Revista Brasileira de Ensino de Físia, v. 26, n. 4, p. 359-363, (2004) www.sbfisia.org.br Como o potenial vetor deve ser interpado para revelar analogias entre grandezas magnétias e elétrias (How the vetor potential is to be interped in order to reveal analogies between magneti and eletri quantities) G.F. Leal Ferreira Instituto de Físia de São Carlos, São Carlos, SP Reebido em 07/08/2004; Revisado em 7//2004; Aeito em 8//2004 Mostra-se a partir dos poteniais de Liénard-Wiehert que o potenial vetor pode, em geral, ser expresso omo produto do potenial esalar e da veloidade da arga que o ria, onstituindo-se omo se fosse uma espéie de vento de potenial. Mostra-se daí omo uma erta analogia existente entre grandezas magnétias e elétrias pode ser entendida. Palavras-have: potenial vetor, potenial esalar, poteniais de Liénard-Wiehert, relação entre poteniais elétrios. Starting from the Liénard-Wiehert potentials, it is shown that the vetor potential an always be expressed as a produt of the salar potential and the veloity of the harge reating it, looking like a kind of potential wind. From that, it is shown how a ertain existing similarity between magneti and eletri quantities may be understood. Keywords: vetor potential, salar potential, Liénard-Wiehert potentials, relation between eletrial potentials.. Introdução Embora a Eletrostátia se iniie pelo estudo da arga pontual, as distribuições de arga são logo popularizadas afim de se ter aesso a várias situações de interesse. E quando os fenômenos não estaionários são depois abordados, as expressões dos poteniais de distribuições volumétrias são tomadas omo ponto de partida, onvenientemente generalizadas para inluir o efeito de ardo, gerando os poteniais ardados nos quais se toma em onta o tempo de propagação da ação do elemento de arga ao ponto onsiderado, om a veloidade da luz. Dos poteniais ardados, por um proesso limite, hega-se aos poteniais de uma arga pontual em movimento -os poteniais de Liénard-Wiehert (L-W) -, que não são simplismente os poteniais ontados a partir da posição ardada da arga, pois devem ser orrigidos por uma fator bem onheido, que hamamos de paralaxe inétia, [-4] (ver seção 3). Propuzemos há pouo [5] obter os poteniais de L-W diamente da onsideração da arga em movimento. Os poteniais desta seriam naturalmente os poteniais devido à posição ardada da arga, justifiando o fator de paralaxe inétia aima menionado por setem os poteniais grandezas propagadas e, omo tais, sujeitas a efeito do tipo Doppler, devido ao movimento da arga em relação ao ponto do espaço em onsideração. Aquí, propomos voltar a onsiderar, omo elemento básio de análise de um sistema dinâmio de argas, as argas pontuais em movimento (e não as densidades de arga e orrente). Aonteerá então algo bastante interessante nesta desrição a partir das argas. Enquanto que na linguagem dos poteniais ardados o potenial vetor parae ter um papel primordial via a hamada ondição de Lorentz, o oposto oorrerá aquí, na qual o potenial vetor será visto omo uma grandeza satélite do potenial esalar - omo Enviar orrespondênia para G.F. Leal Ferreira. E-mail: guilherm@if.s.usp.br. Copyright by the Soiedade Brasileira de Físia. Printed in Brazil.
360 Ferreira uma espéie de vento do potenial esalar -, e permitirá mostrar a velada semelhança entre as grandezas elétrias e magnétias, o que é muito relevante didatiamente. 2. A ondição de Lorentz É bem onheido [-4,6] que os poteniais ardados, esalar Φ( x, t) e vetorial A( x, t), estão relaionados pela ondição de Lorentz, sendo a veloidade da luz,. A( x, t) + Φ( x, t) = 0 () t relação essa uja origem pode ser traçada à equação da ontinuidade existente entre suas fontes, as densidades de orrente e de arga [2]. Como uriosidade história, menionamos que B. Riemann deduziu, no ontexto de sua teoria, uma equação omo a Eq., interpandoa om os oneitos da époa da seguinte maneira [7]: omo uma equação de ontinuidade, em que Φ representaria a densidade de éter e A sua densidade de orrente. 3. Os poteniais de Liénard-Wiehert Os poteniais Φ( x, t) e A( x, t) de uma arga pontual q, om veloidade v,os poteniais de Liénard-Wiehert, são [ ] Φ( x, t) = q (2) A( x, t) = q ou seja, podemos esrever [ v r ) r ) A( x, t) = qφ( x, t) ] [ ] v (3) (4) em que r = x x, sendo x a posição da arga q, e [ ] indiando que as grandezas no interior do olhete devem ser aluladas na posição e tempo ardados. φ( x, t) na Eq. 4 é o potenial por unidade de arga, Φ( x, t) = qφ( x, t) (5) A Eq. 4 mostra laramente haver uma relação dia entre Φ = qφ e A, o potenial vetor sendo uma espéie de vento de potenial esalar, om sua veloidade medida em termos da veloidade da luz. Isto exploraremos no que segue. Note-se que φ( x, t) na Eq. 4 inlui no ardo o termo de paralaxe, isto é, não é puramente do tipo oulombiano.como já foi dito, propusemos em [5] atribuir os poteniais L-W, Eqs. 2 e 3, diamente à posição ardada da arga, orrigida por efeito do tipo Doppler, e paralaxe inétria, devido ao movimento da arga em relação ao ponto do espaço em questão, mas o que fazemos a seguir depende somente da aeitação das Eqs. 2-4. É bastante trabalhoso mostrar diamente que os poteniais nas Eqs. 2 e 3 satisfazem a Eq., devido em espeial à dependênia de x em x e t. Embora as expressões desenvolvidas em [8] ajudem nessa tarefa, preferimos evitá-la e para isto preparamos o terreno na próxima e na seção 5 voltaremos a esse ponto 4. Os poteniais instantâneos e a ondição de Lorentz Tomemos agora os poteniais instantâneos, Φ i ( x, t) que definimos das Eqs. 2 e 3 desprovendo-as do ardo (mas mantendo o termo de paralaxe), Φ i ( x, t) = qφ i ( x, t) = q r ) (6) A i ( x, t) = q v r ) (7) Mostraremos que a ondição de Lorentz, Eq., se torna uma identidade para este aso. Para os poteniais instantâneos, Φ i ( x, t) e A i ( x, t), sendo Φ i, e naturalmente φ i, funções de ( x x (t)), podemos esrever a Eq. 4 omo ou definindo A i ( x, t) A i ( x, t) = qφ i( x, t) v(t) (8) A i ( x, t) = A i ( x, t) = qφ i ( x, t) v(t) (9) Em primeiro lugar ahemos a divergênia de A i ( x, t) = qφ i( x, t) v(t). Ela é.(φ i ( x, t) v(t)) = φ i ( x, t). v(t) (0) Por outro lado a derivada parial em relação ao tempo de φ i ( x, t) é φ i ( x, t) t = φ i( x x (t)) t = φ i ( x, t). v(t) ()
Como o potenial vetor deve ser interpado para revelar analogias entre grandezas magnétias e elétrias 36 tornando a ondição de Lorentz uma identidade para os poteniais instantâneos, válida para todos os pontos x e todos os tempos t. Note-se que nos poteniais instantâneos, o ardo foi desprezado mas o efeito de paralaxe foi mantido. Pode-se obter uma aproximação em que ambos os efeitos são onsiderados e válida até a ordem de v 2 / 2 e de ar/ 2, sendo a a aeleração da arga e r a distânia à arga, [8-0] (ver seção 8). 5. A validade da ondição de Lorentz para os poteniais L-W no tempo atual Retomemos o aso da validade da Eq. para o tempo atual dos poteniais L-W, Eqs. 2 e 3. Na Fig., x (t ) é a posição ardada em relação ao ponto P, de posição x. Os poteniais instantâneos que seriam riados pela arga q quando situada em x (t ) satisfariam as Eqs. 0 e para todos os pontos do espaço no tempo t, inlusive no ponto P. Isto nos permite onluir que os poteniais L-W também satisfazem a Eq. no tempo t, embora ada posição x requera uma posição ardada x (t ) diferente. Na maioria dos asos prátios o ardo também pode ser desprezado, e a Eq. 5 se simplifia para A i ( x, t) = qφ ( x, t) v(t) (2) em que φ é do tipo oulombiano. arga, A = q j φ j [ v j ] (3) j omitindo-se por brevidade a dependênia em x e t. No aso de distribuições estaionárias de orrente, em que uma arga é a todo instante substituida por outra de igual veloidade em ada ponto, pode-se presindir de aompanhar seu movimento em relação ao ponto onsiderado, e os poteniais φ j serão os poteniais unitários de pontos da distribuição em relação àquele ponto. Usualmente o ardo e a paralaxe podem ser ignorados, Eq. 2, e a Eq. 3 vai na expressão usual do potenial vetor A( x, t) = ρ(x ) v(x )φ( x x )dv = j( x )dv x x (4) em que ρ e j são a densidade arga móvel e de orrente. Note-se que a relação entre o potenial esalar e vetorial de ada arga móvel ontinua valendo, omo india a passagem intermediária, mas esta identifiação detalhada perde visibilidde na expressão usual à direita na Eq. 4. Note-se também que no aso de distribuição de orrentes neutras, o potenial esalar se anela pela presença de argas positivas imóveis neutralizando as negativas móveis, deixando omo únia ação a do vento de potenial. Como é sabido, a Eq. 4 gera a Lei de Biot-Savart e a velada semelhança entre ela e a Lei de Coulomb é ompreendida. 7. O ampo de indução magnétia Voltemos à arga em movimento e alulemos primeiramente a induçã o magnétia instantânea, B i ( x, t). Ela, pela Eq. 8, será B i ( x, t) = A i ( x, t) = (Φ i( x, t) v) = Figura - x (t ) é a posição ardada da arga q, om veloidade v(t ), em relação ao ponto P em x, no tempo t 6. Sistema de argas e orrentes Se várias argas q j om diferentes veloidades v j agem no ponto x,om poteniais unitários φ j, o potenial vetor total será a soma dos poteniais vetores de ada ( Φ i( x, t)) v(t)) (5) em que simboliza o produto vetorial. Se agora o ardo é onsiderado, teremos, por argumento semelhante ao usado na seção V, justifiando a validade da ondição de Lorentz para os poteniais L-W, o seguinte. Pode-se ver, Fig., que om a arga em x (t ), a Eq. 5 valeria para todos os pontos do
362 Ferreira espaço em torno de x (t ) no tempo ardado t, inlusive no ponto P. Conluimos então que podemos esrever para o valor atual da indução, B( x, t), de uma arga em movimento, em geral, B( x, t) = [( Φ( x, t)) v(t)] (6) Na aproximação usual em que o ardo e a paralaxe são desprezados valerá B( x, t) = ( Φ( x, t)) v(t) (7) om generalização imediata para o aso de iruitos, na lei de Biot-Savart. 8. A indução eletromagnétia Para se ter aesso ao estudo da indução eletromagnétia é neessário usar a aproximação menionada no fim da seção IV, na qual resulta o potenial vetor ser ainda dado pela Eq. 2 [8-0]. Conluimos então que a indução eletromagnétia, A/ t, riada por um iruito no qual a orrente é variável, é ausada pela aeleração de suas argas móveis []. 9. Considerações finais Muitos onsideram o Eletromagnetismo Clássio omo obra terminada. Isto seria literalmente verdadeiro se nada restasse para ser entendido. Mas esse não é aso, na nossa opinião. Há em primeiro lugar o problema da preedênia entre os ampos de força, elétrio e magnétio, e seus poteniais [0]. Aontee que estes últimos obedeem a leis ausais de propagação o que os torna mais onfiáveis fisiamente. Mas por que o alibre de Coulomb [] funiona às vezes tão bem? Há também a questão de o sistema gaussiano de unidades pareer ser o sistema mais apropriado para expressar as relações eletromagnétias, evitando o uso das permitividades elétria e magnétia do váuo, que não se sabe exatamente o que signifiam (apesar da popularidade do sistema MKS). Mas o papel que, veloidade da luz, joga no sistema gaussiano também não é laro. Às vezes se diz que a Teoria da Relatividade explia a sua presença, mas note-se que o fator aparee em ada sistema de oordenadas. Na formulação do Eletromagnetismo pela Álgebra Geométria [2,3], formulação esta extremamente ompata, aparee o operador ( + t ), indiando uma orrelação fundamental entre o espaço e o tempo no interior de um únio sistema de oordenadas. No séulo XIX hegou-se a pensar que para se ompreender realmente a Natureza, as teorias físias destinadas a expliá-la deviam ser suseptíveis de uma interpação meânia, garantidora de sua inteligibilidade. Com o advento da Teoria da Relatividade, quando as tensões do éter desapareeram, houve um movimento em sentido oposto, prourando-se evitar qualquer traço de expliação meaniista. Quanto à relação entre os poteniais vetorial e esalar expliitada aquí, -aquele uma espéie de vento deste-, esperamos que, embora the limits to allowable heterodoxy in siene are soon reahed (talvez mais em Físia), [4], não se onsidere que a estreita zona tenha sido ultrapassada aqui. Afinal, om ela, onseguiuse diminuir o número de grandezas eletromagnétias independentes e revelar semelhanças entre grandezas magnétias e elétrias. O autor agradee à olega, Profa. Mariangela T. de Figueiredo, o suporte na preparação deste e ao árbitro onvidado pela RBEF pela rítia de que a versão original não realçava o avanço didátio que o texto permite fazer. Referênias [] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, The Feynman Letures (Addison-Wesley, 966), v. II, ap.. [2] E.V. Bohn, Introdution to Eletromagneti Fields and Waves (Addison-Wesley, 968), ap.. [3] J.D. Jakson, Classial Eletrodynamis (John Wiley & Sons, 962), ap. 4. [4] J. Marion, Classial Eletromagneti Radiation (Aademi Press, 967), ap. 8. [5] G.F. Leal Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 287 (2004). [6] É interessante menionar que o texto dos famosos autores, L. Landau e E. Lifhitz, Théorie du Champ (Éditions MIR, 966), não deduz a ondição de Lorentz, antes a infere por generalizaçã o não onvinente, ap. VIII, Eq. 62.3. [7] Sir Edmund Whittaker, A History of the Theories of Aether and Eletriity (Humanities Press, 973), ap. VIII. [8] A. O Rahilly, Eletromagneti Theory, A Critial Examination of Fundamentals (Dover, 965), ap. VI. [9] Referênia [6], seção 64.
Como o potenial vetor deve ser interpado para revelar analogias entre grandezas magnétias e elétrias 363 [0] G.F. Leal Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fis. 26, 27 (2004). [] G.F. Leal Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fis. 23, 395 (200). Neste trabalho usou-se o alibre de Coulomb. [2] Jayme Vaz Jr., Rev. Bras. Ens. Fis. 9, 234 (997), seção IV. [3] B. Janewiz, Multivetors and Clifford Algebra in Eletrodynamis (World Sientifi, 989). [4] Em [8], p. 500, faz-se referênia à frase de Sir A. Shuster da qual iramos o treho itado.