filosofia contemporânea carlos joão correia 2013-2014 1ºSemestre
O mundo é a minha representação. - Esta proposição é uma verdade para todo o ser vivo e cognoscente, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstracto e reflectido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra, mas apenas olhos que vêem este sol, mãos que tocam esta terra; numa palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem. Se existe uma verdade que se possa afirmar a priori é bem esta, pois ela exprime o modo de toda a experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral mesmo que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam. Schopenhauer MVR 1
A questão do solipsimo solus + ipse + ismo "[ ] O egoísmo teórico, que considera todos os fenómenos, salvo a si próprio, como fantasmas [Phantome], do mesmo modo que o egoísmo prático, que, na aplicação, só vê e trata como uma realidade a sua pessoa, e todas as outras como fantasmas. Não se poderá nunca refutar o egoísmo teórico com provas; no entanto, ele foi sempre empregado em filosofia como sofisma céptico, não exposto como convicção. Não o encontraremos, nesta qualidade, senão numa casa de alienados; e nesse caso, não é com um raciocínio, é com um duche que é preciso refutá-lo; é por isso que não o temos em nenhuma conta a este respeito, e considerámo-lo como o último entrincheiramento do cepticismo" Schopenhauer MVR 19
O que o Solipsismo quer dizer é correcto mas não se pode dizer: revela-se a si próprio. 5.62 O mundo e a vida são um. 5.621 Com a morte o mundo não se altera, cessa. 6.431 Eu sou o meu mundo. (O microcosmos). 5.63 [ O Eu, o Eu é o profundamente misterioso 5.8.16; O Eu não é um objecto. 7.8.16; Estou objectivamente em face de cada objecto. Não em face do Eu. (11.8.16) ] Existe de facto um sentido no qual se pode falar em filosofia do eu sem ser em termos psicológicos. O eu surge em filosofia através do facto de que o o mundo é o meu mundo. O eu filosófico não é o ser humano, não é o corpo humano ou a alma humana de que trata a Psicologia, mas o sujeito metafísico, o limite - não uma parte - do mundo. 5.641 Aqui se vê que o Solipsismo, quando rigorosamente são extraídas todas as suas consequências, coincide com o realismo puro. O eu do Solipsismo contrai-se e fica um ponto sem extensão, fica a realidade coordenada com ele. 5.64 Wittgenstein. Tractatus. Ed. M.S. Lourenço. Lisboa: Gulbenkian. 2002 [Wittgenstein. Cadernos 1914-1916. Lisboa: Edições 70. 2004]
O sujeito não pertence ao mundo mas é um limite do mundo. 5.632 Onde encontrar no mundo um sujeito metafísico? Tu dirás que se passa aqui o mesmo do que se passa com o olho e o campo visual. Mas o olho não o vês de facto. E nada no campo visual permite inferir que é visto por um olho. 5.633 O campo de visão não tem, com efeito, esta forma 5.6331
Aquele que conhece tudo o resto, sem ser ele mesmo conhecido, é o sujeito. Por conseguinte, o sujeito é o substratum do mundo, a condição invariável, sempre subentendida de todo o fenómeno, de todo o objecto, visto que tudo o que existe, existe apenas para o sujeito. Este sujeito,cada um o encontra em si, pelo menos enquanto conhece, não enquanto é objecto de conhecimento. O nosso próprio corpo é já ele próprio um objecto e, por conseguinte, merece o nome de representação. Com efeito, ele é apenas um objecto entre outros objectos, submetido às mesmas leis que estes últimos; é apenas um objecto imediato. Como qualquer objecto da intuição, está submetido às condições formais do pensamento, o tempo e o espaço, de que nasce a pluralidade.mas o próprio sujeito, o princípio que conhece sem ser conhecido, não cai sob estas condições visto que é sempre pressuposto por elas implicitamente. Não se lhe pode aplicar nem a pluralidade, nem a categoria oposta, a unidade. Portanto, nós não conhecemos nunca o sujeito; é ele que conhece em toda a parte em que há conhecimento." Schopenhauer MVR 2
Esta subjectividade é assinalada por um facto como este: posso sentir as minhas dores e vocês não. Eu vejo o Mundo do meu ponto de vista; vocês vêem-no a partir do vosso ponto de vista. Eu sou consciente de mim mesmo e dos meus estados mentais internos, enquanto inteiramente distintos da individualidade e dos estados mentais das outras pessoas. Desde o século XVII, pensámos a realidade como algo que deve ser igualmente acessível a todos os observadores competentes - isto é, que pensam que ela deve ser objectiva. Ora, como é que vamos acomodar a realidade dos fenómenos mentais subjectivos à concepção científica da realidade enquanto totalmente objectiva? Searle. Minds, Brains and Science. Cambridge:Harvard Univ.Press. 1984, 16
"Uma suposição auto-refutante é aquela cuja verdade implica a sua própria falsidade. Por exemplo, considere-se a tese de que todos os enunciados gerais são falsos. Este é um enunciado geral. Assim, se ele é verdadeiro então tem que ser falso. Logo, é falso. Por vezes uma tese é chamada «auto-refutante» se a suposição de que a tese é cogitada ou enunciada implicar a sua falsidade. Por exemplo, «Eu não existo» é auto-refutante se pensado por mim (por qualquer «mim»). Assim, podemos ficar certos de que existimos se pensarmos nisso (como argumentou Descartes)." Hilary Putnam, Reason, Truth and History. Cambridge:Cambridge Univ.Press. 1981, pp.7-8 (trad.port. 30)
Quanto à nossa própria existência apercebemo-la com tanta clareza e certeza que não é preciso nem se é capaz de qualquer prova. Pois nada pode ser mais evidente para nós do que a nossa própria existência. Penso, raciocino, sinto prazer e dor; pode qualquer destas coisas ser mais evidente para mim do que a minha própria existência? Se duvido de todas as outras coisas, essa mesma dúvida faz-me aperceber da minha própria existência, e não me permitirá duvidar disso. Se sei que sinto dor, é evidente que tenho como certa uma percepção da minha própria existência como da existência da dor que sinto (...) Em cada acto de sensação, de raciocínio ou de pensamento, estamos conscientes [we are conscious] do nosso próprio ser e, sobre isso, não ficamos aquém do mais alto grau de certeza. Locke, An Essay 4.9.3
O meu corpo, tal como ele é para mim, não me aparece no meio do mundo. Decerto que pude ver eu próprio num ecrã, durante uma radiografia, a imagem das minhas vértebras, mas estava precisamente fora, no meio do mundo; apreendia um objecto inteiramente constituído como um isto no meio de outros istos, e somente por um raciocínio é que o levava a ser meu: ele era muito mais a minha propriedade do que o meu ser. É verdade que vejo, que toco nas minhas pernas e nas minhas mãos. E nada me impede de conceber um dispositivo sensível de tal ordem que um ser vivo possa ver um dos seus olhos enquanto o olho visto dirige o olhar para o mundo. Mas convém notar que, também neste caso, sou o outro relativamente ao meu olho: apreendo-o como órgão sensível constituído no mundo de uma certa maneira, mas não posso «vê-lo a ver», ou seja, apreendê-lo enquanto ele me revela um aspecto do mundo. Ou ele é coisa entre as coisas, ou então é aquilo por que [ce par quoi] as coisas se descobrem em mim. Mas não pode ser tudo ao mesmo tempo." Sartre, L être et le néant, 350-351. (trad.312-313)
Tudo o que o mundo encerra ou pode encerrar está nesta dependência necessária frente ao sujeito, e apenas existe para o sujeito. O mundo é pois representação. Aliás, esta verdade está longe de ser nova. Ela constitui já a essência das considerações cépticas donde procede a filosofia de Descartes. Mas foi Berkeley quem primeiro a formulou de uma maneira categórica; por isso prestou à filosofia um serviço imortal ainda que o resto das suas doutrinas não mereça muito durar. O grande erro de Kant, como exponho no Apêndice que lhe é consagrado, foi de não reconhecer este princípio fundamental. Em compensação, esta importante verdade cedo foi admitida pelos sábios da Índia visto que ela aparece como a essência da filosofia vedānta Schopenhauer MVR 1