Qual o verdadeiro significado do Factor de Impacto? What is the real meaning of the Impact Factor?

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Transcrição:

Vol.2 Março 2010 Editorial Qual o verdadeiro significado do Factor de Impacto? What is the real meaning of the Impact Factor? A publicação é a principal forma de divulgação da investigação científica. Quer sejamos editores, autores ou simplesmente leitores, a avaliação da qualidade de uma publicação científica é fundamental, pelo que nos parece importante abordar este tema no editorial do 3º número da Salutis Scientia. Uma das formas de quantificar a qualidade de uma revista científica é através de indicadores bibliométricos, cujo mais utilizado, e talvez mais polémico também, é sem dúvida o Factor de Impacto (FI). O FI foi criado em 1955 por Eugene Garfield, na altura director do Institute of Scientific Information (ISI) e criador da base referencial Science Citation Index, como forma de avaliar a qualidade das revistas incluídas na referida base de dados. Actualmente, o FI é calculado todos os anos para os periódicos indexados no ISI e disponibilizado através do Journal of Citation Reports (JCR), cuja instituição responsável é a Thomson Reuters. O FI de uma revista científica num determinado ano é calculado dividindo o número de citações nesse ano dos artigos publicados na revista nos dois anos anteriores pelo número total de artigos publicados nessa revista nos mesmos dois anos: FI ano X = Citações no ano X de artigos publicados numa revista nos 2 anos anteriores Artigos publicados nessa revista nos 2 anos anteriores A título de exemplo, em 2008, o FI da revista Science, inserida na categoria das Ciências Multidisciplinares, foi de 28,103, sendo que: Citações em 2008 de artigos publicados na Science em 2007: 23248 Citações em 2008 de artigos publicados na Science em 2006: 26523 Total: 49771

Artigos publicados na Science em 2007: 886 Artigos publicados na Science em 2007: 885 Total: 1771 Assim, FI = 49771 / 1771 = 28,103. Em suma, o FI mede a frequência com que o artigo médio de uma revista é citado num determinado ano. Existe alguma polémica em torno da utilização do FI, por ser uma medida influenciada por diversos factores, nomeadamente a área científica da revista, o número de autores por artigo, o tipo de artigos publicados e a auto-citação. Nas áreas científicas em que se verifica um crescimento mais rápido, como é o caso da Oncologia que inclui a revista com o FI actualmente mais elevado (CA: a Cancer Journal for Clinicians; FI=74,575), os investigadores têm tendência a citar trabalhos recentes, o que faz aumentar o FI. Por outro lado, áreas mais generalistas como a Medicina, Geral & Interna que inclui a revista New England Journal of Medicine (FI=50,017) e a JAMA (FI=31,718) ou a categoria Ciências Multidisciplinares onde se inserem a Nature (FI=31,434), a Lancet (FI=28,409) e a Science (FI=28,103), apresentam também FI mais elevados. O número de autores por artigo está intimamente relacionado com a área científica da revista, sendo que áreas mais abrangentes têm tendência a publicar artigos com um número médio de autores superior. Dado ser comum os autores citarem os seus próprios artigos, existe uma correlação directa entre o número médio de autores por artigo e o valor médio do FI para uma determinada área, pelo que comparações entre FI devem ser feitas apenas entre revistas da mesma área. Revistas que incluam exclusivamente ou preferencialmente artigos de revisão, que são os mais citados, apresentam FI mais elevados. Actualmente, das 20 revistas científicas com maior FI, 11 publicam exclusivamente artigos de revisão. A auto-citação tem também a potencialidade de distorcer (aumentar) o FI, sendo que 80% de todas as revistas actualmente listadas no JCR têm taxas de auto-citação que não ultrapassam os 20%. De forma a evitar manipulações do FI através da auto-citação, pode ser utilizado o FI Revisto que é calculado excluindo as citações da própria revista. Fica assim claro que, não obstante ser útil para estabelecer a importância de uma revista numa determinada área científica, a sua utilização deve ser cautelosa. O JCR publica outros índices bibliométricos como o Índice e Imediaticidade que indica quantas vezes um artigo publicado numa revista é citado no próprio ano de publicação, ou ainda a Vida Média que mede o número médio de anos que os artigos numa revista são citados depois da sua Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 2

publicação. Apesar de existirem em Portugal inúmeros grupos de investigação com reconhecido prestígio internacional em diversas áreas, a verdade é que não existe nenhuma revista científica Portuguesa indexada no ISI. Existem no entanto algumas revistas científicas Portuguesas indexadas noutras bases de dados, nomeadamente 57 revistas estão incluídas na PubMed e 6 na MEDLINE. Cabe-nos a nós editores, mas também a todos os investigadores, contribuir para a melhoria da qualidade das revistas científicas nacionais. Deixo assim o meu agradecimento aos ilustres colegas que frequentemente publicam em revistas indexadas no ISI, o facto de terem aceite o convite para publicarem na jovem Salutis Scientia. Marta Aires de Sousa 1 1 Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. Email: msousa@esscvp.eu Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 3

VOL.2 MARÇO 2010 Artigo de Opinião Devemos acreditar em análises clínicas? (1) Can we trust diagnostic tests? Dinis Pestana 1,2* 1 Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa; 2 Departamento de Estatística e Investigação Operacional, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A Teoria da Probabilidade foi criada para domesticar a incerteza, transformando-a de inimiga em aliada; sendo a linguagem da Estatística, é um instrumento incontornável no tratamento da informação, em todas as ciências indutivas. Mas a Probabilidade é, em si mesma, um poderoso auxiliar na interpretação dos factos. Discute-se o teorema de Bayes, um resultado central que está no cerne da controvérsia sobre causalidade/ associação estatística, começando por uma apresentação concreta associada à interpretação de análises clínicas. Refere-se ainda o papel da meta-análise na obtenção de curvas ROC (Receiver Operating Characteristics), e como são usáveis na obtenção dos pontos de corte para distinguir positivos de negativos (verdadeiros ou falsos!) nas análises clínicas. Probability Theory has a special role in taming uncertainty, and the mastery of risk is the inprint of modern science. As the language of Statistics, Probability has a major share in the methodology of experimental sciences, and is a cornerstone of indutive logic. On the other hand, probability is by itself a powerful tool in the interpretation of facts. We discuss Bayes theorem, a central result at the core of the statistical association/ causation debate. After an almost empirical presentation in the context of interpretation of results of a clinical test, we also discuss the obtention of ROC (Receiver Operating Characteristics) curves with the help of meta-analysis, and how they are used to define cut-points in a clinical analysis. PALAVRAS-CHAVE: Teorema de Bayes; causalidade; inferência; análises clínicas; sensibilidade; especificidade; valor preditivo positivo. KEY WORDS: Bayes theorem; causality; inference; clinical tests; sensibility; specificity; positive predictive value. * Correspondência: Dinis Pestana. Email: dinis.pestana@fc.ul.pt

Devemos acreditar em análises clínicas? INTRODUÇÃO Um dos preconceitos do nosso tempo é o do primado da informação ( informação é poder ), e o decorrente protagonismo das tecnologias da informação. No entanto, informação não é conhecimento, e informação mal compreendida pode ser mais prejudicial do que benéfica recomenda-se por exemplo a leitura divertida e potencialmente proveitosa de Ciência da Treta (Goldacre, 2008), em que a discussão sobre confundimento, publicidade enganosa, Estatística mal feita, sonegação de informação, ou pior, substituição de informação correcta por informação irrelevante apresentada como fundamental, é feita de forma inquestionável. Disponibilizar informação em excesso, aliás, é uma das mais sofisticadas e perversas formas de não dar informação (Edgar Allan Poe escreveu um conto admirável sobre a melhor forma de ocultar uma carta importante e confidencial: entre muitas outras cartas, evidentemente!). Um exemplo de como informação, em si mesma, tem um valor questionável para tomar decisões racionalmente: qualquer mulher fica com certeza em pânico se lhe disserem que tem cancro de mama, com a informação corrente de que é uma das principais causas de morte na nossa sociedade. Com a informação do número de óbitos por dia decorrentes dessa situação clínica, acede quase certamente a fazer uma mastectomia. No entanto, a maior parte dos cancros de mama são do tipo carcinoma in situ, que não evolui para fora dos canais deferentes de aleitação, e a manipulação de probabilidade condicional permite-nos calcular que o número de casos que é preciso tratar (cases needed to treat), com esse tipo de cirurgia mutilante, para salvar uma vida, é de alguns milhares! (Gigerenzer, 2002). Mas como não queremos centrar a discussão num exemplo assim tão deprimente, vamos antes, na secção 1, discutir uma doença rara, a porfíria aguda intermitente, e o uso de uma análise como meio auxiliar de diagnóstico. A reflexão sobre os diversos casos apresentados, e em particular do caso III, torna bem patente que a informação (resultado positivo da análise) pode ser quase irrelevante. O que é importante, para que a análise tenha um valor preditivo digno de nota, é que seja interpretada por quem sabe extrair conhecimento da informação, e não a informação em si de que o resultado foi positivo. Espera-se que os leitores mais informados ampliem o que fica escrito, nomeadamente fazendo o paralelo entre sensibilidade e especificidade das análise clínicas com a probabilidade de erro de primeira espécie e a probabilidade de erro de segunda espécie dos testes de hipóteses. Na secção 2 a apresentação é reformulada em termos do Teorema de Bayes, e chama-se a atenção para este extraordinário resultado, fundamental em tantas áreas de investigação. Desde que Pearson (1892, reedição recente: 2009) publicou o seu notável The Grammar of Science que o paradigma das ciências experimentais hesita entre investigar associação estatística ou causalidade; a obra notável de Fisher (veja-se a reedição conjunta de 1990), e nomeadamente os seus livros que estabeleceram as bases do planeamento experimental, ensinaram-nos que dados se deve analisar quando em vez de estudos meramente observacionais se pretende fazer estudos experimentais. Mas o debate sobre a causalidade prossegue, e é cada vez mais um ponto fundamental da Filosofia da Ciência e metodologia da investigação experimental, como único garante de indução fiável. Finalmente na Secção 3, mais especializada e árida, procuramos satisfazer os leitores mais inquisitivos, e que porventura tenham ficado insatisfeitos com a aparente arbitrariedade da forma como a análise apresentada na Secção 1 decide quem é positivo e quem é negativo. 1. Valor preditivo da análise do teor sérico de diaminase de porfibilogénio A porfíria aguda intermitente é uma doença transmitida geneticamente (carácter dominante), felizmente muito rara estima-se que a prevalência na população europeia é p = 1 10 000. O diagnóstico não é fácil, pois as manifestações clínicas são muito diversas; pode, durante anos, não ter qualquer manifestação, mas de repente Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 5

Devemos acreditar em análises clínicas? desencadear um comportamento socialmente pouco comum (muito bem explorado no filme A Loucura do Rei George) seguido de recuperação; mas também pode, logo na sua primeira manifestação, induzir coma profundo e irrecuperável, como no relato (Paula) que Isabel Allende fez da morte da sua filha. A porfíria aguda está associada a produção deficitária de diaminase de porfibilogénio, pelo que a determinação de níveis séricos desta enzima serve, naturalmente, como meio auxiliar de diagnóstico. As análises clínicas são meios auxiliares de diagnóstico a que hoje se recorre rotineiramente. Por exemplo, para diagnosticar a porfíria aguda intermitente procedemos à medição do nível de diaminase de porfibilinogénio. Se este for inferior a 99 u/mm 3 o indivíduo é positivo no que refere a porfíria aguda intermitente, se for superior a 99 é considerado negativo. A análise referida não é um diagnóstico. Era bom que as análises clínicas fossem infalíveis. Infelizmente qualquer população é em geral uma mistura de subpopulações, em que as fronteiras são ainda mais ténues do que as fronteiras geográficas: um habitante da área dos positivos pode não ter a doença é um positivo falso, PF (e denotamos PV os positivos verdadeiros) e um habitante da área dos negativos pode ter a doença é um negativo falso, NF. Denotamos NV os negativos verdadeiros: A prevalência da doença, acima referida, é avaliada pela fracção p = D n. Mas, tal como um habitante de Espanha pode ser português, e há espanhóis a viver em Portugal, a situação não é em geral tão clara. A Figura 1 ilustra a situação (exagerando muito a curva correspondente aos doentes, que deveria ser quase invisível dada a baixa prevalência da doença). Figura 1 - Diagnóstico e situação real. No caso da análise para detecção da porfíria, a fasquia foi colocada no nível 99 da enzima atrás referido; considerando positivos os casos em que o nível é inferior a 99 e negativos aqueles em que é superior, a sensibilidade da análise é 82% e a sua especificidade é 96.3%. Claro que se deslocarmos a fasquia para a direita (Figura 2) a sensibilidade da análise aumenta, e no limite conseguiremos que todos ou quase todos os doentes sejam detectados como positivos mas o preço a pagar é que simultaneamente começa a haver muitos positivos falsos. Claro que gostaríamos de só ter positivos verdadeiros, isto é que a sensibilidade da análise, a fracção de positivos entre os doentes D, s = PV = P(+ D), fosse 100%. Gostaríamos de PV + NF não ter positivos falsos, isto é que a análise tivesse especificidade, a fracção de negativos entre os sãos NV S = D, e = = P( D) = 100%, só PF + NV apontasse como positivos os efectivamente doentes. Figura 2 - Maior sensibilidade. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 6

Devemos acreditar em análises clínicas? Por outro lado, deslocando a fasquia para a esquerda (Figura 3) a especificidade da análise aumenta, e cada vez será menor a probabilidade de se diagnosticar erradamente a doença a um indivíduo são mas então haverá uma probabilidade maior de um doente escapar à detecção através desta análise. Figura 3 - Maior especificidade. Encontraremos constantemente esta situação de compromisso no que respeita sensibilidade e especificidade. Parece que não se pode ter o melhor de dois mundos, e por isso temos que decidir qual dos riscos queremos controlar, ou chegamos a um compromisso sobre o equilíbrio desses riscos, como descrito na Secção 3. Poderemos, nestas circunstâncias, confiar no resultado da análise? Por outras palavras, qual é o valor preditivo da análise? Convém, evidentemente, distinguir o valor preditivo positivo P(D +) e o valor preditivo negativo P(D ). Analisemos três casos possíveis em que se recorre a esta análise: Caso I: Um médico suspeita que um dos seus pacientes, o Arnesto, sofre de porfíria, devido ao quadro clínico que observa. Estudos anteriores levamnos a admitir que 30% dos indivíduos que apresentam o quadro clínico observado têm porfíria. Por isso manda o Arnesto fazer uma análise ao teor sérico de diaminase de porfibilogénio, que vem a revelar-se positiva. Qual é a probabilidade de o Arnesto ter de facto porfíria? Em Estatística não se pode inferir para um indivíduo particular. Pode, por outro lado, avaliar-se a incerteza para um colectivo de indivíduos, e daí dar indicações sobre o que podemos esperar para um indivíduo seleccionado ao acaso nesse colectivo não é sobre um indivíduo singularizado a priori, mas pode evidentemente ajudar-nos a conceptualizar o que lhe diz respeito, e tomar decisões com base na avaliação dos riscos. Suponha-se que se manda fazer a análise a n=1000 indivíduos na situação do Arnesto isto é, 1000 indivíduos para quem se requer a análise por a sintomatologia, em 30% dos casos, ser causada por porfíria. Como adiante se verá, esta base é totalmente irrelevante, apenas facilita os cálculos no fim, apenas estamos interessados no valor preditivo positivo da análise, que é a fracção P(D +) = PV P. Uma vez que a prevalência para esta subpopulação de suspeitos é 30%, podemos preencher a linha de totais com os valores D = 300, D = 700. Se a sensibilidade da análise é 82%, o número de positivos verdadeiros que esperamos encontrar é PV=300x0.82=246, e consequentemente o número de negativos falsos é NF=300-246=54. E se a especificidade é 96.3%, o número de negativos verdadeiros que esperamos encontrar é NV=700x0.963=674.1, donde PF=700-674.1=25.9. Temos assim Consequentemente, nesta situação, o valor preditivo positivo da análise é P(D +) = PV P = 246 246 + 25.9 = 90%. (E o valor preditivo negativo da análise é NV P(D ) = NV + NF = 674.1 728.1 = 93%.) Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 7

Devemos acreditar em análises clínicas? Nas expressões acima, avaliamos P(D) pela prevalência da doença na situação em estudo, 30% neste caso. Note que esta probabilidade a priori se transforma, devido à informação corroborante de que o resultado da análise é positivo, numa probabilidade a posteriori de 90%. Caso II: Suponhamos agora que o médico, confrontado com um resultado positivo da análise à diaminase de porfibilogénio, procede a uma investigação mais cuidada, e confirma-se que o Arnesto tem porfíria. O médico descobre também que o Arnesto tem um irmão, o Bicente, e aconselha-o a fazer a análise. O resultado é positivo. Qual é a probabilidade de o Bicente ter porfíria? O valor preditivo positivo é P(D +) = PV P = 410 = 96%, e o valor preditivo negativo é P(D ) = 481.5 571.5 = 428.5 84%. Mais uma vez note que não se pode ter o melhor de dois mundos: o valor preditivo positivo aumentou, relativamente ao caso anterior, mas compensatoriamente o valor preditivo negativo baixou! Caso III: A Tia Elvira (2) ouviu falar da doença, e quis logo ir fazer a análise à diaminase de porfibilogénio. (Admite-se que o Bicente não é gémeo monozigótico do Arnesto; nesse caso seria, evidentemente, portador da doença.) Como é um carácter dominante, e a prevalência na população é muito baixa (10-4 ), podemos considerar praticamente nula a probabilidade de ambos os membros de um casal transmitirem em simultâneo esta doença (1 em cada cem milhões de casos), bem como a probabilidade de um dos progenitores transmitir de certeza a doença, pois teria que ser filho de pai e mãe doentes. Assim o progenitor-transmissor pode, de acordo com as considerações atrás feitas, ter transmitido o gene errado com probabilidade 1/2 a cada um dos seus filhos, em particular ao Bicente. Supondo que se prepara uma tabela como as anteriores, para reflectir no valor preditivo positivo da análise no caso de o indivíduo ter um irmão com porfíria (e partindo mais uma vez da base arbitrária n=1000), isto é, a priori P(D)= 0.5, neste caso: Hipocondríaca vista por Pedro Veliça http://anatomias.mediasmile.net (3). Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 8

Devemos acreditar em análises clínicas? Quando recebeu o resultado foi à pressa para casa pôr a chaleira a ferver para com o vapor de água abrir o envelope, e leu no relatório que o resultado é positivo. Qual é a probabilidade de a Elvira ter porfíria? Durante um rastreio da população faz-se a análise a 1000000 de indivíduos (mais uma vez uma base totalmente irrelevante para os resultados, e muito conveniente para os cálculos). Que fazer aos que são considerados positivos? Como nesta situação estimamos a prevalência da doença na população em 1/10000, podemos preencher a linha de totais com os valores D = 100, D = S = 999900. Usando como anteriormente os conhecimentos sobre a sensibilidade e a especificidade da análise, obtémse a tabela análises clínicas têm muitos pontos em comum com os testes de hipóteses em Estatística, em particular serem de interpretação delicada, e muitas vezes abusivamente interpretados pelos leigos. Usando a linguagem das análises clínicas como metáfora, quem não perceba bem as distinções pode confundir positivos e doentes, quando são de facto realidades distintas. O leitor pode encontrar informação complementar em Motulsky (2010), ou em Pestana e Velosa (2008, p. 284-289); neste último aborda-se a questão de análises repetidas, confirmatórias ou para contra-prova. Note que tal como maior sensibilidade arrasta menor especificidade, quando cresce o valor preditivo positivo diminui o valor preditivo negativo, e reciprocamente. Também nos testes de hipóteses quando exigimos menor probabilidade de um erro de primeira espécie, que consiste em rejeitar uma hipótese nula verdadeira, imediatamente cresce o erro de segunda espécie, que é o de manter uma hipótese nula quando a que consideramos alternativa é verdadeira. Não se pode ter o melhor de dois mundos, há que fazer opções. 2. O teorema de Bayes Consequentemente, nesta situação, o valor preditivo 82 positivo da análise é p = 37078.3 = 0.0022 (0.22%), ou seja, cerca de 1 em 450 positivos tem de facto a doença! À primeira vista a análise até parece inútil, tão baixa é a probabilidade de um positivo ter de facto a doença. Mas veja o caso nesta perspectiva: a probabilidade de ter a doença sobe de 1 em 10 000 para 22 em 10 000, no caso de a análise ter resultado positivo! Por outro lado, o valor preditivo negativo da análise é q = 962903.7 962921.7 = 99.998%. Como se vê há algum perigo em tentar um autodiagnóstico a partir dos relatórios de análises. As O estudo dos três casos foi feito, na Secção 1, usando a linguagem e notações de tabelas de contingência, uma das mais antigas ferramentas dos investigadores de todas as áreas (já no século XII Roger Bacon preconizava a análise de tabelas de presença e de ausência como excelentes auxiliares de raciocínio). A análise pode ser feita usando um outro instrumento, mais sofisticado, o teorema de Bayes. Da definição de probabilidade condicional P(A B) = P(A B) P(B) tira-se imediatamente P(A B) P(B) P(A B) = P(B A) P(A) Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 9

Devemos acreditar em análises clínicas? e consequentemente P(B A) P(A) P(A B) =. P(B) Temos assim um instrumento que nos permite pesquisar a probabilidade inversa, isto é, observando as consequências, diagnosticar as suas causas (no sentido de calcular as suas probabilidades, por forma a poder decidir qual a causa mais provável). Evidentemente, como ou ocorre A ou o seu complementar Ā, podemos calcular a probabilidade do condicionante B como P (B) = P (B A) P (B Ā) = =P (B A) P (A) + P (B Ā) P (Ā), a forma (não trivial) mais simples do teorema da probabilidade total, cuja formulação geral é P(B) = P(B A k ) P(A k ) k K desde que { A k } k K seja uma partição do universo. Assim, na linguagem da probabilidade condicional e do teorema de Bayes, a análise do caso I da Secção anterior seria e portanto O Teorema da Probabilidade Total e o seu corolário geralmente designado como Teorema de Bayes são um dos instrumentos mais sofisticados para analisar questões de condicionamento, e é a base de uma das melhores estratégias de amostragem, a amostragem estratificada. São, inclusivamente, a base de uma apologia do raciocínio indutivo na construção do conhecimento, veja-se a discussão das urnas de Laplace em Pestana e Velosa (2008, p. 258-265). Anote-se que o teorema de Bayes é muitas vezes referido como teorema da probabilidade inversa (por inverter o sentido do condicionamento), e por teorema da probabilidade das causas, por ser usado em aplicações médicas para hierarquizar as probabilidades das possíveis causas dos sintomas observados. Nesse sentido, é persistentemente usado quando se procuram relações causais e por isso mesmo sujeito a controvérsias que parecem intermináveis. A causalidade, longe de ser uma noção ultrapassada como Pearson no seu entusiasmo juvenil advogou (e note-se que The Grammar of Science foi aconselhado por Einstein aos seus amigos e discípulos, e mereceu a aprovação de espíritos tão críticos quanto Galton), está na ordem do dia, veja-se o livro notável de Pearl (2009), que estabelece em bases firmes a reflexão sobre causalidade. Veja-se também, por outro lado, na excepcional meditação de Jaynes sobre a lógica da inferência (publicada postumamente, Jaynes and Breethorst, 2003), a discussão dos limites da possibilidade de uma correspondência Física para o que todos os matemáticos fazem quotidianamente inverter expressões matemáticas nomeadamente porque o tempo não é reversível. 3. Curvas ROC e escolha do ponto de corte e No caso da porfíria, afirmámos que a análise clínica distingue positivos de negativos consoante o nível sérico de diaminase de profibilogénio é inferior ou superior a 99 unidades por mm 3 ; esta análise tem uma sensibilidade de 82%, e uma especificidade de 93.6%. Como se decide aquele ponto de corte, e se estabelecem as características sensibilidade Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 10

Devemos acreditar em análises clínicas? s = P(+ D), a probabilidade de detectar doentes, positivos verdadeiros, e especificidade e = P( D) a probabilidade de não incomodar os não doentes, negativos verdadeiros? O desenvolvimento de uma análise clínica é um procedimento demorado, em parte porque tem que haver um tratamento estatístico complexo dos dados disponíveis para estabelecer, exactamente, onde deve ser colocada a fasquia que separa negativos de positivos, e quais as probabilidades 1 s = P( D) e 1 e = P(+ D) de erro, de um e de outro tipo, àquele nível. Habitualmente há estudos diversos, por diferentes grupos de investigadores, em populações heterogéneas, e usando protocolos desiguais, o que obriga a um trabalho rigoroso de harmonização prévia, ou de síntese (meta-análise) que procura aproveitar esse conhecimento disperso e difuso (Pestana et al., 2006). Experimentadores diferentes podem pôr mais ou menos ênfase na sensibilidade s = P(+ D) ou na especificidade e = P( D) dos testes de diagnóstico, isto é escolher pontos de corte diversos. Como construir uma curva SROC ( Summary Receiver Operating Characteristic ) (4) a partir de pontos (1-e, s) obtidos em diversos estudos? Comecemos por exemplificar, para clarificar ideias, o caso simples da construção da curva ROC no caso da análise ao teor sérico da diaminase de porfibilogénio para diagnóstico da porfíria. Suponha-se que, antes de ter sido acordado que o teste seria feito colocando a fasquia em 99, se estudava o sangue de 53 doentes e de 100 não doentes a diversos níveis, e se registava o número x de não doentes com resultado negativo, por terem um nível sérico superior ao patamar T, o número y de doentes detectados, isto é com resultado positivo, por terem um nível sérico inferior ao patamar T, As correspondentes frequências relativas em cada linha dar-nos-iam então as coordenadas (1-e, s) da curva ROC empírica (Figura 4). Figura 4 - Curva ROC empírica. Adiante, num caso concreto, indica-se como se constrói uma curva alisada a partir de algumas coordenadas. Evidentemente as decisões da Organização Mundial de Saúde, ou de entidades nacionais como o Infarmed, não devem basear-se apenas na evidência de um estudo, feito em geral com recursos limitados. Mas a simples aglomeração de dados de diversos estudos pode dar resultados absurdos, devido a confundimento. Por exemplo, suponha-se que num dos estudos se tem por exemplo Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 11

Devemos acreditar em análises clínicas? Tem-se sensibilidade s = 200/(200+300) = 0.4, especificidade e = 60/(10+60) = 0.86, e o OR = (200/10)/(300/60) = 4 indica que esta análise tem um poder discriminativo razoável (OR = 1 é equivalente a s = 1-e, pelo que consideramos OR 1 um indicador de escasso poder discriminativo). Noutro estudo, os dados são É de esperar um crescimento rápido da sensibilidade de 0 a valores próximos de 0.90 quando a abcissa x = 1 e varia de 0 a 0.10, seguindo-se um crescimento muito lento até 1, como se observa na Figura 5. Por outras palavras, esperamos que a curva ROC esteja consideravelmente acima da bissectriz s = 1-e. Figura 5 - Curva ROC em estudos de ultrassons para estenose da artéria carótida. Tem-se sensibilidade s = 20/(20+5) = 0.8, especificidade e = 200/(200+200) = 0.5, e o odds ratio OR = (20/200)/(5/200) = 4, indicando que também esta análise tem um poder discriminativo razoável. Porém, a simples aglutinação só dá asneira: com sensibilidade s = 220/(220+305) = 0.42, especificidade e = 260/(210+260) = 0.55, e consequentemente OR = (220/210)/(305/260) = 0.89, indicando que esta análise tem um poder discriminativo péssimo. Este efeito perverso da adição dos valores observados em tabelas de contingência é conhecido por paradoxo de Simpson (5). A forma de meta-analisar tem que ser muito mais sofisticada. Para um bom sumário da sensibilidade/especificidade correspondentes a testes com pontos de corte diversos, faz-se um gráfico de pontos cujas coordenadas são: abcissa proporção de falsos positivos = P(+ D) = 1-e; ordenada proporção de positivos verdadeiros = P(+ D)= s. Se a curva ROC passasse pelo ponto (0,1), isso significaria que era possível ter a situação ideal de 100% de sensibilidade e de especificidade. Mas não é possível ter o melhor de dois mundos, é evidente que para aumentar a sensibilidade alguma coisa há que sacrificar na especificidade, e vice-versa. Mas por outro lado também esperamos que a curva ROC se afaste visivelmente da bissectriz s = 1-e OR = 1, que corresponderia a um teste de diagnóstico muito pouco recomendável, no sentido em que o ganho em sensibilidade de ponto de corte para ponto de corte corresponde exactamente à perda de especificidade. LR + O odds ratio OR pode ser escrito OR = LR, onde LR + = s/(1-e) e LR = (1-s)/e são as razões de verosimilhanças que nos permitem, usando a fórmula de Bayes, transformar as vantagens pré-teste em vantagens pós-teste. Se por outro lado considerarmos como avaliação da assimetria nos ganhos de sensibilidade versus perdas de especificidade LR + vs. LR, admitindo que há Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 12

Devemos acreditar em análises clínicas? assimetria entre o que se ganha numa das características e se perde na outra, ao alterar o ponto de corte (isto é, o teste favorece, para cada ponto de corte, o diagnóstico correcto ou de doentes ou de não doentes), parece razoável procurar uma curva exprimindo OR como função de S. Espera-se então que uma transformação logarítmica linearize essa relação: e Ajustar uma recta (ajustamento resistente, cf. Pestana e Velosa, 2008, p. 178-185, ou usando mínimos quadrados ponderados) aos pontos equivalente a Deduzir daquela recta de regressão a expressão analítica da curva ROC, como exemplificado na Figura 5. Note-se que isto corresponde a admitir uma forma muito genérica para as curvas ROC, ou ainda Onde Uma forma simples de estimar essa curva ROC (Littenberg et al., 1990) é então, para cada uma das tabelas 2x2 Calcular as expressões U ^ k e V ^ k, ajustados por causa de eventuais zeros, Se não houver condicionantes extra, parece natural definir o ponto de corte óptimo, no sentido em que dá um equilíbrio apelativo no que refere sensibilidade e especificidade, com base no ponto mais próximo do óptimo ideal inatingível (0,1). Por outras palavras, trata-se de minimizar o quadrado da distância d 2 =(1-s) 2 +(1-e) 2 de um ponto genérico (1-e,s) ao canto superior esquerdo do quadrado {(x,y): 0 x 1, 0 y 1}. Mas, evidentemente, é em geral mais sensato considerar penalizações definindo funções de perda L 1 e L 2 associadas aos diagnósticos errados, diagnosticar negativo um doente ou diagnosticar positivo um não doente, respectivamente, e o problema efectivo é procurar o ponto da curva ROC ajustada que minimiza a soma L 1 +L 2 das perdas. Veja-se também van Belle (2002, secção 4.10), que aborda com detalhe e pragmatismo a construção de uma curva ROC. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 13

Devemos acreditar em análises clínicas? Um foco de preocupação é se a curva ROC assim estimada denuncia heterogeneidade no que refere patamares de decisão (thresholds), ou na capacidade discriminativa, ou em ambos. Deve procurar explicarse essa heterogeneidade, indicar ao menos se deriva de características específicas diversas dos testes de diagnóstico que estamos a tentar harmonizar, de diferenças populacionais, ou de planeamentos experimentais diversos. Notas 1. Investigação parcialmente financiada por FCT/OE. 2. Este enunciado é uma homenagem à tia Elvira, hipocondríaca extreme que viveu cheia de saúde até aos 92 anos, apesar de ter todas as doenças de que ouvia falar quando alguém tinha uma doença perguntava logo os sintomas, para conferir, e não é que conferia sempre! Só num almoço de Natal é que um dos netos a conseguiu entupir: estava ela num despique de eu sou mais doente do que tu com uma outra hipocondríaca, cada qual com as suas armas: Veja estas minhas análises, D. Elvira, como está tudo descontrolado, eu estou muito doente, ao que a tia Elvira ripostava indo buscar radiografias e exclamando E esta minha vesícula, veja aqui, Paula, nesta radiografia quase não aparece, e naquela tão volumosa! Não admira que me sinta tão mal. Esta foi a deixa aproveitada pelo Carlos: Foi deixando cair que tinha que fazer uma ecografia porque tinha sintomas preocupantes, depois de muito instado lá disse que era ao pénis, e quando a avó disse muito irritada que ele estava sempre a brincar com coisas sérias (a saúde dela, com certeza), ele explicou que tinha nesse órgão sensível os mesmos sintomas preocupantes que a avó tinha na vesícula: umas vezes estava volumoso, outras vezes não 3. Agradeço ao Pedro Veliça a autorização para a usar a Anatomia da Hipocondríaca, retirada de: http://anatomias.mediasmile.net/ 4. Por simplicidade, vamos a partir de agora falar de curvas ROC, sendo claro do contexto que quando usamos pontos obtidos em diversos estudos se trata de uma síntese, e portanto de uma curva SROC. 5. Deveria de facto ser denominado paradoxo de Yule (1903), e não de Simpson (1951), cf. David and Edwards, 2001, p. 137-140. REFERÊNCIAS David, H. A., and Edwards, A. W. F. (2001). Annotated Readings in the History of Statistics, Springer, New York. Fisher, R. A. (1995). Statistical Methods, Experimental Design and Scientific Inference (reedição conjunta de Statistical Methods for Research Workers, The Design of Experiments, e Statistical Methods and Scientific Inference), Oxford Univ. Press, Oxford. Gigerenzer, G. (2002). Calculated Risks: How to Know When Numbers Deceive You, Simon and Schuster, New York. Goldacre, B. (2008). Bad Science, Fourth Estate (trad.: Ciência da Treta, Bizâncio, Lisboa, 2010). Jaynes, E. T., and Bretthorst, G. L. (2003). Probability Theory: The Logic of Science, Cambridge University Press, Cambridge. Littenberg, B., Moses, L., and Rabinowitz, D. (1990). Estimating diagnostic accuracy from multiple conflicting reports: a new meta-analytic method, Clinical Research 38, 415A. Motulsky, H. (2010). Intuitive Biostatistics: A Mathematical Guide to Statistical Thinking, Oxford University Press, Oxford. Pearl, J. (2009). Causality: Models, Reasoning and Inference, 2 nd ed., Cambridge University Press, Cambridge. Pearson, K. (2009). The Grammar of Science, Bibliobazar. Pestana, D., Velosa, S., Sequeira, F., e Vasconcelos, R. (2006). Evidência Estatística e Meta-Análise, in G. Cunha e J. Varanda (eds.), Estatística e Qualidade na Saúde, Lisboa, 48-74. Pestana, D., e Velosa, S. (2008). Introdução à Probabilidade e à Estatística, vol. I, 3ª ed., Fundação Gulbenkian, Lisboa. Simpson, E. H. (1951). The interpretation of interaction in contingency tables, J. Roy. Statist. Soc. B13, 238-241. van Belle, G. (2002). Statistical Rules of Thumb, Wiley, New York. Yule, G. U. (1903). Notes on the theory of association of attributes in statistics, Biometrika 2, 121-134. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 14

VOL.2 MARÇO 2010 Artigo Original de Investigação Embolização de fibromiomas uterinos em 882 pacientes (único centro) Uterine fibroids embolization - 882 patients (single center) João Martins Pisco 1,2,3*, Marisa Duarte 1,2,3, Tiago Bilhim 1,2,4, Hugo Rio Tinto 1,5 1 Hospital Saint Louis; 2 Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa; 3 Serviço Universitário de Radiologia do Hospital Pulido Valente; 4 Serviço de Radiologia do Hospital dos Capuchos; 5 Serviço de Radiologia do Hospital de São José. Efectuou-se embolização das artérias uterinas em 882 pacientes portadoras de fibromiomas com idades compreendidas entre 22 e 59 anos (média 40.6 anos). Todas as pacientes foram referenciadas a consulta de ginecologia num período inferior a 6 meses a fim de ser excluído tumor maligno. Por ressonância magnética pélvica com contraste foram avaliadas as dimensões, numero e localização dos fibromiomas e o volume do útero antes da embolização. A embolização realizou-se pela técnica de Seldinger, por via femoral e sob anestesia local ou acupunctura. Como material embólico usaram-se partículas de polivinil álcool ou microesferas de embozene. O controlo pós embolização é feito por observação clínica, inquérito, RM efectuada aos 6, 18 e 32 meses e radiografia da bacia aos 36 meses. Uterine fibroid embolization was performed in 882 patients with fibroids, age ranged from 22 to 59 years (mean 40.6 years). Before the procedure, pelvic enhanced MR evaluate the dimensions, number and localization of fibroids and the uterus volume. Embolization was done by Seldinger technique, under local anaesthesia or acupuncture. As embolic materiall, polyvinyl alcohol particles or embozene microspheres were used. The follow up control was performed by clinical observation, inquiries, magnetic resonance at 6, 18 and 36 months and by pelvis X-rays film.

Embolização de fibromiomas uterinos em 882 pacientes (único centro) PALAVRAS-CHAVE: Embolização; fibromiomas; útero. KEY WORDS: Embolization; fibroids; uterus. * Correspondência: João Martins Pisco. Email: joao.pisco@hpv.min.saude.pt ou joao.pisco@fcm.unl.pt INTRODUÇÃO Os fibromiomas uterinos são os tumores benignos mais frequentes na mulher em idade fértil. Devem-se ao crescimento anómalo de células de músculo liso no miométrio. Embora benignos, podem crescer e causar sintomas como menorragias, dor pélvica e distensão abdominal (Pisco, J. M. et al., 2008). Os fibromiomas eram tratados maioritariamente por histerectomia, ressecção histeroscópica para os fibromiomas submucosos, miomectomia nas mulheres jovens que pretendem preservar a fertilidade e com terapêutica médica recorrendo aos agonistas da hormona libertadora de gonadotropina (GnRH), de forma temporária devido aos efeitos secundários associados. As questões acerca da qualidade de vida e dos custos levaram ao desenvolvimento de tratamentos alternativos. Actualmente a Embolização dos fibromiomas uterinos (EFU) é uma alternativa à terapêutica médica e cirúrgica no tratamento dos fibromiomas sintomáticos (Pisco, J. M., Bilhim, T., Duarte, M., Santos, D., 2009). As vantagens da embolização em relação à histerectomia são a preservação do útero, o internamento curto e uma recuperação mais rápida (Volkers, N. A., Hehenkamp, W. J. K., Birnie, E., Ankum, W. M., Reekers, J. A., 2007). Comparativamente à miomectomia abdominal e à histerectomia abdominal ou vaginal, a EFU está associada a um custo hospitalar inferior e a um internamento mais curto (Siskin, G. P. et al, 2006; Jacobson, G. F., Shaber, R. E., Armstrong, M. A., Hung, Y., 2007). Na embolização arterial de orgãos sólidos os doentes frequentemente apresentam o síndrome de pós embolização, constituído por dor, náuseas, vómitos, febre, leucocitose e mal-estar geral (Pisco, J. M. et al., 2008). Na maioria dos centros as doentes ficam internadas por 24 a 48 horas após a EFU para controlo da dor abdominal pós-procedimento. No nosso centro o procedimento é efectuado de forma ambulatória, com a maioria das doentes tendo alta quatro a seis horas após a EFU, devido ao controlo dos sintomas pós embolização com o esquema terapêutico instituído (Pisco, J. M. et al., 2008; Pisco, J. M., et al., 2009; Pisco, J. M., Tsuchiya, M., Bilhim, T., Duarte, M., Santos, D., Oliveira, A. G., 2009). MÉTODO Oitocentas e oitenta e duas pacientes com idades compreendidas entre 22 e 59 anos (média 40,6) foram submetidas a embolização das artérias uterinas. O sintoma principal das doentes era menstruação prolongada ou menorragia em 516, sintomas relacionados com aumento do volume do abdómen em 203 e dor em 163. Foi obtido consentimento informado de todas as doentes tratadas. As pacientes tinham sido sujeitas a exame ginecológico completo há menos de seis meses, tendo sido efectuada ecografia pélvica em 293 e ressonância magnética (RM) pélvica com administração endovenosa de contraste (gadolínio) em 843. Por RM avaliou-se o volume do útero e dos fibromiomas particularmente do fibromioma dominante, o de maiores dimensões, multiplicando os três diâmetros Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 16

Embolização de fibromiomas uterinos em 882 pacientes (único centro) por 0.523 por se tratar de um elipsóide. Determinouse ainda o número de fibromiomas e a sua localização pela RM. No dia anterior à embolização, as doentes iniciaram terapêutica com anti-inflamatórios. Antes, durante e após a embolização, as doentes foram submetidas a terapêutica endovenosa com analgésicos, antiinflamatórios e antibióticos. A embolização das artérias uterinas efectuou-se sob anestesia local ou, como alternativa, sob acupunctura em 72 doentes. Para a realização da embolização, introduziu-se, pela técnica de Seldinger, na região inguinal, um catéter na artéria femoral com o qual se Figura 1 - Angiografia das artérias uterinas. Começou por embolizar-se a artéria uterina esquerda (a, b, c) a - Abundante vascularização numa área circular; b - Após embolização já não são visíveis os vasos tumorais mas a artéria mantém-se permeável (seta); c - Na fase tardia da angiografia verificou-se opacificação da metade esquerda do fibromioma. De seguida embolizou-se a artéria uterina direita (d, e, f) d - Angiografia da artéria uterina direita, vasos tumorais que irrigam a metade direita do fibromioma; e - Após embolização já não são visíveis os vasos tumorais (seta); f - Fase tardia da angiografia - opacificação da totalidade do fibromioma. cateterizaram, selectiva e sucessivamente, as duas artérias uterinas. Após a realização da angiografia das artérias uterinas, procedeu-se à sua embolização. Em 805 pacientes utilizaram-se partículas de álcool polivinil (William Cook, como agente embólico), numa suspensão homogénea de contraste iodado não iónico diluído a 50% em soro fisiológico à qual se adicionou como anti-inflamatório o cetoprofeno (Profenid 100 mg). Em 75 doentes a embolização foi realizada com microesferas de Embozene (Celonova). A introdução de partículas efectuou-se de forma lenta, e sempre sob controlo radioscópico, até ocorrer desaparecimento da abundante vascularização dos fibromiomas. Por fim, efectuou-se nova angiografia para confirmar a ausência de qualquer vascularização dos fibromiomas (Fig. 1). Concluída a embolização retirou-se o cateter e fez-se compressão da artéria femoral durante cerca de cinco minutos, seguindo-se a colocação de um penso. Quatro a oito horas após o tratamento, as doentes tomaram uma ligeira refeição, depois da qual iniciaram terapêutica oral e tiveram alta hospitalar, saindo medicadas com anti-inflamatórios, analgésicos e antibióticos. O controlo fez-se por observação clínica, questionários médicos preenchidos periodicamente e RM Pélvica. Esta foi efectuada às duas semanas nas primeiras 200 pacientes e nas restantes aos seis meses (Fig. 2). Posteriormente o controlo realizou-se aos 18 e 36 meses (Fig. 3). Pela RM com gadolínio avaliou-se a percentagem de redução do volume do útero, do fibromioma dominante e o grau de isquémia dos fibromiomas (Pelage, J., Guaou, N. G., Jha, R. C., Ascher, S. M., Spies, J. B., 2004). Aos três anos, realizou-se também radiografia simples da bacia, para verificar se os fibromiomas já estavam calcificados. Considerou-se sucesso técnico a embolização selectiva das artérias uterinas que a doente possuía e consequente redução da vascularização dos fibromiomas. Quanto ao sucesso clínico avaliou-se a melhoria dos sintomas, a redução das dimensões dos fibromiomas e útero e a isquémia dos fibromiomas superior a 90%. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 17

Embolização de fibromiomas uterinos em 882 pacientes (único centro) Figura 2 - R.M. pélvica antes (a, b) e duas semanas após a embolização (c, d). Figura 3 - R.M. pélvica. a, b - R. M. pélvica axial (a) e sagital (b) observa-se volumoso fibromioma vascularizado (seta). c, d - R. M. axial (c) e sagital (d) duas semanas após a embolização. Fibromioma de menores dimensões e baixa intensidade devido a isquémia. O sucesso clínico secundário foi o avaliado após nova embolização em 71 doentes nas quais ocorreu recidiva. Os critérios para efectuar segunda embolização foram: ausência de melhoria clínica associada a grau de isquémia inferior a 90% em alguns dos fibromiomas e a não redução das dimensões do fibromioma dominante e do útero. Considerou-se insucesso clínico a persistência ou o regresso dos sintomas, a não redução das dimensões do fibromioma dominante e do útero e a ausência de isquémia ou apenas isquémia parcial dos fibromiomas. RESULTADOS Entre 24 de Junho de 2004 e 31 de Outubro de 2009 efectuámos a embolização dos fibromiomas uterinos em 882 doentes com idades compreendidas entre 22 e 59 anos (média 40.6 anos). A maioria das doentes a (axial), b (sagital) - antes da embolização - Volumoso aglomerado fibromiomatoso com hipervascularização (setas); c (axial), d (sagital) - seis meses após a embolização - Redução das dimensões dos fibromiomas e de baixa intensidade por isquémia; e (axial), f (sagital) - 18 meses após a embolização - Continuação da redução dos fibromiomas que continuam de baixa intensidade; g (axial), h (sagital) - 36 meses após a embolização - Continuação da redução das dimensões dos fibromiomas de baixa intensidade. era portadora de vários fibromiomas variando o seu diâmetro entre 1.5 e 30 cm. Realizou-se embolização das duas artérias uterinas em 870 doentes e apenas de uma artéria em 12 doentes, quatro das quais tinham apenas uma artéria uterina. Nas restantes oito não foi possível a cateterização de uma das artérias uterinas devido às pequenas dimensões, a espasmo, a origem anómala, ou a Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 18

Embolização de fibromiomas uterinos em 882 pacientes (único centro) tortuosidade do vaso, pelo que o sucesso técnico foi obtido em 874 doentes (99,0%). Das 882 doentes, 771 tinham sido tratadas há mais de seis meses. Destas, verificou-se melhoria em 722 pelo que se verificou sucesso inicial, até aos seis meses, em 93.6%. O sucesso a médio e longo prazo, entre 18 a 64 meses, ocorreu em 522 das 608 (85.9%) doentes. Das 86 doentes (14.1%) em que se verificou insucesso, 10 foram submetidas a histerectomia e em 62 efectuouse a repetição da embolização, sem quaisquer encargos para a doente, tendo-se verificado bons resultados em 47 destas doentes. Por isso, o sucesso secundário, após nova embolização, verificou-se em 569 doentes (93.6%) das 608 pacientes. Ocorreram complicações major em 3 doentes. Em duas doentes verificou-se expulsão do volumoso fibromioma de 10 cm e 22 cm de diâmetro respectivamente, que por não ter sido possível a sua remoção por histeroscopia, foi efectuada histerectomia de urgência. Noutra doente ocorreu trombose da artéria ilíaca externa, que foi tratada com colocação de stent, tendo a doente ficado sem qualquer sequela. Verificou-se expulsão de fibromioma em 46 doentes, três das quais necessitaram de remoção histeroscópica. Nas restantes, o fibromioma foi expulso espontaneamente, tendo três necessitado de internamento durante dois dias. O síndrome pós embolização ocorreu em cerca de metade das doentes e manifestou-se por náuseas, vómitos e dor. Nas doentes em que se verificou sucesso clínico, os fibromiomas sofreram um processo atrófico, notandose redução das suas dimensões de 20% a 100% e do volume do útero de 10 a 85% nos primeiros seis meses, continuando a diminuir de tamanho até aos quatro anos. Nestas doentes, a RM revelou uma isquémia dos fibromiomas superior a 90%. A radiografia simples da bacia revelou calcificação de fibromioma em cerca de dois terços das tratadas há mais de 3 anos (Fig. 4). Das doentes tratadas, 62 pretendiam engravidar após o procedimento. Destas, 41 engravidaram entre quatro e 22 meses (média 8.2 meses) após a embolização. Nenhuma destas pacientes conseguia engravidar ou levar a termo uma gravidez. A gravidez terminou em 31 dessas pacientes, tendo nascido 26 crianças. Ocorreram quatro abortos, sendo três espontâneos e um provocado e verificou-se um nado morto às 36 semanas. Duas das grávidas em que ocorreram abortos espontâneos já tinham anteriormente à embolização, tido dois e três abortos respectivamente. O terceiro aborto espontâneo ocorreu numa paciente que tinha já anteriormente tido quatro abortos espontâneos. Engravidou, contudo na cesariana efectuada às 36 semanas verificou-se nado morto. Das 31 grávidas cuja gravidez terminou com êxito, 16 foi a primeira gravidez. Das restantes, cinco foi o 2º filho e as outras cinco tinham já estado grávidas entre Figura 4 - Radiografia da bacia. Das últimas 780 doentes tratadas, 571 (96%) tiveram alta quatro a seis horas após o tratamento. Presentemente, na totalidade das doentes, a técnica realiza-se exclusivamente em regime ambulatório. Nenhuma das doentes tratadas referiu disfunção sexual após a EFU, tendo 182 notado desaparecimento ou melhoria da dispareunia. Observam-se dois fibromiomas calcificados, três anos após a embolização. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 19