APONTAMENTOS PARA O ENTENDIMENTO DA HEGEMONIA DO CONCEITO DE AGRICULTURA FAMILIAR NO CONTEXTO DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO Marcos Antônio de Oliveira 1 INTRODUÇÃO: No campo das ciências sociais no Brasil atual, tem tido destaque entre os teóricos e pesquisadores do rural o conceito de agricultura familiar ou de agricultor familiar. Autores como NAVARRO (2001), SCHNEIDER (1994), ABRAMOWAY (1992, 1998) e VEIGA(1991), colocam claramente a questão de que o avanço do modelo de desenvolvimento pautado na revolução verde, no consumo de combustível fóssil e baseado em macro-planos e na grande propriedade da terra, baseada na agricultura patronal, fracassou. Para estes autores, o modelo de desenvolvimento que privilegia a grande propriedade e a grande escala, não consideram o local, as formas de produzir mais flexíveis e trazem danos ambientais. Assim, tais autores afirmam a necessidade de que os processos de desenvolvimento a partir de agora passem a pensar no local e nas pessoas, o que só viria com o fortalecimento de um certo modelo de agricultura e de agricultor, o chamado agricultor familiar. Principalmente a partir de meados dos anos 1990, coincidentemente com o período de falência do Estado, o suposto conceito de agricultor familiar ganhou centralidade, tanto entre os gestores das políticas públicas quanto entre os próprios representantes dos 1 Professor da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná e Técnico do Deser (Depto. de Est. Sócio- Econômicos Rurais. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Rua Ubaldino do Amaral, 374, Alto da Glória, Curitiba-PR, Tel. 41-3262-1842, Correio Eletrônico: marcos@deser.org.br
agricultores. Nesse sentido, as políticas para o rural passam a ser pensadas dentro do paradigma do suposto privilegiamento a tal ator social (TOURAINE, 1984) e, do lado das representações dos agricultores, são reivindicadas para privilegiar esse suposto ator. Isso ocorre, entretanto, sem um rigor maior quanto à verificação e reflexão acerca dos conceitos utilizados. Ou seja, há um movimento hegemônico em torno da centralidade desses termos, centralidade talvez derivadas das relações entre os pensamentos das agências e bancos de desenvolvimento (BID, BIRD, Cepal, ONU, FAO) e das ong s. Ou seja, o agricultor familiar é pensado, mesmo que de forma acrítica, como o ator principal para pensar um suposto novo modelo de desenvolvimento. Neste sentido, as propostas dos governos e dos trabalhadores para as políticas públicas para o campo passam a compreender a necessidade de incentivo à agricultura familiar. OBJETIVOS: O principal objetivo do artigo será apontar elementos que permitam entender os processos que levaram à hegemonia, entre os trabalhadores, governos e instituições multilaterais de apoio ao desenvolvimento, da necessidade do privilegiamento ao suposto agricultor familiar. Para entender como isso se deu, principalmente do lado dos trabalhadores, o presente proposta de trabalho pretende investigar a origem do conceito de agricultor familiar, reforçando seus aspectos ideológicos, que o autor compreende estarem adaptados à visão de mundo da burguesia e do capital mundial, ciosa em manter os trabalhadores pensando dentro dos paradigmas ditados pelos interesses da acumulação capitalista, como diz MÉSZÁROS (2001). Tal estudo se justifica, tendo em vista a perceptível hegemonia deste suposto conceito entre estes agentes sociais (trabalhadores, governos, agências multilaterais de desenvolvimento), num momento em que há uma crescente precarização das condições de trabalho e de vida das pessoas, jogando a maioria dos trabalhadores nos mercados informais de trabalho. Além
disso, há uma constante saída de contingentes populacionais do campo, com o aumento da pobreza nesse setor, fenômenos causados pelo avanço das condições de produção capitalista no campo. Mesmo assim, autores como ABRAMOWAY, VEIGA, NAVARRO e SCHNEIDER, insistem em dizer que há o aumento da importância do agricultor familiar e são ouvidos e levados em consideração pelas políticas públicas dos governos brasileiros desde o primeiro governo de FHC, do PSDB. Por que isto ocorre? Que relação isto tem com o momento de acumulação capitalista de produção e acumulação da riqueza? O agricultor familiar quer mesmo um novo tipo de mundo? Que mundo seria este? Assim, as políticas para a agricultura não seriam uma forma da burguesia continuar a ter hegemonia para o projeto de acumulação privada da riqueza. METODOLOGIA: Para dar conta destas perguntas e atingir os objetivos expressos neste trabalho, o pretende-se fazer uma análise de textos e livros publicados pelos principais intelectuais orgânicos da suposta agricultura familiar no Brasil: Zander Navarro, Ricardo Abramoway, Sérgio Sheneider e José Eli da Veiga, confrontando-os com a época em que foram escritos e com seus principais oponentes: Ricardo Umbelino de Oliveira e Claus Magno Germer. A partir da constatação feita pelo primeiro grupo de autores, que afirmam que a teoria marxista não mais tem condições de compreender e explicar a questão agrária, será feito uma digressão histórica sobre os textos marxistas que versaram sobre a questão agrária: O Capital, de Karl. Marx; A questão agrária, de Karl Kautsky, além de textos de Lênin: O Avanço do Capitalismo na Rússia, Carta Resposta ao Sr. Bulgakov e Novos dados sobre a agricultura nos Estados Unidos, obras da tradição marxista, para entender o que estes falaram sobre a questão agrária e a questão da oposição entre pequena e grande exploração agrícola. Com isso será possível ver qual o conceito de agricultura familiar exposto pelo primeiro
grupo e, considerando que estes mesmos afirmam que este tipo de agricultor é um agricultor capitalista, entender a lógica da hegemonia desta idéia no imaginário da ciência social na atualidade. RESULTADOS: Os resultados aguardados devem se dar no campo da verificação dos porquês e entendimentos dos processos de formação da hegemonia do conceito de agricultor familiar para o pensamento da situação do mundo rural na atualidade. Por conta disso, verificar-se-á os pontos de vistas discordantes entre os famosos neopopulistas brasileiros e os marxistas sobre a questão agrária. Com isto, poder-se-á entender melhor as relações existentes entre a construção das idéias e a forma de produção da riqueza, no momento atual de crise de acumulação capitalista. CONCLUSÕES: O estudo das relações entre o pensamento hegemônico referente à agricultura familiar como ator a ser privilegiado para a gestão de políticas para o meio rural levam à conclusão de que fazem parte da super-estrutura do capital para conseguir aceitação para a continuidade das relações capitalistas no campo. Ou, como diz GOMES & THOMAZ (2000):...é a necessária construção de conceitos para o controle da luta de classes no campo.o artigo de demonstrará como o conceito de agricultor familiar serve a estes objetivos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABRAMOVAY, R., Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Hucitec, 1992. ABRAMOWAY, R., O capital social dos territórios, Seminário sobre Reforma Agrária e desenvolvimento sustentável. MDA/NEAD, Brasília, 1998;
ABRAMOVAY, Ricardo. Comentário a texto de Claus Germer: a irrelevância prática da agricultura familiar para o emprego agrícola, Seminário Economia Política da Agricultura, Unicamp, São Paulo, 1996; GERMER, C. M., A irrelevância prática da agricultura familiar para o emprego agrícola, Seminário Economia Política da Agricultura, Unicamp, São Paulo, 1996; GERMER, C. M., Bases do programa agrário, Teoria e Debate, nº 24, (mar/abr/mai de 2000), São Paulo; GÓMES, J. M., & THOMAZ JR, A., Novo sentido da luta de classes e do controle social no meio rural: uma contribuição à geografia do conflito capital X trabalho, Santiago de Compostela, Espanha, Revista Xeografia, nº12, 2000; MÉSZÁROS, I., Para além do capital, 1ª edição, 1ª reimpressão, São Paulo: BoiTempo Editorial, 2002; NAVARRO, Z. Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e os caminhos do futuro. Revista Estudos Avançados, volume 15, número 43. Instituto de Estudos avançados. USP. São Paulo, dezembro de 2001. SCHNEIDER, Sérgio. O desenvolvimento agrícola e as transformações da estrutura agrária nos países do capitalismo avançado: a pluriatividade. Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária. Campinas, v.24, n.3, p.106-131, set/dez. 1994. TOURAINE, A., O retorno do actor: ensaio de sociologia, Lisboa: Instituto Piaget, 1984;
VEIGA, J. E. da, O desenvolvimento agrícola: uma visão histórica. Hucitec/USP, 1991. São Paulo: VEIGA, J. E. da, Cidades Imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula, Campinas: Autores Associados, 2002;