O Piano preparado e expandido no Brasil

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Transcrição:

O Piano preparado e expandido no Brasil Claudia Castelo Branco Mestranda em Composição - UNIRIO e-mail: claudiacbc@globo.com Sumário: O presente trabalho visa discutir a utilização do piano expandido na música brasileira. Para tal, faremos uma breve introdução ao surgimento das técnicas expandidas para piano e listaremos os reflexos encontrados na música brasileira de 1960 até o momento. Nosso objetivo é pesquisar quais os compositores brasileiros utilizaram recursos não convencionais para piano, descrever as técnicas abordadas e tecer observações sobre os resultados sonoros encontrados. Palavras-Chave: piano expandido, piano preparado, música contemporânea brasileira. Introdução Este texto integra a pesquisa em andamento O Piano Preparado e Expandido na Música Brasileira desenvolvida no curso de mestrado em Composição, no Instituto Villa-Lobos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Neste artigo, faremos uma breve introdução ao surgimento das técnicas estendidas para o piano, à criação do piano preparado e à repercussão e influência na música brasileira de 1960 até o presente. Origens e desenvolvimento do piano preparado e expandido Cowell, Cage e Crumb Em 1923, Henry Cowell (1897-1965), compositor e pianista norte-americano, compôs a primeira peça para o que ele mesmo chamou de string-piano (piano de cordas). Esse termo se refere a um piano de cauda comum, onde as cordas são manipuladas diretamente com as mãos ou outros objetos. Em Aeolian Harp (1923), o compositor explora efeitos como o pinçamento de cordas individuais, o deslizamento de dedos e unhas nas cordas perpendicularmente enquanto um acorde é pressionado silenciosamente nas teclas, o abafamento das cordas, a produção de harmônicos naturais e artificiais ao abafar a corda em posições estratégicas enquanto toca, entre outros. Mais desenvolvida que Aeolian Harp, é The Banshee (1925), onde o instrumentista se posiciona na cauda do piano, enquanto um objeto deve manter o pedal abaixado para liberar as cordas dos abafadores. Segundo Morgan (1991), as experiências de Cowell não possuem precedentes na história da música. Aluno de Cowell por um ano na New School for Social Research, em Nova Iorque, John Cage sentiu-se fascinado pelos métodos inusitados do professor de extrair sons do piano (Chase, 1987: 603). Em 1938, mudou-se para Seattle a fim de ocupar a vaga de acompanhador de dança na Cornish School. Lá Cage dispunha de um grupo de percussão, fazia palestras e realizava eventos de música, dança e teatro. Neste mesmo ano, a coreógrafa negra Syvilla Fort, convidou-o para compor a música de seu balé de caráter africano Bacchanale (realizado em 1940). Como o palco da pequena sala de espetáculos não comportaria seu enorme grupo de percussão, o compositor se viu obrigado a utilizar somente o piano disponível no local, instrumento para o qual não compunha há dois anos (Costa, 2004: 25). Lembrando-se dos métodos de utilização do string piano por Cowell, Cage procurou fazer com que o piano soasse como uma orquestra de percussão, inserindo objetos entre as cordas do instrumento. Já neste primeiro trabalho para piano preparado, Cage experimentou criar 3 tipos diferentes de famílias timbrísticas: vedante, parafuso e vedante com parafuso (Costa, 2004: 26). Conforme Wisnik (1989), Cage transformou o piano em um multiplicador de timbres e ruídos, que passaria a soar formas alteradas de pandeiros, atabaques, marimbas, caixas de música e guizos, - 770 -

além de fazer com que cada região do instrumento produzisse um timbre diferente possibilidade atual dos sintetizadores de splitar regiões. Este novo instrumento, o piano preparado, pode ser definido como um piano de cauda onde objetos de materiais diferentes são introduzidos entre as cordas do piano, produzindo timbres diversos. Dependendo de qual objeto é inserido, que materiais são utilizados, qual distância dos abafadores, em que cordas estes são introduzidos, uma escala de sons incomuns é produzida (Nymann, 1999:44). Cage explica que tanto os objetos quanto suas posições foram encontrados experimentalmente (Chase, 1987:603). A partir de agora, o compositor passa, não só a criar sua própria música, mas igualmente, durante o processo, seu próprio instrumento (Costa, 200:37). Cage compôs, ao todo, 26 obras para o instrumento no período de 1940 a 1954, em sua maioria destinadas ao acompanhamento de dança. Depois das experiências de Cowell e Cage, muitos compositores se interessaram em escrever para o instrumento. Todavia, nem mesmo Cage sabia explicar muitos dos fenômenos que geravam os resultados sonoros de suas preparações. Desta forma, a maioria destes compositores acabou por compor poucas ou até mesmo uma única obra para o instrumento. Aquele que deu maior continuidade ao trabalho de Cowell e Cage foi o também norte-americano George Crumb (1929). Em Five Pieces for Piano (1962), o compositor utiliza diversas técnicas expandidas de piano. A terceira peça do ciclo é tocada exclusivamente com pizzicatos, e nas outras há a utilização de trêmolos diretamente nas cordas assim como harmônicos. Cabe lembrar que a abordagem dada por Crumb ao recurso-instrumento assemelha-se muito mais a Cowell do que a Cage, já que os timbres são produzidos por contato direto com as cordas através das mãos ou outros materiais e nenhum objeto é afixado entre as cordas. Crumb escreve para o piano, não para o piano preparado (Burge, 1990: 241). O compositor também sugere que a peça seja amplificada através de microfones, para que os efeitos mais sutis sejam ouvidos por um grande público. Para uma melhor compreensão das técnicas expandidas para piano, sugerimos definir dois tipos de abordagem do instrumento, tendo como referência Costa (2004), Bunger (1981) e Burge (1990): 1) Piano preparado um instrumento novo, que surge por invenção de John Cage na década de 1940. Assim como o piano resultou de modificações do cravo, o piano preparado teria surgido como uma nova vertente do piano. O termo preparação sugere que o instrumentista precisará de algum tempo (às vezes horas) antes da performance para preparar o piano com a fixação dos objetos entre as cordas. Ao mesmo tempo, utiliza-se hoje o termo preparação fixa Cageana para remeter a esse tipo de preparação onde os objetos são precisamente colocados antes da performance e só são retirados depois. Por outro lado, quando objetos são colocados e retirados durante a peça, convém chamá-la de preparação móvel e os objetos que são apenas colocados sobre as cordas denominam-se acessórios (Costa, 2004). 2) Piano Expandido piano tocado não somente da forma convencional, mas também de todas as maneiras que ele possa produzir som, ou manipulando diretamente as cordas (com as mãos, baquetas ou qualquer objeto) ou percutindo a madeira. Cowell utilizava o termo string piano para designar as passagens ou peças onde o piano era tocado diretamente nas cordas. No Brasil, não há equivalente para este termo, portanto iremos utilizar piano expandido nessas situações. Utilização do piano expandido na música brasileira As idéias de John Cage começaram a se disseminar no Brasil por volta da década de 1960, ou seja, com um atraso de 20 anos. A primeira peça que utiliza recursos não tradicionais do piano encontrada até o momento é de Marlos Nobre (1939), no Terceiro Ciclo Nordestino op. 13 (1963), onde ele utiliza apenas um efeito de percussão com a mão fechada na tábua do instrumento (Gandelman, 1997). Em geral, diversos compositores brasileiros experimentaram escrever para piano preparado ou expandido, porém a maioria deles logo abandonou a prática. Entre esses compositores podemos citar: Antônio Jardim (1953), Tim Rescala (1961), Lindembergue Cardoso - 771 -

(1939-1989), Aylton Escobar (1943), Luigi Irlandini (1958), Willy Correa de Oliveira (1938), Bruno Kiefer (1923-1987), Osvaldo Lacerda (1927), Ernst Mahle (1929), Marlos Nobre (1939), José Penalva (1924), Heber Schunemann (1971), Almeida Prado (1943), Daniel Puig (1970), Calimério Soares (1944) e Marisa Rezende (1944). A análise dos recursos timbrísticos das obras desses compositores demonstra que a maior parte utiliza efeitos sonoros com a manipulação direta das cordas em momentos estratégicos da peça. Diversos fatores, como a dificuldade de realizar experiências em pianos de cauda e o desconhecimento das técnicas de preparação de pianos, levaram a maioria dos compositores brasileiros a evitar a preparação fixa cageana. Em grande parte, os compositores utilizavam apenas o piano expandido para facilitar a realização por parte do intérprete. Em apenas seis peças foi encontrada a utilização de parafusos entre as cordas: A Idade do Ferro (Irlandini, 1985), Funerais I (Costa, 2003), Gaiola e Pássaro (Costa, 2003), Na Cadência do Silêncio (Rescala, 2004) e Viagem ao oco das coisas (Costa, 2005). Os compositores Cláudio Santoro (1919-1989), Ernst Widmer (1927), Jorge Antunes (1942), Luis Carlos Csëko (1945) e Valério Fiel da Costa (1973) se destacam por terem elaborado a escrita para piano preparado e expandido de forma mais aprofundada e constante. Uma das grandes descobertas do piano expandido foi a utilização adaptada de arcos de violino ou violoncelo friccionados nas cordas do instrumento para gerar notas longas, que Antunes já utilizou no Brasil em seu Estudo n.o 1 (1972) para piano. Cabe lembrar que Cage utilizou o mesmo recurso 15 anos mais tarde em Music for Two (1987) e Fourteen (1990). Widmer, em Ludus Brasiliensis (1966) e Suíte Mirim (1977) explora o interior do piano e sua caixa acústica de forma pedagógica e progressiva. Tanto nessas peças como em Rondo Móbile (1968), Entroncamentos Sonoros (1972), Suavi Mari Magno (1975) e Kosmos Latino Americano 1 a 4 (1985), o autor explora efeitos de unha ou moeda raspando as cordas, apagador de giz sobre as cordas e pinos do instrumento, além de atrito das cordas com copo de vidro emborcado. Csëko escreveu diversas peças de câmara com piano expandido, onde são utilizados baquetas, copos de vidro e outros objetos diretamente nas cordas do piano. Já em 1971, o compositor explorava a harpa do piano percutida, friccionada e pinçada na peça Ambiência I para piano, violoncelo e voz. Mais recentemente, o autor escreveu para 4 pianos com recursos cênicos como iluminação e movimentos do corpo determinados pela partitura em Noite do Catete 3 (2003). Normalmente a peça é executada em piano solo com playback dos outros 3 pianos. Quarto compositor citado, Valério Fiel da Costa compôs peças para piano preparado tocado a três e doze mãos baseado nas técnicas de preparação de Cage. Em Funerais (2003), ele utiliza como assessórios uma corrente e um celular em vibra-call tocando sobre a tábua harmônica do piano, além de afixar parafusos e vedantes entre as cordas. Ele também manipula diretamente as cordas através de pinçamento com palheta de violão, percussão com baquetas de material duro e mole e utilização de linhas de pesca para produzir o mesmo efeito que os arcos de violino de Antunes. Costa defendeu em 2004 a dissertação de mestrado O Piano Expandido no século XX nas obras para piano preparado de John Cage que serve como referência para toda a nossa pesquisa. Seu trabalho é o pioneiro neste campo no Brasil, e traz ainda um pequeno manual de preparação de pianos. É importante ressaltar que existe uma grande lacuna na pesquisa em música no Brasil a respeito das técnicas expandidas para piano. O único livro que trata especificamente do assunto encontrado até agora foi The Well-Prepared Piano (1980), de Richard Bunger, esgotado desde 1981 e atualmente encontrado apenas em algumas bibliotecas nos Estados Unidos. Costa, ao escrever sua dissertação, não teve acesso a esse material, portanto realizou extensa pesquisa empírica sem praticamente nenhuma fonte sobre o assunto. Na música popular brasileira, encontramos também algumas experiências com o piano expandido. Ainda em 1971, o compositor Rogério Duprat (1932) criou um arranjo com piano preparado para um compacto de Tom Zé. Duprat, que abandonara a composição erudita para se dedicar à produção de qualquer coisa que dependa do som (Neves, 1981), atuou como orquestrador para Os Mutantes, Caetano Veloso e Gilberto Gil, sendo um dos responsáveis por toda a revolução que se operou na música brasileira popular desde então (idem). A canção Irene, de Caetano Veloso, - 772 -

ganhou acordes preparados com borracha entre as cordas em um arranjo que se tornou bastante famoso no tropicalismo brasileiro. Em 1990, Livio Tragtenberg (1961) e Marcelo Brissac (1955) gravaram os Bazulaques para Piano Preparado, onde um piano preparado com pregos, borrachas, buchas plásticas e outros materiais é tocado a quatro mãos. Além disso, as cordas são percutidas diretamente com as mãos, baquetas de várias texturas e até um batedor de ovos. Todos os acessórios, inclusive o equipamento para a gravação, são bem simples, baratos e de procedência duvidosa (como diz Tragtenberg no encarte do CD). Os timbres obtidos se assemelham bastante aos de Cage, já que eles trabalham com preparação fixa envolvendo parafusos e borrachas. O repertório é de autoria dos dois compositores, que exploram diversos ritmos brasileiros dentro de uma linguagem atonal bastante percussiva. Hermeto Pascoal (1936) utiliza uma barra de ferro sobre as cordas do piano como acessório na faixa Girando do disco Gaiola (1985) de Tetê Espíndola (1954). Em 1999 ele percute a harpa do instrumento diretamente com as mãos na música Miscelânia Vanguadiosa em seu disco Eu e Eles. No ano de 2002, surge no Brasil o grupo Pianorquestra, idealizado pelo pianista e compositor Cláudio Dauelsberg (1964), que explora a utilização de inúmeros assessórios como preparação de um piano tocado a dez mãos dentro de uma linguagem jazzística contemporânea. A caixa inferior do piano é utilizada para produzir o som mais grave de percussão, como um bumbo, assim como uma folha de papel vegetal, ao ser friccionada contra uma das madeiras inferiores, produz um som semelhante ao de um ganzá ou xequerê. Assim como George Crumb, o Pianorquestra necessita de amplificação para seus concertos, já que muitos dos sons obtidos têm projeção limitada. O grupo gravou participação especial em quatro faixas do CD Ventos do Norte (2003), de Cláudio Dauelsberg. Por fim, no disco Adriana Partimpim (2004), o arranjador Sacha Amback utiliza piano preparado com borrachas na faixa Oito Anos, de autoria de Dunga (1960) e Paula Toller (1962). Conclusão Podemos concluir, até o dado momento desta pesquisa, que poucos compositores brasileiros escreveram para piano preparado e que a predominância de recursos utilizados é a manipulação direta das cordas do instrumento o piano expandido. Isso se deve a vários fatores, como o desconhecimento das técnicas de preparação de Cage, a falta de pianos de cauda que pudessem ser utilizados para experiências, a dificuldade de se obter partituras e gravações das obras de Cowell, Cage, Crumb e outros compositores estrangeiros e o conservadorismo dos principais centros de educação musical do país. A quantidade de obras encontradas é relativamente pequena, dada a dificuldade de acesso a tal material. A maioria das peças não está disponível em bibliotecas ou lojas, sendo obtida através de contato direto com os compositores. Ao mesmo tempo, há um desconhecimento dessas obras e das técnicas de preparação principalmente por parte dos intérpretes, o que torna a divulgação desse material ainda menor. Procuraremos, através desta pesquisa, facilitar o acesso a tais obras e divulgar os recursos encontrados. Referências Bibliográficas Bunger, Richard. (1981). The Well Prepared Piano. San Pedro: Litoral Arts Press. Burge, David. (1990). Twentieth-Century Piano Music. New York: Schirmer Books. Cage, John. (1961). Silence Lectures and Writings. Middletown: Wesleyan University Press. Chase, Gilbert. (1987). Innovation and Experiment. America s Music From the Pilgrims to the Present. Illinois: Board of Trustees of the University of Illinois, 3a ed., 597-618. - 773 -

Costa, Valério Fiel da. (2004). O Piano Expandido no Século XX nas obras para piano preparado de John Cage. Dissertação (Mestre em Música). Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Gandelman, Salomea. (1997). 36 Compositores Brasileiros Obras para Piano de 1950 a 1988. Rio de Janeiro: Ed. FUNARTE. Machlis, Joseph. (1985). Introduction to contemporary music. London: J.M. Dent & Sons. 2a ed. Neves, José Maria. (1981). Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira. Nicholls, David. (1990). American experimental music, 1890-1940. Cambridge: Cambridge University Press. Nyman, Michael. (1999). Experimental music: Cage and beyond. Cambridge: Cambridge University Press. 2a ed. Pritchett, James. (1995). The Music of John Cage (Music in the Twentieth Century). Cambridge: Cambridge University Press. Simms, Bryan R. (1996). Music of the twentieth century: style and structure. New York: Schirmer Books. Wisnik, José Miguel. (1989). O Som e o Sentido Uma Outra História das Músicas. São Paulo: Companhia das Letras. - 774 -