O GÊNERO CANÇÃO EM LIVROS DIDÁTICOS: ENTRE A LÍNGUA E A MEMÓRIA DO DIZER

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Transcrição:

O GÊNERO CANÇÃO EM LIVROS DIDÁTICOS: ENTRE A LÍNGUA E A MEMÓRIA DO DIZER Marieli Mietz (IC-Voluntária-UNICENTRO), Luciana Cristina F. Dias (Orientadora), e-mail: diaslucian@yahoo.com Universidade Estadual do Centro-Oeste/Departamento de Letras/Guarapuava, PR. Área: Linguística, letras e artes. Sub-área: Linguística Palavras-chave: Análise de Discurso, memória discursiva, livro didático, canções. Resumo: Neste artigo o nosso foco está direcionado para uma unidade do projeto Folhas (2º. Volume), tendo-se como base os pressupostos teóricos da Análise de discurso de linha francesa que considera a interdependência entre a língua e a memória (interdiscurso) na produção dos sentidos. Analisando a unidade Múltiplas significações do referido livro didático, foi possível observar que a canção emerge no livro na perspectiva fragmentária, além de que é tratada como elemento acessório. Apresentamos sugestões e encaminhamentos de leitura/trabalho com a textualidade das canções, sem perder de vista os sentidos em jogo que ligam a língua à história e à memória do dizer. Introdução Tendo em vista o papel do Livro didático no ensino de língua portuguesa, é valido compreender os movimentos de retomadas de sentidos sobre questões culturais à luz do gênero canção-comumente posto em cena em atividades ou como ilustração de um tema na literatura. A partir do jogo entre intradiscurso (formulação) que é da ordem do texto da canção e o interdiscurso (domínio da memória, do já-dito), nosso estudo tem como meta compreender como a canção emerge no livro didático, quais sentidos ela mobiliza e de que como a Ad produziria um espaço de novas reflexões frente a seu texto. Defendemos que o ensino da língua portuguesa não pode estar limitado a uma análise descontextualizada de elementos formais ou estruturais da língua. Há necessidade de o professor proporcionar espaços de discussões sobre a cultura, a memória, a identidade, atreladas ao ensino de língua materna. Dessa forma, procuramos compreender se, de fato, o livro didático, como ferramenta no trabalho do professor, tem proporcionado aos docentes a produção de atividades fundamentadas em uma abordagem integrada entre a língua, a cultura e a memória. Utilizamos a Análise de Discurso, em sua perspectiva francesa para compreender nosso corpus composto por atividades presentes em uma unidade extraída do projeto Folhas (Língua Portuguesa e Literatura), voltado para o Ensino

médio. Tendo-se em mente a temática Discurso enquanto prática social: oralidade, leitura, escrita, Literatura, o projeto foi produzido pela Secretaria de educação do Estado do Paraná dentro do programa PDE ligando professores da rede pública sob orientação de professores das Instituições de ensino superior do Estado. Vale ressaltar que a obra em questão é adotada em várias escolas públicas da região de Guarapuava e constitui uma textualização que, concretamente, participa da produção de sentidos em sala de aula, no espaço regional. Revisão de literatura De um ponto de vista discursivo (ORLANDI, 1990; SERRANI, 2005), é preciso entender a produção dos sentidos não a partir somente da linearidade da cadeia, mas também a partir da memória que atravessa o dizer, à luz da interdependência dos eixos intradiscurso (formulação, ordem do texto) e interdiscursivo (memória). Neste caso, estamos levando em conta a distinção de Pêcheux (1988) intradiscurso/interdiscurso para problematizar a dimensão do texto, neste caso, da canção posta em cena no livro didático como objeto simbólico que organiza a língua e faz ressoar um já-dito que, pelo funcionamento da memória, traz à baila dizeres outros, sustentando e legitimando um dado discurso. Serrani discute tanto a relevância da memória sócio-cultural ao se planejar e implementar a educação de línguas quanto à necessidade de se pensar que a língua é matéria-prima da constituição identitária. Assim sendo, conforme a autora para que a língua seja um bom instrumento é preciso considerá-la muito mais que um mero instrumento (SERRANI, 2005, p. 29). Compreendendo que a canção como texto, ao ser colocada no livro didático em uma atividade ou unidade, pode contribuir para uma compreensão da diferença e de processos de identificação/filiação a uma dada rede de sentidos, julgamos que a canção pode ser mais bem trabalhada e tratada não como elemento acessório, já que elementos de cultura e identidade que a canção mobiliza podem funcionar como molas propulsoras, emergindo como questões fundamentais a serem trabalhadas na escola. Resultados e Discussão 1. Unidade- Múltiplas significações: A canção explorada pela unidade do livro didático trata-se da canção A feira da banda O rappa, contextualizada a partir de um acontecimento em uma escola onde um aluno teria sido suspenso por conta de ter escolhido cantar A feira no show de talentos da escola. Louva-se a atividade ao inserir uma canção dentro de condições de produção específicas. Neste caso, houve também uma ligação da canção com o tema da polissemia em meio à leitura. Contudo, entendemos que neste

ponto o problema reside no fato de a polissemia ser compreendida dentro de uma perspectiva conteudística. Vejamos: Fragmentos da atividade: A elaboração da defesa do aluno K. exigiu que os alunos entrassem no campo da polissemia. O que é polissemia? Denotação e conotação Observe: 1- Comprei um bracelete de ouro. 2- A Chiquinha é uma menina de ouro. A que idéias a palavra ouro é associada em cada um dos casos acima? Na primeira frase, dizemos que a palavra ouro está empregada no sentido denotativo. Já na segunda, está no sentido conotativo A atividade, ao mobilizar a multiplicidade de sentidos, no caso da música A feira para a palavra ervas, assim como para a palavra ouro, nos exemplos de orações apresentadas na abordagem da unidade, não toma tais textualidades como um espaço em que as palavras produzem um sentido outro, levando em conta as condições de produção e a memória do dizer. Entendemos que o texto só produz sentidos se considerarmos a relação do texto com a história e a ideologia. Para a AD, a língua deve ser concebida como não transparente e, portanto, essa é lugar dos conflitos e da incompletude e, com isso, os sentidos sempre podem ser outros, dependendo do modo como são afetados pela língua, de como se inscrevem na história (Orlandi, 1999, p.47). Neste sentido, a erva cantada pelo Rappa pode se relacionar à exposição em feiras de ervas para chás e tratamentos de saúde ou até mesmo casas de produtos naturais ou supermercados, se pensarmos na erva como algo natural/fonte para a fabricação de chás, infusão e bebidas e não unicamente à erva-droga vendida em bocas de fumos ou outros pontos de vendas. Com efeito, se a palavra erva pode significar- produto natural, droga, produto-base para o chimarrão, tererê, produto para chás, isso depende do contexto de produção do discurso e da relação do texto com a memória. A unidade baseia-se na dicotomia denotativo e conotativo, de modo que os sentidos estariam presos à letra, como se não fossem produzidos por um percurso histórico. Tomando como base o papel do equívoco, numa visão discursiva, é válido entendê-lo não como erro, mas como possibilidade de o sentido ser outro, isto é, os pontos de deriva possíveis que são os deslizes, os efeitos metafóricos. Esse fato revela a maneira como os sujeitos são tomados diferentemente diante das coisas e a maneira como a memória intervém na ordem da formulação. Outra canção que serve para ilustrar a temática de que a polissemia é recurso de liberdade de expressão trata-se da canção Apesar de você, da autoria de Chico Buarque, a partir das perguntas que seguem:

Que leituras podem ser feitas da música Apesar de Você? Justifique essas leituras apontando trechos da música. Organizem um debate sobre o problema do início desse Folhas. Depois de terem aprofundado seus conhecimentos sobre a polissemia e o duplo sentido que as palavras podem ter, argumentem se o diretor tinha ou não razão para fazer a leitura que fez, e se a letra de A Feira, afinal, pode ou não ser lida como apologia ao uso de drogas. A discussão sobre a ditadura como contexto de repressão e censura apresentada antes da canção posta em cena é bastante superficial, não permitindo ao aluno compreender em que medida a expressão sintática apesar de você relaciona-se não somente à ditadura como também ao Presidente Médici. Ler um texto envolve compreender jogos de sentidos que ligam o dizer a um pré-construído. A atividade busca trabalhar a polissemia, sem pensar que a atribuição de sentidos só se faz a partir do papel da memória discursiva que estabelece relação com aquilo que já foi dito anteriormente e que afeta o modo como o sujeito significa em uma determinada situação discursiva. Como entender o jogo entre quem inventou esse estado/estado? Os sentidos não estão colados à letra, eles nos levam a pensar na equivocidade da palavra estado que remete tanto a estado do ser quanto a Estado brasileiro. Se há sempre um já dito que funciona como base para todos os outros dizeres e que permite identificar a filiação desses dizeres a uma memória, sua historicidade e seu comprometimento político e ideológico, faltou à atividade a consideração de que a polissemia envolve mobilizar o jogo entre o velho e o diferente. Assim, é possível, por meio da canção, a problematização de um já-dito que coloca o Brasil não como país alegre, cordial e não violento, mas como uma nação que foi marcada por regimes ditatoriais repressores e violentos contra os artistas e também contra o próprio povo brasileiro. Acreditamos que, conforme Fernandes(2007) [...] todo discurso é marcado por enunciados que o antecedem e o sucedem, integrantes de outros discursos. No caso da abordagem da ditadura, a unidade a toma ancorada no conceito de situação comunicativa (a ditadura é um momento histórico) e não no conceito de condições de produção. As condições de produção da ditadura são compreendidas a partir do já-dito, visto que tal situação é atravessada pelos sentidos outros, por uma história de enunciações, estando relacionada aos conflitos da sociedade. A música ao mesmo tempo que representa a ditadura como tristeza, pesar, submissão, escuridão (presente), projeta uma imagem de esperança, euforia, amor e festa para um dado amanhã que não é somente um novo dia, mas também uma nova ordem ou sistema (a abertura política). A unidade poderia ter realizado debate em torno da representação da liberdade e da euforia de um povo que canta e ama (a partir do artista como seu porta-voz). Assim, seria possível pensar: o que significa a liberdade para quem está no poder e para quem é perseguido?

Conclusões A significação nos textos das canções A feira e Apesar de você se torna algo interessante de trabalhar na medida em que o sentido migra, desliza e produz o novo. O sentido de erva não pode ser visto como ligado unicamente à imagem de drogas. A palavra, dependendo das condições de produção e do imaginário discursivo, pode derivar para outros sítios de significação a partir das representações de erva tomada como medicação, remédio, consumo cultural (chimarrão, tai indiano, chá inglês, tererê). Assim como, no caso da expressão Apesar de você, o pronome de tratamento você não trata somente da ditadura, mas de um político em especial, o presidente Médici. A unidade seleciona um tema relevante para o trabalho de leitura, como a polissemia. Mas a perspectiva adotada, de conceber o texto como conteúdo, ou seja, o sentido como evidente e natural, não permitiu um trabalho que ganharia, caso fizesse retornar sentidos que ligam o sujeito a formas de se significar e significar o outro. Seja a partir do consumo de um dado tipo de erva ou produto, seja a partir da representação da canção como lugar em que o sentido pode ser outro, vale destacar a necessidade de compreender o texto como lugar no qual a memória ganha corpo (ORLANDI, 2001), onde o sujeito resiste e existe. Referências FERNANDES, C. A. Análise do Discurso: Reflexões introdutórias. 2ª ed. São Carlos: Claraluz, 2007. ORLANDI, E. P. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. São Paulo: Pontes, 2001. ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 3ª ed. Campinas: Pontes, 1999. PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso. Campinas: Ed. da Unicamp, 1988. SERRANI, S. Discurso e cultura na aula de línguas. Campinas: Pontes, 2005.