PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS NOS QUINTAIS NA COMUNIDADE QUATRO ESTRADAS, AMÉLIA RODRIGUES, BAHIA Maicon de Lima Carvalho²,4 ; Daillane Rosa Oliveira 1 ; Iasmin Laiane de Castro Oliveira¹; Synara Mattos Leal³,4 ; Marina Siqueira de Castro 1,2,3,4 1. Curso de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS, Bahia - Brasil; 2. Curso de Agronomia, Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS, Bahia - Brasil; 3. Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola EBDA; 4. Núcleo de Agroecologia e Produção Orgânica NEA-Trilhas Endereço eletrônico: marina.castro@ebda.ba.gov.br Resumo A agricultura atual é tida como uma atividade de grande impacto ambiental por contribuir no intenso processo de degradação dos recursos naturais. A agroecologia surge nesse contexto como um novo campo de saberes teóricos e práticos, envolvendo conceitos e princípios como da agronomia, ecologia e sociologia em busca de conhecimentos e técnicas para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável. Para sua concretização efetiva, deve-se inserir o contexto social e cultural da comunidade, por meio do envolvimento dos seus saberes e sua identidade nas práticas agroecológicas e o intercâmbio de experiências entre os profissionais da ciência e os agricultores. Este trabalho teve como objetivo identificar as práticas agroecológicas desenvolvidas nos quintais dos agricultores familiares da comunidade Quatro Estradas, no município de Amélia Rodrigues, Bahia, visando contribuir no direcionamento de ações agroecológicas na comunidade. Constatou-se que todos os entrevistados consideraram a preservação do meio ambiente importante e práticas agroecológicas, como: esterco de gado como fertilizante orgânico e uso da urina de vaca como inseticidas. Metade relatou utilizar produtos químicos e produtos orgânicos nas suas plantações. Logo, embora a comunidade desenvolva práticas no âmbito agroecológico faz-se necessário estimular a transição do uso de modelos convencionais para agriculturas mais sustentáveis. Palavras-chave: agroecologia, agricultura familiar, agroecossistemas. Introdução Desde o período colonial no Brasil, observa-se um intenso processo de degradação dos recursos naturais, causados pela intensa atividade de desmatamento e má utilização do solo. Até a década de 1960 e 1970, essa exploração excessiva não caracterizava grandes problemas ecológicos. A partir desse período, quando houve a modernização da agricultura, os olhares voltaram para essa problemática, resultando na busca por modelos de produção alternativos que visassem à conservação dos recursos, como forma de respeito à natureza (Assis, 2005). Na década de 80 nascia a Agroecologia, um enfoque científico que buscou integrar os conhecimentos da Agronomia com a Ecologia, visando estudar, analisar e remanejar os agroecossistemas, proporcionando bases científicas que auxiliassem no processo de transição de modelos de agricultura atual para modelos de base ecológicas e sustentáveis (Caporal, 2014; Caporal e Costabeber, 2002). A agricultura familiar apresenta características que a torna um agente ideal para o desenvolvimento de agriculturas de base ecológica, as quais se destacam: propriedades pequenas; produção voltada para o consumo familiar e para o mercado local e regional; mão-de-obra familiar; produção diversificada; tecnologias e equipamentos adaptados à sua realidade; conhecimento elevado sobre os ciclos agrícolas e autonomia de gestão da família sobre a produção e comercialização (Moreira e Stamato, 2005). Esta nova forma de pensar a Agricultura, sem dúvida, privilegiará e fortalecerá as agriculturas camponesas, indígenas e familiares, em detrimento das agriculturas de base química e mecânica. Para que a comunidade, no âmbito da agricultura familiar, possa produzir ecologicamente faz-se necessário entender a natureza como um todo interligado e interdependente, sabendo identificar como o solo, as plantas, os animais, o clima e os demais elementos interagem. Essa visão integral é chamada de enfoque sistêmico (Moreira e Stamato, 2005). Entretanto, deve-se levar em consideração que os agricultores familiares, na maioria das vezes, apresentam dificuldades de obtenção de informações e de organização, o que resulta na pouca divulgação das práticas de desenvolvimento dos sistemas agroecológicos na agricultura familiar (Assis, 2005). O processo que visa estimular a transição do uso de modelos convencionais de desenvolvimento rural para
agriculturas mais sustentáveis, é denominando de Transição Agroecológica. Esta, por sua vez, é caracterizada por um processo gradual de mudanças na forma de manejo dos agroecossistemas, implicando em mudanças na conduta econômica e social (atitudes e valores) em relação à conservação dos recursos naturais, buscando torná-los mais próximos dos sistemas naturais os quais estão inseridos (Caporal, 2014). Leff (2002) afirma que, essa ciência não consiste da imposição de métodos a serem executados pelos agricultores. Para que haja sua concretização efetiva, deve-se inserir o contexto social e cultural da comunidade, por meio do envolvimento dos seus saberes e sua identidade nas práticas agroecológicas e o intercâmbio de experiências entre os profissionais da ciência e os agricultores. Visando contribuir no direcionamento de ações agroecológicas na comunidade, o presente trabalho teve como objetivo identificar as práticas agroecológicas desenvolvidas nos quintais dos agricultores familiares da comunidade Quatro Estradas, no município de Amélia Rodrigues, Bahia. Metodologia O trabalho foi desenvolvido na comunidade Quatro Estradas, do município de Amélia Rodrigues, Bahia, distante a 84 km de Salvador e 24 km de Feira de Santana, integrante do Território de Identidade Portal do Sertão (Ferreira e Vieira, 2014. Figura 1). Estima-se que nessa comunidade habitem 933 moradores (Informações do Brasil, 2014). A economia da comunidade é voltada a produção de hortaliças. As propriedades possuem quintais com grande mistura de culturas, que varia de fruteiras a plantas medicinais. O trabalho foi desenvolvido por alunos de graduação do curso de Agronomia e Ciências Biológicas, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), fruto da disciplina BIO518-Ecologia de Campo, ministrada pela Dra. Marina Siqueira de Castro. A metodologia utilizada teve como base princípios da Metodologia Participativa de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) segundo Kummer (2007). No primeiro momento, houve uma aproximação informal à comunidade e posteriormente realizou-se o levantamento de dados (diagnóstico) por meio de entrevista semiestruturada com moradores da comunidade, constando perguntas a cerca de sua rotina, modo de trabalho, quais os cuidados com a plantação, dentre outras. Para a realização da entrevista foi utilizado um questionário adaptado de Souza e Laschefski (2014) e Castro (2011). Desse questionário foram obtidas as informações sobre os agricultores, suas práticas de manejo, identificação de práticas agroecológicas desenvolvidas na comunidade. Após a entrevista, os dados foram lançados no programa Excel. Para algumas propriedades foram feitos desenhos esquemático (croquis) no programa Paint do Microsoft. Resultados Figura 1. Localização de Amélia Rodrigues-BA. Fonte: Ferreira e Vieira, 2014. Foram entrevistadas quatro famílias de agricultores familiares. Destes, revelaram que metade tinham as mulheres como responsável pelos quintais. A agrobiodiversidade observada foi de 46 espécies de plantas (cultivadas, manejadas e/ou de ocorrência espontânea por dispersão de sementes), destacando-se as fruteiras com 44% seguida das hortaliças com 28% (Figura 2). Dessas, as mais observadas na região foram: tangerina (Rutaceae: Citrus reticulata), limão (Rutaceae: Citrus sp); hortelã miúda (Labiatae: Mentha sp), couve (Brassicaceae: Brassica sp), quiabo (Malvaceae: Abelmoschus esculentus, Figura 3) e coentro (Apiaceae: Coriandrum sativum). Um dos entrevistados
relatou que as condições climáticas do local e a qualidade da água favorecem a produção dessas e de outras culturas. As culturas produzidas por cada família, bem como os motivos que justificaram a escolha de cada uma delas, foram bastante variáveis. Figura 2. Valores percentuais da agrobiodiversidade dos quintais da comunidade Quatro-Estrada, Amélia Rodrigues-BA. Figura 3. Quiabo (Malvaceae: Abelmoschus esculentus). Foto: Synara M. Leal. Das quatro famílias entrevistadas: três relataram utilizar os produtos do quintal somente para alimentação e não utilizavam produtos químicos nas suas plantações. Destas, uma das famílias relatou que, atualmente, não utiliza mais os produtos químicos devido ao fato de ter percebido que o tempo de vida das plantações reduzia-se bastante ao utilizar os mesmos; Enquanto, um que referiu a produção para fins lucrativos (além da alimentação), utilizava produtos químicos e produtos orgânicos. Todas as famílias aproveitavam o esterco de gado como fertilizante orgânico e duas relataram o uso da urina de vaca como inseticidas. Outras práticas identificadas foram: aproveitamento do fumo de corda e a palha de mamona como biofertilizante e a água de mandioca para a mesma finalidade. Todas consideraram extremamente importantes o cuidado com o meio ambiente durante o processo de produção nos quintais, designando a escala de número 5 (escala máxima) para esse quesito. Em relação ao conceito de Agroecologia três relataram conhecer algumas práticas, dentre as quais se destacaram o Orgânico, Biofertilizante, Esterco e Adubação verde (Tabela 1). Tabela 1. Lista das práticas Agroecológicas conhecidas pelos agricultores familiares da Comunidade Quatro- Estrada, Amélia Rodrigues-BA. Entrevistado Importância do Meio Ambiente (0-5) Conhecimento de Agroecologia Práticas Agroecológicas Conhecidas Utilização de Produtos Químicos Utilização de Produtos de Base Biológica 1 5 Sim Orgânico; Roçada/ Coroamento; Esterco; Adubação verde Não Esterco de gado 2 5 Sim Orgânico; Esterco; Adubação verde Sim (Fertilizantes, inseticidas) Esterco e fertilizante orgânico (urina de vaca e água de mandioca) 3 5 Não ----- Não Esterco de gado 4 5 Sim Orgânico; Esterco Não (Antes utilizava fertilizantes e inseticidas) Esterco de gado e galinha, palha de mamona, urina de vaca, fumo de corda
No manejo do solo todas as famílias relataram uma seqüência de capina e adubação; e a água utilizada nas plantações é proveniente das cisternas das casas e/ou da rua. Dos desenhos esquemáticos, ilustrando a organização dos quintais, foi possível melhor visualizar a disposição dos elementos da agrobiodiversidade, como observado no Quadro 1. Quadro1. Desenho esquemático de um quintal da Comunidade Quatro-Estrada, Amélia Rodrigues-BA. Legenda: Desenho esquemático do quintal: Acerola Banana Cacau Coco Cupuaçu Jabuticaba Jaca Jambo Laranja Manga Nespla Horta Abóbora Plantas Medicinais Milho Cisterna Conclusões As famílias entrevistadas na comunidade desenvolvem práticas agroecológicas há certo tempo e as realizam por acreditarem ser a forma de produção mais saudável, e por considerarem importante a preservação do meio ambiente. Os mais jovens entrevistados que produziam para fins lucrativos, relataram o uso de produto químico apesar de detentores de conhecimento sobre agroecologia. As pessoas com mais idade realizavam as práticas de base ecológica devido ao conhecimento tradicional, enquanto as mais jovens detinham esse conhecimento por essas e outras fontes, como o próprio conhecimento sobre práticas agroecológicas. Logo, embora a comunidade desenvolva práticas no âmbito agroecológico faz-se necessário estimular a transição do uso de modelos convencionais para agriculturas mais sustentáveis.
Rede de contato Nea-Trilhas (www.neatrilhas.net), Estação Experimental de Rio Seco EBDA, Amélia Rodrigues. Referências Bibliográficas Assis, R. L. de. Agroecologia: Visão Histórica e Perspectivas no Brasil. In: AQUINO, A. M. de; Assis, R. L. de (Eds.). Agroecologia: Princípios e Técnicas para uma Agricultura Orgânica Sustentável. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2005.p.173-84. Caporal, F.R. Agroecologia não é um tipo de agricultura alternativa. Disponível em:<http://www.ipcp.org.br/storage/ea/agroecologia/agroecologia%20n%e3o%20%e9%20um%2 0tipo%20de%20agricultura%20alternativa.pdf> Acesso em: 2014. Caporal, F.R.; Costabeber, J.A. Agroecologia Enfoque científico e estratégico. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.2, abr./junh. 2002. Caporal, F.R.; Costabeber, J.A.. Agroecologia e desenvolvimento Rural Sustentável: Perspectivas para uma Nova Extensão Rural. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.1, n.1, jan./mar.2000. Ferreira, C.L.L; Viera, V.da S. As Políticas Territoriais do Plano Plurianual para a Agricultura Familiar no Município de Amélia Rodrigues. Disponível em: < http://files.gepru.com/200000063-25dd527d0a/as%20pol%c3%adticas%20territoriais%20do%20plano%20plurianual%20para%20 a%20agricultura%20familiar%20no%20munic%c3%adpio.pdf>. Acesso em: 2014 Informações do Brasil. Fazenda Quatro Estradas, Amélia Rodrigues BA. Disponível em: < http://informacoesdobrasil.com.br/rua/ba/amelia-rodrigues/fazenda-quatro-estradas+277/>. Acesso em: 2014. Kummer, L. Metodologia participativa no meio rural: uma visão interdisciplinar. Conceitos, ferramentas e vivência. Salvador: GTZ, 2007 Leff, Enrique. Agroecologia e saber ambiental. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002. Moreira, R. M.; Stamato, B. Cartilha agroecológica. Instituto Giramundo Mutuando. Botucatu, SP: Editora Criação Ltda. 2005. Souza, N. de O.; Laschefski, K. Agricultura familiar: caracterização dos agricultores que comercializam seus produtos na feira de sábado à avenida Santa Rita, Viçosa-MG. Disponível em:<http://www.uff.br/vsinga/trabalhos/trabalhos%20completos/nayara%20de%20 Oliveira%20Souza.pdf> Acesso em: 2014