RELATÓRIO DA APD SOBRE PROTECÇÃO SOCIAL



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Transcrição:

RELATÓRIO DA APD SOBRE PROTECÇÃO SOCIAL A Associação para o Progresso do Direito (APD), tendo por objectivo estatutário o aperfeiçoamento das instituições do Estado social de direito, não poderia ficar alheia ao debate lançado na sociedade portuguesa sobre a Protecção Social e à sua propagada crise. Na verdade, a Protecção Social é um direito fundamental de 3ª geração, imprescindível num moderno Estado social de direito, possibilitando uma certa redistribuição de riqueza e a coesão necessária para funcionamento estável de uma economia de mercado. Foi, assim, que se elaborou o presente Documento APD sobre Protecção Social, da responsabilidade da Direcção da APD, que agradece as colaborações de todos os intervenientes no Workshop, assim como no III Encontro APD sobre Protecção Social, sem as quais não tinha sido possível a feitura do documento. I - GLOBALIDADE DA PROTECÇÃO SOCIAL 1 - A Protecção Social beneficiou de sucessivos aperfeiçoamentos e alargamentos, possíveis com o crescimento económico decorrente da Revolução Industrial, os quais também contribuíram para a expansão económica e para a coesão social. Contudo, a partir da crise do petróleo dos anos 70 e consequente abrandamento do crescimento económico, as contas da Protecção Social passaram a despertar sinais de alarme em alguns países da Europa, o que provocou um debate alargado sobre esta temática. O diagnóstico está feito, em termos gerais, concluindo que a conjugação de um conjunto de factores de natureza cultural, social e económica contribuíram para a actual crise da Protecção Social na generalidade dos países da U.E.

Dessa conjugação de factores podemos destacar a crise da instituição familiar, a baixa taxa de natalidade, o crescimento da expectativa de vida, o alargamento do trabalho feminino, a robotização do processo produtivo, a baixa taxa de crescimento económico, o aumento do desemprego, o dumping social. 2 - Em Portugal, as despesas com a Protecção Social apresentam uma percentagem do PIB inferior à dos restantes países da U.E., as quais, todavia, têm vindo a crescer, sem que se verifique um crescimento das receitas em idêntica proporção. Em todo o caso, é de salientar que as receitas do regime geral de natureza contributiva são superavitárias em relação às correspondentes despesas e, das projecções conhecidas, não ressalta que com o actual nível de contribuições este regime não seja suportável. 3 - Os principais problemas de Segurança Social em Portugal decorrem do facto de as receitas do regime geral, para além das pensões que lhes correspondem, terem vindo a ser utilizadas para fins que não lhe competem, nomeadamente, pensões de regimes não contributivos ou insuficientemente contributivos, pensões sociais, complementos de pensões, acção social e políticas activas de emprego. Por outro lado, o Orçamento Geral do Estado (O.G.E.) não fez as transferências que lhe competiam, nomeadamente nos termos da Lei de Bases, o que perfaz, até ao momento, uma dívida, sem juros, superior a mil milhões de contos. Só a partir de 1995, as transferências do O.G.E. têm respeitado as responsabilidades decorrentes da Lei de Bases da Segurança Social. 4 - À semelhança do que tem acontecido nos outros países da U.E., têm vindo a ser apresentadas projecções das Contas da Segurança Social em Portugal que mostram índices de

cobertura preocupantes, tendo em conta as curvas demográficas e o crescimento económico previsível. Contudo alguns gráficos publicados referem-se à Segurança Social, no seu conjunto, e não apenas ao regime geral contributivo, para além de não evidenciarem a grande baixa da mortalidade infantil, que altera significativamente o quadro do envelhecimento da população. 5 - Por outro lado, o Livro Verde refere-se apenas à Segurança Social, e não à Protecção Social, que inclui também a Saúde. Na verdade, a Protecção Social resulta de um contrato social tácito em que o cidadão - ou residente - contribui, na medida dos seus rendimentos, para o futuro apoio em certas eventualidades que o podem afectar: doença, velhice, invalidez, desemprego ou pobreza. A Protecção Social não se pode restringir a um certo valor de pensões, mas deve congregar um acervo de prestações, em dinheiro e em espécie, destinadas à protecção de diversos riscos, nomeadamente cuidados de saúde continuados e apoio na dependência, de modo a aproveitar as sinergias de uma gestão concertada da escassez de meios disponíveis do Estado e de entidades de solidariedade social. Em Portugal, o Ministério da Saúde autonomizou-se da Segurança Social porque esta era alimentada essencialmente por contribuições sobre rendimentos do trabalho, enquanto a Saúde, por imperativo constitucional, abrange a totalidade dos cidadãos, sendo, por conseguinte, financiada pelo O.G.E. Existem iniciativas pontuais de concertação - por exemplo, Programa de Apoio Integrado a Idosos (PAII) - mas, torna-se necessário uma gestão conjunta de todos os meios disponíveis. Assim, dever-se-á ponderar a vantagem da unificação do Ministério da Saúde no Ministério da Protecção Social - ou da Saúde e Segurança Social, ou da Solidariedade - contanto que

exista um Orçamento autónomo da Protecção Social com contribuições diversas de todos os cidadãos. 6 - Na verdade, não seria justo, nem admissível, que as despesas com a Protecção Social fossem financiadas exclusivamente pelos rendimentos do trabalho - subordinado ou independente - nem, tão pouco, parece pacífico que a Segurança Social seja financiada essencialmente por esses rendimentos, embora acrescidas com transferências do O.G.E. A Protecção Social é uma obrigação constitucional do Estado Português, com âmbito universal, que abrange quer a Segurança Social, quer a Saúde (artº 63º e 64º da Constituição), à qual correspondem direitos sociais dos cidadãos, os quais, naturalmente, terão que contribuir na medida das suas possibilidades para o respectivo financiamento em termos de previdência e de solidariedade. 7 - Os direitos sociais são, contudo, de natureza e conteúdo variado. Desde logo se diga que, ao contrário dos direitos fundamentais, os direitos sociais, só pelo facto de estarem consignados na Constituição, não conferem ipso facto, direitos subjectivos que possam ser exercidos pelos cidadãos contra o Estado, para além da possível inconstitucionalidade por omissão, em caso de falta de implementação, ou, mesmo inconstitucionalidade, em abstracto, ou em concreto, em caso de medidas legislativas que atinjam tais direitos. Contudo, uma vez publicada legislação sobre Segurança Social, as contribuições ou descontos efectuados no âmbito dessa legislação conferem ao cidadão um direito em formação às prestações legalmente previstas, o qual ainda não tem uma estrutura e modelagem perfeitamente definidas, mas que tem de ser respeitado pelo Estado, que não o poderá restringir ou afectar na sua essência, e sempre de acordo com o princípio da boa fé e da proporcionalidade dos sacrifícios.

Uma vez verificados os pressupostos legais, em concreto, para atribuição de uma pensão, o cidadão adquire um direito subjectivo completo e perfeito à correspondente prestação. De igual modo, no que respeita aos restantes direitos sociais, desde que estejam tipificados na lei e lhes correspondam prestações perfeitamente definidas, verificados os necessários pressupostos legais, o cidadão adquire um direito subjectivo à prestação em concreto - por exemplo, RMG, pensões sociais e cuidados de saúde. Se o direito à prestação não estiver perfeitamente moldado na lei e ficar dependente das possibilidades ou disponibilidades da Administração, mesmo, assim, o cidadão terá um direito subjectivo a uma prestação de conteúdo variável, que terá de ser satisfeita pelo Estado, de acordo com as possibilidades, mas sempre tendo em conta o princípio da igualdade de tratamento de situações idênticas, consignado na Constituição (artº 13º) e no Código do Procedimento Administrativo (artº 5º). 8 - O princípio da universalidade, associado ao princípio da igualdade de tratamento, não significa que todos os cidadãos devam ter ou tenham direito às mesmas prestações em regime igualitário. Pelo contrário, as desigualdades sociais e a solidariedade que é característica da Protecção Social, impõem uma discriminação positiva em benefício dos mais desfavorecidos. Aqueles princípios apenas querem dizer que a todos os cidadãos é assegurada uma protecção social, que, em concreto, deverá dar igual tratamento a situações iguais, devendo as prestações ser, tanto quanto possível, ajustadas às necessidades individuais. No entanto, as pensões do regime geral contributivo, por força da sua natureza eminentemente contratual e de pagamento individual, devem ser basicamente calculadas em função das contribuições - valor e período contributivo - sem prejuízo de alguns ajustamentos da taxa de substituição, que deverá ter alguma regressividade.

Mesmo assim, dado o carácter global da Protecção Social, em casos de dependência ou análogos, deverá ser estudada a possibilidade de substituição parcial e/ou complementar das pensões por outras formas de apoio, designadamente apoio domiciliário. 9 - Mas, não basta a existência de direitos sociais ou de protecção social. É necessário o seu conhecimento pela generalidade dos cidadãos para poderem ser exercidos. Em Portugal, infelizmente, os direitos de Protecção Social, pela sua complexidade e mercê da proliferação de legislação avulsa, estão rodeados de um certo hermetismo, de modo que, mesmo os profissionais do direito, têm um conhecimento imperfeito dos diversos regimes e prestações e da diversidade dos quadros regulamentares. Torna-se, pois, necessário e urgente compilar a legislação dispersa de Protecção Social ordená-la, clarificá-la, unificá-la e promover a sua ampla divulgação e acesso ao direito.

II - ÂMBITO E FINANCIAMENTO DAS PRESTAÇÕES 10 - No que respeita à natureza das prestações de Segurança Social, o Estado português dá cobertura a todas as áreas que lhe são impostas pela Constituição (artº 63º): protecção na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e noutras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. O problema está no baixo nível das prestações: a pensão social é de Esc.: 25.000$00 (a partir de Dezembro de 1999) e mais de 50% dos pensionistas por invalidez e por velhice do regime geral contributivo recebem pensões de cerca de Esc.: 34.000$00. Naturalmente que o baixo nível das pensões do regime geral decorre fundamentalmente do curto período contributivo, dos baixos salários e da alta taxa de inflação verificada em anos anteriores, mas com o actual esquema de financiamento não há grande margem para aumento das pensões, quer porque as taxas suportadas por empregadores e empregados já são elevadas, quer porque maiores transferências do O.G.E. dariam lugar a aumentos de impostos, num país em que a carga fiscal já é elevada, para além das limitações dos critérios de convergência. 11 - Por outro lado, a maturação do sistema, com o consequente alargamento do período contributivo, associada à redução da taxa de inflação e aumento dos salários reais, dará necessariamente lugar a uma média de pensões mais elevada num futuro próximo. Este aumento médio das pensões, associado, por um lado, ao envelhecimento da população, com o consequente abaixamento do ratio contribuintes activos/pensionistas por velhice do regime geral e, por outro lado, a uma taxa elevada de desemprego e à tendência para substituição do trabalho assalariado por trabalho independente, dá lugar a projecções preocupantes mantendo-se o actual esquema de financiamento da Segurança Social.

12 - De igual modo, a Protecção Social no domínio da Saúde está assegurada por um Serviço Nacional de Saúde (SNS) de âmbito universal, que corresponde ao paradigma constitucional (artº 64º). O SNS é integralmente financiado pelo O.G.E. e abrange assistência médica, medicamentosa e internamento hospitalar, mas as suas insuficiências são de todos conhecidas, nomeadamente no que respeita a cuidados primários, em particular continuados, sobretudo na velhice. 13 - A dispersão de meios pela Segurança Social, Acção Social e Ministério da Saúde não permite uma gestão concertada dos escassos recursos disponíveis e gera perversidades, designadamente a guetização de idosos em lares da terceira idade em situações em que o seu acolhimento familiar seria possível, contanto que devidamente enquadrado por serviços de apoio domiciliário e familiar. 14 - Os Planos de Poupança Reforma (PPR) e os Seguros de Saúde têm colmatado algumas insuficiências do sistema estadual, mas as deduções ao rendimento colectável têm sido legalmente instáveis e dando maior benefício aos contribuintes com maiores rendimentos. A dedução na colecta traria maior justiça fiscal. Acresce que os Seguros de Saúde não resolvem os problemas decorrentes de doença prolongada, da invalidez e da velhice, dado o seu carácter resolúvel e os limites temporais de idade existentes. 15 - Pondo de parte qualquer solução que passe pelo desmantelamento da Protecção Social, não só por razões constitucionais, mas também morais e até pelos direitos adquiridos e em formação; reconhecendo a escassez e dispersão de meios e a insuficiência das prestações; não subestimando as projecções que apontam para maiores dificuldades de sustentação do sistema;

importa estudar meios alternativos de financiamento e de gestão de recursos, que não impliquem maiores sobrecargas sobre os rendimentos do trabalho, que já são elevadas. 16 - Assim, deveria ser estudada a possibilidade de a Segurança Social/Protecção Social ser financiada, para além das contribuições decorrentes dos rendimentos do trabalho, assalariado ou independente, por uma taxa a incidir sobre todos os rendimentos dos cidadãos, à semelhança do que acontece em França com o CSG (Contribution Sociale Généralisée). Esta taxa deveria incidir sobre os rendimentos brutos e ser cobrada na fonte, sendo um custo a deduzir no IRS, o que diminuiria a evasão. Deste modo, poder-se-iam reduzir, mas não eliminar, as transferências do OE, tanto mais que o Estado, como tal, não se pode dessolidarizar da Protecção Social e subsiste sempre a elevada divida para com a Segurança Social. Por outro lado, haveria uma maior proximidade entre esta taxa e a sua afectação, o que a tornaria mais facilmente aceite pelo cidadão, ao contrário do que se passa com os impostos, que entram para o OE, que é uma entidade muito vaga e abstracta. Acresce que o alargamento da base contributiva para além dos rendimentos do trabalho poderia desonerar estes relativamente. 17 - Por outro lado, no que respeita às contribuições das entidades empregadoras, dever-se-ia estudar a possibilidade de completar as contribuições relativas à folha de salários - que poderiam ter uma redução de taxa - com uma contribuição sobre o volume de negócios de taxa variável em função do sector de actividade.

Na verdade, o sistema actual proporciona a substituição de emprego por máquinas com o consequente desemprego e respectivo subsídios e a diminuição das receitas da Segurança Social, o que constitui um factor de desequilíbrio do orçamento da Segurança Social. A riqueza gerada pelo investimento em máquinas deve também contribuir para a Segurança Social, pois, as empresas são parte interessada na coesão social e não podem escapar à obrigação de solidariedade, como instituições intervenientes no processo produtivo. Esta taxa deveria incidir sobre a facturação bruta, o que reduziria a evasão e seria levada a custos para efeitos de IRC. Uma vez que se alargaria a base contributiva das empresas, poder-se-ia aliviar a carga daquelas que têm trabalho intensivo, o que, em cômputo geral, não deveria afectar a sua competitividade. Também não se nos afigura que esta taxa pudesse prejudicar a modernização das empresas, pois, a decisão de investimento em maquinaria deve resultar de uma ponderação de produtividade e não da mera diminuição de encargos com o trabalho. 18 - Uma medida que beneficiaria seguramente o orçamento de Segurança Social seria o aumento de idade da reforma. Esta medida teria perfeita justificação social, uma vez que a expectativa de vida aumentou muito nas últimas décadas e nem se nos afigura que, em justa medida, ofendesse os direitos em formação, uma vez que os contornos destes ainda não estão definidos.

O problema está em ponderar os efeitos que esta medida teria no mercado do emprego, não nos parecendo que esteja demonstrado que prejudicasse seriamente novas admissões, sobretudo de jovens, uma vez que se trata de trabalhadores com perfil muito diferente. Como medida alternativa, poder-se-ia ponderar a flexibilização da idade de reforma, entre os 60 e os 70 anos, à escolha dos interessados, contanto que para o cálculo do valor da pensão fosse tido em conta o período dos descontos. Isto é, o trabalhador que optasse pelos 60 anos para se reformar receberia uma pensão inferior àquela a que teria direito se estivesse no activo até ao limite máximo. Naturalmente que também se deveriam ter em conta as profissões de grande desgaste físico, como, aliás, acontece presentemente. 19 - Pelo contrário, o estabelecimento de um plafond para os descontos sobre os rendimentos do trabalho, conforme proposto no Livro Verde, implicaria cortes nas receitas da Segurança Social, com agravamento do orçamento a curto prazo, sobretudo com maior incidência num período crítico para a Segurança Social, embora a longo prazo pudesse aligeirar os encargos com as pensões a que tinham correspondido os plafonamentos. Julgamos que se controlariam melhor, sem perda de receitas, as pensões correspondentes a rendimentos do trabalho mais elevadas através de uma certa regressividade da taxa de substituição, quer decorrente do próprio regime da Segurança Social, quer do regime fiscal, ao contrário do que acontece presentemente em que chega a haver progressividade. Acresce que, durante o período transitório que decorre entre a perda de receitas e os correspondentes efeitos na dimensão das pensões mais elevadas, o orçamento da Segurança Social teria de ser compensado com maiores transferências do OE.

20 - Recorde-se, ainda, que o plafonamento proposto pelo Livro Verde não implica uma redução dos descontos obrigatórios sobre os rendimentos do trabalho, mas apenas que, a partir de um certo limite - 4 ou 5 salários mínimos - esses descontos não reverteriam para o orçamento da Segurança Social, mas seriam aplicados pela entidade empregadora em fundos de pensões por ela geridos ou entregues a Sociedade de Seguros ou de Gestão de Fundos de Pensões. Ora, este chamado 2º Pilar da Segurança Social já tem dado origem a tristes experiências, o que parece ter originado uma tendência para a sua abolição em alguns países que o instituíram. Na verdade, por muitas restrições que se imponham à colocação dos fundos e controles que se estabeleçam, existe sempre um risco de delapidação, aplicação indevida ou temerária, tanto mais que no mercado concorrencial dos fundos de pensões se verificará sempre uma tendência para apresentação de maiores rentabilidades, por vezes, com prejuízo da segurança. É perfeitamente legítimo que o trabalhador, no domínio do 3º Pilar, aplique livremente as suas poupanças, com benefícios fiscais, escolhendo os Fundos de Pensões e PPR s que mais lhe agradam, com maior ou menor rentabilidade, maior ou menor risco. Contudo, no âmbito dos descontos obrigatórios para a Segurança Social - repete-se a palavra Segurança Social - como é o caso do 2º Pilar, não pode haver lugar para riscos ou incertezas, que contrariam a própria filosofia do sistema. Acresce que seria muito difícil assegurar convenientemente a portabilidade ou garantia dos descontos que tenha feito numa empresa para as pensões do 2º Pilar, em caso de mudança do trabalhador para outra entidade empregadora, situação esta de desprotecção agravada se considerarmos a liberdade de circulação no espaço comunitário.

21 - Por outro lado, a diversificação de fontes de financiamento de Segurança Social/Protecção Social por nós sugerida, deveria dar lugar a uma maior margem de capitalização, a ser gerida de forma participada, pelo Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, ou entidade equivalente.