O conhecimento do adolescente portador de lúpus acerca de sua doença: um instrumento para o cuidado

Documentos relacionados
Hemograma, plaquetas, creatinina, uréia. creatinina, uréia. Lúpus induzido por drogas, gestantes, lactantes e crianças devem ser tratados por médicos

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES) UMA REVISÃO 1

Mestranda: Marise Oliveira dos Santos Orientador: Prof. Dr. José Fernando de Souza Verani

Glomerulonefrites Secundárias

SOCIEDADE RELATÓRIO PARA MICOFENOLATO DE MOFETILA E MICOFENOLATO DE SÓDIO PARA TRATAMENTO DA NEFRITE LÚPICA

Prof. Ms. Alex Miranda Rodrigues

ESTUDO CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DE PACIENTES COM LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO, EM UMA POPULAÇÃO DA AMAZÔNIA ORIENTAL ¹ RESUMO

Centro de Infusão do H9J. Nilton Salles Rosa Neto

Lúpus eritematoso sistêmico com acometimento neurológico grave: Relato de Caso

GAMEDII HISTÓRIA EQUIPE GAMEDII AGRADECIMENTOS:

Anais do 14º Encontro Científico Cultural Interinstitucional ISSN

COMPLICAÇÕES CLÍNICAS EM PACIENTES PORTADORES DE LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO 1 RESUMO

Impacto clínico da tripla positividade dos anticorpos antifosfolípides na síndrome antifosfolípide trombótica

Qualidade de vida de pacientes idosos com artrite reumatóide: revisão de literatura

Dia Nacional de Luta contra o Reumatismo

Marque a opção do tipo de trabalho que está inscrevendo: (X) Resumo ( ) Relato de Caso

Adolescentes portadores de doença reumatológica: conhecendo a clientela

ATUAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NO TRATAMENTO DE LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Artrite Idiopática Juvenil

EXPERIÊNCIA DE ACADÊMICAS DE ENFERMAGEM NA CRIAÇÃO DE UM GRUPO DE APOIO ÁS MULHERES COM CÂNCER DE MAMA

ANÁLISE DO MONITORAMENTO DA GLICEMIA CAPILAR EM INSULINODEPENDENTES PARA PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES RELACIONADAS AO DIABETES MELLITUS

Lúpus Eritematoso Sistêmico - sinais e sintomas

IMUNONUTRIÇÃO NO LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Perfil de adolescentes portadores de doenças reumáticas atendidos num ambulatório especializado

( ) COMUNICAÇÃO ( ) CULTURA ( ) DIREITOS HUMANOS E JUSTIÇA ( ) EDUCAÇÃO ( ) MEIO AMBIENTE ( x ) SAÚDE ( ) TRABALHO ( ) TECNOLOGIA

CUIDADO DE ENFERMAGEM A CRIANÇA HOSPITALIZADA POR MEIO DA BRINQUEDOTECA E A CONTRIBUIÇÃO DO BRINQUEDO TERAPEUTICO

Deficiência de mevalonato quinase (MKD) (ou síndrome Hiper-IgD)

Avaliação da prevalência de alterações dermatológicas em pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico

RESUMO. Palavras-chave: Doença de Alzheimer. Cuidadores. Qualidade de vida. INTRODUÇÃO

IMPORTÂNCIA DA INFORMAÇÃO E DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA O CONTROLE DO CÂNCER DE COLO DE ÚTERO NO BRASIL

PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO PACIENTE IDOSO INTERNADO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA

LÚPUS: PROCEDIMENTOS LABORATORIAIS NO DIAGNÓSTICO DA DOENÇA

INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS AUTOR(ES): ANDRESSA GONÇALO RODRIGUES PIMENTEL, TATIANE CRISTINA LINO DA SILVA

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: O PAPEL DO ENFERMEIRO NA PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ PRECOCE.

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES EM CUIDADOS PALIATIVOS NO GRUPO INTERDISCIPLINAR DE SUPORTE ONCOLÓGICO

PREVALENCIA DAS DOENÇAS CRONICAS NÃO-TRANSMISSIVEIS EM IDOSOS NO ESTADO DA PARAIBA

AS TECNOLOGIAS LUDICAS COMO INSTRUMENTO DE CUIDADO PARA A ENFERMAGEM NA ONCOLOGIA PEDIÁTRICA

N o 41. Novembro Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) Afinal, o que é lúpus?

3.15 As psicoses na criança e no adolescente

Perfil FAN e AUTO-ANTICORPOS. Qualidade e precisão para diagnóstico e acompanhamento clínico.

ANÁLISE DA MORTALIDADE E DISTRIBUIÇÃO DE NEOPLASIA CUTÂNEA EM SERGIPE NO PERIODO DE 2010 A 2015 RESUMO

PERFIL DO PACIENTE ATENDIDO NO PROJETO DE EXTENSÃO:

densidade óptica está ilustrada na Figura 1. O grupo anti-lpl positivo (anti- LPL+) foi detectado em 25 dos sessenta e seis pacientes com LES (37,8 %)

A RELAÇÃO DA ESCOLA COM FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS

PRÁTICAS DE AUTOCUIDADO E MEDICAÇÕES UTILIZADAS PELOS IDOSOS EM UMA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

Cuidados Partilhados Reumatologia / MGF. Alertar para agudizações e complicações graves mais comuns em doenças reumáticas inflamatórias

PERCEPÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DE INDIVÍDUOS NA FASE INICIAL E INTERMEDIÁRIA DA DOENÇA DE PARKINSON ATRAVÉS DO PDQ-39

XXI Encontro de Iniciação à Pesquisa Universidade de Fortaleza 19 à 23 de Outubro de 2015 Um olhar psicológico sobre o Lúpus Eritematoso Sistêmico

PERFIL DA AUTOMEDICAÇÃO ENTRE IDOSOS USUÁRIOS DAS UNIDADES DE SAÚDES DA FAMÍLIA DO MUNICÍPIO DE CUITÉ-PB INTRODUÇÃO

ENTENDENDO A Doença Inflamatória Intestinal

Multimorbidade e medidas antropométricas em residentes de um condomínio exclusivo para idosos

PREVALÊNCIA DA HIPERTENÇÃO ARTERIAL SISTEMICA EM IDOSOS PERTENCENTES AO GRUPO DE CONVÍVIO DA UNIVERSIDADE ABERTA A MATURIDADE EM LAGOA SECA-PB.

Lupus Eritematoso Sistêmico (LES)

Doença inflamatória da coluna vertebral podendo ou não causar artrite em articulações periféricas e inflamação em outros órgãos como o olho.

ENFERMAGEM ATENÇÃO BÁSICA E SAÚDE DA FAMÍLIA. Parte 26. Profª. Lívia Bahia

I Workshop dos Programas de Pós-graduação em Enfermagem HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA NA INTERFACE DA SEGURANÇA DO PACIENTE NO AMBIENTE HOSPITALAR

Análise da demanda de assistência de enfermagem aos pacientes internados em uma unidade de Clinica Médica

PERFIL DE USUÁRIOS DE PSICOFÁRMACOS ENTRE ACADÊMICOS DO CURSO DE FARMÁCIA DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO DO SUL DO BRASIL

Febre recorrente relacionada com NLRP12

Profº André Montillo

ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO NA GESTÃO DE PROGRAMAS DA ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA NA CIDADE DE CRISÓPOLIS BA RESUMO

Gestação na adolescência: qualidade do pré-natal e fatores sociais

HEPATITES VIRAIS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS EM IDOSOS: BRASIL, NORDESTE E PARAÍBA

1. Introdução. e em tratamento médico ambulatorial no município de

Material e Métodos Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, 14 anos, internada para investigação de doença reumatológica

Pneumonia intersticial. Ana Paula Sartori

Deficiência de mevalonato quinase (MKD) (ou síndrome Hiper-IgD)

22/03/2018 EXISTE UMA DISCIPLINA DA GRADUAÇÃO DA UFJF QUE ABORDA O TEMA? QUAL A SITUAÇÃO NO BRASIL? Sintoma comum a muitas doenças

CUIDADOS NO DOMICÍLIO: RELATOS DE CUIDADORES INFORMAIS DE IDOSOS Daniella Félix Rolim. Faculdade Santa Eliane de

I Workshop dos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem PERFIL DAS INTOXICAÇÕES EXÓGENAS EM UM HOSPITAL DO SUL DE MINAS GERAIS

CURSO DE GRADUAÇÃO DE MEDICINA

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DOS FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CORONARIANA DOS SERVIDORES DO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CULTURA DE SEGURANÇA: PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM DE UM HOSPITAL DE ENSINO

TÍTULO: INCIDÊNCIA DE AIDS NA POPULAÇÃO DE 50 ANOS OU MAIS EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP, NO PERÍODO DE 2003 A 2013

ANEXO II CONTEÚDO PROGRAMÁTICO EDITAL Nº. 17 DE 24 DE AGOSTO DE 2017

Plano de Trabalho Docente Ensino Técnico

ESTUDANTES DO 4º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

TÍTULO: CARACTERIZAÇÃO DAS QUEDAS EM CRIANÇAS INTERNADAS EM HOSPITAL PEDIÁTRICO

Referenciação à Consulta de Reumatologia

PERFIL CLÍNICO E NUTRICIONAL DOS INDIVÍDUOS ATENDIDOS EM UM AMBULATÓRIO DE NUTRIÇÃO DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO (HUPAA/UFAL)

GESTÃO DO CUIDADO AO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL, SOB A PERSPECTIVA DOS PROFISSIONAIS DO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

Síndrome Periódica Associada à Criopirina (CAPS)

SÍFILIS MATERIAL DE APOIO.

João Paulo dos Reis Neto

PERFIL DE INTERNAÇÕES POR CONDIÇÕES SENSÍVEIS A ATENÇÃO PRIMÁRIA (ICSAP) EM MENORES DE UM ANO

Atividade, Gravidade e Prognóstico de pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico antes, durante e após prima internação

PERFIL DOS IDOSOS INTERNADOS EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO EM CAMPINA GRANDE

11 E 12 DE DEZEMBRO DE 2008 REALIZAÇÃO ASPPE

Biologia. Transplantes e Doenças Autoimunes. Professor Enrico Blota.

PROMOÇÃO DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA A POPULAÇÃO DE PONTA GROSSA SOBRE CARDIOMIOPATIAS

Prevalência de transtornos mentais em pacientes com ulceração

COMPETÊNCIAS DO ENFERMEIRO NO ATENDIMENTO A PACIENTES USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: REVISÃO DE LITERATURA

da Saúde, 2 Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Instituto de Ciências

Síndrome Periódica Associada à Criopirina (CAPS)

Palavras-chave: Promoção da saúde. Enfermagem. Neoplasias da mama. Neoplasias de próstata. Pessoas com deficiência.

Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL 19 Danusa Seabra Venâncio Figueirinha 1 Inez Silva de Almeida 2 Iris Bazílio Ribeiro 3 O conhecimento do adolescente portador de lúpus acerca de sua doença: um instrumento para o cuidado The knowledge of the adolescent carrier of lupus about his illness: a tool for the care Resumo O respectivo estudo trata das informações que os pacientes adolescentes portadores de lúpus, acompanhados em serviço ambulatorial especializado, têm sobre a sua doença. Objetivo: identificar o conhecimento dos adolescentes portadores de lúpus acerca da doença. A metodologia utilizada foi descritiva e exploratória, com abordagem quantitativa. Foram avaliados 22 adolescentes na faixa etária de 12 a 19 anos. Este estudo possibilitou conhecer o adolescente portador de lúpus e evidenciar o que ele compreende com relação à doença e ao tratamento. Após o desenvolvimento dessa pesquisa tornou-se claro que conhecer esses pacientes em suas peculiaridades favorece o contato, a escuta e a formação de vínculo, de forma a propiciar melhor relação desses pacientes com a equipe de saúde. Essa aproximação entre profissionais e adolescentes estabelece uma via de mão dupla, na qual os adolescentes podem dialogar sobre o que é viver nessa condição, retirar suas dúvidas a respeito de como conviver com a doença e compreender sua influência no cotidiano de sua vida. Para os profissionais, possibilita ampliar seu cuidado, minimizando a repercussão da patologia. Unitermos Adolescente; lúpus eritematoso sistêmico Abstract The respective study is a question of the information that the adolescent patient carrier of lupus followed in specialized ambulatory service has about his illness. For this study it was up the descriptive and methodological and exploratory, with quantitative approach. The subjects were 22 adolescents in the age group of 12 to 19 years. This study made possible to know the adolescent carrier of lupus and evidence the one that his understand regarding his illness and treatment. After this research development it became evident that knowing this patients in its peculiarities favors the contact, the listening and the link formation, in order to provide a better patients relationship with the health team. This approach between professionals and adolescents establishes a two-way route in which the adolescents can dialogue about what is living in this condition, clarify his questions with reference to how to live with the illness and understand its influence in the life daily. For the professionals, it makes possible to extend his care minimizing the pathology repercussion. Key words Adolescent, systemic erythematosus lupus 1 Enfermeira; ex-residente de Enfermagem do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/UERJ). 2 Enfermeira; mestra em Enfermagem; líder da equipe de enfermagem do Ambulatório da Atenção Secundária do NESA do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE/UERJ); professora-assistente da UERJ; doutoranda da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). 3 Enfermeira; mestra em Enfermagem; chefe de enfermagem da Unidade Intermediária Cirúrgica (UIC) do HUPE; líder de equipe da Maternidade Escola da UFRJ; professora visitante da pós-graduação da Universidade Gama Filho (UGF). Adolescência & Saúde volume 6 nº 2 agosto 2009

20 Figueirinha et al. Introdução A adesão ao tratamento é fundamental para o controle da enfermidade, contribuindo positivamente para o processo saúde-doença; desta forma, é necessário que o paciente conheça a doença para viabilizar a adesão ao tratamento clínico, privilegiando o cuidado. Este estudo trata do conhecimento que o adolescente portador de lúpus tem sobre sua doença e como isto repercute em sua vida. Atuando como profissionais envolvidas no processo de cuidar desses pacientes, foi possível verificar que o adolescente nem sempre compreende o diagnóstico, a cronicidade das manifestações que a doença provoca, bem como a necessidade de dar prosseguimento ao tratamento. Percebendo a importância dessas informações, mais o fato de alguns adolescentes demonstrarem pouca adesão ao tratamento, sentimo-nos estimuladas a pesquisar e, deste modo, delineamos como objetivo do estudo identificar o conhecimento que os adolescentes portadores de lúpus possuem acerca da doença. O adolescente portador de lúpus A adolescência pode ser considerada uma etapa dos processos de crescimento e de desenvolvimento que tem relação com a puberdade e se revela por caracteres sexuais secundários, rapidez do crescimento físico, alterações corporais e aumento da produção hormonal. O termo adolescência nos remete à ideia de um período no qual observamos nitidamente o rápido crescimento (estirão) e o desenvolvimento psicossocial, que ocorre entre a fase infantil e a fase adulta, e destaca-se principalmente pela estruturação final da personalidade e por não possuir uma precisão temporal, pois envolve o desenvolvimento pessoal, suas peculiaridades e o contexto de cada adolescente (1, 2, 7). É um período marcado pelas novas experiências, repleto de ideias, contradições, confusões, questionamentos e rebeldias. Porém também possui características como a alegria de viver, as festas, as manifestações da sexualidade e o desejo de fazer parte ativamente da vida social, assim como de ter suas falas ouvidas e respeitadas (1). O adolescente vibra por uma liberdade ampla, deixando de ser submisso e passando a ter desejo de emancipação. É justamente nesse período que se deflagra a crise existencial, pois a liberdade almejada desde a infância não ocorre por completo, já que o adolescente ainda se vê dependente, seja financeira ou emocionalmente (7). Neste sentido, a adolescência, diante do fenômeno do lúpus, representa uma exacerbação desta crise, devido à incurabilidade da doença e à necessidade de tratamento contínuo para a manutenção da vida, pois os adolescentes têm o cotidiano modificado, podendo ser frequentemente submetidos a exames, consultas, tratamentos e hospitalizações à medida que a doença progride. Assim, algumas vezes podem se sentir diferentes, pois necessitam de cuidados especiais. Sentindo-se diferentes, seu convívio social torna-se limitado, levando-os à dificuldade em participar de seus grupos de pares. O comparecimento às consultas, bem como aos grupos de jovens portadores de lúpus, deve ser estimulado não apenas para manter a regularidade terapêutica, mas principalmente para fortalecer sua socialização. É atribuição do profissional investigar junto ao adolescente quais são suas necessidades nas diversas fases do enfrentamento da doença, colocar-se à disposição para esclarecer dúvidas e orientá-lo com relação ao tratamento, inclusive com manuais e folhetos explicativos, levando em consideração sua capacidade de assimilação e a possibilidade de conhecer os detalhes dos tratamentos propostos (7). Lúpus eritematoso sistêmico juvenil: aspectos relevantes O lúpus eritematoso sistêmico juvenil (LESJ) é uma doença autoimune caracterizada por inflamação generalizada crônica e difusa em todo o corpo. Há a possibilidade de acometimento de alguns ou vários órgãos e sistemas do corpo, como pele, articulações, rins, sangue, coração, pulmões, sistema nervoso, vasos, entre outros. A causa da patologia volume 6 nº 2 agosto 2009 Adolescência & Saúde

Figueirinha et al. 21 ainda não é conhecida. Fatores desencadeantes hormonais (estrógeno), imunológicos, genéticos, infecciosos (vírus, bactérias etc.), emocionais, medicamentosos (como anticonvulsivantes, hidralazina, isoniazida etc.) e ambientais (luz ultravioleta) podem estar envolvidos (9). Acredita-se que um componente genético predispõe o indivíduo a responder inadequada e exacerbadamente aos fatores desencadeantes. Como consequência o indivíduo produz anticorpos direcionados contra seus próprios tecidos, por isso é uma doença autoimune. Esses autoanticorpos se depositam em vários órgãos e, com o evoluir da doença, pode haver progressivo comprometimento da função. Com relação ao componente genético do lúpus, embora a doença seja conhecida por ocorrer em famílias, não houve ainda uma identificação de gene, ou genes, responsável por sua ocorrência. O número de portadores que têm parentes próximos com lúpus gira em torno de 10% a 12%, e apenas 5% de filhos de pacientes desenvolverão a doença (9). Com relação aos critérios para diagnóstico e classificação do lúpus eritematoso sistêmico (LES), segundo o American College of Rheumatology (ACR), devem-se encontrar quatro ou mais dos sinais a seguir: eritema malar; lesão cutânea discoide; fotossensibilidade; úlceras orais; artrite; serosites pleurais ou pericardite; alteração renal (proteinúria > 0,5g/d [3+] ou cilindros celulares); alteração neurológica (convulsões ou psicose); citopenia (anemia hemolítica, leucopenia [< 4.000/mm 3 ], linfopenia [< 1.500/mm 3 ] ou trombocitopenia [< 100.000/mm 3 ], em duas ou mais ocasiões); testes sorológicos (presença de anticorpo anti-dna, anti-sm, pesquisa laboratorial de doenças venéreas (VDRL) falso-positivo, nível sérico anormal de anticorpo anticardiolipina [IgG ou IgM] ou anticoagulante lúpico); fator antinuclear (FAN) positivo (9). Como não é uma doença infectocontagiosa, os adolescentes podem frequentar normalmente escolas, clubes, boates etc. quando a doença estiver controlada. Atinge predominantemente mulheres e é caracterizada por períodos de atividade intercalados por momentos de remissão que podem durar semanas, meses ou anos (9). Nas últimas décadas, têm-se obtido bons resultados no tratamento do lúpus, pois é possível verificar expressiva diminuição da mortalidade dos pacientes e, atualmente, a sobrevida em 20 anos é próxima de 70%. O seu prognóstico tem melhorado nos últimos 40 anos devido à precocidade na identificação da doença, ao aperfeiçoamento das técnicas laboratoriais, à utilização de modalidades terapêuticas efetivas para seu controle, como corticosteroides, antimaláricos e imunossupressores, e ao progresso das intervenções terapêuticas gerais com a utilização de drogas anti-hipertensivas, antimicrobianos e hemodiálise. Método Couberam a este estudo as opções metodológicas descritiva e exploratória, com abordagem quantitativa. Utilizando-se essa abordagem, os dados são analisados e interpretados por meio da expressão de símbolos numéricos (4, 6). A técnica de análise utilizada foi a estatística simples, com cruzamento de variáveis através de documentação direta pela pesquisa de campo. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto (CEP/HUPE) e registrado com o número 1.734 CEP/HUPE CAAE: 0022.0.228.000-07. A participação dos adolescentes no estudo foi precedida das respectivas assinaturas e de seus responsáveis no Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), respeitando-se as normas éticas e legais referentes às pesquisas com seres humanos, da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (3). Participaram da pesquisa 22 adolescentes portadores de lúpus pertencentes à faixa etária de 12 a 19 anos completos, e o estudo foi realizado no Ambulatório da Atenção Secundária do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA), no período de maio a outubro de 2007. Adolescência & Saúde volume 6 nº 2 agosto 2009

22 Figueirinha et al. Resultados e discussão Com relação à faixa etária dos adolescentes que responderam ao questionário, a maioria se encontrava em média com 15 anos (22,72 %), 17 anos (22,72 %) e 18 anos (22,72 %) de idade. Com relação ao sexo dos adolescentes envolvidos nesse estudo, houve predomínio do sexo feminino (86,36%), e apenas 13,63% eram do sexo masculino, confirmando a prevalência do lúpus em mulheres (8, 9). Do total de 22 adolescentes que preencheram o questionário, 16 estão estudando (72,7%), cinco não estão (22,72%) e um não informou (4,54%). Verificase pela leitura dos dados que os adolescentes possuem grau de escolaridade regular e contínuo, mesmo que ainda estejam em formação, ou seja, cursando os estudos, tanto no nível fundamental quanto no médio. Embora a conciliação da doença crônica com a inserção escolar pareça difícil, os dados anteriores revelam que a maior parte dos adolescentes entrevistados está estudando, mostrando que, mesmo diante das intercorrências clínicas ao longo da doença, eles não interromperam o seu ciclo escolar. A escolarização para o desenvolvimento intelectual dos adolescentes portadores de Lúpus tem relevância no aspecto em que se tornam mais preparados para conhecer a doença, suas complicações, os cuidados, a importância do uso das medicações e a manutenção do tratamento. As Tabelas 1, 2 e 3 mostram a distribuição dos adolescentes portadores de lúpus quanto ao conhecimento de seu diagnóstico, às modificações em seu Tabela 1 de lúpus quanto ao conhecimento de seu diagnóstico Qual é a doença? Somente LES 16 (72,73%) LES e ARJ 2 (9,09%) LES e SAF 1 (4,55%) LES e esclerodermia 1 (4,55%) Outras 2 (9,09%) Total 22 (100%) LES: lúpus eritematoso sistêmico; ARJ: artrite reumatoide juvenil; SAF: síndrome do anticorpo antifosfolipídio. Tabela 2 de lúpus quanto às modificações que ocorrem em seu corpo O que a doença faz com seu corpo? Dores em cabeça, articulações e em outros locais do corpo 12 Cansaço 2 Inchaço 5 Manchas e alterações na pele, no rosto e no resto do corpo Emagrecimento e engorda 1 Engorda 2 Queda de cabelo 1 Estria 1 Falta de apetite 1 Febre 1 Insônia 1 Ansiedade 2 Atinge os órgãos 1 Os meus anticorpos, ao invés de me protegerem, me atacam Tabela 3 de lúpus quanto ao meio pelo qual recebem informações sobre a doença Onde recebe informações sobre sua doença? 10 Televisão/rádio 2 Vídeos específicos 1 Livros/revistas/jornais 6 Palestras/aulas 3 Profissionais da saúde 18 Outros (internet, uma pessoa do convívio que tem a mesma doença) Não souberam responder 2 1 5 volume 6 nº 2 agosto 2009 Adolescência & Saúde

Figueirinha et al. 23 corpo e ao meio pelo qual recebem informações sobre sua doença. De acordo com os dados coletados, a maioria dos adolescentes sabe o seu diagnóstico, reconhece sinais e sintomas da doença e recebe informações sobre a doença pelos profissionais de saúde do serviço (Tabela 4). Tabela 4 de lúpus quanto ao seu conhecimento sobre tratamento e/ou cura para a doença Existe tratamento e/ou cura para a sua doença? Sim, tratamento 21 (95,45%) Não 1 (4,55 %) Total 22 (100%) A adolescência, por ser um período de busca de conhecimento, torna-se um momento adequado para investir na educação em saúde, com o propósito de multiplicar práticas saudáveis entre os jovens, pois eles são os melhores promotores de mudanças em seu próprio grupo social. O profissional que desenvolve atividades educativas em saúde deve estimular a participação ativa do adolescente e oferecer-lhe recursos para compreensão e aprendizado (1). Ao falar do tratamento, os jovens demonstraram conhecimento da terapêutica e de suas consequências, das drogas que recebem e dos efeitos colaterais, às vezes insuportáveis. Sob o olhar do adolescente, o serviço de saúde tem uma característica de dualidade, pois traz o sofrimento pelo afastamento de sua rotina de vida, mas também representa o espaço de cura no qual ocorre a tentativa de controlar o avanço da doença (2, 10) (Tabela 5). Tabela 5 de lúpus quanto ao comparecimento às consultas Você costuma vir às consultas agendadas? Sim 21 (95,45%) Não 1 (4,55%) Total 22(100%) Verifica-se na Tabela 6 que os adolescentes que participaram do estudo tiveram recidivas de internações. Sabe-se que as doenças crônicas levam a internações recorrentes devido a falha ou não-adesão à terapêutica. O lúpus, diferente de outras doenças crônicas, cujas manifestações são sempre evidentes, apresenta fases assintomáticas, nas quais os cuidados com a saúde tendem a ser negligenciados, numa postura culturalmente comum dos jovens de não-perseverança ante as medidas de prevenção secundária. Deste modo, tendem a procurar os profissionais da saúde somente em caso de muita necessidade clínica (5). Os profissionais da saúde devem orientar o adolescente, enfatizando que viver com lúpus significa aprender acerca da doença para poder conhecê-la e reconhecer seus processos de remissões e exacerbações, a fim de evitar reinternações. Tabela 6 de lúpus quanto às últimas internações Última internação Ano de 2003 1 (4,55%) Ano de 2005 4 (18,18%) Ano de 2006 8 (36,36%) Ano de 2007 8 (36,36%) Total 22 (100%) Conclusão Este estudo possibilitou identificar o conhecimento que o adolescente portador de lúpus inserido em um ambulatório especializado de um hospital universitário do Rio de Janeiro possui, evidenciando o que ele compreendem com relação a sua doença e seu tratamento. Sabemos que viver com uma doença crônica cuja instalação determina mudanças físicas, sociais e psicológicas, levando muitas vezes à hospitalização, é uma realidade com a qual o adolescente e sua família precisam aprender a lidar (11). Nesse sen- Adolescência & Saúde volume 6 nº 2 agosto 2009

24 Figueirinha et al. tido, a apropriação de conhecimentos sobre o lúpus e sua influência na vida do jovem e de seus familiares devem ser enfocadas pela equipe de saúde como aprendizado significativo para os pacientes. Mobilizar esforços para estabelecer assistência voltada ao desenvolvimento de saberes pode propiciar um repensar na relação dos pacientes com sua doença e em suas concepções relativas ao cuidado. Promover orientações coletivas em dinâmicas de grupo serve como suporte para a adaptação ao processo de adoecimento do adolescente portador de lúpus e para a formação de um grupo com características semelhantes. Tal afirmação permite concluir que é fundamental promover a construção de conhecimentos para a saúde por meio de práticas educativas que favoreçam a real compreensão do usuário adolescente acerca de sua doença, bem como a necessidade e relevância da adesão terapêutica para restabelecimento e manutenção de sua saúde. Após o desenvolvimento dessa pesquisa tornou-se claro que conhecer o paciente adolescente portador de lúpus em suas peculiaridades favorece o contato, a escuta e a formação de vínculo, de forma a propiciar melhor relação dos pacientes com a equipe de saúde. Essa aproximação entre profissionais e adolescentes estabelece uma via de mão dupla na qual os adolescentes podem dialogar sobre o que é viver nessa condição, retirar suas dúvidas a respeito de como conviver com a doença e compreender sua influência no cotidiano de sua vida. Para os profissionais, possibilita ampliar seu cuidado, minimizando a repercussão da patologia. Referências 1. Almeida IS, Rodrigues BMRD, Simões SMF. O adolescer... um vir a ser. Adolescência & Saúde (UERJ). 2007; 4: 24-8. 2. Almeida IS, Rodrigues BMRD, Simões SMF. Desvelando o cotidiano do adolescente hospitalizado. Rev Bras Enferm 2005; 58(2): 147-51. 3. Brasil, Ministério da Saúde/Fundação Oswaldo Cruz. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Brasília; 1996. 4. Marconi MA, Lakatos EM. Metodologia do trabalho científico. 4. ed. São Paulo: Editora Atlas. 2001. 5. Mattje GD, Turato ER. Experiências de vida com lúpus eritematoso sistêmico como relatadas na perspectiva de pacientes ambulatoriais no Brasil: um estudo clínico-qualitativo. Rev Latino-Am Enfermagem. 2006, 14(4). Disponível em: <http://www.eerp. usp.br/rlae>. 6. Pereira MG. Epidemiologia teoria e prática. 5ª reimpressão. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2001. 7. Ribeiro IB. O significado do câncer na adolescência: uma análise compreensiva por portadores de neoplasia. Dissertação. 152f. Rio de Janeiro: UERJ. 2002. 8. Sella EMC, Sato EI. Avaliação de fatores de risco coronário e dor torácica em lúpus eritematoso sistêmico. Rev. Bras. Reumatol. 2002; 42(3). 9. Sociedade Brasileira de Reumatologia. Artigo sobre lúpus eritematoso sistêmico juvenil LESJ. Disponível em: http:// www.reumatologia.com.br/lupus_juvenil.htm. Acesso em: 28 de ago de 2006. 10. Toledo TT. A assistência de enfermagem ao adolescente hospitalizado entre a perspectiva do cuidar e a expectativa de ser cuidado. Dissertação de Mestrado em Enfermagem. Rio de janeiro: UNIRIO. 2001. 11. Vieira MA, Lima RAG. Crianças e adolescentes com doença crônica: convivendo com mudanças. Rev Latino-Am Enfermagem. 2002; 10(4). Disponível em: <http://www.eerp. usp.br/rlae>. volume 6 nº 2 agosto 2009 Adolescência & Saúde