UMA BREVE COMPREENSÃO SOBRE O DASEIN DE HEIDEGGER

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Transcrição:

UMA BREVE COMPREENSÃO SOBRE O DASEIN DE HEIDEGGER MARCUS VINÍCIUS GOMES DE ARAUJO - Graduando em filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). marcusvgaraujo@hotmail.com Resumo: O objetivo deste trabalho é mostrar a importância do Dasein na questão do ser de Heidegger. O Dasein é o ente mais importante para a compreensão de todas as coisas, é o caminho por onde devemos começar a questionar e a responder a questão sobre o ser, pois ele possui uma compreensão e uma pré-compreensão deste, e um modo de se relacionar com sua própria existência que não existe nos outros entes. Mas, afinal, qual é a questão do ser explicitada em Ser e tempo, e por que Heidegger decidiu trabalhar essa questão? Permito-me dividí-la em dois pontos: qual é o sentido do ser?; como ele se manifesta? (e não o que é? ). Através desses dois pontos Heidegger abriu caminho para que possamos ter uma nova compreensão sobre como somos, como vivemos e sobre a importância de nos mantermos abertos para a compreensão da questão resgatada por ele. Palavras-chave: Dasein. Fenomenologia. Ontologia fundamental. Ôntico. Abstract: The objective of this work is to show the importance of Dasein in Heidegger s question of being. Dasein is the most important entity for the understanding of all things, is the way by which we must begin to question and to answer the question about being, because he has an understanding of it - and a pre-understanding, and a way to relate to their own existence that does not exist in the other ones. But ultimately, what s the point of being explicit in Being and Time, and why Heidegger decided to work on this issue? Allow me split it into two points: what is the meaning of being?; how it manifests? (not what? ). Through these two points Heidegger paved the way for us to have a new understanding of how we are, how we live and the importance of keeping ourselves open to understanding the issue rescued by him. Keywords: Dasein. Phenomenology. Fundamental ontology. Ontic. Nº 6-02/2014

Introdução Martin Heidegger nasceu em 1889 na cidade de Messkirch, na Alemanha. No início de sua educação, que se deu na ordem jesuíta, estudou intensamente a filosofia, a cultura e a língua grega. Em 1907, recebeu de Franz Brentrano uma cópia de Sobre o múltiplo significado de ser em Aristóteles, que o levou para a questão do ser. Mas Heidegger só se aprofundou na questão após terminar seus estudos teológicos no seminário. Em 1913 Heidegger recebe seu Ph.D, e em 1915 sua habilitação - quando se tornou professor da Universidade de Friburgo. É lá que conhece Husserl, por cuja fenomenologia tem o pensamento fortemente influenciado. Heidegger foi assistente de Husserl de 1919 a 1923, e isso inaugurou o que muitos chamam de sua década fenomenológica. Quando Husserl se aposenta, em 1928, escolhe Heidegger para assumir seu lugar na Universidade de Friburgo como professor de filosofia, pois via nele o potencial para continuar suas investigações. Entretanto, ao ter contato com Ser e Tempo, que lhe fora dedicado, essa visão muda e Husserl diz que Heidegger teve uma má compreensão do que tratava a fenomenologia. Na perspectiva de Husserl, Heidegger tinha abandonado inteiramente as aspirações fenomenológicas de levantar e responder questões transcendentais para se tornar uma ciência rigorosa [...] (CERBONE, 2013, p. 66) A fenomenologia criada por Heidegger difere da de Husserl tanto em métodos como em resultados. De acordo com Cerbone: Se a tarefa da fenomenologia é explicar a estrututura da compreensão pré-ontológica do Dasein, então ele deve focar na atividade do Dasein, o que significa, por sua vez, que a fenomenologia não pode REVISTA LAMPEJO Nº 6-02/2014 201

proceder parentesando ou excluindo entidades. Em outras palavras, Heidegger enfaticamente rejeita a redução fenomenológica como o ponto de partida para a fenomenologia 1. Isso mostra que havia uma discordância crescente entre Husserl e Heidegger, que se completou em 1929. A fenomenologia de Heidegger e a importância do Dasein A fenomenologia de Heidegger busca ser uma fenomenologia fundamental, e traz o ser como a abertura de possibilidade para todas as coisas. Heidegger considera a questão do ser a mais fundamental dentro da filosofia, e decide resgatá-la, também, porque ela foi negligenciada por muito tempo pelo fato de ser considerada a indefinível, o conceito mais universal, ou mesmo como autoevidente. Essa questão inspirou Platão e Aristóteles em suas investigações, mas se perdeu com o tempo devido a essa negligência. Mas, resgatar essa questão traz para Heidegger um outro problema: por onde começar a responder tal questão? O lugar para começarmos a responder essa questão é em nós mesmos, mas esse nós mesmos de que falo, em Heidegger se apresenta como Dasein, que é composto de Da-, significando aí, e sein, significando ser. Cerbone descreve a resposta de Heidegger da seguinte maneira: O Dasein é o lugar para começar a responder a questão sobre o ser porque ele, diferente dos outros tipos de entidades, sempre tem uma compreensão do ser: entes humanos são entes para quem as 1 CERBONE, 2013, p. 72. REVISTA LAMPEJO Nº 6-02/2014 202

entidades são manifestas em seu modo de ser. Isso não significa que nós já temos uma concepção desenvolvida sobre o que é ser (se tivéssemos, haveria pouco para Heidegger e Ser e tempo realizarem), mas, em vez disso, nossa compreensão é em grande medida implícita e pressuposta, o que Heidegger chama de pré-ontológico. Uma vez que o Dasein tem uma compreensão do ser, ainda que implícita e não temática, Heidegger argumenta que a ontologia fundamental deve começar com a tarefa de interpretar ou articular essa compreensão pré-ontológica do ser. Fazer isso fornecerá uma primeira passagem para responder a questão do ser em geral, uma vez que compreender o Dasein, ou seja, o que é ser o tipo de ente que somos, pressupõe compreender o que compreendemos, ou seja, o ser 22. Eis aí o ponto de partida para todo questionamento e o lugar de todas as respostas dentro da fenomenologia de Heidegger, o Dasein. O Dasein é o único ente capaz de compreender a si mesmo, e essa compreensão se dá na medida em que é, em que exerce o seu existir. Ele é um ente ontológico porque traz em si o sentido de ser, e é pré-ontológico por já ter uma (pré) compreensão desse sentido, uma compreensão antes mesmo de poder teorizá-la, o que Heidegger chama de uma compreensão pré-teórica. O Dasein é o único ente a possuir um sentido, o único capaz de criar, desejar, construir, destruir, e tudo mais que demonstre sua total interação com a própria existência, o que não é possível nos demais entes. Há uma interação entre o Dasein e o mundo como uma relação de troca constante, onde um se apresenta para o outro a todo momento, e dessa troca a existência flui para todos os outros entes. Mas essa relação do Dasein com a sua própria existência, Heidegger descreve da seguinte forma: A presença não é apenas um ente que ocorre entre outros entes. Ao contrário, ela se distingue onticamente pelo privilégio de, em seu ser, isto é, sendo, estar em jogo seu próprio ser. (HEIDEGGER, 2013, p. 48) A fenomenologia de Heidegger não tem a intenção de falar sobre o quê das coisas, mas do como. Heidegger não tem a intenção de dizer o que é o ser, nem o que é o Dasein, mas como são, como se apresentam. É esse como que nos mostra toda a 2 CERBONE, 2013, p. 69. REVISTA LAMPEJO Nº 6-02/2014 203

complexidade do Dasein e sua importância para caminharmos para uma compreensão do ser. O Dasein lida com sua existência de forma totalmente jogada, onde tudo é possibilidade e nada está pronto. Sendo assim, tudo é possibilidade no sendo do Dasein. Como nada está pronto para a presença, ela só se compreende sendo/existindo. Tal compreensão de ser é em si mesma uma compreensão de ser do Dasein, como Heidegger descreve, e nenhum ente traz em si essa determinação. Isso já deixa claro a importância da presença na questão do ser. Tendo a compreensão de que nós, seres humanos somos o Dasein, o ser-aí, não nos importa, segundo a fenomenologia de Heidegger, o conteúdo que cada um possui, mas como esse conteúdo se apresenta através de cada um. É como se ouvíssemos uma música e disséssemos que sua letra não nos importa, pois, no fim, todas as músicas falam dos mesmos assuntos, mas o que nos importa é somente sua melodia. É assim com o Dasein. Todos temos o mesmo conteúdo, passamos, de certa forma, pelos mesmos problemas, mas cada um de nós tem um jeito próprio, temos uma forma que é só nossa, e é aí que está o segredo dessa relação Dasein-mundo que nos traz a compreensão de nós mesmos. Nós, enquanto seres-aí, nos relacionamos com o mundo de acordo com nossa forma, nosso jeito, e ao mesmo tempo, nos relacionamos com a forma de todos as outras pessoas. Todas essas relações nos trazem uma compreensão de nós mesmos justamente por conta dessa interação, pois somos obrigados a ser para o outro, e enquanto somos para o outro entendemos como somos. É justamente por isso que Heidegger diz que em nosso ser (sendo) está em jogo nosso próprio ser. Enquanto somos, nossa forma está em jogo, pois somos sempre para outro. Não podemos prever o que sai dessas relações, ainda que tenhamos intenções, nossas relações dependem de um outro e, assim, entramos no jogo Dasein-mundo, onde tudo é possível, e tudo depende de experiências. Chamamos existência (N2) ao próprio ser com o qual a presença pode relacionar-se dessa ou daquela maneira e com o qual ela sempre se relaciona de alguma maneira. (HEIDEGGER, 2013, p. 48) Temos aí a existência como um ente com o qual o Dasein se relaciona independente de qualquer coisa. Isso nos mostra que o Dasein está sempre se relacionando com o REVISTA LAMPEJO Nº 6-02/2014 204

mundo, isto é, sendo, independente de qual tenha sido a forma como escolheu ser. Mesmo quando está determinado a nada, o homem está se relacionando com sua existência e influenciando tudo ao seu redor. Daí temos que o Dasein é a própria expressão da existência. Toda a existência se expressa no fenômeno Dasein. Heidegger diz que a presença sempre se compreende a si mesma a partir de sua existência, de uma possibilidade própria de ser ou não ser ela mesma. (2013, p.48). Nesse momento Heidegger nos explica que a presença que é o mesmo que o Dasein é quem define/esclarece a questão da existência. O ser ou não ser ela mesma exposto por Heidegger no trecho citado, fala de ser com vontade de ser, de estar entregue àquilo que se é. Da mesma forma, o contrário também está contido nesse mesmo trecho, pois há a possibilidade de resignação, de apenas mover-se com as circunstâncias, sem objetivos claros e fortes. Dessa forma temos o Dasein como o ente que determina toda a investigação de Heidegger, sendo, portanto, o solo que possibilita toda a questão do ser. Mas e quanto aos outros entes? Aqueles que não possuem o modo de ser do Dasein? Esses são ontológicamente dependentes dele. Se a intenção de Heidegger é nos mostrar uma fenomenologia fundamental e o Dasein é o solo que possibilita toda a investigação heideggeriana, isso nos mostra que qualquer ente que não tenha o modo de ser do Dasein é determinado por ele. Como a compreensão de ser está somente no Dasein, pois, diferente de todos os outros entes, se compreende enquanto é, nele está a possibilidade de todas as outras ontologias. Não há nos outros entes o estar em jogo que há no Dasein, por isso não há a possibilidade de compreensão de si. Para esses entes tudo já está dado, e toda compreensão parte do Dasein para o Dasein, pois essa compreensão vem da interação com sua própria existência. REVISTA LAMPEJO Nº 6-02/2014 205

Considerações finais Ao retomar a questão do ser e nos apresentar o Dasein, Heidegger toca profundamente a compreensão que temos de nossa existência, e isso explica o motivo pelo qual temos, muitas vezes, uma visão mais humanizada do Dasein. Isso se dá pelo fato de sermos um ente, que por mais que nos diferenciemos dos demais, somos também uma efetivação do ser. É importante que fique claro que o ser de Heidegger não é um ente fora de nós, como o deus dos cristãos e tantos outros entes criados pela metafísica. Ele é uma abertura constante que se dá na própria existência, no sendo/existindo, no acontecer. Por isso não podemos dizer que o ser que Heidegger nos mostra é mais um ente que podemos descrever dizendo o que é, mas, podemos apenas dizer como se manifesta, e o único caminho para tal explicação é o Dasein. O Dasein é a própria abertura de possibilidade(s) do acontecimento, é o próprio fenômeno, o próprio aparecer do ser. Referências: CERBONE, David R. Fenomenologia. Tradução de Caesar Souza. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986. REVISTA LAMPEJO Nº 6-02/2014 206