Imigração, Integração e Diversidade. Que respostas europeias?



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Transcrição:

Rita Pais Mariana Vital Morgado Actualmente, a Organização Internacional das Migrações (OIM) contabiliza mais de 200 milhões de migrantes espalhados pelos vários continentes, cerca de 3% da população mundial. Só em remessas, estes migrantes movimentam cerca de 337 mil milhões de dólares anualmente. E destes 200 milhões apenas 20 a 30 milhões de migrantes são considerados ilegais. Embora os números da OIM e de outras organizações registem flutuações que revelam, para os últimos anos, algum aumento do stock total de migrantes e dos fluxos migratórios em geral, a grande mobilidade territorial da população mundial não é um fenómeno recente. Mas o contexto que explica os actuais movimentos é totalmente diferente daquele que caracterizou os grandes movimentos migratórios dos séculos XIX e XX, e que serviu de base à construção das teorias explicativas dos fenómenos migratórios assentes no princípio do equilíbrio entre factores de repulsão e factores de atracção. Hoje, o racionalismo dessas teorias não é suficiente para explicar a alteração dos padrões de migração. Na decisão de migrar, entram também em jogo factores psicológicos e subjectivos, que concorrem para a construção de uma idealização do que será o destino da migração. Neste quadro, a União Europeia tornou-se, para muitos cidadãos de países terceiros, a concretização de um ideal de vida, que proporciona paz e segurança, alguma prosperidade económica e que defende os valores da democracia e do respeito pelos Direitos Humanos. Muito embora a grande maioria dos fluxos migratórios (cerca de 60%) continue a registarse entre países e regiões do hemisfério Sul, as últimas décadas do século XX são exemplo de uma inflexão do sentido dos movimentos migratórios: a Europa passa a acolher, mais que a exportar migrantes. Este é um dado importante, que contribui para despertar preocupações comunitárias quanto à regulação da imigração. Além disso, o contexto de aceleração das dinâmicas de circulação de pessoas, bens, conhecimento, informação, apresenta novas ameaças, muitas vezes associadas à imigração ilegal, como o tráfico de drogas e de seres humanos, a criminalidade organizada transnacional, e até mesmo o terrorismo. As primeiras preocupações europeias com a imigração, e particularmente com a imigração ilegal, surgem, por isso, na década de noventa e associadas a preocupações da esfera da segurança. A crise demográfica e a escassez de mão de obra qualificada, o desequílibro em volume de pedidos de asilo e admissão de refugiados, o crescente fluxo de imigrantes ilegais e os problemas associados com uma comunidade imigrante mal integrada num espaço europeu de mobilidade criam uma conjuntura social e económica complexa. As autoridades europeias e nacionais visam, então, no espaço europeu, criar uma estratégia para gerir a imigração.

Mas esta é uma área sensível para os Estados membros: gerir politicas de asilo e de migração a nível comunitário implica ceder algum espaço de acção politica em matérias que se relacionam intricadamente com questões de soberania e cidadania nacionais. Num contexto de modelos e realidades de imigração, integração e asilo extremamente diferentes nos vários Estados membros a cedência de autoridade nestas temáticas é extremamente sensível. A abordagem europeia, abrangente das várias vertentes das políticas de imigração (legal, ilegal, integração, fronteiras, asilo e desenvolvimento) baseia-se num objectivo de maximizar os benefícios da imigração para todos os implicados. Acredita na capacidade de absorção e na sua relação com as necessidades laborais de cada estado membro. Respostas europeias uma evolução A atenção concedida às questões relacionadas com a imigração, a partir dos anos 90, coincide com uma maior preocupação com a segurança (nomeadamente o combate ao terrorismo), a mobilidade dentro de o espaço europeu sem fronteiras e, em matéria de asilo, uma distribuição desequilibrada de pedidos e admissão de refugiados. Só a partir de 1993, com o Tratado de Maastricht, é criado um quadro institucional para lidar com as temáticas da imigração e asilo num contexto europeu, com base estritamente intergovernamental. O Tratado de Amsterdão, em 1999, atribui à UE o objectivo político de se manter e desenvolver como um espaço de liberdade, segurança e justiça. Neste âmbito é transferida para as instituições europeias a competência legislativa em matérias de transposição de fronteiras, vistos, asilo e imigração. Apesar de o método intergovernamental ser mantido dentro de um regime de comunitarização, Reino Unido, Dinamarca e Irlanda optam por uma solução de opt out. No entanto, é no Conselho Europeu de Tampere 1999 que é acordada uma estratégia política para a criação de uma política de imigração e asilo na União Europeia. Baseia-se numa abordagem global e abrangente, equilibrando migração económica e humanitária, com direitos e obrigações para imigrantes semelhantes aos dos cidadãos nacionais. A estratégia de gestão deve ser construída com base em parcerias com países de origem, incluindo políticas de desenvolvimento. O Programa Haia 2005-2010 define as prioridades para reforçar o domínio de liberdade, segurança e justiça na União Europeia. Juntamente com a prevenção de terrorismo, a imigração e o asilo são prioritários na agenda Haia. Os líderes da UE concordaram usar votação de maioria qualificada e o método de co-decisão nas áreas de asilo, imigração e controlo de fronteiras. Políticas de imigração legal continuam sujeitas à regra de unanimidade. O Programa Haia propõe medidas chave nas várias vertentes da imigração e asilo. Propõe a criação de um sistema comum de asilo na UE, com procedimentos e estatutos comuns, até 2009; uma estratégia europeia para assegurar a integração dos imigrantes nas sociedades europeias; medidas para que imigrantes legais possam trabalhar na UE de acordo com necessidades laborais nacionais, um enquadramento legal para expulsar imigrantes ilegais e um maior esforço para criar uma política comum de imigração em parceria com países de origem e trânsito, promovendo o desenvolvimento de sistemas de asilo em países terceiros, e procurando aliados no combate à imigração ilegal. Toda esta abordagem resume-se no conceito de Migration Management, a gestão da imigração, com o objectivo de criar uma estratégia de gestão de fluxos migratórios inevitáveis, para maximizar o impacto positivo na sociedade e na economia. 2

A partir desta iniciativa, a Comissão Europeia cria, em 2005, o plano de Abordagem Global da Migração para dar continuidade a estas propostas. Insiste numa abordagem global e coerente à imigração na União Europeia que engloba aspectos económicos e sociais, humanitários, legais, de política externa e desenvolvimento. Toda a evolução das políticas de imigração e asilo na União Europeia é marcada por uma orientação comunitária que rejeita a cooperação minimalista em prol de uma política comum de imigração. O rejeitado Tratado Constitucional e o subsequente Tratado Reformador de Lisboa de 2007 não têm efeitos imediatos sobre a imigração e o asilo na União Europeia. No entanto, ao extinguir o modelo de pilares da estrutura institucional da UE, incorpora-se todos os elementos de imigração e asilo num contexto comunitário, apesar de alguns elementos se manterem num regime intergovernamental, nomeadamente questões de imigração legal. O Pacto Europeu de Imigração e Asilo Até aqui, as iniciativas comunitárias no quadro da imigração e integração, foram geralmente consideradas insuficientes e pouco actuantes; situadas mais ao nível da retórica politica que ao nível da política de acção. Em geral, a UE era acusada de não ter uma verdadeira politica comum para a imigração, um assunto que seria demasiado sensível de discutir entre os Estados membros e, certamente, pouco consensual. Mas as falências dos modelos de integração de imigrantes em vários Estados membros vieram, eventualmente, promover uma maior proactividade por parte desses Estados no sentido de estabelecer regras comunitárias mais concretas de controlo e gestão da imigração. O caso francês foi, nesse aspecto, paradigmático. Os distúrbios violentos num bairro dos arredores de Paris que marcaram o final do ano de 2005 marcaram também o fim de um modelo de integração que já não conseguia dar resposta às transformações dos padrões migratórios. Os acontecimentos, transmitidos em directo por toda a Europa, vieram revelar uma fragilidade e uma incapacidade em, de facto, absorver as vantagens sociais e económicas da imigração. O resultado das eleições presidenciais francesas em 2007, que deram a vitória a Nicolas Sarkozy, permitia antever uma securitização e maior proteccionismo na gestão dos fluxos migratórios, sobretudo a nível nacional, embora fosse expectável que também a nível europeu os Estados membros viessem reclamar uma maior harmonização das práticas nacionais. Em Junho de 2008 o Parlamento Europeu, naquilo que constituiu a primeira tomada de posição sobre imigração segundo os processos de co-decisão, aprovou as normas e procedimentos comuns para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, ou, como informalmente foi designada, a Directiva de Retorno. Esta directiva prevê o repatriamento de todos os imigrantes que se encontrem em situação irregular. Seja porque entraram já no território europeu dessa forma, seja porque, por qualquer razão, os documentos que lhes garantem permanência legal caducaram. O texto da proposta, em discussão desde 2005 e, desde o início, alvo de grande controvérsia, sobretudo entre a ala esquerda do Parlamento, foi aprovado por 369 votos contra 197, e com 106 abstenções. A aprovação da medida aponta uma tendência para o fechamento da Europa, para um voltar de costas àqueles que viriam suprir as carências de mão-de-obra qualificada, ou mesmo repor o equilíbrio na estrutura demográfica europeia. Embora o discurso político continue a enfatizar os benefícios que a UE pode retirar da imigração, e valores como a solidariedade e o desenvolvimento dos países mais pobres, são 3

claras as preocupações com a segurança e com as ameaças frequentemente associadas à imigração ilegal. É reforçada a acção da agência de controlo fronteiriço (FRONTEX) e é proposto um sistema de vigilância das fronteiras que permita maior controlo sobre a entrada de imigrantes clandestinos. A Presidência Francesa no segundo semestre de 2008, na senda da directiva aprovada em Junho, vem reforçar esta posição, pressionando para a aprovação, no Conselho Europeu de 15 e 16 de Outubro de 2008, do Pacto Europeu de Imigração e Asilo. O Pacto é um documento de orientação política não vinculativo, que define as linhas gerais de um futuro plano de acção na construção de uma política europeia de imigração e asilo, o chamado Programa Haia II 2009-2015. A abordagem pretende ser global e abranger os vários aspectos de uma política de imigração e asilo, semelhante à da dos seus antecessores, mas corrigindo erros do passado. Baseia-se igualmente nos conceitos de solidariedade, particularmente em questões de asilo, e de migração gerida, em termos de tirar o máximo partido dos benefícios da imigração. Apesar de ser um Pacto para a criação de uma política europeia, não é uma proposta para uma política comum harmonizada, mas sim para a coordenação de objectivos políticos e operacionais. O texto define a orientação em cinco compromissos políticos que abrangem as cinco áreas definidas no Programa Haia - imigração legal, imigração ilegal, controlo de fronteiras, asilo e desenvolvimento: 1. Organizar a imigração legal tendo em conta as prioridades, necessidades e capacidade de recepção definidas por cada Estado Membro, e promover a integração dos imigrantes. 2. Controlar a imigração ilegal apostando no retorno de imigrantes ilegais ao seu país de origem ou de trânsito. 3. Criar controlos de fronteira mais eficazes 4. Construir uma Europa de asilo 5. Criar parcerias com os países de origem e trânsito para estimular a sinergia entre a migração e o desenvolvimento. 1. Imigração legal A gestão da imigração legal no espaço europeu baseia-se nos conceitos de imigração selectiva (imigration choisie) já evidente em alguns Estados membros, nomeadamente a França e o Reino Unido. Este modelo de imigração fundamenta-se na capacidade de absorção da sociedade e economia do país receptor, especialmente das necessidades do mercado de trabalho. O Pacto Europeu visa a gestão da imigração legal através de medidas para atrair aqueles trabalhadores de que os mercados laborais nacionais precisam (definidos, ainda, por cada Estado Membro). O Pacto propõe atrair mão-de-obra altamente qualificada com privilégios de entrada e mobilidade no espaço europeu, nomeadamente com a proposta do Cartão Azul Europeu (o equivalente ao Green Card americano). Pretende também que a União Europeia facilite a migração temporária e circular, particularmente para profissionais jovens de países em desenvolvimento. Visa ainda uma regulação mais eficaz da reunificação e migração familiar (sem fazer referência à legislação em vigor na União Europeia sobre a reunificação familiar excepto no Reino Unido, Dinamarca e Irlanda). Apoia a criação de políticas de integração de imigrantes, baseadas num equilíbrio entre os direitos e obrigações dos imigrantes, com ênfase particular em medidas que promovem a aprendizagem da língua, o respeito pela cultura receptora, e o acesso ao emprego. Insiste também na importância de combater a discriminação entre 4

nacionalidades, raças e géneros, com referência aos Princípios Básicos Comuns de Integração de Imigrantes adoptado em 2004. Estas propostas levantam questões de ordem prática e ética. Qual é a viabilidade da introdução de regras de gestão de um fenómeno humano, que é determinado, em grande medida, por factores subjectivos? E como definir eficazmente, as necessidades laborais dos mercados nacionais? Além disso, insiste num modelo de migração temporária controlada, quando o Migration Outlook 2008 da OCDE vem demonstrar que os ganhos ddeste tipo de estratégia podem ser menores que o que se julgava até ao momento. Em especial, a sua dimensão europeia alude a uma inflexibilidade entre os Estados membros, o que tem vindo a moldar este elemento da estratégia sobre a imigração em termos nacionais, e não supranacionais (e.g. Os países podem definir o critério de entrada e quota). Ainda em termos éticos a definição do potencial de integração, com base em critérios como a aprendizagem da língua e a adesão à cultura nacional do pais de destino, levanta sérias questões. 2. Imigração ilegal O combate à imigração ilegal é uma vertente fundamental do Pacto Europeu e de toda a evolução da estratégia europeia, e também a mais contestada. O Pacto propõe três acções em concreto: o reforço de cooperação entre Estados membros e países de origem e trânsito, a expulsão de imigrantes ilegais (o pacto continua a utilizar o termo ilegal em vez do mais politicamente correcto irregular ), e a presunção de que todos os países devem readmitir os seus cidadãos. Neste âmbito, o Pacto propõe a cooperação com países terceiros para readmitirem imigrantes ilegais expulsos de países europeus, reforçando as disposições da Directiva de Retorno. Uma tentativa de proibir amnistias gerais foi rejeitada por alguns países que utilizam estas medidas como exercício do seu direito soberano de decidir quem pode ser admitido para o espaço nacional (problemáticas a nível europeu), em especial a Espanha. Estas medidas levantam questões éticas sérias sobre a expulsão de um imigrante de um estado e a ameaça aos seus direitos humanos. Na verdade, parece haver uma tendência para observar os Direitos dos migrantes sob uma perspectiva particular e fechada, e nunca à luz da Carta dos Direitos Humanos. As diferenças entre as visões éticas de Estados membros é também muito importante na operacionalização desta medida, já que países mais liberais tendem a dar maior importância à potencial ameaça aos direitos humanos, do que países mais fechados que dão prioridade à segurança. São também medidas problemáticas na medida em que a imigração ilegal constitui, apesar de o facto não ser oficialmente reconhecido, um elemento económico importante para países como Portugal, Espanha e Itália, onde o mercado de trabalho irregular contribui de maneira significante para a economia nacional. Nestes países, a imigração ilegal é por vezes aceite discreta e informalmente pelas autoridades, diminuindo a eficácia de uma política de combate à imigração ilegal. 3. Controlo de fronteiras O Pacto considera que o controlo de fronteiras externas é fundamental a uma área de liberdade e segurança, especialmente com o alargamento do espaço Schengen e a maior facilidade de mobilidade dentro do espaço europeu sem fronteiras internas. O Pacto propõe seis medidas com responsabilidades tanto para Estados membros como para 5

instituições europeias. O melhoramento da vigilância das fronteiras externas aposta fortemente nos sistemas de informação e tecnologia avançadas, como por exemplo passaportes biométricos até 2012. Reforça também o apoio para a Agência Europeia de Gestão e Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas (FRONTEX) com recursos para um maior controlo de fronteiras, e eventualmente um sistema europeu de guardas fronteiriços. 4. Europa de Asilo A estratégia para a política de asilo a nível europeu reflecte uma preocupação com a crescente divergência em volume de refugiados entre os Estados membros, e também uma instabilidade normativa internacional sobre a evolução da definição de um refugiado 50 anos após a Convenção de Genebra. O Pacto pretende utilizar a partilha de informação para harmonizar (sem estandardizar por imposição) as políticas de asilo europeias com o objectivo de criar um sistema único de asilo até 2012 com critérios comuns de admissão para regime de protecção. Desafortunadamente, a disparidade em volume de pedidos de asilo não tem relação com os critérios de admissão, mas sim com critérios sociais, económicos e geográficos interpretados desde o país de origem. O Pacto sugere também medidas para lidar de forma solidária com um eventual influxo massivo de refugiados, visando um destacamento de oficiais para os Estados membros mais afectados. Existe também uma referência no Pacto a um sistema de restabelecimento de refugiados num espírito de partilha de fardo, questionável do ponto de vista ético, visto que um ser humano tem o direito de imigrar para outro país à sua escolha em defesa da sua integridade e dignidade humana. Esta vertente da política global de imigração e asilo baseia-se, desde a sua concepção, em conceitos de solidariedade entre os Estados membros, apesar de este conceito nunca ser consensualmente operacionalizado, exemplificado pela falta de consenso sobre as medidas de partilha de fardo. A União Europeia tem vindo a restringir de facto as possibilidades de pedir asilo na União Europeia, nomeadamente com a Convenção de Dublin, que atribui a responsabilidade por aquele que solicita asilo ao primeiro país que aquele entra, de uma lista de países europeus e terceiros. Esta medida cria uma situação eticamente complexa já que implica a devolução de pessoas a países de trânsito, e cria um fardo desproporcional aos países geograficamente próximos de zonas de conflito, ou de fácil acesso. 5. Migrações e Desenvolvimento A abordagem global da UE à imigração defende uma interacção importante entre o desenvolvimento e os países em desenvolvimento e a imigração legal e ilegal. Reconhece também o potencial problemático que a imigração permanente de mão-de-obra qualificada pode ter para os países em desenvolvimento, o chamado brain drain (fuga de cérebros), e, por isso, apoia fortemente a colaboração em matéria de imigração. Neste contexto, o Pacto propõe em primeiro lugar uma cooperação institucionalizada entre países europeus e países de origem, através do estabelecimento de acordos sobre imigração legal, ilegal, readmissão e desenvolvimento. Apoia também medidas que facilitem a migração circular, ou a imigração temporária com facilidade de retorno ao país de origem. Sugere a cooperação em medidas para combater a imigração ilegal, nomeadamente nas redes de tráfico de seres humanos. E pretende, ainda, criar ferramentas para aumentar o potencial positivo do eixo migrações - desenvolvimento, nomeadamente criando plataformas de cooperação, pacotes de mobilidade e programas de migração circular. É importante recordar que o Conselho da União Europeia já concluiu dois pacotes de mobilidade com Cabo Verde e a Moldávia, e está a negociar acordos semelhantes com a Geórgia e o Senegal. 6

A ideia de que os imigrantes podem agir como vectores de desenvolvimento decorre em grande medida do conceito de Co-desenvolvimento, surgido em França em 1997. Apesar da validade da proposição, a ideia tem-se concretizado num sentido que exclui o pais de origem da definição destes programas de desenvolvimento e que responde, sobretudo, às necessidades de regulação dos fluxos migratórios no pais de origem. Mais uma vez, portanto, a viabilidade prática e ética das propostas deste Pacto levantam questões sérias sobre a possibilidade de gerir um fenómeno humano, determinado por factores de ordem individual, subjectiva e psicológica, de acordo com pressupostos económicos e sociais e, ainda assim, manter a coerência com os valores que fundamentam o projecto europeu: a liberdade, a democracia, o respeito pelos Direitos Humanos. É ainda importante recordar que no espaço europeu, um cidadão de um Estado membro não é um imigrante. Um imigrante é classificado como um cidadão de um país terceiro que vive, estuda ou trabalha no espaço europeu. Mas a liberdade de circulação de pessoas entre Estados membros ainda não atingiu um patamar óptimo. Os alargamentos mais recentes motivaram fluxos significativos de migração interna ao espaço europeu, que tiveram, certamente, consequências positivas e negativas para os Estados de origem e de destino. Não podemos esquecer que apenas recentemente,... As questões relacionadas com uma eventual política europeia de imigração carecem ainda de discussão, de um debate mais aprofundado, que permita avaliar os custos que assumir uma tal política traria para o sistema de valores europeu. Para saber mais... www.ieei.pt Artigos Ceps Policy Brief The French Presidency s European Pact on Immigration and Asylum: Intergovernmentalism vs. Europeanisation? Security vs. Rights? shop.ceps.eu/downfree.php?item_id=1706 EPC Policy Brief The EU Immigration Pact from Hague to Stockholm, to Paris www.kbs-frb.be/uploadedfiles/kbs-frb/files/verslag/eu%20immigration%20pact.pdf Bruegel Policy Brief Strait is the Gate: Europe s Immigration Priorities http://www.bruegel.org/public/publication_detail.php?id=1169&publicationid=8078 Info Euractiv Pacto Europeu de Imigração e Asilo http://www.euractiv.com/en/mobility/european-pact-immigration-asylum/article-175489 Euractiv Cartão Azul http://www.euractiv.com/en/socialeurope/eu-blue-card-high-skilled-immigrants/article-170986 Euractiv Imigração Ilegal http://www.euractiv.com/en/justice/illegal-immigration-asylum-border-control/article-117508 Euractiv Imigração Ilegal, Controlo de Fronteiras e Asilo http://www.euractiv.com/en/justice/illegal-immigration-asylum-border-control/article-117508 Euractiv Controlo de Fronteiras http://www.euractiv.com/en/security/border-control-single-eu-border/article-138329 7

Artigos Academicos ** Migration and the Economic Downturn: What to expect in the European Union http://www.migrationpolicy.org/transatlantic/eu_recession_backgrounder.pdf Learning By Doing: Experiences of Circular Migration http://www.migrationpolicy.org/pubs/insight-igc-sept08.pdf The Proposed European Blue Card: Arming for the Global War on Talent? http://www.migrationinformation.org/feature/display.cfm?id=667 Asilo http://www.unhcr.org/cgi-bin/texis/vtx/refworld/rwmain?docid=473050632&page=search http://ec.europa.eu/justice_home/fsj/asylum/fsj_asylum_intro_en.htm Imigração http://ec.europa.eu/justice_home/fsj/immigration/fsj_immigration_intro_en.htm Compilação detalhada de documentação oficial http://www.statewatch.org/asylum/obserasylum.htm 8