SAÚDE MENTAL E COMORBIDADES EM MULHERES ADULTAS RESIDENTES EM CAMPINAS, SP, BRASIL Caroline Senicato Marilisa Berti de Azevedo Barros Faculdade de Ciências Médicas/Universidade Estadual de Campinas Email:senicato@fcm.unicamp.br Telefone: (19) 35219249 País: Brasil 1. Introdução Dentre as morbidades que acometem as mulheres adultas, os transtornos mentais comuns (TMC) ganham destaque pela alta prevalência e impacto que produzem na qualidade de vida e bem estar. Os transtornos mentais comuns, expressão criada por Goldberg & Huxley (1992), caracterizam-se por quadros de depressão, de ansiedade e somatoformes, ou seja, são aproximadamente 90% das morbidades psiquiátricas (Lopes et al, 2003) e a sua prevalência em países industrializados varia de 7 a 30% nas populações (Goldberg e Huxley, 1992). Transtornos mentais, como de humor, bipolar ou depressão, produzem grandes efeitos sociais e econômicos, com comprometimento funcional, incapacidade ou perda de produtividade no trabalho e aumento do uso de serviços de saúde (Simon, 2003). Vários são os fatores associados aos transtornos mentais. O nível socioeconômico (Marín-León et al, 2007; Fortes et al, 2011), o suporte e arranjo familiar (Araújo et al, 2005; Artazcoz et al, 2004; Fortes et al, 2011), as condições de saúde e os comportamentos relacionados à saúde (Boing et al, 2012). A associação entre transtornos mentaise morbidades pode ser devido a alterações orgânicas ocasionadas pelas doenças neuropsiquiátricas, que aumentam os riscos de
desenvolver doenças crônicasou a limitações na vida cotidiana dos doentes crônicos, que podem levar a transtornos mentais e de humor. O conhecimento das condições de saúde associadas aos transtornos mentais em mulheres adultas contribuirá para ações específicas dentro da saúde mental, assim como naatuaçãoem grupos vulneráveis na atenção primária, contribuindo desta forma com a qualidade de vida das mulheres com TMC. 2. Objetivos Analisar as doenças crônicas e problemas de saúde associados ao TMC em mulheres de 18 a 59 anos, residentes no município de Campinas, São Paulo, Brasil. 3. Materiais e métodos Trata-se de um estudo transversal de base populacional, que utilizou dados do Inquérito de Saúde do Município de Campinas, São Paulo, Brasil, denominado ISACamp 2008/2009, realizado pelo Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas. O processo de amostragem do ISACamp 2008/2009 envolveu dois estágios. No primeiro estágio, foram sorteados 50 setores censitários da área urbana do município de Campinas/SP/Brasil com probabilidade proporcional ao número de domicílios. Foi feito um sorteio sistemático, no qual os setores foram ordenados pelo percentual de chefes de família com nível universitário, ou seja, foi utilizada uma estratificação implícita por escolaridade. No segundo estágio da amostra foram sorteados os domicílios. O tamanho da amostra foi definido considerando a estimativa de uma proporção de 0,50, com um erro máximo de 4 a 5 pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95% e efeito de delineamento de 2, resultando em 1000 indivíduos para cada domínio de idade: adolescente (10 a 19 anos), adulto (20 a 59 anos) e idoso (60 anos ou mais). Como se definiu tamanhos iguais de amostra para cada domínio de idade, e a população de adolescentes, adultos e idosos são diferentes, as probabilidades de sorteio
para cada estrato foi distinta. Esperando 80% de taxa de resposta, o tamanho da amostra foi corrigido para 2150, 700 e 3900 domicílios, respectivamente para entrevistas com adolescentes, adultos e idosos. Foram entrevistados todos os residentes do domicílio, que fossem do domínio sorteado. No presente estudo foram utilizados somente os dados de adultos do sexo feminino na faixa de 18 a 59 anos de idade. Informações demográficas, socioeconômicas, de condições de saúde, de comportamentos relacionados à saúde e de uso de serviços de saúde foram obtidas por meio de um questionário estruturado, previamente testado, aplicado por entrevistadores treinados e supervisionados. A entrevista foi feita com a pessoa selecionada. As variáveis analisadas neste estudo foram: Transtorno mental comum:avaliado pelo Self ReportingQuestionnaire 20 (SRQ-20). O instrumento SRQ-20 é composto por 20 questões divididas em quatro blocos referentes à: diminuição de energia, sintomas somáticos, humor depressivo/ansioso e pensamentos depressivos. As respostas são dicotômicas e para cada resposta afirmativa é atribuído um ponto, totalizando-se 20 pontos para todas as respostas positivas. Foi caracterizada com TMC as mulheres adultas que pontuaram oito ou mais pontos (Mari e Williams, 1986). Estado de saúde e morbidades: morbidade nas últimas duas semanas; doenças (referidas como tendo sido diagnosticadas por médico ou outro profissional de saúde) listadas em um checklist: hipertensão arterial, diabetes, doença do coração, reumatismo/artrite/artrose, osteoporose, asma/bronquite/enfisema, tendinite/ler/dort, problema circulatório; número de doenças crônicas referidas entre as relacionadas; problemas de saúde: dor de cabeça/enxaqueca, dor nas costas/problema de coluna, alergia, problema emocional (ansiedade/tristeza), tontura/vertigem, insônia e problema urinário; número de problemas de saúde autorreferidos entre os relacionados;deficiência visual e auditiva, uso de óculos e/ou lentes, uso de prótese dentária, ocorrência de acidente e de violência no último ano; autoavaliação da saúde.
A variável dependente foi a presença de TMC. As variáveis independentes foram os indicadores do estado de saúde; idade (contínua) e escolaridade foram usadas para controle de confundimento. As associações entre as variáveis foram determinadas por meio do teste de quiquadrado, com nível de significância de 5%. Modelos de regressão simples e múltipla de Poisson com variância robusta foram usados para estimar as razões de prevalências brutas e ajustadas e seus intervalos de confiança de 95%. As análises estatísticas realizadas com o programa Stata versão 11.0, módulo svy, consideraram os pesos amostrais e o efeito do delineamento do estudo. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas em adendo ao parecer nº 079/2007. 4. Resultados A amostra deste estudo foi composta por 592 mulheres com idades entre 18 a 59 anos. A prevalência de TMC entre as mulheres adultas no município de Campinas/São Paulo/Brasil foi de 11,9% (IC95%: 8,8-15,0). As mulheres que apresentaram maiores prevalências de TMC mencionaram maiores prevalências de morbidades nos últimos quinze dias anteriores à pesquisa (RP=1,80). Verificou-se prevalência de TMC 9,01 vezes maior entre as mulheres que referiram quatro ou mais doenças crônicas e 2,52 vezes maior entre as que reportaram cinco ou mais problemas de saúde. Maiores prevalências de TMC foram constatadas nas seguintes doenças crônicas: cardiopatia (RP=2,02), reumatismo/artrite/artrose (RP=2,70), asma/bronquite/enfisema (RP=2,14), tendinite/ler/dort (RP=2,72) e problemas circulatórios (RP=2,42). Em relação aos problemas de saúde observou-se maior prevalência em: cefaleia (RP=2,11),tontura (RP=3,37), insônia (RP=4,38) e problema urinário (RP=3,42). Assim como, naquelas mulheres que sofreram violência no último ano (RP=3,54), que eram deficientes auditivas (RP=6,23) e que referiram saúde ruim/muito ruim (RP=11,20).
5. Conclusão A prevalência de TMC é fortemente elevada entre as mulheres com maior número de doenças e problemas de saúde, principalmente, com determinadas morbidades, demonstrando-se ser um grupo que necessita de ações específicas, contribuintes da saúde mental. Estudos têm demonstrado que intervenções psicológicas apresentam resultados positivos no manejo de várias dores, dentre elas as causadas pela artrite reumatoide (Sharpe et al, 2003) e a dor de cabeça (Nash et al, 2004). A associação entre doenças físicas e doenças mentais conforme verificada por este estudo expõe a maior vulnerabilidade das mulheres com TMC. É preciso considerar os efeitos dos tratamentos medicamentosos e monitorar continuamente as mulheres com transtornos mentais, assim como as mulheres que sofrem com determinadas morbidades. 6. Referências bibliográficas Araújo TM, Pinho PS & Almeida MMG. Prevalência de transtornos mentais comuns em mulheres e sua relação com as características sociodemográficas e o trabalho doméstico. Rev bras saúdematern infant. 2005;5(3):337-48. Artazcoz L, Borrell C, Benach J, Cortès I, Rohlfs I. Women, family demands and health: the importance of employment status and socio-economic position. Social Science & Medicine. 2004;59:263-74. Boing AF, Melo AR, Boing AC, Moretti-Pires RO, Peres KG, Peres MA. Associação entre depressão e doenças crônicas: estudo populacional. Rev Saúde Pública 2012;46(4):617-23.
Fortes S, Lopes CS, Villano LAB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. RevBrasPsiquiatr 2011; 33(2): 150-156. Goldberg D, Huxley P. Commom mental disorders: a bio-socialmodel. London: Tavistock; 1992. Lopes CS, Faertein E, Chor D. Eventos de vida produtores de estresse e transtornos mentais comuns: resultados do Estudo Pró-Saúde. Cad SaúdePública 2003;19(6):1713-20. Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ-20) in primary care in the city of Sao Paulo.Br J Psychiatry. 1986;148:23-6. Marín-León L, Oliveira HB, Barros MBA, Dalgalarrondo P, Botega NJ. Social inequality and common mental disorders. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(3):250-53. Simon GE. Social and economic burden of mood disorders.biol Psychiatry 2003;54(3):208-15. Nash JM, Park ER, Walker BB, Gordon N, Nicholson RA. Cognitive-behavioural group treatment for disabling headache. Pain Med 2004;5:178-86. Sharpe L, Sensky T, Timberlake N, Ryan B, Allard S. Long-term efficacy of a cognitive behavioural treatment from a randomised controlled trial for patients recently diagnosed with rheumatoid arthritis. Rheumatology (Oxford) 2003;42:435-41.
Prevalência de TMC (SRQ-20) segundo doenças crônicas e problemas de saúde, em mulheres adultas. ISACamp 2008/2009. Variáveis n* Prevalência RP Bruta a RP Ajustada b (%) (IC 95%) (IC 95%) Morbidade (últimos 15 dias) 0,0004*** Não 458 9,8 1 1 Sim 134 19,3 1,97 (1,38-2,82) 1,80 (1,25-2,58) Hipertensão arterial 0,0025*** Não 505 9,8 1 1 Sim 87 23,0 2,34 (1,38-3,95) 1,64 (0,90-2,99) Diabetes 0,0410*** Não 568 11,3 1 1 Sim 24 24,8 2,19 (1,07-4,49) 1,55 (0,71-3,35) Cardiopatia 0,0007*** Não 568 11,1 1 1 Sim 24 31,0 2,79 (1,63-4,79) 2,02 (1,22-3,33) Reumatismo/artrite/artrose <0,0001*** Não 560 10,2 1 1 Sim 32 40,0 3,91 (2,48-6,17) 2,70 (1,53-4,77) Asma/bronquite/enfisema 0,0247*** Não 568 11,2 1 1 Sim 24 27,9 2,48 (1,16-2,30) 2,14 (1,01-4,54) Tendinite/LER/DORT 0,0012*** Não 553 10,4 1 1 Sim 39 31,2 2,99 (1,65-5,43) 2,72 (1,54-4,80) Problemacirculatório <0,0001*** Não 522 9,2 1 1 Sim 70 31,2 3,38 (2,07-5,51) 2,42 (1,32-4,45) Dor de cabeça 0,0001*** Não 381 8,3 1 1 Sim 211 19,0 2,34 (1,57-3,48) 2,11 (1,44-3,10) Dornascostas 0,0124*** Não 396 9,0 1 1 Sim 196 17,5 1,95 (1,16-3,28) 1,55 (0,90-2,66) Alergia 0,2321*** Não 400 10,6 1 1
Sim 192 14,6 1,38 (0,81-2,36) 1,45 (0,87-2,41) Tontura/vertigem <0,0001*** Não 517 8,4 1 1 Sim 75 36,0 4,26 (2,41-7,53) 3,37 (1,84-6,16) Insônia <0,0001*** Não 480 6,6 1 1 Sim 112 33,8 5,12 (3,30-7,95) 4,38 (2,67-7,19) Problemaurinário <0,0001*** Não 565 10,4 1 1 Sim 27 42,8 4,13 (2,51-6,81) 3,42 (2,03-5,75) Acidentes (últimoano) 0,1289*** Não 558 11,5 1 1 Sim 34 19,3 1,68 (0,87-3,24) 1,51 (0,74-3,11) Violência (últimoano) <0,0001*** Não 557 10,4 1 1 Sim 35 37,5 3,61 (2,23-5,85) 3,54 (2,30-5,44) Uso de prótesedentária 0,0010*** Não 518 9,9 1 1 Sim 74 24,8 2,51 (1,51-4,16) 1,44 (0,81-2,58) Uso de óculos e/ou lentes 0,9875*** Não 346 11,9 1 1 Sim 246 11,9 1,00 (0,63-1,58) 0,76 (0,46-1,24) Deficiência visual 0,9042*** Não 515 12,0 1 1 Sim 77 11,5 0,96 (0,46-1,98) 0,72 (0,35-1,50) Deficiênciaauditiva <0,0001*** Não 585 11,0 1 1 Sim 7 85,7 7,82 (5,11-11,96) 6,23 (3,45-11,27) Número de doençascrônicas <0,0001*** Nenhuma 354 6,0 1 1 1 146 11,9 1,99 (1,06-3,74) 1,89 (0,99-3,60) 2 45 21,9 3,67 (1,71-7,85) 3,37 (1,55-7,28) 3 29 31,7 5,30 (2,71-10,35) 4,29 (2,03-9,06) 4 oumais 18 61,5 10,29 (5,89-18,00) 9,01 (4,32-18,80) Número de problemas de saúde 0,0009 Até 2 204 7,6 1 1 3 188 7,2 095 (0,39-2,29) 0,84 (0,35-2,00) 4 125 18,1 2,40 (1,29-4,46) 1,82 (0,98-3,36) 5 oumais 75 24,8 3,28 (1,49-7,18) 2,52 (1,16-5,46) Autoavaliação da saúde <0,0001*** Excelente 104 4,2 1 1 Muito boa 130 2,8 0,68 (0,13-3,63) 0,65 (0,13-3,35) Boa 318 11,4 2,73 (0,86-8,69) 2,31 (0,70-7,66) Ruim/muitoruim 40 62,0 14,85 (4,57-48,31) 11,20 (3,22-38,90) * Número de indivíduos na amostra não ponderada; a Modelo de regressão simples de Poisson. b Modelo de regressão múltipla de Poisson. Variável de ajuste: idade (contínua) e escolaridade. *** Teste qui-quadrado: valor de p. Destaque em negrito: valores estatisticamente significantes, o intervalo de confiança não compreende o1.