ESTRATÉGIAS METACOGNITIVAS NA RESOLUÇÃO DE UM PROBLEMA DE OTIMIZAÇÃO COM APOIO DE UM OBJETO DE APRENDIZAGEM Gilmer Jacinto Peres 1 Instituto Federal do Norte de Minas Gerais gilmerperes@gmail.com Maria Clara Rezende Frota 2 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais mclarafrota@gmail.com Resumo: O presente artigo apresenta resultados de uma pesquisa de mestrado, conduzida com o objetivo de investigar as potencialidades do uso de um Objeto de Aprendizagem como ferramenta auxiliar no ensino presencial de Cálculo. Desenvolvido a partir dos referenciais teóricos da metacognição, segundo John Flavell, o Objeto de Aprendizagem objetivou estimular o desenvolvimento da autorregulação no processo de aprendizagem dos alunos. Nesse artigo é feita a análise do trabalho desenvolvido por uma das alunas que participou de um estudo empírico desenvolvido com 14 estudantes de um curso de Licenciatura em Matemática. Buscamos identificar estratégias cognitivas e metacognitivas que essa aluna mobilizou ao interagir com o Objeto de Aprendizagem e, ao mesmo tempo, avaliar esse Objeto enquanto instrumento de apoio à autorregulação da aprendizagem. Palavras-chave: Metacognição e autorregulação da aprendizagem; Objeto de Aprendizagem; Problemas de otimização. Introdução Segundo Balomenos, Ferrini-Mundy e Dick (2004) os conhecimentos de Geometria desempenham um papel importante na compreensão dos conceitos e resolução dos problemas de Cálculo Diferencial, são cada vez maiores os indícios de que as dificuldades de nossos alunos em cálculo se devem a uma formação deficiente em geometria. (p.241). Segundo esses autores, muitos problemas de aplicação de derivada envolvem a maximização ou minimização relacionada a áreas, perímetros, ou volumes de figuras geométricas. A partir dessa colocação e da constatação, a partir de nossa prática docente, relacionada às dificuldades dos alunos em lidarem com problemas de otimização que 1 Mestre em Ensino de Ciências e Matemática PUC Minas 2 Professora do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática 1
exigem conhecimentos geométricos, levantamos alguns questionamentos que orientaram a pesquisa aqui relatada. Como possibilitar a autorregulação da aprendizagem dos alunos no estudo de problemas de Cálculo, que envolvem conhecimentos de Geometria na determinação de máximos e mínimos de funções reais de uma variável? O uso de recursos tecnológicos adequados pode facilitar o entendimento e resolução de problemas de máximos e mínimos que envolvam conceitos geométricos, facilitando o processo de autorregulação da aprendizagem de Cálculo? Nesse artigo relatamos as estratégias da aluna Natália 3 ao utilizar um objeto de aprendizagem, elaborado com o objetivo de incentivar a autorregulação da aprendizagem e permitir uma retomada de conceitos de Geometria e Cálculo, na modelagem e resolução de dois problemas de determinação de máximos e mínimos. Tecnologias Computacionais no Ensino de Cálculo O ensino de Matemática, mediado pela Tecnologia Computacional, tem sido o foco de diversas pesquisas. Pinto e Kawasaki (2002) discutem as potencialidades relacionadas ao uso dessa tecnologia na aprendizagem de conceitos matemáticos relacionados ao Cálculo, evidenciando as possibilidades de explorações dinâmicas e animações que garantam a interatividade permitindo assim que os alunos explorem aspectos genéricos dos conceitos estudados. Kawasaki (2002) apresenta o desenvolvimento de applets como material adicional para o ensino de conceitos específicos do Cálculo, e relata que esses aplicativos possibilitam, pela sua característica, que os alunos alterem valores e parâmetros obtendo, como resposta, a visualização gráfica decorrente dessas alterações. Diferentes recursos em Tecnologia Computacional podem ser utilizados no ensino. Em particular, evidenciamos os softwares de geometria dinâmica, eles oferecem a 3 A aluna Natália autorizou o uso de seu nome. 2
possibilidade de interação com a construção e permitem que estas sejam exportadas para um ambiente em liguagem html na forma de applets. (PERES, 2009, p.72). Há hoje o incentivo ao desenvolvimento de objetos de aprendizagem que, no contexto da Ciência da Computação, são objetos digitais ou não digitais que podem ser usados e reutilizados no processo de aprendizagem por intermédio desses recursos tecnológicos. (IEEE/LTSC, 2004). No Brasil, a Secretaria de Educação à Distância do Ministério da Educação criou o projeto de Rede Interativa Virtual de Educação (RIVED), com o objetivo de criar e disponibilizar na internet, materiais que possam ser utilizados pelos professores. Souza Júnior e Lopes (2007) realizaram um estudo sistemático sobre como esses objetos de aprendizagem poderiam contribuir de forma a criar uma comunicação que seja produtiva entre professores e alunos. Ao descreverem os processos utilizados na construção de três objetos de aprendizagem, os autores chamam atenção para os cuidados na escolha da abordagem pedagógica, e relatam a necessidade de contínuas reformulações a partir das primeiras ideias propostas. Ramos e colaboradores (2006) desenvolveram uma experiência relacionada ao uso de objetos de aprendizagem no ensino da Matemática. Nessa pesquisa, os autores relatam as dificuldades relacionadas à aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral, apresentando uma análise da evasão de alunos em uma universidade brasileira. Segundo a análise feita, os cursos com os maiores índices de evasão são aqueles que envolvem a Matemática. Os autores sugerem que as dificuldades relacionadas ao ensino e aprendizagem do Cálculo podem ser minimizadas com o uso dos objetos de aprendizagem. Na elaboração de um objeto de aprendizagem é, pois, importante, estabelecer os objetivos educacionais e a forma como deve ser apresentado ao aluno. O Objeto de Aprendizagem que desenvolvemos tem como objetivo possibilitar a autorregulação da aprendizagem dos alunos na resolução de problemas de otimização. (PERES, 2009). Metacognição e autorregulação da aprendizagem 3
O conhecimento que uma pessoa possui sobre o seu próprio aprendizado é denominado por metacognição. A metacognição diz respeito à cognição acerca da cognição, ou seja, o conhecimento que o sujeito possui sobre qualquer iniciativa cognitiva que ele realiza. (FLAVELL, 1979; FLAVELL, MILLER E MILLER, 1999). Um aluno, ciente de suas limitações e dificuldades ao estudar determinado conteúdo, lança mão de estratégias que ele mesmo conhece para tornar esse aprendizado mais efetivo. Dessa forma, o conhecimento metacognitivo consiste em conhecer quais variáveis ou mesmo fatores podem afetar o curso das iniciativas cognitivas. Flavell (1979) relata que o monitoramento de uma ação cognitiva integra quatro classes de fenômenos: conhecimento metacognitivo, experiência metacognitiva, metas (ou tarefas) e ações (ou estratégias). O conhecimento metacognitivo compreende três categorias principais: pessoa, tarefa e estratégia. A categoria pessoa engloba os conhecimentos que uma pessoa tem sobre suas próprias habilidades e preferências para estudar e aprender. A categoria tarefa está relacionada à informação que está disponível para a pessoa enquanto realiza uma ação cognitiva. A categoria estratégia diz respeito a conhecimentos sobre quais as estratégias mais adequadas para realizar a contento determinada tarefa. Como exemplo, citamos um problema de Cálculo que envolve a determinação do seguinte limite: lim x 3 2 x 5x 6 x 3. Um aluno, sabendo que a função só não está definida para x=3, opta por fazer x=-3 para calcular o limite, em vez de fatorar o numerador dessa função e simplificar, antes de substituir o valor de x. A estratégia de fatoração seria a mais adequada se pretendesse determinar o limite da função racional dada, quando a variável x tendesse para x=3. Metodologia O objeto de aprendizagem elaborado foi utilizado para investigar formas de contribuir com o processo de autorregulação da aprendizagem dos alunos, demandando uma série de análises e discussões a respeito de sua estrutura e das ferramentas que deveriam ser disponibilizadas. Esse objeto de aprendizagem, disponibilizado em um site 4 4 www.gilmer.com.br 4
na internet, apresenta as seguintes características: o problema a ser resolvido pelo aluno na parte superior; na parte esquerda quadros com campos específicos que apresentam tópicos de ajuda. Esses tópicos podem ser acessados pelos alunos de acordo com o interesse e/ou necessidade dos mesmos e compreendem: verificação da validade da função modelada; ajudas para a leitura e compreensão do problema; applets de geometria que possibilitam fazer experimentações, especulando sobre a solução do problema; informações conceituais sobre o Cálculo Diferencial e um campo para a verificação da solução, conforme apresentado na Figura1. Figura 1: Estrutura do Objeto de Aprendizagem A pesquisa foi realizada em meados do primeiro semestre de 2009, com quatorze alunos do sexto período de um curso de Licenciatura em Matemática, de uma faculdade situada na região metropolitana de Belo Horizonte. As atividades foram desenvolvidas no laboratório de informática da instituição, durante as aulas de Cálculo Diferencial e Integral IV, que compreende o estudo das funções de várias variáveis, com estratégia didática para facilitar o estudo dos máximos e mínimos de funções de mais de uma variável. Os alunos tiveram cem minutos para utilizar os recursos do objeto de aprendizagem na resolução de dois problemas: 1) um retângulo deve ser inscrito em um triângulo com lados de comprimento 3 cm, 4 cm e 5 cm. Ache as dimensões do retângulo com a maior área; 2) uma caixa aberta deve ser feita com uma folha de metal de 3 cm por 8 cm, 5
cortando-se quadrados iguais dos quatro cantos e dobrando-se os lados. Determine a medida do lado desses quadrados, de forma que o volume da caixa seja o máximo possível. As informações disponíveis nos relatórios gerados pelo banco de dados do site foram salvas em planilhas eletrônicas. Nessas planilhas, programações prévias, realizadas a partir de relações estabelecidas entre suas células, permitiram a organização dos dados em tabelas, possibilitando a elaboração e a emissão de novos relatórios e gráficos, objetivando o tratamento das informações na compreensão e interpretação do uso desse objeto. Nesse artigo é a apresentada a análise dos dados coletados da aluna Natália, buscando identificar as estratégias metacognitivas que ela desenvolve, tendo como apoio o o objeto de aprendizagem para resolver os problemas propostos. Interações de Natália com o objeto de aprendizagem Natália inicia seu trabalho acessando o link compreensão textual do problema, link esse que objetiva levar o aluno a refletir a respeito do enunciado do problema. Natália responde as três perguntas propostas evidenciando compreensão sobre o que é solicitado. Em relação à primeira pergunta, sobre o que é inscrever um retângulo em um triângulo, ela respondeu: É desenhar um retângulo no interior de um triângulo, sendo que os vértices do retângulo estão sobre os lados do triângulo. (NATÁLIA). A segunda pergunta, sobre o que se entende por achar as dimensões do retângulo com maior área, ela destacou: É encontrar as dimensões do retângulo em que o cálculo de sua área seja o maior possível. (NATÁLIA). A terceira pergunta, sobre qual função deve ser maximizada, ela apresentou como resposta: Função área. (NATÁLIA). Essa aluna demonstrou ler e analisar os tópicos de ajuda do objeto, uma vez que gastou bastante tempo na consulta a cada um deles, conforme apresentado no Gráfico 1. Nesse gráfico, uma unidade no eixo do tempo representa um período de dez minutos. 6
Dessa forma, uma menor distância horizontal entre dois pontos consecutivos representa pouco tempo gasto no acesso ao link correspondente e maior distância entre os pontos representa maior uso do respectivo link. A ordem estabelecida para esses links, dispostos no eixo das ordenadas, foi a mesma em que eles aparecem no objeto. O Gráfico 1 evidencia que essa aluna procurou compreender as propostas de cada ajuda, bem como buscou uma interação com os applets. Gráfico 1: Tempo de permanência em cada link - Problema 1 Natália Fonte: Dados de pesquisa Flavell, Miller e Miller (1999) discutem metacognição como o conhecimento que uma pessoa possui sobre as iniciativas cognitivas que realiza. Natália demonstrou apresentar esse conhecimento sobre suas próprias estratégias, uma vez que fez uso racional e objetivo do objeto de aprendizagem. Ela pareceu ter escolhido de forma consciente os tópicos de ajuda necessários para a resolução do problema. Natália acessou principalmente os links que disponibilizam ajudas em geometria e sobre como escrever a função, como se observa no Gráfico 2. Gráfico 2: Sequência de links acessados no Problema 1 Natália Fonte: Dados de pesquisa 7
Balomenos, Ferrini-Mundy e Dick (2004) relatam que os alunos apresentam maior dificuldade em relação aos conceitos geométricos do que ao de Cálculo propriamente dito. Podemos entender que, para essa aluna, uma revisão em Geometria contribuiu para a correta modelagem da função e resolução do problema, uma vez que não viu a necessidade de rever conceitos de Cálculo. A aluna apresentou domínio dos conhecimentos que possui sobre suas próprias habilidades, o que Flavell (1979) classifica como categoria que integra o conhecimento metacognitivo. Ao usar o objeto de aprendizagem para resolver o segundo problema, percebemos que Natália lançou mão das mesmas estratégias utilizadas na resolução do primeiro problema. Novamente, a aluna consultou apenas os tópicos em geometria e não acessou as ajudas relacionadas ao Cálculo. As escolhas dessa aluna estão ilustradas no Gráfico 3. Gráfico 3: Sequência de links acessados no Problema 2 Natália Fonte: Dados de pesquisa O tempo de uso do objeto no segundo problema foi menor, mas, mesmo assim, Natália parece refletir sobre as informações presentes e interagir com os applets, uma vez que em cada link acessado, a aluna gastou uma média de 4 minutos, evidenciando uma interação com as opções disponibilizadas conforme pode ser observado no Gráfico 4. Gráfico 4: Tempo de permanência em cada link - Problema 2 Natália 8
Fonte: Dados de pesquisa Considerações Finais Analisando o desempenho da aluna Natália, podemos levantar a hipótese que, se os dois problemas tivessem sido apresentados para resolução sem o uso desse objeto de aprendizagem, ela talvez tivesse resolvido todos eles sem maiores dificuldades. Mas mesmo assim, a aluna avaliou de forma positiva o Objeto de Aprendizagem, afirmando que sua motivação para os estudos de Cálculo aumentou após o seu uso. Natália acessou poucos links, mas durante um tempo maior, o que é um indicador que essa aluna consegue regular suas ações ao resolver problemas matemáticos dessa natureza. Procurou os tópicos de ajuda que se referem aos conceitos geométricos do problema, como estratégia de recuperação de conceitos geométricos e resolveu os problemas, sem apresentar dificuldades relativas ao Cálculo Diferencial. O fato evidencia que essa aluna é capaz de autorregular suas ações, escolhendo os tópicos de ajuda mais adequados. Com relação ao objeto de aprendizagem desenvolvido, pretendemos uma reformulação de forma a inserir applets também para a abordagem dos conceitos de Cálculo Diferencial, uma vez que percebemos o pouco uso desses tópicos de ajuda na pesquisa, por parte não só de Natália, mas de muitos dos outros participantes da pesquisa. Com relação ao ensino de Cálculo, apontamos que a Tecnologia Computacional pode, quando bem explorada, contribuir de maneira significativa para uma melhor aprendizagem dos alunos. A utilização de um objeto de aprendizagem, com ênfase nos processos de aprender a aprender pode tornar os alunos melhores em suas estratégias de aprendizagem. Referências BALOMENOS, Richar H.; FERRINI-MUNDY,Joan F.; DICK,Tomas. Geometria: prontidão para o cálculo In: LINDQUIST, M.M; Aprendendo e Ensinando Geometria. São Paulo: Atual, 2004, p. 240-257. FLAVELL, J.H. Metacognition and Cognitive Monitoring. American Psychologist, v.34, n.10, 1979, p.906-911. 9
FLAVELL, John H.; MILLER, Patrícia H.; MILLER, Scott A. Desenvolvimento Cognitivo. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. IEEE, Learning Technology Standards Committee (IEEE/LTSC). IEEE Standard for Learning Object Metadata. Disponível em: <http://ltsc.ieee.org/wg12/> Acesso em: 15 mar. 2009. KAWASAKI, Teresinha F. Applets Java, um recurso visual no ensino interativo de cálculo diferencial e integral. In: CARVALHO, Luiz M.; GUIMARÃES, Luiz C (org.). História e tecnologia no ensino da matemática. v.1. Rio de Janeiro: IME-UERJ, 2002. p. 193-204. PERES, Gilmer J. Um objeto de apoio à aprendizagem auto-regulada em problemas de máximo e mínimo. 2009. 146f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte. PINTO, Márcia Maria F.; KAWASAKI, Teresinha F. Tecnologia e Ensino de Cálculo. In: CARVALHO, Luiz M.; GUIMARÃES, Luiz C (org.). História e tecnologia no ensino da matemática. v.1. Rio de Janeiro: IME-UERJ, 2002. p. 141-151. RAMOS, Adréia Ferreira (et al.) Uma experiência com objetos de aprendizagem no ensino da Matemática. UNIrevista. Vol.1. n.2 abril, 2006. SOUZA JÚNIOR, A. J. de; LOPES, Carlos R. Saberes docentes e o desenvolvimento de objetos de aprendizagem. In: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Objetos de aprendizagem: uma proposta de recurso pedagógico. Brasília: MEC, SEED, 2007. p. 7 15. 10