Acórdão nº 04/CC/2009 de 17 de Março

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Transcrição:

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE Conselho Constitucional Acórdão nº 04/CC/2009 de 17 de Março Processo nº 01/CC/2009 Acordam os Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional: I Relatório O Presidente da República solicitou, a 6 de Fevereiro de 2009, ao Conselho Constitucional, ao abrigo do disposto no n 1 do artigo 246 da Constituição, conjugado com o n 1 do artigo 54 da Lei n 6/2006, de 2 de Agosto a fiscalização preventiva da constitucionalidade da norma contida no n 2 do artigo 7 da Lei que cria a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia da República em 26 de Dezembro de 2008, a qual 1

lhe foi enviada pelo Presidente da Assembleia da República para promulgação. A Lei cuja verificação de constitucionalidade se requer dispõe no nº 2 do seu artigo 7 o seguinte: Artigo 7 (Designação) 1.... 2. O Presidente e o Vice-Presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos são eleitos pelos seus pares e nomeados pelo Presidente da República. A solicitação do Presidente da República vem fundamentada nos seguintes termos: 1- Existência de opiniões que duvidam da constitucionalidade da referida Lei, ligadas essencialmente com a interpretação da norma jurídica e, por outro lado, com a competência da Assembleia da República em legislar atribuindo competências a outros órgãos de soberania, diversas das previstas na lei fundamental, especificamente, possível existência de uma contradição da referida proposta de lei com o artigo 160 da Constituição da República pelo facto de a mesma não atribuir competências ao Presidente da República para designar ou nomear membros da Comissão Nacional dos Direitos Humanos. 2

2- Possível violação do princípio da independência da Comissão pelo facto de o Presidente e o Vice-Presidente da Comissão serem nomeados pelo Presidente da República. O Presidente da República juntou à solicitação cópia da Lei, aprovada pela Assembleia da República, que cria a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, adiante abreviadamente designada por CNDH, aprovada pela Assembleia da República. O Presidente do Conselho Constitucional lavrou despacho, a 9 de Fevereiro, admitindo o pedido de apreciação preventiva da constitucionalidade da Lei em causa e ordenando a notificação do Presidente da Assembleia da República para os efeitos do disposto no artigo 51 da Lei nº 6/2006, de 2 de Agosto, Lei Orgânica do Conselho Constitucional. A Assembleia da República pronunciou-se por via da Resolução nº 1/2009, de 26 de Fevereiro, da Comissão Permanente, que adopta o Parecer nº 01/09, de 23 de Fevereiro, da Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e de Legalidade, adiante abreviadamente designada por CAJDHL. O Parecer, como nota introdutória, esclarece que a aprovação da Lei que cria a Comissão dos Direitos Humanos foi antecedida por vários debates, os quais ditaram o adiamento da sua aprovação na VIII Sessão Ordinária, a qual só veio a acontecer nos últimos momentos da IX Sessão Ordinária..., expendendo, depois, os argumentos que se resumem nos termos seguintes: 1- Relativamente à possível contradição com o artigo 160 da Constituição, a CAJDHL entende que esta questão não se coloca, se 3

se tiver em conta que, supletivamente, um órgão de soberania poderá exercer competências extra constitucionais quando um instrumento de direito interno (do mesmo valor constitucional ou então, tendo o direito internacional sido recebido formalmente no direito interno, tal é o caso de Convenções, Tratados Internacionais, Continentais, Regionais ou Comunitários), como é o caso da Convenção de Paris sobre a criação de Comissões Nacionais de Direitos Humanos, a qual foi objecto de...assinatura sem reservas pela República de Moçambique..., lhe atribua essas competências; 2- Sendo a CNDH uma instituição de direito público não prevista na Constituição... a CAJDHL...entende que a Assembleia da República pode estabelecer competências, no caso em apreço, ao Presidente da República, porque não teria sentido prever tais competências na Constituição para uma instituição nela não prevista, até porque, tal como dispõe o nº 1 do artigo 179 da Constituição, Compete à Assembleia da República legislar sobre as questões básicas da política interna e externa do País.... 3- A CAJDHL considera que Quanto ao que consta do nº 2 do artigo 7 da proposta de lei..., ao juntar a nomeação à eleição do Presidente e do Vice-Presidente..., o que se pretendeu foi tão somente dar mais força e dignidade àquelas figuras..., fazendo com que para além de estes serem eleitos pelos seus pares também fossem nomeados pelo Chefe do Estado.... 4

4- A CAJDHL acrescenta que A Comissão Nacional dos Direitos Humanos, pelo escopo que persegue, é um órgão que se equipara, pelas suas funções e objectivos centrais, a outros a que o legislador deu dignidade constitucional. 5- Do Parecer consta ainda o posicionamento vencido que fundamentalmente se apoia na distinção entre órgãos constitucionais, cujas competências são taxativamente fixadas na Constituição, como é o caso do Presidente da República, e órgãos constitucionalizados cujas competências podem ser acrescidas por leis ordinárias. 6- Finalmente este posicionamento vencido argumenta que as Comissões dos Direitos Humanos são criadas de forma a actuarem independentes do poder Executivo, por isso o Presidente da República não pode interferir na nomeação do Presidente e Vice- Presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, de modo a conferir maior independência, transparência no exercício do mandato, além de não ter competências constitucionais para o efeito. 7- O Parecer da CAJDHL, que consubstancia o pronunciamento da Assembleia da República, conclui considerando não existir contradição na Lei... com o artigo 160 da Constituição... e nem... violação do princípio da independência da Comissão Nacional dos Direitos Humanos. 5

II Fundamentação Relatados os fundamentos da solicitação do Presidente da República e o posicionamento da Assembleia da República, e não havendo questões prévias que a isso obstem, cabe agora apreciar e decidir. Tomando como base os elementos constantes do Relatório, as questões de fundo que devem constituir objecto de decisão consistem em determinar o seguinte: a) Ao atribuir ao Presidente da República competências não estabelecidas na Constituição, a lei aprovada pela Assembleia da Republica viola, ipso facto, a Constituição? b) A questão da independência da CNDH releva de uma apreciação de inconstitucionalidade? 1-Como primeira questão impõe-se determinar o preciso sentido e exacto alcance do dispositivo em causa da lei aprovada pela Assembleia da República. Com efeito, prevendo o nº 2 do seu artigo 7 que o Presidente e o Vice-Presidente... são eleitos pelos seus pares e nomeados pelo Presidente da República, acaba por cumular duas formas de designação dos titulares em causa, simultâneas, irredutíveis e exclusivas, ou seja a eleição e a nomeação. Todavia, assim como não é possível nomear um titular que, por força da lei, foi eleito, também não é possível eleger um titular que, também por força da 6

lei, foi nomeado. O que é possível é que um titular eleito por uma entidade seja empossado por outra entidade, assim como é possível sujeitar a nomeação de um titular por uma entidade a ratificação por outra entidade. Nem por via de interpretação se pode reduzir o dispositivo a um sentido mínimo, útil e intrinsecamente congruente: o de que a nomeação referida na segunda parte do dispositivo, ocorrendo após a eleição dos titulares em causa, nada mais seja do que empossamento. É evidente, porém, que nomear corresponde a uma competência distinta da competência de conferir posse, e por isso mesmo o nº 3 do mesmo artigo 7 se ocupa especificamente da posse de todos os membros da CNDH, e expresso modo da do Presidente e da do Vice-Presidente. Pelo que nesse nº 2 do artigo 7 estão de facto cumuladas duas formas irredutíveis de designação: a eleição e a nomeação. Em suma, e no que ao Presidente da República respeita, está-se perante um poder que corporiza uma verdadeira competência extraconstitucional que a lei pretende atribuir. 2-Feita a clarificação prévia do alcance do dispositivo, é possível passar agora a responder à questão da eventual inconstitucionalidade do n 2 do artigo 7. Para esse efeito importa, em primeiro lugar, analisar se, como princípio, pode ou não a lei ordinária estabelecer competências não previstas na Constituição. Ora, o n 1 do artigo 179 da Constituição, ao estabelecer que compete à Assembleia da República legislar sobre as questões básicas da política interna e externa do país, permite que a Assembleia possa criar não 7

só órgãos ou instituições previstas ou necessariamente decorrentes da Constituição, como também órgãos e instituições nela não previstas. Sendo óbvio que neste último caso a Assembleia há-de forçosamente atribuir competências não previstas na Constituição. Em qualquer dos casos, porém, a Assembleia da República fá-lo no quadro e observando a Constituição. Portanto, mesmo quando tais órgãos ou instituições não estejam previstos na Constituição, essa possibilidade tem como limite o respeito pela Constituição. Em segundo lugar, há que analisar se tratando-se de órgãos ou instituições previstos na Constituição, nomeadamente dos órgãos de soberania, pode ou não a lei ordinária estabelecer e atribuir competências não previstas nem necessariamente decorrentes da Constituição, ou sem fundamento expresso nela. O Estado de Direito Democrático, postulado no artigo 3 da Constituição, assenta em determinados princípios estruturantes, como sejam o da eleição directa, por sufrágio universal, dos órgãos electivos de soberania (n 1 do artigo 135) e o da separação e interdependência de poderes (artigo 134). Outro elemento estruturante do sistema político, relevante para a questão sub judice, é a definição ou atribuição pela Constituição das competências que cabem a cada órgão de soberania. No que se refere à Assembleia da República, a Constituição elenca as suas competências no artigo 179 de forma não taxativa, não constituindo, por conseguinte, numerus clausus. Já no que se refere ao Presidente da República a enunciação de competências é feita, nos artigos 159, 160,161, 8

162, e 163, e em muitos outros dispositivos ao longo da Constituição, de forma especificada e, portanto, taxativa. Se, por um lado, esta diferente forma de enunciação de competências decorre da distinta natureza dos dois órgãos de legitimidade democrática directa, por outro, ela configura efectivamente o sistema político estabelecido na Constituição, aliás, de forte pendor presidencialista. Nessa medida, a sua alteração, seja para atenuar seja para reforçar qualquer dos elementos caracterizadores do sistema, só se pode operar por via do exercício do poder constituinte, e nunca por via de lei ordinária, sob pena de se poder, até, por esta via, e em última instância, alterar a ordem constitucional estabelecida. A doutrina assinala nesta matéria a necessidade de prevalência do princípio da tipicidade de competências segundo o qual...as competências dos órgãos de soberania constitucionais sejam, em regra, apenas as expressamente enumeradas na Constituição, tal como ensina J.J.Gomes Canotilho (in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª Edição, pags 542 e 543), o qual acrescenta ainda que...pelo menos em relação aos órgãos de soberania, as competências legais, ou seja, as competências atribuídas por via de lei, devam ter fundamento constitucional expresso. A CAJDHL também pretende retirar da assinatura sem reservas pela República de Moçambique da Convenção de Paris sobre os Direitos Humanos o argumento de que desse instrumento de direito internacional teriam necessariamente derivado as competências extra constitucionais 9

atribuídas na Lei ao Presidente da República. Esse argumento, porém, não pode colher pelas razões que a seguir se indicam. Em primeiro lugar, a Convenção que adopta os chamados Princípios de Paris não impõe uma determinada forma de designação dos titulares dos órgãos de direcção das Comissões Nacionais de Direitos Humanos. Antes pelo contrário, sobre Composição e garantias de independência e pluralismo, a Convenção preconiza a liberdade de critério na opção pela forma de designação, ao prever, no seu n 1, que A composição da instituição nacional e a nomeação de seus membros, quer através de eleições, ou de outros meios, deve ser estabelecida de acordo com um procedimento que ofereça todas as garantias necessárias para assegurar a representação pluralista..., e, no seu n 3, que A nomeação de seus membros deve ser realizada através de actos oficiais, com especificação da duração do mandato, de modo a assegurar mandato estável, sem o que não pode haver independência.... Em segundo lugar, ainda que a Convenção estabelecesse uma determinada forma de designação da qual resultasse a atribuição de competências extra constitucionais ao Presidente da República, em observância do princípio consagrado no n 2 do artigo18 da Constituição, tal atribuição ficaria sujeita ao controlo de constitucionalidade. Em conclusão: a atribuição ao Presidente da República da competência de nomear o Presidente e o Vice-Presidente da CNDH, nos termos em que é feita na segunda parte do n 2 do artigo 7 da Lei, precisamente porque se trata de uma competência extra constitucional, não compreendida no 10

articulado constitucional relativo às competências do Presidente da República, e sem nenhum fundamento expresso na Constituição, é inconstitucional. 3-A segunda questão suscitada no pedido de fiscalização preventiva é a da eventual violação da independência da CNDH, estabelecida no artigo 4 da mesma Lei, também pela mesma causa, isto é, a nomeação, pelo Presidente da República, dos respectivos Presidente e Vice-Presidente prevista no já referido n 2 do artigo 7 da Lei. Com efeito o artigo 4 estabelece o seguinte: Artigo 4 (Princípios orientadores de actuação da Comissão Nacional dos Direitos Humanos) No exercício das suas funções e competências, a CNDH é regida pelos princípios e valores baseados no respeito pelo Estado de Direito Democrático, independência, transparência, celeridade, justiça, cooperação e responsabilização. Embora a CNDH constitua, nos termos do preâmbulo da Lei, um mecanismo que se destina ao reforço do sistema nacional de promoção, protecção, defesa e melhoria da situação dos cidadãos sobre direitos humanos, direitos humanos esses consagrados na Constituição, ela não é um órgão constitucional, no sentido de que a sua criação não resulta do cumprimento de um imperativo constitucional específico. Trata-se de um órgão criado pela lei ordinária, segundo critérios e opções apenas da própria lei ordinária. 11

Convém, a respeito da natureza da CNDH, esclarecer que nada se pode retirar do argumento da CAJDHL da sua equiparação a outros órgãos a que o legislador deu dignidade constitucional. Tal equiparação é inexistente, primeiro, porque, de facto, não passa de uma mera comparação feita no Parecer, e, segundo, porque, mesmo se houvesse equiparação, ela estaria a ser feita apenas pela CAJDHL ou pelo legislador ordinário, e não pelo legislador constituinte. Assim, a independência de que se reveste e de que goza a CNDH é a que lhe é atribuída ou determinada pela lei. Maior ou menor, é essa a medida de independência que o legislador quis. O que significa que o parâmetro é a própria lei e não a Constituição nem outros órgãos a que o legislador constituinte tenha conferido dignidade constitucional. Donde se conclui que não estamos perante uma problemática de constitucionalidade mas tão somente de política legislativa e no quadro do exercício das competências próprias da Assembleia da República. Face a estes fundamentos, no que concerne à atribuição ao Presidente da República da competência extra constitucional de nomear o Presidente e o Vice-Presidente da CNDH, verifica-se a existência de inconstitucionalidade na segunda parte do n 2 do artigo 7 da Lei aprovada pela Assembleia da República. No que concerne a uma pertença violação da independência da CNDH, pelo mesmo n 2 do artigo 7, não se verifica qualquer inconstitucionalidade. 12

Decidindo: III Nestes termos, o Conselho Constitucional declara a existência de inconstitucionalidade parcial no nº 2 do artigo 7 da Lei que cria a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia da República em 26 de Dezembro de 2008, e enviada ao Presidente da República para promulgação, na parte em que defere ao Presidente da República competência para nomear o Presidente e o Vice-Presidente da CNDH. Notifique-se de imediato o Presidente da República, nos termos do artigo 59 da Lei nº 6/2006, de 2 de Agosto, Lei Orgânica do Conselho Constitucional, e cumpra-se o disposto no artigo 53 da mesma Lei, registe e publique-se. Maputo, 17 de Março de 2009. Rui Baltazar dos Santos Alves, Teodato Mondim da Silva Hunguana, Orlando António da Graça, Lúcia da Luz Ribeiro, João André Ubisse Guenha, Lúcia F.B. Maximiano do Amaral e Manuel Henrique Franque. 13