Plano de Ensino DISCIPLINA: Teoria das Ciências Humanas II PRÉ-REQUISITOS: HF300 ou HF305 ou HF362 ou HF397 PROFESSOR: Marco Antonio Valentim CÓDIGO: HF391 SEMESTRE: 1 / 2014 C.H. TOTAL: 60 C.H. SEMANAL: 04 EMENTA (parte permanente) Estudo de temas gerais concernentes à teoria das Ciências Humanas, passíveis de tratamento numa abordagem introdutória (Fenomenologia, Hermenêutica, Epistemologias da Psicologia e da Psicanálise, da História, da Economia, da Sociologia e da Antroologia, Estruturalismo). PROGRAMA (parte variável) Título: Ancestrais animais, animais de caça e espíritos xamânicos: a relação com o nãohumano na Amazônia Nos primeiros tempos, quando os ancestrais animais se metamorfosearam, suas peles se tornaram caça, e suas imagens, espíritos. É por isso que os espíritos consideram sempre os animais como ancestrais, assim como eles, e é assim que os nomeiam! Mas nós também, nós que comemos da caça, nós sabemos que se trata de ancestrais humanos tornados animais! São habitantes da floresta, assim como nós! (Davi Kopenawa) Resumo: Em uma tentativa de introdução ao pensamento ameríndio, pretende-se estudar um conjunto de ensaios etnográficos que tematizam ideias amazônicas da relação entre humanidade e não-humanidade. Trata-se assim de entender o sentido e o alcance da tese antropológica geral que parece resumir essas etnografias: Na Amazônia, é a aliança com o não-humano que determina as 'condições intensivas do sistema' (Viveiros de Castro). Apesar da generalidade da tese, procurar-se-á reconstituir, na discussão da mesma, uma multiplicidade própria ao pensamento amazônico, garantida pelo estudo de diferentes povos da região. Embora por vezes
divergentes, as referidas etnografias revelam que o sentido do humano na Amazônia indígena depende, de modo decisivo, do complexo não-humano ao qual se encontra constitutivamente vinculado e isso a ponto de a diferença ontológica entre humanidade e não-humanidade consistir aí, antes que em uma separação substancial ou essencial, em uma distinção entre aspectos ou perspectivas dos mesmos sujeitos/pessoas. Exemplarmente, a complexidade do não-humano é, segundo a etnografia, configurada pela diferença entre animais e espíritos, que se mostra interna ou intensiva (Viveiros de Castro) aos próprios humanos. Donde a questão principal em que se traduz o tema do curso: entre animais e espíritos, o que significa tornar-se (não-)humano na Amazônia? O estudo proposto faz parte de um projeto investigativo mais amplo, destinado à reflexão sobre a equivocidade do humano a partir da divergência metafísico-política entre o antropomorfismo ameríndio e o antropocentrismo moderno. Plano das aulas: Aula 1: Introdução: Kopenawa & Albert, Os ancestrais animais Aulas 2, 3 e 4: Viveiros de Castro, Esboço de cosmologia yawalapíti (Yawalapíti) Aula 5: Descola, A natureza doméstica, Cap. 3 (Achuar) Aula 6: Guss, Tecer e cantar, Cap. 3 (Yekuana) Aula 7: Århem, Ecosofía makuna (Makuna) Aula 8: Lima, O dois e seu múltiplo (Juruna)
Aula 9: Fausto, Banquete de gente (Parakanã) Aula 10: Kohn, Como sonham os cachorros (Runa) Aulas 11 e 12: Cesarino, Oniska, Caps. 1, 3 e 6 (Marubo) Aulas 13 e 14: Viveiros de Castro, A floresta de cristal (Yanomami) Aula 15: Conclusão PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS Aulas expositivas, com leitura e discussão de textos selecionados. FORMAS DE AVALIAÇÃO Trabalho monográfico sobre o tema do curso, a ser entregue no final do semestre. BIBLIOGRAFIA MÍNIMA
Kopenawa, D. & Albert, B. (2010). La chute du ciel: paroles d'un chaman yanomami. Paris: Plon. Caps. III e IV. Viveiros de Castro, E. (2011a). Esboço de cosmologia yawalapíti. In: E. Viveiros de Castro, A inconstância da alma selvagem. 2a. ed. São Paulo: Cosac Naify. Descola, Ph. (1987). La selva culta: simbolismo y praxis en la ecología de los Achuar. Traducción de Juan Carrera Colin y Xavier Catta Quelen. Quito: IFEA, ABYA-YALA. Cap. 3. Guss, D. M. (1994). Tejer e cantar: arte, símbolo y narrativa en la selva lluviosa sudamericana. Traducción de Carolina Escalona. Caracas: Monte Avila. Cap. 3. Århem, K. (1993). Ecosofia makuna. In: F. Correa (org.), La selva humanizada: ecología alternativa en el trópico húmedo colombiano. Bogotá: Instituto Colombiano de Antropología/Fondo FEN Colombia/Fondo Editorial CEREC, pp. 109-126. Lima, T. S. (1996). O dois e seu múltiplo: reflexões sobre o perspectivismo em uma cosmologia tupi. Mana, Vol. 2(2), pp. 21-47. Fausto, C. (2002). Banquete de gente: comensalidade e canibalismo na Amazônia. Mana, Vol. 8(2), pp. 7-44. Kohn, E. (2007). How dogs dream: Amazonian natures and the politics of transspecies engagement. American Ethnologist, Vol. 34(1), pp. 3-24.
Cesarino, P. de N. (2011). Oniska: poética do xamanismo na Amazônia. São Paulo: Perspectiva, Fapesp. Caps. 1, 3 e 6. Viveiros de Castro, E. (2006). A floresta de cristal: nota sobre a ontologia dos espíritos amazônicos. Cadernos de Campo, n. 14/15, pp. 319-338. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR Viveiros de Castro, E. (1986). Araweté: os deuses canibais. Rio de Janeiro: Zahar.. (2007). Filiação intensiva e aliança demoníaca. Novos Estudos, n. 77.. (2009). Métaphysiques cannibales. Traduit par Oiara Bonilla. Paris: Presses Universitaires de France.. (2011b). Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In: E. Viveiros de Castro, A inconstância da alma selvagem. 2a. ed. São Paulo: Cosac Naify, pp. 345-399. Descola, Ph. (1998). Estrutura ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia. Mana, Vol. 4(1), pp. 23-45.. (2005). Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard.
De Civrieux, M. (1997). Watunna: An Orinoco Creation Cycle. Edited and translated by David M. Guss. Austin: University Texas Press. Århem, K. (2001). La red cósmica de la alimentación: la interconexión de humanos y naturaleza en lo noroeste de la Amazonia. In: Ph. Descola & G. Pálsson (orgs.), Naturaleza y sociedad: perspectivas antropológicas. Traducción de Stella Mastrangelo. Mexico: Siglo XXI Editores, pp. 192-213. Lima, T. S. (1999). Para uma teoria etnográfica da distinção natureza e cultura na cosmologia juruna. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vo. 14(40), pp. 43-52.. (2005). Um peixe olhou para mim: O povo Yudjá e a perspectiva. São Paulo: Editora UNESP. Fausto, C. (2007). Feasting on People: Eating Animals and Humans in Amazonia. Current Anthropology, Vol. 48(4), pp. 497-530. Kohn, E. (2013). How forests think: toward anthropology beyond the human. Berkeley and Los Angeles: University of California Press. Cesarino, P. de N. (2010). Donos e duplos: relações de conhecimento, propriedade e autoria entre os Marubo. Revista de Antropologia, Vol. 53(1), pp. 147-197. Leite, T. V. S. (2013). Imagens da humanidade: metamorfose e moralidade na mitologia yanomami. Mana, Vol. 19(1), pp. 69-97. Kelly, J. A. (2001). Fractalidade e troca de perspectivas. Mana, Vol. 7(2), pp. 95-132.
Taylor, A.-Ch. & Viveiros de Castro, E. (2006). Un corps fait de regards. In: S. Breton (éd.), Qu est-ce qu un corps? Paris: Musée du Quai Branly/Flammarion, pp. 148-199. Seeger, A., DaMatta, R. & Viveiros de Castro, E. (1979). A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. In: Y. de F. Leite (org.), A construção da pessoa nas sociedades indígenas, Boletim do Museu Nacional, Série Antropologia, n. 32, pp. 2-19. NAnSi (Núcleo de Antropologia Simétrica), O solo etnográfico do perspectivismo (1), (2), (3) e (4). Projeto AmaZone: https://sites.google.com/a/abaetenet.net/nansi/aon%c3%a7a-e-a-diferen%c3%a7a-projeto-amazone. Acesso em: 09/01/2014.