorais alternativos? Caso sim, quais seriam eles? O teólogo de Tübingen traz novidades eclesiológicas para propor a discussão em alguns temas da realidade denominacional da eclesiologia batista? Quais seriam? Nesse sentido, essa pesquisa nasce do anseio em contribuir com a igreja da qual o pesquisador faz parte. A dissertação tem como propósito fazer apontamentos a fim de refletir sobre possibilidades que sejam relevantes com o atual momento da cultura contemporânea e os desafios pastorais que dela suscitam. Quais seriam os aspectos norteadores para se falar em uma eclesiologia aberta a partir de Moltmann? A principal justificativa para se pensar em uma eclesiologia aberta se deve, num sentido mais amplo, à própria configuração do protestantismo(s) de missão sendo os batistas participantes da mesma matriz teológica com algumas diferenças pontuais no país. Um desses aspectos é a dificuldade em refletir holisticamente a dimensão do reino de Deus como construção histórica e não como mera consumação da história. Outro aspecto que deixa a sua marca na eclesiologia pensada a partir do protestantismo(s) de missão, em sua versão tradicional, é a escatologia milenarista. A partir da escatologia milenarista é pensada a estadia da igreja na terra e a concepção de que um dia tudo estará consumado e, enquanto isso não ocorre, é preciso se separar do mundo e aguardar a volta de Jesus. A escatologia milenarista somada à concepção da individualização soteriológica, ou seja, uma expectativa pelo céu onde tudo será como antes da queda do ser humano, dá ao protestantismo(s) de missão um discurso teológico que funciona como negação ou rejeição para não se ter uma vida cristã engajada e corresponsável pela sociedade. Com uma concepção de que se precisa ganhar almas para Cristo apenas, o protestantismo(s) de missão parece ter uma mensagem reducionista. O mundo está se aproximando do fim, o acerto final de contas com Deus; os eventos que ocorrem no mundo são sinais disso; não é o reino de Deus que precisa ser expandido, mas é a aniquilação que está chegando (ALVES, 2005, p. 85). Os valores

19 do reino de Deus e a continuação-construção desse projeto são engavetados na eclesiologia protestante sendo que a Igreja Batista participa dessa mesma perspectiva. A eclesiologia que Moltmann propõe é marcada por alguns elementos que podem contribuir para uma reflexão eclesiológica que favoreça o engajamento da igreja com uma práxis comprometida com o contexto em que a igreja está inserida. Outro aspecto que justifica a nossa pesquisa são as relações que Moltmann estabeleceu com a teologia latino-americana. A teologia de Jürgen Moltmann na América Latina A teologia moltmanniana, desde a sua gênese, foi bem recebida na América Latina. Um teólogo que transita bem entre católicos e protestantes, Moltmann desde o início abriu um profícuo debate, não isento de tensões, em torno de suas ideias com teólogos latino-americanos. Há um intenso e proveitoso debate em torno dos temas propostos por Moltmann feito por teólogos latino-americanos, tanto os ligados à teologia latino-americana da libertação quanto aos ligados à teologia latino-americana da missão integral. Como o próprio autor relata, o início foi conturbado, principalmente com o colega José Míguez Bonino, mas a colaboração mútua esteve presente nas reflexões de teólogos latino-americanos como também a teologia latino-americana da libertação esteve presente nas reflexões de Moltmann (MOLTMANN, 2004, p. 185). Na América Latina o teólogo da esperança irá contribuir com a cristologia de Jon Sobrino; também com a concepção trinitária de Leonardo Boff, onde a reflexão, de alguma forma, está relacionada com a de Moltmann. Nesse sentido, Moltmann tem sido bem acolhido na América Latina, tanto com a sua contribuição bibliográfica como pessoalmente, vindo ao Brasil por algumas vezes e, na Universidade Metodista de São Paulo por duas, sendo a última em 2008. A relação de Jon Sobrino com Moltmann começou com o doutorado em teologia na Alemanha onde o teólogo espanhol radicado na América Latina desde 1957, vivendo até hoje em El Salvador, tratou da cristologia moltmanniana juntamente com a de Pannenberg.

20 O laço de Moltmann com Sobrino foi apertado mais ainda depois da tragédia que culminou na morte de seis jesuítas dentre outros assassinados no campus da Universidade Centro-americana (UCA) de El Salvador em 1989. Nesse episódio, Moltmann toma conhecimento, pela fotografia da cena do martírio, de que o seu livro, El Dios crucificado, estava caído em meio ao sangue de um dos jesuítas assassinados. A cristologia de Sobrino é um resgate do seguimento de Jesus e suas consequências na história tendo como interface a situação da América Latina. Como teólogo da libertação, Sobrino parte do pressuposto de que há crucificados na América Latina e que Jesus continua solicitando a retirada desses da cruz. Tomando isso como condição, a cristologia moltmanniana faz todo o sentido para a reflexão teológica de Sobrino, posto que para Moltmann o presente não se dê a partir de uma tábula rasa com possibilidades abertas ainda-não atualizadas, mas é diretamente miséria, opressão, injustiça, numa palavra, pecado (SOBRINO, 1996, p. 176-177). Ele concorda com Moltmann de que o presente não é só distanciamento com respeito ao futuro, mas contradição com respeito ao futuro esperado (SOBRINO, 1996, 177). A esperança se dá contra a miséria presente e diante dela há uma convocação para favorecer uma práxis da esperança (SOBRINO, 1996, p. 177). A práxis se dá no seguimento de Jesus e Sobrino interpreta Moltmann dentro dessa categoria, uma vez que para ele é possível viver já na história escatologicamente, realizando, ao mesmo tempo, a esperança presente na ressurreição de um crucificado e o amor da vida de Jesus. Dito em linguagem de ressurreição, já se pode viver como ressuscitado nas condições da história. Dito em linguagem histórica, já se pode viver com o amor do crucificado. E isto não é outra coisa senão o seguimento de Jesus (SOBRINO, 1996, p. 178). Sobrino soube ler o sistema teológico moltmanniano, principalmente a sua cristologia, favorecendo uma perspectiva positiva da sua teologia para a América Latina, proporcionando uma linguagem de esperança a partir de um contexto de desesperança e sofrimento do pobre. Nesse sentido, Sobrino não pontua críticas à teologia de Moltmann, pois ele entende que a dialética do presente-futuro-presente contribui para uma práxis que movimenta em direção ao futuro tendo como elemento propulsor o seguimento de Jesus de Nazaré e sua dimensão histórica.

21 Quando Gustavo Gutiérrez escreve sua clássica obra Teologia da libertação, ele traz a discussão da escatologia em sua vertente política e chega à Moltmann (GUTIÉRREZ, 1976, p. 181). A crítica de Gutiérrez é de que falta à Moltmann uma linguagem suficientemente enraizada na experiência histórica concreta do [ser humano] (GUTIÉRREZ, 1976, p. 182). Como teólogo da libertação, Gutiérrez está interessado na práxis da teologia em sua concretização na história de espoliação e dilemas sociais, daí a sua crítica à Moltmann de que sua teologia não procura vivenciar o âmago da práxis histórica, sendo apenas uma espécie de evasão, futurismo (GUTIÉRREZ, 1976, p. 182). Mesmo assim, Gutiérrez admite de que a teologia de Moltmann é uma das mais importantes da contemporaneidade, pois ela ajudou a superar a associação fé e medo ante o futuro (GUTIÉRREZ, 1976, p. 183). Para o teólogo peruano, Moltmann ajuda a entender que a esperança e o futuro que se espera é um dom que cumpre uma função mobilizadora e libertadora da história (GUTIÉRREZ, 1976, p. 183). Mesmo tecendo algumas críticas quanto à ausência de elementos que promovam uma práxis voltada para o chão das pessoas, Gutiérrez esclarece quanto às possibilidades da teologia moltmanniana e, dentre algumas, se destaca a necessidade de encarar o futuro como uma oportunidade de transformá-lo no presente, uma vez que aquele (o futuro) depende deste. Nesse aspecto, tod@s 5 estão convocad@s a exercerem uma função libertadora no mundo a partir da esperança, o futuro será mais humano quando no presente for possível suprimir as injustiças promovendo libertação (GUTIÉRREZ, 1976, p. 183). Rubem Alves, em sua tese de doutorado, Para uma teologia da libertação, obra que foi publicada nos Estados Unidos como Teologia da esperança humana e conhecida no Brasil com o título Da esperança (1987), faz uma análise da teologia da esperança de Moltmann apontando algumas deficiências epistemológicas no seu sistema. Alves faz uma leitura da Teologia da esperança tendo como foco a história e o humanismo político. Assim, ele formula algumas críticas ao sistema moltmanniano principalmente em sua concepção de história e sua relação com o futuro. Alves considera que Moltmann vê o movimento da história platonicamente. Ao se apropriar do conceito aristotélico do primum movens (primeiro movimento), Alves entende que 5 A fim de contribuir com a equidade de gênero, a pesquisa fará uso, sempre que possível e quando a língua assim permitir, de uma linguagem inclusiva, que tem no @ um símbolo para a referência do feminino e do masculino no decorrer da pesquisa.

22 Moltmann concebe um Deus que arrasta a história para o futuro sem nela se envolver (ALVES, 1987, p. 108). A crítica mais contundente de Alves (1987, p. 113) à Moltmann é de que a história não está aberta. Ele vê a história cativa de poderes que produzem morte, assim, a história não está fechada devido a realidades orgânicas, e sim devido a poderes ativos de natureza política (ALVES, 1987, p. 113). Ainda em reação à Moltmann quanto à história, Alves é contrário à concepção do primum movens, uma vez que para ele o que coloca a história em movimento é a dialética da liberdade enquanto encarnada no sofrimento do mundo e que, em consequência, faz nascer a negação, a esperança e a ação (ALVES, 1987, p. 114). Apesar de suas críticas, Alves assimila à linguagem moltmanniana da ressurreição e aceita a dialética do autor futuropresente (HIGUET, 1995, p. 37). Outro personagem latino-americano que teceu reação ao pensamento de Moltmann foi Míguez Bonino. Moltmann escreveu uma carta aberta ao colega em 1976 que, segundo ele, causou algum alvoroço (MOLTMANN, 2004, p. 186). Nessa carta Moltmann formula algumas perguntas que destaco duas: (1) o que é latino-americano na teologia latino-americana da libertação?; (2) o que é crítica, se no final o crítico afirma mais ou menos a mesma coisa que o criticado? Essas questões resultaram em reações que, infelizmente, foram negativas (MOLTMANN, 2004, p. 186). Diante do episódio, Moltmann deixa bem claro de que não rejeita a teologia latino-americana da libertação, antes ele assimila seus pressupostos e, de alguma maneira, faz com que eles sejam refletidos na sua reflexão teológica mais recente. A reação de Míguez Bonino é, num primeiro momento, de contentamento, pois a obra de Moltmann é notável e decisiva para a história do pensamento teológico (BONINO, 1987, p. 112-113). O entusiasmo de Míguez Bonino é de que a ideia moltmanniana de esperança está longe de levar a uma fácil acomodação ao status quo (BONINO, 1987, p. 113). É uma esperança que coloca em movimento, que não se conforma com a realidade circundante e provoca a mover-se em direção ao futuro. Tendo a ressurreição de Jesus como primeiro ponto para se pensar no cumprimento da promessa, Míguez Bonino concorda que é possível um futuro onde o ser humano se encontra aberto para a promoção do amor, justiça e vida, prometida na ressurreição de Jesus (BONINO, 1987, p. 113). Por outro lado, a crítica que Míguez Bonino faz à Moltmann é quanto à tentativa de se desconsiderar aspectos políticos e ideológicos na tarefa de indicar caminhos concretos para a história e não apenas formular concepções

23 idealistas (BONINO, 1987, p. 115). O que Míguez Bonino rejeita é a ideia de que o Deus crucificado é, de fato, um Deus sem Estado nem classe. Mas nem por isso ele é um Deus apolítico. Ele é o Deus dos pobres, oprimidos e humilhados. O teólogo argentino questiona: ora, os pobres, os oprimidos, os humilhados são classe e vivem em Estados (BONINO, 1987, p. 115). No seu entender não há como não se envolver a favor dos desfavorecidos sem um comprometimento político. Do contrário não há como ler de fato a situação histórica concreta. O que Míguez Bonino cobra, especialmente da teologia política europeia, é uma decisão política e não uma abstenção dela. A pobreza, os oprimidos são materializados na história e para contemplar essa realidade é preciso uma inserção mais coerente com a história, ou seja, há que haver um reconhecimento claro e coerente das mediações históricas, analíticas e ideológicas (BONINO, 1987, p. 116). Em outras palavras, a secularização política não poderá ser absorvida por uma teologia que procura ser crítica, formulando um discurso libertário que contempla a condição de inumanidade do ser humano. Quanto a essas críticas, Moltmann faz uma distinção política e de locus theologicus entre a teologia política europeia e a teologia latino-americana da libertação. A primeira estava envolvida com as constantes ameaças das potências mundiais e com a iminência de um apocalipse atômico; já a segunda estava (está?) envolvida com o sofrimento e a morte dos pobres (MOLTMANN, 2004, 187). A reação de Higuet à Teologia da esperança caminha na mesma direção de Gutiérrez, Alves e Míguez Bonino. Higuet trata do método moltmanniano quando lida com a história e a escatologia. Entre o horizonte histórico, que é o objeto da promessa, juntamente com a esperança, e as possibilidades reais do mundo, a mediação é feita pela obediência. No entender de Higuet, o horizonte apocalíptico de uma nova criação apenas anunciada pelo evento cristológico desvaloriza a práxis histórica dos cristãos (HIGUET, 1995, 41). Aqui Higuet reage à Moltmann no sentido de que a obediência paralisa o cristão quando espera que Deus concretize o futuro. Ele não concebe uma dicotomia entre história de Deus e história, ou seja, parece que o processo instaurado pela promessa inaugura outra história, ao lado da história da humanidade (HIGUET, 1995, p. 45). A sua reação à Moltmann se deve por entender que o teólogo de Tübingen parte de uma perspectiva apocalíptica da realidade e não de um princípio encarnado no real e operando a partir de dentro para a transformação desse real (HIGUET, 1995, p. 45).

24 As críticas pontuadas aqui são importantes, pois elas favorecem o debate e demonstra o quanto a teologia moltmanniana é importante no cenário latino-americano. As críticas levantadas aqui aguçam mais ainda o debate em torno dos problemas que todo e qualquer método teológico tem. No caso de Moltmann é possível verificar os principais pontos do seu sistema teológico que permite estabelecer um profícuo debate com a reflexão teológica latino-americana. Por ser um teólogo lido e pesquisado na América Latina e, no caso do Brasil, ser uma referência na discussão teológica, Moltmann continua sendo interpretado a partir de diferentes aspectos e perspectivas. No caso dessa pesquisa, a sua eclesiologia será o foco por entender que ela constitui fonte de reflexão que pode favorecer uma leitura crítica diante das eclesiologias existentes no cristianismo, mais detidamente a eclesiologia presente no protestantismo(s) de missão e, mais especificamente, a eclesiologia que a Igreja Batista brasileira representa. Quanto ao método moltmanniano, alvo de inúmeras reações, ele arremata: frequentemente sou questionado a respeito do meu método teológico e raramente tenho dado alguma resposta. Num tempo em que tantos colegas praticamente só se ocupam com questões de método, interessam-me os conteúdos teológicos, sua revisão e inovação (MOLTMANN, 2002b, p. 13-14). É a sua capacidade de rever e inovar os conteúdos teológicos que motivaram pesquisar a eclesiologia do autor.

25 Um Jürgen Moltmann: notas bioteográficas Jürgen Moltmann, da Igreja Reformada alemã, talvez seja atualmente o teólogo mais representativo da cristandade. (Leonardo Boff) Considerações iniciais A pretensão em refletir sobre a eclesiologia de Moltmann se deve não somente porque ele é um teólogo contemporâneo que vêm exercendo uma influência benéfica em diferentes lugares onde a teologia está sendo pensada de maneira responsável e solidária, principalmente na América Latina. Não apenas por isso, mas principalmente porque sua originalidade e criatividade, o torna um teólogo imprescindível para a discussão acadêmica e pastoral. Embora a sua ênfase seja na escatologia, isso não o impediu de contribuir para se pensar e projetar uma eclesiologia caracterizada pela dinâmica da vida e que reforce processos humanizadores. Na extensa bibliografia dele, há implicações decisivas em seu trabalho para o tipo de eclesiologia necessária para sustentar a visão escatológica que ele descreve. A sua escatologia o leva a assumir algumas posições a respeito da igreja e sua relação com o mundo (sociedade). Com este capítulo serão analisadas as principais obras de Moltmann procurando pontos de acesso à sua eclesiologia. Será uma tentativa de articular a visão eclesiológica moltmanniana, descrevendo tanto a eclesiologia explícita e implícita encontrada nas mais destacadas obras do autor. As análises começam com o principal texto de Moltmann sobre a igreja A igreja na força do Espírito, escrita originalmente em 1975, e logo em seguida as duas obras que compõem, juntamente com essa, a chamada trilogia da esperança expressão cunhada por Rosino Gibellini (1998, p. 296) a Teologia da esperança,

26 publicada em 1964 e O Deus crucificado, publicada em 1972. O que se pretende é observar as principais ideias e conceitos de Moltmann sobre a igreja em suas principais obras (trilogia da esperança), a fim de demonstrar que o tema da eclesiologia está presente no sistema teológico do autor ao longo de sua inicial produção acadêmica. Trata-se de uma contribuição para uma teoria teológica da eclesiologia quanto para uma pastoral que seja integradora no atual contexto contemporâneo. Em seguida uma análise quanto alguns aspectos da hermenêutica de Jürgen Moltmann. O eixo hermenêutico moltmanniano gira em torno dos temas: promessa e esperança; escatologia e história; messianismo e missão. Antes de tecer algumas observações quanto à eclesiologia de Moltmann em suas obras se faz necessário expor, mesmo que sucintamente, algumas notas sobre a sua trajetória de vida e o surgimento de algumas obras que ganharam um peso maior na sua produção acadêmica. 1. Jürgen Moltmann: uma trajetória de esperança Jürgen Moltmann nasceu no dia 8 de Abril de 1926 na cidade de Hamburgo, região norte da Alemanha. Como ele mesmo descreve, a sua educação até à juventude não foi cristã, mas sim secular. Influenciado pelo avô, que passou a pertencer à Maçonaria, o jovem Moltmann assumiu uma postura indiferente e distanciada do cristianismo (MOLTMANN, 2004, p. 9). Na adolescência pensou até estudar física e matemática. Nessa fase a teologia não desempenhava qualquer papel importante na sua vida. Mas os estudos foram interrompidos subitamente quando foi alistado aos 17 anos em 1943 como auxiliar da Luftwaffe, a Força Área Alemã. A sua cidade natal, Hamburgo, foi bombardeada em Julho de 1943, na conhecida Operação Sodoma e Gomorra promovida pela Royal Air Force britânica. Moltmann e seus companheiros foram destacados para uma bateria antiaérea no centro da cidade. Apenas ele sobreviveu e o colega ao seu lado foi esfacelado por uma bomba. Nessa noite ele mesmo recorda como chorou e acabou a gritar pela primeira vez por Deus: meu Deus, onde estás? (MOLTMANN, 2008, p. 10).

27 O jovem Moltmann foi capturado e levado prisioneiro para a Escócia e Inglaterra e por três anos procurou respostas existenciais para as experiências vividas no contexto de guerra. Levou consigo os poemas de Goethe, o Fausto e as obras de Friedrich Nietzsche para suportar aquele difícil período de sua vida (MOLTMANN, 2002a, p. 11). Este tempo, como prisioneiro em diversos campos de concentração, o fizeram refletir na vida e perceber a esperança por meio de uma cerejeira que florescia e a Bíblia que ganhou de um capelão. Essa experiência irá dar outra direção à sua vida e temas como o sofrimento e a injustiça serão contemplados em suas obras posteriormente. Nos campos da Bélgica e da Escócia, vivenciei tanto o colapso daquelas coisas que tinham sido certezas para mim quanto uma nova esperança de vida na fé cristã. Devo provavelmente a essa esperança não só minha sobrevivência mental e moral, mas também física, pois foi ela que me salvou do desespero e da resignação. Quando voltei, havia me tornado cristão, e tinha um novo objeto pessoal de estudar teologia para entender o poder da esperança à qual devia minha vida (apud MILLER & GRENZ, 2011, p. 123). As decepções como a de Auschwitz, fizeram o jovem Moltmann perder qualquer tipo de esperança no regime de Adolf Hitler e na Alemanha de então. Indo para Norton Camp em 1946, um campo de reeducação que os ingleses mantinham com o objetivo de preparar jovens para a Alemanha do futuro, Moltmann afirma ter descoberto a esperança a partir das páginas da Bíblia (Novo Testamento e Salmos). A leitura dos Salmos o fez progressivamente encontrar a fé cristã ao ponto de afirmar mais tarde de que foi Deus quem o escolheu e não ele quem escolheu a Deus (MOLTMANN, 2008, p. 12). Além da Bíblia, havia uma capela no acampamento que, segundo ele, exerceu um enorme fascínio sobre ele (MOLTMANN, 2002a, p. 14). Foi em Norton Camp que o jovem Moltmann descobre a vida e a esperança nela e surge o desejo, mesmo sem saber o que esperava, de ser pastor ao invés de professor como idealizava. Ele narra que deixou Norton Camp assim como Jacó deixou o vale de Jaboque, manco, mas abençoado. No caso dele, foi Deus quem olhou para nós [ele] com os olhos radiantes de sua alegria eterna (MOLTMANN, 2002a, p. 16). Ainda em Norton Camp, faz parte de um grupo de estudantes de teologia e tem contato com a teologia evangélica (MOLTMANN, 2004, p. 15).

28 Moltmann regressou para casa, em 1948, com vinte e dois anos de idade, em um contexto de ruínas no pós-guerra. É nesse contexto, que o autor irá esboçar suas primeiras linhas teológicas. A sua primeira tentativa foi elaborar uma reflexão teológica que viesse contribuir para que os anseios de um novo tempo pudessem ser possíveis e, ao mesmo tempo, amenizar os sofrimentos dos sobreviventes daquela tragédia humana chamada Segunda Guerra Mundial. Com o objetivo de continuar a estudar teologia, Moltmann ingressa na Universidade de Göttingen, uma instituição em que os professores seguiam o pensamento teológico de Karl Barth. Daí a influência que o teólogo de Basiléia irá ter no pensamento e produção do nosso autor. A teologia para ele se abria como uma possibilidade nova, uma aventura das ideias, um caminho aberto e convidativo, fascinando o autor e aguçando a sua curiosidade intelectual (MOLTMANN, 2004, p. 9). Quanto a sua relação com a igreja, Moltmann se aproximou do grupo que passou ser conhecido como igreja confessante, uma vez que as igrejas nacionais tinham se calado diante do regime nazista. A igreja confessante mereceu o respeito de Moltmann, por ser o grupo que se opôs ao regime de Hitler no Terceiro Reich. Foi também por meio da igreja confessante que Moltmann teve a oportunidade de lecionar teologia na Escola Teológica (Kirchliche Hochschule) de Wuppertal. Ali Moltmann e seu colega Wolfhart Pannenberg experimentaram um tempo de profunda reflexão teológica sem a tutela do Estado e a interferência das instâncias políticas da Igreja Evangélica da Alemanha. Além da atividade docente, Moltmann também exerceu o pastorado em uma comunidade rural na cidade de Bremen-Wasserhorst, uma experiência da qual ele se recorda com profunda gratidão. Foi com a comunidade que ele, mesmo pós-graduado em teologia, sente-se confrontado com a vida do povo simples. Para ele foi uma oportunidade de encontrar a teologia acadêmica e a teologia do povo isso foi duro, mas benéfico, pois, após ter conhecido a teologia acadêmica, tomei conhecimento da teologia do povo na luta por suas famílias e seu sustento diário, nas memórias por seus mortos e nos cuidados pelas suas crianças (MOLTMANN, 2004, p. 18). Foi no dia a dia que Moltmann desenvolveu uma teologia pessoal a partir das visitas aos doentes e relacionamento com os fiéis. Para o autor, a teologia é, prioritariamente, pastoral. Não há dissociação entre uma e outra. Moltmann entende que,

29 a teologia acadêmica, além de erudita, é também pastoral. Meus alunos universitários procedem de diversas escolas secundárias. Vivem igualmente separados do povo que não pode mais frequentar escolas e, certamente, a universidade. Nossa teologia acadêmica relaciona-se com a Bíblia, os Pais da Igreja, bem como com outras ciências e ideologias. Mas não fala a linguagem do povo nem expressa suas experiências e esperanças (MOLTMANN, 1978, p. 31-32). Moltmann tem alma pastoral, por isso o seu compromisso com a teologia só tem sentido porque ele sempre propõe, a partir do reino de Deus, uma teologia missionária, que liga a igreja à sociedade e o povo de Deus aos povos da terra (MOLTMANN, 2004, p. 13). Quanto aos aspectos teológicos, Moltmann recebeu certas influências de Barth, como colocado acima. Segundo Richard Bauckham (1995, p. 1-2), Moltmann, como um estudante em Göttingen do pós-guerra, assimilou a teologia de Barth e durou algum tempo antes de ver qualquer necessidade de ir além do teólogo suíço. Os rumos que Moltmann tomou, foram inspirados por seus professores como: Otto Weber, Ernst Wolf dentre outros. No campo exegético, coube a Gerhard von Rad e Ernst Käsemann, o primeiro para o Antigo Testamento e o segundo para o Novo Testamento, influenciar o autor na leitura exegética da Bíblia. Em 1964, o autor se torna conhecido com sua obra Teologia da esperança. Em 1967 foi-lhe oferecido à oportunidade de lecionar na prestigiada Universidade de Tübingen como professor de Teologia Sistemática, deixando de ser apenas com a sua aposentadoria em 1994. Ainda nos aspectos teológicos do autor, é possível visualizar dois grandes momentos na sua produção acadêmica além de outros títulos de reflexões teológicas pontuais. A sua trilogia começa com a chamada Teologia da esperança (1964), passando pelo O Deus crucificado (1972) e por último A igreja na força do Espírito (1975). Neste primeiro período (1964-1975), as décadas de sessenta e de setenta, viu surgir a sua trilogia onde desenvolve três perspectivas complementares da teologia cristã: revelação e história, a doutrina da cruz e a eclesiologia. Na Teologia da esperança, Moltmann traz um diálogo com o filósofo de tendência marxista, Ernst Bloch, e seu principal livro, O princípio esperança, distanciando dele criticamente. Outro aspecto nessa obra é a concepção de fé que o autor traz, a fé é entendida como expectativa do futuro prometido por Deus no projeto do reino de Deus em Jesus e a