A PAISAGEM COMO PODER E O PODER DA PAISAGEM: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO EM QUISSAMÃ/RJ Ítalo Freitas Rocha tito.geografia@hotmail.com Fabio Neto Pereira nfbionetopereira@yahoo.com Linovaldo Miranda Lemos lino.m.lemos@gmail.com INTRODUÇÃO Esta pesquisa tem a paisagem como objeto de análise, centrando-se no município de Quissamã, que se localiza no Norte Fluminense do estado do Rio de Janeiro. O município, que surge na metade do século XVII, quando os sete capitães receberam do governador Martin de Sá as terras entre o rio Macaé e o Cabo de São Tomé. Foi reconhecido por ter recebido e hospedado o imperador D. Pedro II e sua comitiva em 1847 em visita oficial aquela região e, novamente, em 1877, para inauguração do Engenho Central de Quissamã. Figura I: Cartograma com a localização de Quissamã/RJ. Elaboração própria por meio do Corel Draw.
O município teve grande êxito no século XIX como produtor de açúcar. Foi neste período também que seu, atualmente conhecido, patrimônio histórico cultural começou a ser estruturado. Solares, engenhos, senzalas, casarões, igreja, capelas e mesmo as suntuosas palmeiras imperiais, símbolo da visita de D. Pedro II. Este patrimônio é a marca deixada de tempos pretéritos que demonstram características de sua época, forma de vida, cultura, religiosidade e etc. Essa marca possui um sentido que implica toda uma cadeia de processos físicos, mentais e sociais na qual a paisagem desempenha um papel central (BERQUE: 2004, p. 88). Na década de 1980, com a chegada da economia do petróleo na região, o município de Macaé, do qual Quissamã era distrito, tornou-se um grande polo de arrecadação de royalties, que se tornaram força motivadora para que Quissamã fizesse um plebiscito em 12 de junho de 1988, que confirmou ampla aceitação popular para o encaminhamento de documentação solicitando sua emancipação, oficializada em 4 de janeiro de 1989, com a criação do município. Os royalties representam a maior arrecadação do município, desde a emancipação até os dias de hoje 1, porém, foi também a partir da emancipação que o potencial turístico, sobretudo por seu patrimônio histórico-cultural e suas potencialidades naturais, também se tornaram alvos para exploração financeira. Para a exploração turística de um patrimônio arquitetônico é necessária uma serie de processos para valorização do mesmo, que varia desde revitalização dos prédios, perpassando por levantamento de dados históricos, políticas públicas que viabilizam essas ações pelo poder municipal. Todo este processo gera um efeito sobre os munícipes, afinal, revitalizar um patrimônio de outro tempo e reintroduzir na vivencia do município é ressignificar, dar um novo valor as marcas expressas na paisagem. 1 O município de Quissamã possui, além dos royalties, uma expressiva produção agrícola como o plantio de coco, abacaxi e aipim. Quissamã é o maior produtor de coco do estado do Rio de Janeiro. (ALMEIDA 2009)
E segundo a concepção de Augustin Berque, a paisagem é marca, ou seja, aquilo que pode ser inventariado, quantificado esteticamente, são as formas e conjuntos de formas na paisagem. Mas, a paisagem também é matriz, imbuída de significados, para quem a vivencia, portanto a matriz guia de que forma eu emprego meu olhar, a consciência, a experiência, a estética, a moral e a política (BERQUE 2004, p 85-87). Assim, entende-se que as coisas não estão no lugar aleatoriamente, elas têm um sentido. Em Quissamã, é claro esse efeito, temos um patrimônio estruturado no século XIX (paisagem marca), que possuía um significado naquele momento histórico (paisagem matriz). Algumas construções permaneceram até hoje na paisagem, e com os eventos já citados acima, ganharam uma nova funcionalidade, uma nova matriz. Figura II: Museu Casa Quissamã. Antiga casa da Fazenda que abrigou D. Pedro II, hoje museu. Imagem retirada de folder institucional. METODOLOGIA E OBJETIVO
Como já dito anteriormente, segundo a ideia de paisagem marca e paisagem matriz de Berque, existem simbolismos impregnados na composição paisagística do espaço. É na paisagem que se materializa as formas da existência de uma comunidade, é a concretização das ações e representações sociais, da vivência e a vivencia dos sujeitos atrelados ao lugar. Segundo Denis E. Cosgrove: A paisagem está intimamente ligada à cultura, e a ideia de que as formas visíveis são representações de discursos e pensamentos. A paisagem aparece como um lugar simbólico. A paisagem se faz através da criação de uma unidade visual onde o seu caráter é determinado pela organização de um sistema de significação (COSGROVE 1998) apud BRITTO 2011, p 8) Em Quissamã é possível perceber claramente outro fenômeno no espaço, a rugosidade, que segundo Milton Santos é a junção de objetos do passado e do presente que passam a coexistir no momento atual (SANTOS apud BRITTO 2011, p 8). Logo, temos uma série de construções do século XIX que divide espaço com outras mais recentes. Outro fato sobre a paisagem em Quissamã é que existe uma difusão do seu patrimônio que é feita principalmente através de material iconográfico (folders de museus, cartazes de eventos e propagandas institucionais). Essa divulgação é feita, sobretudo com subsídios do poder publico municipal. Um dos desafios deste trabalho visa compreender as intencionalidades na difusão deste patrimônio. Já que a paisagem é caracterizada como concretização de uma identidade de um determinado local, ela também poderia ser usada como ferramenta para criar uma identidade quissamaense pautada no seu patrimônio cultural arquitetônico? E havendo intervenção do poder publico municipal, existe uma intencionalidade política? Seria uma forma de garantir e/ou fazer manutenção de uma classe hegemônica? Estes questionamentos embasam e motivam o andamento deste trabalho. Para alcançar esse objetivo foi utilizada de uma metodologia de analise sobre o material iconográfico fornecido gratuitamente em pontos das cidades, seja nos museus,
escolas, pontos turísticos, eventos e etc. A metodologia baseia-se nos conceitos de intrasignificação e extrasignificação propostas por de Denis Wood. Esta é originalmente aplicada a mapas, onde a intrasignificação é aquilo que o mapa explora, opera ao nível da linguagem e ao nível das marcações, ou seja, a materialidade expressa. A extrasignificação opera fora do mapa, funcionando com uma espécie de suporte dos atributos de autoridade, os códigos que se apropriam do mapa (WOOD, 1986). Em uma simplificação intrasignificação corresponde ao design do mapa e extrasignificação corresponde à passagem em que o mapa é injetado para a sua cultura. Para o andamento da pesquisa, o conceitos de intrasignificação e extrasignificação, não serão aplicados em mapas, mas nas imagens de divulgação turística, sobretudo naquelas divulgadas nos materiais oferecidos pela prefeitura. A proposta é debater a utilização das imagens como aporte de divulgação de uma ideia que transcenda o mero olhar. Ou seja, quais informações estão sendo passadas através do material iconográfico? É preciso perceber a informação é interpretada também no campo das ideias, no cultural e não fica apenas no olhar. A imagem acarreta mais que uma mera representação da paisagem, ela pode ser usada como ferramenta para atrair atenção para os pontos fortes do lugar, mascarando os pontos negativos, ou aqueles que desvalorizariam a atração turística. É possível, através de angulações, tratamento e alterações fazer com que estas imagens levem aos observadores uma versão superestimada da realidade. É neste momento que a metodologia vai servir de ferramenta de analise, já que o material iconográfico funciona como forma de imbuir ideias, tornando-se uma linguagem indireta, e muitas das vezes modificada, sobre a paisagem. Com a intrasignificação será possível analisar o design, a estética, qual a porção da paisagem expressa e qual a linguagem, e consequentemente, de que forma a paisagem é vendida. Já a extrasignificação servirá para analisar os efeitos que a linguagem causa no individuo, como essa informação atrai e constrói a percepção desta mesma paisagem. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho já efetuou levantamento de materiais iconográficos, já passou pelo processo de levantamento bibliográfico. Já se estruturou e se embasou teoricamente. Um trabalho de campo em visita ao patrimônio histórico cultural foi feito. Iniciando agora a fase de analise sobre o material iconográfico. A paisagem com toda sua riqueza guarda em si mais do que os olhos podem perceber, existe uma ligação bem tênue entre as construções humanas e seu caráter psicológico, cultural... A paisagem que será analisada por este trabalho é cercada, não só de símbolos, mas também de poder, seja político, pela potencialidade do turismo cultural, seja poder moral, dando as classes hegemônicas de Quissamã domínio sobre este patrimônio. O que sempre deve ser lavado em consideração é que a paisagem é o que a vista alcança, como diz Milton Santos (1988, p. 61), mas é também formada pelo que não se vê com apenas um olhar. Logo a paisagem é composta não apenas por aquilo que está à frente de nossos olhos, mas também por aquilo que se esconde em nossas mentes (MEINIG apud NAME 2010 p. 164). O poder da paisagem está muito mais escondido por entre seus meandros culturais do que, de fato, por suas formas físicas reais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA, Raquel do Nascimento. O complexo Agroindustrial do coco no município de Quissamã/RJ: Uma análise das disparidades entre o grande e o pequeno produtor. In: V Encontro Nacional de grupos de pesquisa/ufsm. Santa Maria 2011. BERQUE, Augustin. Paisagem-marca, paisagem-matriz: elementos da problemática para uma geografia cultural. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (Org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: UERJ, 1998. p. 84-90. BRITTO, Monique de Castro. Paisagens e as diferentes abordagens geográficas. Revista de Geografi a - PPGEO - v. 2, nº 1. Juiz de Fora: UFJF, 2011.
CASTRO, Demian Garcia. Patrimônio e Geografia: tecendo relações a partir do município de Quissamã/RJ. Instituto de Geografia Universidade Federal de Uberlandia, UFU Laboratório de Geografia Agraria LAGEA: Uberlandia 2006. NAME, Leo. O conceito de paisagem na geografia e sua relação com o conceito de cultura. Disponivel em SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: HUCITEC, 1988. WOOD, Denis; FElS, john. Designs On Signs / Myth And Meaning In Maps, Cartographica, 23:3, University of Toronto Press: 1986