O ATUAL CENÁRIO DA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA NA CIDADE DE NOVA IGUAÇU: uma preocupação com as gerações futuras RESUMO

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Transcrição:

Revista Eventos Pedagógicos v.2, n.3, Número Especial, p. 92 100, Ago./Dez. 2011 O ATUAL CENÁRIO DA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA NA CIDADE DE NOVA IGUAÇU: uma preocupação com as gerações futuras Marcos Paulo Mendes Araújo * RESUMO Este artigo apresenta um breve panorama das condições de tratamento dos registros históricos mais antigos e significativos existentes no município de Nova Iguaçu. Para tal, as informações foram levantadas através de um Programa de Iniciação Científica (PIC) desenvolvido pelo autor durante os anos de 2004 e 2005 e que contou com o auxílio de 03 (três) alunos bolsistas. Palavras-chaves: Documentação. Preservação. Patrimônio. 1 INTRODUÇÃO Este artigo é fruto de um trabalho investigativo promovido ao longo dos anos de 2004 e 2005, através do Programa de Iniciação Científica (PIC) da Universidade Iguaçu. Na ocasião foram levantados os dados de seis instituições detentoras de registros (documentos) históricos produzidos ao longo de mais de trezentos anos. O projeto contou com a coordenação do autor do texto e com a colaboração de Três alunos bolsistas. A política de preservação de bens culturais teve início ainda no século XIX em decorrência da 2ª fase da revolução industrial, mas as experiências eram ainda isoladas. Foi * Professor do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil Colonial da UNIMSB. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Universidad Nacional de Cuyo (Mendoza Argentina). Especialista em História e Cultura Antiga pela UFF; Especialista em Educação pelo SEAD/UFRJ. Coordenador da Pós em Arqueologia Brasileira do IAB/UCP; Diretor Pedagógico da Duvalle Soluções Educacionais; professor de História da Rede Flama de Ensino. Endereço Eletrônico: cunhabebe@ig.com.br

apenas em 1931, no Congresso de Atenas, que teve início um profundo debate sobre a preservação dos bens culturais em uma escala internacional. Em nosso país, o Decreto Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937, foi um marco no que se refere à preservação dos bens móveis e imóveis relacionados aos fatos memoráveis da história nacional, bem como, pelo seu excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico. Esse decreto, inclusive, norteou os primeiros trabalhos do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Mas apesar de podermos considerar o Brasil como um país de ponta nas questões de preservação, tendo em vista a criação de uma extensa legislação sobre o tema, parece que durante todo o século XX, as práticas foram bem diferentes. Em muitos Estados e cidades do país, talvez pelo desconhecimento de tais documentos ou pela falta de preocupação em definir políticas públicas sérias com a preservação do patrimônio local. Nesse pequeno estudo procurei analisar a falta de políticas de preservação do patrimônio cultural em Nova Iguaçu e as suas implicações com a falta de uma identidade do morador com o seu lugar de habitação, o desconhecimento de sua história e de sua memória. 2 NOVA IGUAÇU: uma cidade em busca de sua memória Para começar este pequeno esboço histórico, antes, de mais nada, é necessário revisitar Nova Iguaçu. Para isso, é interessante apresentar alguns aspectos relevantes do passado e da atualidade que ajude todos que não conhecem a cidade a entenderem o papel do município na região da Baixada Fluminense e na história nacional. Assim, podemos começar apresentando Nova Iguaçu. Cidade da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro possui uma área de aproximadamente 520, 5 Km 2 e uma população estimada em 829.999 habitantes. Historicamente, as terras que atualmente compõem o município, registram a importância deste território como celeiro no abastecimento da cidade do Rio de Janeiro. A cidade foi assentada ao lado do Rio Iguaçu que contribui com suas águas para formação da Baía da Guanabara. A ocupação da bacia do rio Iguaçu 1 tem início a partir de 1567 quando as primeiras sesmarias foram distribuídas 2. Ao longo dos séculos: XVI e XVII os colonos europeus 1 O Rio Iguaçu nasce na Serra do Tinguá e corre pelas terras da antiga Vila de Iguassú até o fundo da Baía da Guanabara. O ATUAL CENÁRIO DA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA NA CIDADE DE NOVA IGUAÇU... - Página 93

desbravaram as terras e entraram em contato com os índios Jacutingas (tupis) que habitavam a região. Mas tarde, foi à vez da região servir como um importante ponto de passagem entre o litoral e o sertão. Em função de sua localização estratégica, o território iguaçuano ganhou importância no tangente ao escoamento das riquezas produzidas na região das minas gerais até o porto do Rio de Janeiro, onde ocorria o embarque das mercadorias para continente europeu. A Vila de Iguassú foi criada no início da terceira década 3 do século XIX (1833). A presença marcante da Igreja Católica através da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Iguassú, pode observar a passagem de muitos viajantes, estudiosos e personalidades políticas da história brasileira. Entre os vultos mais proeminentes que passaram pelas terras de Iguassú, podemos destacar o próprio Rei de Portugal, D. João VI que visitou ocasionalmente Iguassú, quando de sua passagem em direção a São João del Rei 4. Entre os que também estiveram nas terras pertencentes à antiga Vila de Iguassú, destacam-se o pastor norte americano Daniel Kidder que, após sua visita, publicou obra valiosa sobre a região; Freycinet; Maria Grahm; Dupperey; La Place; Augusto de Saint-Hilaire; entre tantos que marcaram presença no Brasil colonial e imperial. A visita de grandes nomes do cenário nacional e internacional serve para ratificar algumas teses, que defendem que Iguassú era muito importante para colônia e para o império. Possuidora de uma área de excelente fertilidade, o local proporcionou grandes empreendimentos em suas terras, visto ser aqui um ótimo local para produção de gêneros alimentícios destinados ao abastecimento da Corte. Há alguns anos foi realizada uma mostra de peças barrocas 5 no SESC de Nova Iguaçu com a apresentação de trabalhos recolhidos em nas igrejas da Baixada Fluminense, e entre essas, várias de Nova Iguaçu. A exposição serviu para dar às pessoas uma dimensão do poder econômico da região em um passado não tão distante, demonstrando claramente seu valor estratégico no cenário político nacional. Mas qual o interesse em tratar dessa importância econômica e política que a região possui para a história? Pretendo chegar ao fato de que, nada disso serviu para sensibilizar as autoridades locais ao longo de todos esses anos de existência da cidade. O que podemos perceber é que o 2 As primeiras sesmarias foram distribuídas na região por Martim Afonso de Sousa. Entre os primeiros sesmeiros, podemos destacar: Brás Cubas e Cristóvão de Barros, que recebeu de Mem de Sá suas terras. 3 A vila foi criada por Decreto de 15 de janeiro de 1833. 4 Retirado da Abreviada demonstração dos trabalhos da polícia em todo o tempo que a serviu o Desembargador do Paço Paulo Fernandes Viana. In. Revista do IHGB. Tomo LV, parte I. Rio de Janeiro, 1892. 5 Mostra: Devoção e Esquecimento: Presença do Barroco na Baixada Fluminense. SESC, entre 17 de maio e 17 de julho de 2002. Página 94 - Marcos Paulo Mendes Araújo

descaso das autoridades locais e regionais concorreu para que os bens culturais que compõem o patrimônio material e imaterial da cidade fossem aos poucos se deteriorando e em alguns casos desaparecendo por completo. É fato que a educação para a preservação do patrimônio, contribui significativamente para o desenvolvimento regional. Fazer com que as pessoas vivenciem de forma mais integral o espaço em que habita favorece a criação de uma identidade e isso acaba promovendo a reboque uma série de outros aspectos sócio-culturais. Em relação à preservação patrimonial, podemos dizer que ao longo do tempo, pouco foi feito a nível nacional. Igualmente, as políticas públicas municipais são apenas reflexos desta cultura de descaso que se instalou no país há tempos. Também é impossível negar que pequenas ações poderiam ter sido realizadas para que essa situação fosse revertida. Uma tarefa simples que poderia colaborar com a criação de um espírito de preservação nas comunidades locais, sem dúvida nenhuma é a implantação de projetos de Educação Patrimonial na comunidade escolar e seu entorno, nas organizações de classe, organizações comunitárias, Igrejas e outros grupos organizados da sociedade. Acreditamos que a falta de conhecimento não pode ser uma arma de defesa das autoridades. Por volta de 1983, aconteceram vários eventos, tais como, seminários e outras ações visando à criação de políticas públicas voltadas à preservação e a manutenção dos bens culturais por todo território nacional. O 1 o encontro desta natureza ocorreu em julho de 1983 no Museu Imperial localizado na cidade de Petrópolis 6 no Rio de Janeiro e discutiu o Uso Educacional de Museus e Monumento. A partir desse encontro foram realizados vários outros movimentos e atividades visando o estabelecimento de políticas de preservação do patrimônio cultural no território brasileiro. Devemos ressaltar que a cidade serrana de Petrópolis dista pouco de Nova Iguaçu, não mais de setenta quilômetros. Desta forma, seria compreensível que os resultados deste evento em pouco tempo gerassem frutos na principal cidade da Baixada Fluminense, mas não foi isso que aconteceu. Na mesma época em que ocorriam esses eventos na região serrana, na capital e em vários outros locais do país, em Nova Iguaçu a população acompanhava o descaso total dos administradores com os bens históricos. Tais vestígios do passado encontravam-se na maior parte das vezes em adiantado processo de deterioração. 6 Seminário que aconteceu no início da década de 80. Desse encontro foi produzida uma apostila com os principais resultados e publicados no final da década de 90 pelo projeto Salto para o Futuro da TVESCOLA. O ATUAL CENÁRIO DA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA NA CIDADE DE NOVA IGUAÇU... - Página 95

Isso, sem falar nos bens imateriais. Esses também não receberam nenhum apoio governamental para sua manutenção. Resultado. Por mais simples que possa parecer, uma manifestação cultural tão importante como a Folia de Reis é tratada hoje em dia na região como algo pitoresco e completamente desconhecida pela maior parte da população. Ainda fazendo menção ao evento promovido na cidade de Petrópolis, vale a penas ressaltar que no mesmo ano, ou seja, em 1983, o jornal O GLOBO na sua edição do dia 24 de abril em seu primeiro caderno mostrava o descaso das autoridades de Nova Iguaçu com dois de seus bens históricos mais significativos: a Fazenda São Bernardino, e o campanário da igreja de Nossa Senhora da Piedade de Iguaçu. Segundo a reportagem, o que acontecia na cidade de Nova Iguaçu era algo sem cura. Nas palavras do Senhor Teodosio Joels, Coordenador de Obras da 6 a Diretoria da Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o que acontecia aqui com nossos bens histórico era como uma Doença e o pior é que ele próprio afirmava que essa doença não possuía cura: Nós somos aquele clínico que avalia a doença, mas não pode curar. Fato é que, Nova Iguaçu não é a única cidade brasileira que não implantou, durante muitas décadas, políticas públicas de preservação. Outros bens, inclusive alguns tombados pelo IPHAN sofrem com a ação do tempo em municípios vizinhos. O pior, é que não existem ações concretas ou mesmo previsão de obras de recuperação e conservação para a maior parte dos monumentos, ou quando ocorrem, essas ações são realizadas de maneira pouco eficiente ou ineficaz. Mas nem todos ficam tristes com essa situação. Vejamos de maneira irônica o caso dos cupins. Esses pequenos seres estão aos poucos engordando suas "barriguinhas" com arte sacra feita em madeira de lei, muitas vezes até banhadas a ouro. Não seria nada alarmante, não fosse o susto do antigo técnico em conservação do IPHAN Jorge Campana, que ao abrir a porta da sacristia da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos em Duque de Caxias, viu a mesma cair e acabou desistindo da vistoria que pretendia fazer. O que podemos fazer? Até onde a título de cidadão nos permite agir por conta própria? Podemos ajudar na preservação? Como fazer isso? Todas essas perguntas e mais uma série de outras podem ser respondidas na medida em que a sociedade civil se une contra o descaso das autoridades com o nosso patrimônio cultural. Temos que tomar como uma missão cotidiana, a luta pela preservação dos nossos maiores bens que é a nossa história e os registros de nossa memória coletiva. E isso significa sem dúvida nenhuma na promoção de uma luta diária pela preservação dos prédios históricos, das praças, das ruas, monumentos, músicas, gastronomia, vestuário, e tantos outros aspectos. Página 96 - Marcos Paulo Mendes Araújo

3 REGISTROS TEXTUAIS Quando tratamos dos bens culturais, não podemos pensar apenas nos bens móveis e imóveis. É necessário pensar também nos documentos que foram produzidos ao longo da existência do município, ou seja, ao longo de mais de 175 anos. Não fugindo a regra, o município de Nova Iguaçu não possui nenhum projeto de preservação da documentação histórica. Assim, ficaram responsáveis por cuidar de grande parcela dessa documentação, instituições particulares, que apesar de possuírem grande interesse, muitas vezes não possuem pouco ou nenhum recurso financeiro para tal fim. Em Nova Iguaçu podemos observar alguns casos que ilustram bem isso. O primeiro deles é o caso do Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu. Instituição fundada em 15 de novembro de 1962, ainda hoje possui grande importância para municipalidade. Ela é detentora de um importante acervo documental (registros textuais e iconográficos) relacionado à história local e regional. Presidido atualmente pelo Professor Ney Alberto Gonçalves de Barros o acervo do IHGNI foi formado a partir de doações feitas por particulares, pela compra de documentos e pela reunião de acervos que seriam descartados pelos órgãos públicos. O grande acervo que está guardado em diferentes locais por falta de um espaço específico que possa dar conta de receber e abrigar tal documentação. Até bem pouco tempo, o acervo estava armazenada em uma saleta da Universidade Iguaçu (UNIG), local que infelizmente não reunia condições de receber os pesquisadores que estivessem interessados em consultar tais documentos. Outros registros encontram-se guardados em lugares como a residência do presidente do Instituto, no Colégio Leopoldo e na Casa de Cultura municipal. Em 2009, foi feito um esforço para a criação na Universidade Iguaçu de um Centro de Pesquisa 7, que pretendia abrigar esses documentos de maneira permanente. A intenção era permitir que toda comunidade pudesse ter acesso a tais informações de maneira democrática. Infelizmente por falta de interesse e apoio da iniciativa pública e privada, não foi possível reunir os recursos necessários a tal empreendimento. Ainda sobre a situação da preservação dos documentos, é interessante registrar que ao longo do tempo, outras instituições preocupadas em preservar a história e a memória da 7 O CEDOPE/UNIG foi um Projeto que foi elaborado em 2007. Suas ações infelizmente foram limitadas por falta de apoio da universidade. O ATUAL CENÁRIO DA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA NA CIDADE DE NOVA IGUAÇU... - Página 97

municipalidade e mesmo administrando poucos recursos procuraram preservar importantes conjuntos documentais. Esses registram auxiliam a população que pode conhecer melhor os fatos históricos e desta forma, ajudar a estabelecer uma identidade local e na promoção de uma sensibilização das pessoas, para a necessidade de preservação de certos aspectos culturais. Uma solução que recentemente foi dada para a preservação da documentação do IHGNI foi a de unir esforços para o arquivo da cúria diocesana dirigido atualmente pelo professor Antônio Lacerda, cedesse um espaço para guarda desse rico acervo. Acreditamos que assim estaremos possibilitando aos pesquisadores o acesso a tais documentos de forma mais rápida. E por falar em arquivos da igreja, que merece destaque o importante trabalho desenvolvido pelo Arquivo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu. Dirigida há muitos anos pelo Professor Antônio Lacerda de Menezes, esse arquivo é responsável pela guarda e preservação dos documentos produzidos pela Igreja Católica ao longo de vários séculos. O arquivo possui um conjunto documental composto por livros de batismos, casamentos, óbitos, entre outros, que foram produzidos, entre os séculos, XVII e XX. São vários conjuntos documentais que dependem quase que exclusivamente das próprias estratégias do administrador do arquivo para não sofrerem com as ações do tempo. Neste arquivo encontram-se aproximadamente 16 metros lineares de documentos textuais; mais de 1500 registros fotográficos, mapas e outros documentos com outros tipos de suporte, que atualmente se encontram em fase de organização. O arquivo diocesano acabou ganhando alguma projeção nesta década através de alguns projetos promovidos em parceria com a Universidade Federal Fluminense que desenvolveu um longo trabalho de levantamento dos livros de assentamentos de casamentos, batismos e óbitos realizados pelas igrejas e capelas da região desde o período colonial. Tais projetos ajudam os arquivos locais a se manterem na medida em que acabam gerando recursos e rendas, além de fomentarem pesquisas acadêmicas. Embora esse arquivo tenha atualmente alguma projeção, não foi possível ainda organizar todos os documentos da Administração eclesiástica local. Ainda sobre o papel político dos gestores municipais, é possível afirmar que estes geralmente não conhecem a necessidade da preservação do passado através de investimentos em arquivos públicos. Percebemos que as prefeituras não demonstram interesse ou preocupação com a preservação dos documentos históricos. Assim, também cabe aos interessados em preservar a história e a memória a árdua tarefa de lutar em prol da preservação dos registros históricos, dos bens materiais e imateriais. Página 98 - Marcos Paulo Mendes Araújo

Um exemplo de dedicação com a história e a memória da Baixada Fluminense ocorre no município de São João de Meriti. A criação do Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e Ciências Sociais da Baixada Fluminense proporcionou uma série de mudanças na região, permitindo que os interessados em pesquisar aspectos sociais da Baixada Fluminense possam achar subsídios para suas investigações. 4 CONCLUSÃO Para finalizar esta pequena abordagem, devo deixar registrado que a pretensão do artigo é alertar todas as pessoas, iguaçuanas ou não, de comunidades carentes dos grandes centros ou mesmo das pequenas cidades desse imenso país chamado Brasil em suas comunidades ribeirinhas, nas favelas, nos guetos e em toda parte. É necessário um esforço maior para levar a cabo a função de cada um de nós como cidadãos, e principalmente dos administradores públicos em direção à proteção e preservação dos registros do nosso passado. Devemos observar que a preservação da história e da memória serve, antes, de mais nada, como a maior de todas as armas na defesa da cidadania. Por fim, podemos deixar registrado que o Estado deve ser responsável pela criação de uma consciência voltada para preservação dos bens culturais. E é justamente isso que permitirá ao cidadão a capacidade de voltar seus olhos para trás e enxergar um mundo verdadeiramente em transformação. EL ACTUAL ESCENARIO DEL PRESERVACIÓN DE LA MEMORIA EN LA CIUDAD DE NUEVA IGUAZU: una preocupación con las generaciones futuras RESUMEN Este artículo presenta un breve panorama de las condiciones de tratamiento de los registros históricos más antiguos y significativos existentes en el municipio de Nova Iguaçu. Para tal, las informaciones fueron levantadas a través de un Programa de Iniciación Científica (PIC) crecido por el autor durante los años de 2004 2005 y que contó con el auxilio de 03 (tres) alumnos becarios. O ATUAL CENÁRIO DA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA NA CIDADE DE NOVA IGUAÇU... - Página 99

Palabras llave: Documentación. Preservación. Patrimonio. REFERÊNCIAS BOMENY, H. B. O patrimônio de Mário de Andrade. In. A Invenção do Patrimônio: continuidade e ruptura na constituição de uma política oficial de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: IPHAN, 1995. CARVALHO, I. B. de. Laranjas Brasileiras. Nova Iguaçu, 1999. COARACY, V. Memórias da cidade do Rio de Janeiro. 3. ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. GUIMARÃES, J. E. P. Epítome da História da Mineração. São Paulo: Art. Editora/ Secretaria de Estado da Cultura, 1981. LOS RIOS FILHO, A. M. de. O Rio de Janeiro Imperial. 2. ed. Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 2000. PEREIRA, W. A mudança da Vila: História Iguaçuana. Nova Iguaçu: FGV, 1970. PERES, G. Tropeiros e viajantes na Baixada Fluminense: Ensaio. Mesquita, RJ: Gráfica Shaovan, 2000. TELLES, A. C. Da S. Preservação dos bens culturais. Ontem e Hoje. E amanhã? Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 419, 2003. Página 100 - Marcos Paulo Mendes Araújo