TEMPLOS PALEOCRISTÃOS EM PORTUGAL «Quando David se instalou na sua casa, disse ao profeta Natan: «Eis que habito numa casa de cedro e a arca da aliança do Senhor está debaixo de uma tenda. «Natan respondeu: «Faze o que o teu coração te inspirar, porque Deus está contigo.». São estes primeiros versículos do capítulo 17 do 1º Livro dos Paralipómenos, um diálogo havido entre o Rei David e o seu confidente Natan, que nos fazem depreender a necessidade de os crentes sentirem que a divindade deveria habitar numa «casa», material, durável e estável, à semelhança das suas. E foi assim que todas as civilizações, todas as religiões, cultivaram a sua arquitectura sagrada. O Templo de Jerusalém foi a referência da civilização Judaica e, porque não, também do Cristianismo, afinal fundado por um Judeu cumpridor das Suas tradições e zeloso pela «Casa do Pai», ao ponto de empregar a violência física para repor o respeito devido àquele local sagrado Ali também começaram por se reunir os primeiros cristãos, num dos vestíbulos interiores, o chamado dos gentios. Nos primórdios do Cristianismo não houve a preocupação de criar templos próprios, uma vez que o Deus dos cristãos era demasiado transcendente para estar confinado num espaço material. Segundo Santo Agostinho, no seu sermão 336, «a casa de Deus somos nós mesmos». Durante os seus três primeiros séculos, a Igreja, com as suas especiais celebrações litúrgicas, adaptava se fàcilmente aos espaços domésticos onde as assembleias de fiéis se reuniam, surgindo assim então as domus ecclesiae, as «casas da Igreja», generalizando se através dos tempos o vocábulo «igreja» a qualquer templo cristão acima de determinadas importância e dimensões.
As primeiras assembleias cristãs não foram mais que uma síntese do Templo de Jerusalém e das sinagogas dele derivadas: adaptações para a celebração da Palavra e um altar para o Sacrifício, agora incruento porque se tratava do Sacramento da Eucaristia. E era o altar o centro deste dispositivo litúrgico. Convertidos os imperadores romanos ao Cristianismo, com Constantino, os cristãos iniciaram, muitas vezes com o estímulo e patrocínio daqueles, a partir do século IV, uma época de imponentes construções destinadas ao culto, baseadas no modelo das «basílicas» civis, majestosos edifícios públicos onde funcionavam tribunais, bolsas de comércio e outros serviços. Predomina então, e através dos séculos seguintes até aos nossos dias, a planta da «basílica» (assim se passaram a designar também os templos cristãos) em forma de cruz latina alongada. O altar mantém se no centro, separando o clero, instalado na ábside, dos fiéis, reunidos na nave. Contudo, no Oriente e em alguns locais do Ocidente, prevaleceu a planta redonda, poligonal ou em cruz grega. A arquitectura sacra bizantina é dominada pelo plano centrado, e as suas cúpulas são o símbolo do Céu e da perfeição. Espero ter sintetizado devidamente o início global dos primeiros templos cristãos. Passemos agora a alguns casos portugueses. ESTADO DA IGREJA NA PENÍNSULA Idácio de Chaves (c. 390 c. 470) refere que O mais lamentável na Galécia, o fim da Terra, é o estado caótico da Igreja. Referia se ele ao arianismo e ao priscilianismo que prepararam de certa forma a invasão sueva. Braga sentiu de sobremaneira essa invasão, não tanto pelo número de vítimas mortais entre os romanos, mas pelo grande número de prisioneiros, expulsão de virgens consagradas, ainda que respeitando a sua virgindade, e desnudação pública de sacerdotes. Veio depois a destruição de basílicas e outros lugares santos, onde muita população se tinha refugiado, e a sua profanação, fazendo de tais lugares estábulos para as suas montadas e para os seus gados. Paulo Orósio, sacerdote natural de Braga, corrobora as descrições do seu contemporâneo galego Idácio, acrescentando que há valores que no extremo da terra habitada vão ruir. Como se já não bastasse a situação deplorável do clero, tudo agravado por uma subversão de escala de valores ocasionado por populações em fuga misturada com povos sem lei.
Mas houve conversões de reis, as Igrejas sueva e visigótica organizaram se e tudo parecia entrar na normalidade até ao século VIII, com a chegada dos Árabes muçulmanos. Desta vez houve mortandade, pilhagens e destruições; e apostasias em massa para salvação das proprias vidas. Das igrejas visigóticas pouco mais restou que algumas pedras dispersas, e se escapou algum edifício, sagrado ou não, foi porque se encontrava em local difìcilmente acessível ou percurso pouco utilizado. S. FRUTUOSO DE MONTÉLIOS
Este templete situa se no território da actual freguesia de Real, da cidade de Braga, e deve o seu nome ao facto de ter sido erigido num local que evoca um antigo culto pagão (o Monte Hélios, o Monte do Sol). Frutuoso era oriundo da actual província espanhola de Léon, e ter se ia instalado em Dume, depois de ter fundado vários mosteiros na zona ocidental da Península Ibérica, sendo nomeado bispo desta pequena mas importantíssima comunidade em
653. Três anos depois o Concílio de Toledo entregar lhe ia também o Arcebispado de Braga, quando já tinha fundado a comunidade monástica de S. Salvador de Montélios, que com o andar dos tempos passou a ser mais conhecida pelo nome do seu fundador. Quis este varão ser sepultado na igreja do mosteiro por ele fundado, e assim satisfizeram esta sua última vontade os fiéis que já em vida o veneravam como um santo. Quando em 716 os Árabes arrasaram a cidade de Braga, este mosteiro manteve se milagrosamente intacto, mas já em 832, ainda devido à presença árabe, os monges resolveram refugiar se em Lugo, cidade mais segura. A igreja do mosteiro teria então passado a paroquial, mantendo o nome de S. Salvador de Montélios. Mas o que não passou pela cabeça dos mouros fizeram no os primeiros Frades Menores que chegaram a Braga e se instalaram no antigo mosteiro, reconstruído em 1522 por D. Diogo de Sousa: quiseram uma igreja nova e mais espaçosa (a actual igreja paroquial de Real) e para isso, em 1728, destruíram parte do antigo templo visigótico! A planta deste edifício baseia se nas construções de Bizâncio e de Ravena. Todo o espaço diminuto, rodeado de arcos e colunas e iluminado por uma luz extremamente velada, era o propício ao desempenho da liturgia hispânica da época. S. TORCATO GUIMARÃES Aqui existiu um templo visigótico e um mosteiro, de que se desconhecem as respectivas datas de fundação. A igreja já era referida no ano de 951, embora date de anos anteriores, e D. Afonso Henriques deu Carta de Couto ao mosteiro em 1173. De tudo isto resta um complexo arquitectónico constituído pela igreja paroquial, pelo que resta do mosteiro e respectivo claustro, e por uma pequena capela encostada à igreja paroquial, independente que foi desta e que teria sido o martyrium, onde foi recolhido inicialmente o corpo de S. Torcato. Este martyrium teria sido abandonado em virtude de a afluência cada vez maior de devotos requerer uma capela maior, a hoje chamada «capela de Santo António», ligada ao interior da igreja.
É difícil concluir se se o martyrium é uma construção visigótica, dado encontrar se revestida de azulejos. No entanto, na decoração de algumas paredes, nota se o aproveitamento de pedras decoradas com motivos vegetalistas e geométricos. CATEDRAL DE IDANHA A VELHA
A diocese de Idanha foi criada no 1º Concílio de Braga, no tempo do rei suevo Teodomiro. Foi sufragânea da Arquidiocese de Braga até à chegada dos visigodos, passando então a depender de Mérida. Após a destruição pelos muçulmanos em 713, a diocese foi restaurada no tempo de D. Sancho I, mas a sua sede mudou, em 1199, para a cidade da Guarda. O primeiro templo deve ter sido edificado antes da criação da diocese, talvez no século IV, mas foi engrandecido no tempo dos visigodos, como o demonstram arcos em ferradura e esculturas típicas da época ali descobertas.