LUANA RODRIGUES DOS SANTOS COMERCIAIS DA CERVEJA POLAR EXPORT: BAIRRISMO E EFEITOS DE SENTIDO

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Transcrição:

LUANA RODRIGUES DOS SANTOS COMERCIAIS DA CERVEJA POLAR EXPORT: BAIRRISMO E EFEITOS DE SENTIDO IJUÍ 2012

1 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL UNIJUÍ DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E COMUNICAÇÃO- DHE COMERCIAIS DA CERVEJA POLAR EXPORT: BAIRRISMO E EFEITOS DE SENTIDO LUANA RODRIGUES DOS SANTOS ORIENTADORA: Profa. Me. Rosita dos Santos Trabalho de Conclusão de Curso entregue ao Curso de Letras da Universidade Regional do Noroeste do Estado d Rio Grande do Sul UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciada em Letras. IJUÍ 2012

2 AGRADECIMENTOS Aos meus pais e irmã por estarem sempre ao meu lado, por me confortarem nos momentos difíceis. Ao meu amigo e namorado Rudi, pela paciência, compreensão e por me fazer feliz sempre. A minha orientadora, professora Rosita, pela atenção e orientação dispensadas. risos. Aos amigos e colegas, em especial à Aline e a Dulce pelas noites de estudo e A Deus.

3 Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. José Saramago

4 RESUMO Nesta monografia, discorremos sobre os possíveis efeitos de sentido produzidos pelos sujeitos a partir de enunciados publicitários da cerveja Polar Export. A pesquisa está ancorada na teoria de Análise do Discurso francesa, desenvolvida por Michel Pêcheux nos anos 60. Dessa forma, nossa proposta mobiliza para as análises os conceitos fundamentais da referida teoria, bem como trabalha numa interface com outras áreas do conhecimento, tais como as manifestações culturais, a publicidade e propaganda.

5 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS... 6 1 CAPÍTULO I - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS... 8 1.1 QUADRO EPISTEMOLÓGICO... 8 1.2 NOÇÕES FUNDAMENTAIS DA ANÁLISE DO DISCURSO... 10 1.2.1 Sujeito, Sentido e Ideologia...10 1.2.2 O Texto e sua relação com o Discurso...11 1.2.3 Condições de Produção...12 1.2.4 Formação Discursiva e Formação Ideológica...13 1.2.5 Interdiscurso e Memória Discursiva...14 1.2.6 Autoria e Esquecimentos...15 1.2.7 O Real, o Simbólico e o Imaginário...16 2 CAPÍTULO II - CONSIDERAÇÕES SOBRE O DISCURSO PUBLICITÁRIO...18 2.1 DIFERENÇAS ENTRE PUBLICIDADE E PROPAGANDA... 18 2.2 MARKETING... 20 2.3 O PRODUTO: CERVEJA POLAR... 21 3 CAPÍTULO III - CONSIDERAÇÕES SOBRE CULTURA E CULTURA GAÚCHA...24 3.1 CONCEITO DE CULTURA... 24 3.2 CULTURA GAÚCHA... 25 4 CAPÍTULO IV - SOBRE A METODOLOGIA E O CORPUS DA PESQUISA...28 4.1 AS ANÁLISES... 29 4.1.1 Bloco I...29 4.1.2 Bloco II...33 4.1.3 BLOCO III...37 CONSIDERAÇÕES FINAIS...44 BIBLIOGRAFIA...46

6 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Em vários momentos de nosso dia somos espectadores de inúmeras campanhas publicitárias, veiculadas por diversificados meios de comunicação. A maioria delas com o mesmo objetivo, vender um produto ou promover uma marca. E nós sem perceber acabamos fazendo uma espécie de seleção preferindo aquelas com que mais nos identificamos. Sendo assim, a presente pesquisa objetiva entender como se dá essa identificação, observando os possíveis efeitos de sentido provocados por essas sequências discursivas. Tais efeitos provocam a identificação de tal forma que acabamos por consumir o produto anunciado, ou então ajudamos a propagar, através de comentários, a ideia presente naquele texto publicitário. Selecionamos em nosso arquivo, para posterior construção do corpus, diversas sequências discursivas da marca de cerveja Polar Export, todas com o objetivo claro de comercialização do produto. A escolha desta marca se dá em função da crescente venda e popularização da mesma no Rio Grande do Sul nos últimos tempos. Atribuímos à disseminação desta marca devido a forte exploração da imagem do gaúcho. O trabalho terá como teoria norteadora a Análise do Discurso, filiada em Michel Pêcheux, na França, no final dos anos 60. Para a análise, mobilizaremos conceitos como Condições de Produção, Ideologia, Formação Discursiva, Formação Ideológica, Efeitos de Sentido. Tentando explicitar através destes em que lugar se encontram aqueles que escrevem essas sequências bem como aqueles que leem. O presente trabalho está estruturado em capítulos que contemplam: pressupostos teóricos, considerações sobre o discurso publicitário, considerações sobre cultura e cultura gaúcha, aspectos referentes a metodologia e o corpus da pesquisa e, por fim, como último capítulo, as análises. Consideramos impossível o desenvolvimento de nossa pesquisa sem a realização de uma interface com outras áreas do conhecimento como a publicidade/propaganda e a questão cultural, visto que nossas sequências discursivas foram encontradas em materiais de publicidade com forte cunho cultural.

7 Ao ilusório final das análises, apresentamos nossas considerações acerca de todo o trabalho de pesquisa realizado na busca de sentidos para as sequências selecionadas. Quais são as reflexões depois de tamanho trabalho de coleta, observação e análise do nosso objeto de estudo. Seguimos então para o primeiro capítulo da pesquisa que tratará de nosso aparato teórico para o desenvolvimento dessa monografia.

8 1 CAPÍTULO I - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 1.1 QUADRO EPISTEMOLÓGICO O presente trabalho tem sua base teórica na Análise do Discurso (doravante AD) fundada na França pelo filósofo Michel Pêcheux, no final dos anos 60, época que coincide com o auge do estruturalismo. Ao longo do percurso dos estruturalistas houve sempre uma constante: a exclusão do sujeito, o mesmo era visto como elemento suscetível de perturbar a análise do objeto científico, que deveria corresponder a uma língua objetivada, padronizada, registra Leandro Ferreira (2005). A Análise do Discurso surge de duas principais tendências: a AD americana e a AD francesa, a primeira diferencia-se da segunda uma vez que trabalha com o texto fechado, ou seja, enquanto estrutura, sem entrar em conflito teórico com a linguística. A segunda, por sua vez, traz um deslocamento teórico mais complexo caracterizando a ruptura e a crise com a linguística. Nas palavras de Ferreira: a Análise do Discurso não pretende ser uma Linguística Discursiva, abrigada, portanto, no mesmo guarda chuva teórico. Há pontos de contato, sim, há compatibilidade em certos lugares, mas há, sobretudo, diferenças. Talvez seja o caso de aqui fazermos também uso da expressão estranha familiaridade para descrever a tensão existente entre os limites (LEANDRO FERREIRA, 2005, p. 17). Temos assim que a Análise do Discurso nasce na perspectiva de uma intervenção, de uma ação transformadora, que visa combater o excessivo formalismo linguístico vigente, afirma Leandro Ferreira (2005). O que esse novo estudo propõe é fazer questionamentos no interior da própria linguística, principalmente no que se refere aos conceitos de língua, historicidade e sujeito, deixados de lado pelas correntes de tendência da época. Conforme Orlandi (2005), esse novo campo de estudos buscava entender o discurso como processo, uma vez que a própria palavra já nos dá a ideia de curso, percurso, movimento. A AD visa apreender esse novo objeto (discurso como percurso) a partir do pressuposto de que o discurso é determinado pelo tecido histórico social que o constitui. A obra de Pêcheux, segundo a autora referida, procura compreender a língua fazendo sentido, logo, temos que a AD não trabalha com a língua enquanto um

9 sistema abstrato, mas com ela significando no mundo, considerando fatores como condições de produção. Isso leva o analista de discurso a relacionar a linguagem à sua exterioridade, fator que diferencia a AD com dos demais estudos da linguagem. Ela vai construir seu aparato teórico e estabelecer seus procedimentos analíticos na interface com áreas vizinhas. Pêcheux (1993) situa sua teoria em três regiões do conhecimento. A Linguística pela colocação em causa dos pressupostos estruturalistas, especialmente o aspecto da imanência da língua, que deixou de lado a exterioridade. O materialismo histórico, por meio da releitura que Althusser faz de Marx, com a concepção que há um real da história que não é transparente para o sujeito, uma vez que ele é assujeitado pela ideologia. E a Psicanálise, através da leitura que Lacan faz de Freud, com a ideia do sujeito na sua relação com o simbólico, entendendo o inconsciente estruturado por uma linguagem, registra Gregolin (2003). A Linguística exclui a exterioridade, as Ciências Sociais tratam a linguagem como se ela fosse transparente. A AD, por sua vez, leva em conta tanto a ordem própria da linguagem, como o sujeito e a situação, isto é, junta o que estava separado nas diferentes ordens de conhecimento e trabalha essa separação necessária, postula Orlandi (1996). Dito de outra forma, ela vai estabelecer sua prática na relação de contradição entre esses diferentes saberes, produzindo outra forma de conhecimento, construindo seu objeto próprio que é o discurso. Leandro Ferreira ressalta (2005) que os conceitos que a AD traz de outras áreas do saber, ao se agregarem ao corpo teórico do discurso, deixam seus sentidos estritos originais e passam a se ajustar a especificidade e à ordem da rede discursiva. Sendo assim, a cada atividade de análise se coloca em questão a natureza desses conceitos podendo se redefinir seus limites. A mesma autora (2005) destaca que em nosso país, houve um grande embate entre AD e Linguística, sendo a primeira acusada de não dar importância à língua, detendo-se somente ao político. O que realidade não é o que acontece, a AD fundada por Michel Pêcheux considera a exterioridade como ponto principal do estudo da língua, isto é, amplia-se o escopo. O que significa dizer que Pêcheux ultrapassa os limites da linguística, permitindo dessa forma a descrição da materialidade específica da língua.

10 De fato, que a Análise de Discurso não trabalha com a língua da Linguística, a língua da transparência, da autonomia, da imanência. A língua do analista de discurso é outra. É a língua da ordem do material, da opacidade, da possibilidade do equívoco como fato estruturante, da marca da historicidade inscrita na língua. É a língua da indefinição do direito e avesso, do dentro e fora, da presença e ausência (LEANDRO FERREIRA, 2005, p. 17). No Brasil, temos como precursora da Análise do Discurso a autora Eni Orlandi, mencionada anteriormente, a mesma consagrou a obra de Pêcheux em seu trabalho como professora e pesquisadora, realizou traduções das obras de Pêcheux e desenvolveu trabalhos de enorme importância para o crescimento da teoria no Brasil. 1.2 NOÇÕES FUNDAMENTAIS DA ANÁLISE DO DISCURSO 1.2.1 Sujeito, Sentido e Ideologia A partir da compreensão do quadro epistemológico, discorreremos sobre o quadro conceitual da mesma. Elencamos noções como a de discurso, condições de produção, formação ideológica, formação discursiva, interdiscurso, sujeito, dentre outros, a fim de explicitar com quais noções trabalharemos na análise do corpus. Comecemos pelo que se entende por sujeito em AD, na teoria do discurso abandonamos a categoria do sujeito empírico, do indivíduo. O sujeito aqui tratado é o sujeito do inconsciente, trazido por Jacques Lacan. Além disso, ele é também sujeito da ideologia, ambos são revestidos pela linguagem e nela se materializam, afirma Leandro Ferreira (2005). Esse sujeito, que é um sujeito imaginário, é efetivamente, outro: pensa por outro, fala por outro e age por outro. Orlandi (2005) salienta que a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos, isto é, o individuo é interpelado em sujeito pela ideologia para que produza seu dizer. A partir disso, se faz necessário perceber que sujeito e sentido se constituem mutuamente, logo, um depende do outro para ter e fazer sentido. Entende-se então que o sujeito é assujeitado pela ideologia, uma vez que ele é interpelado por ela em seu dizer. Ele enuncia de uma determinada posição, do lugar social que ocupa, e por isso o sentido não parte dele, pois ele sempre está em

11 confronto com sentidos de outras posições. O sujeito se constitui pela ideologia e isso faz com que nele se produzam os sentidos. Sendo assim, afirmamos que a AD apoia-se na reflexão que produz sobre sujeito e sentido ao considerar que, ao significar, o sujeito significa. O sentido não é o literal e não está fixado, não existe uma essência de sentido, a determinação do sentido é histórica. Sobre a afirmativa Leandro Ferreira (2005, p. 21) postula: o sentido de uma palavra, expressão, proposição não existe em si mesmo, só pode ser constituído em referência às condições de produção de um determinado enunciado, uma vez que muda de acordo com a formação ideológica de quem o re(produz, bem como de quem o interpreta. O sentido nunca é dado, ele não existe como um produto acabado, resultado de uma possível transparência da língua, mas está sempre em curso, é movente e se produz dentro de uma determinação histórico-social, daí a necessidade de se falar em efeitos de sentido. Diante disso, entendemos que a Análise do Discurso é contrária a ideia de imanência do sentido, não há sentido inerente à palavra, isto é, o sentido sempre pode ser outro dependendo das condições de produção em que foi enunciado. Partindo dessa declaração temos que o texto captura e transforma a infinidade de sentidos em uma completude momentânea, dado que o discurso faz muito mais do que o seu enunciador pretendia. É o que veremos ao estudar a unidade de análise: o texto, e sua relação com o discurso. 1.2.2 O Texto e sua relação com o Discurso A Análise do Discurso tem como objeto de estudo o discurso, porém para chegar a ele é preciso utilizar-se da unidade de análise que é o texto. O texto é a materialidade pela qual o analista de discurso pode chegar até seu objeto de análise. Para a AD, o linguístico é muito importante, mas o que lhe interessa é o extralinguístico, considerado por ela inerente ao texto, conforme Orlandi (1996). Fazse necessário ainda entender a relação entre texto e discurso. Sobre a questão, a autora afirma: O que caracteriza a relação entre discurso e texto é o seguinte: eles se equivalem, mas em níveis conceptuais diferentes. Isso significa que o discurso é tomado como conceito teórico metodológico e o texto, em contrapartida, como o conceito analítico correspondente.

12 Há, portanto, uma relação necessária entre eles (ORLANDI, 1996, p. 158). Dessa forma, é importante salientarmos que discurso e texto não são a mesma coisa, embora muitas teorias os tratem como sinônimos. O que há entre eles conforme mencionado acima é uma relação, é o texto que possibilita o discurso. O texto visto na perspectiva do discurso, não é uma unidade fechada, embora, como unidade de análise, ele possa ser considerado uma unidade inteira, pois ele tem relação com outros textos (existentes, possíveis ou imaginários), com suas condições de produção (os sujeitos e a situação) com o que chamamos de exterioridade constitutiva (o interdiscurso: a memória do dizer) (ORLANDI, 1995, p. 110). Temos então que é no texto que se inscrevem as múltiplas possibilidades de leitura, uma vez que ele é aberto, sujeito a diversas interpretações ao longo do tempo. Sua forma, com começo, meio e fim é apenas um efeito de sentido de fechamento. Na realidade, o texto é um objeto incompleto se considerarmos os diversos sentidos que o sujeito poderá mobilizar a partir desse objeto. Sendo assim, não interessa ao analista os aspectos formais do texto, estes são garantidos pelas regras da língua, e sim a materialidade histórica desse objeto, isto é, sua exterioridade constitutiva, levando-se em conta as condições de produção. Orlandi (2004) considera que um texto é um objeto linguístico-histórico, no qual o linguístico intervém como pressuposto. Rasia (2006, p. 204) complementa é o nó que marca o ponto de encontro com os outros textos que lhe antecedem e, ao mesmo tempo, projeta os que poderão sucedê-lo porque instaura o espaço de interlocução. 1.2.3 Condições de Produção As condições de produção abrangem essencialmente os sujeitos e a situação. Segundo Orlandi (2005), se as considerarmos em sentido estrito, teremos as circunstâncias da enunciação, isto é, o contexto imediato; já se as pensarmos em sentido amplo, as mesmas incluirão o contexto sócio-histórico, ideológico. Ao enunciarmos, vários fatores externos influenciam nosso dizer como, por exemplo, nossas crenças, o lugar social que ocupamos, o contexto histórico social.

13 Todos esses aspectos nos fazem enunciar e produzir sentidos de uma forma e não de outra. Ao tratarmos de condições de produção, estamos falando daquilo que é extralinguístico, isto é, a chamada exterioridade constitutiva do discurso. Em AD, não é possível deixar esse conceito de lado; fazer isso significa deixar de lado o sentido histórico e social do discurso. As condições de produção estão fortemente ligadas à ideologia e para entendermos o que é ideologia e como esta funciona na AD é preciso um entendimento sobre Formação Discursiva (FD) e Formação Ideológica (FI). 1.2.4 Formação Discursiva e Formação Ideológica Antes de tratar desses dois conceitos de nosso estudo, é necessário que entendamos o que é ideologia, visto que a mesma é imprescindível para a AD. Orlandi (2005) postula que, diante de qualquer objeto simbólico, somos levados a interpretar, fazendo questionamentos como: o que isto quer dizer? A resposta é evidente e automática, é essa evidência de sentido é ideológica. Diante do que foi mencionado acima, temos que a ideologia produz evidências, e sua característica comum é a de dissimular sua existência no interior do seu próprio funcionamento. Em suma, a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos, afirma Orlandi (2005). Ainda segundo a mesma autora: Por sua vez, a evidência do sujeito - a de que somos sempre já sujeitos - apaga o fato de que o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia. Esse é o paradoxo pelo qual o sujeito é chamado à existência: a interpelação pela ideologia (ORLANDI, 2005, p. 46). Formação Ideológica, segundo Pêcheux (apud Cazarin 1998, p. 34), é entendida como um complexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se relacionam mais ou menos às posições de classes em confronto umas com as outras. É a maneira como o sujeito vê o mundo e se apropria de determinadas ideias, isto é, uma FI estabelece uma visão de mundo através da linguagem do sujeito que enuncia.

14 Entendemos que os discursos produzidos em um mesmo contexto e sobre o mesmo assunto apresentarão variações de acordo com a formação ideológica de cada sujeito. Podemos falar em uma formação ideológica colonialista, uma formação ideológica capitalista, neoliberal, socialista, religiosa etc. Uma FD, por sua vez, é a projeção na linguagem da formação ideológica. Orlandi (2005, p. 43) sintetiza: a formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada - ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada - determina o que pode e deve ser dito. Sendo assim, uma FI pode compreender várias formações discursivas. Brandão (s/d) nos traz o exemplo de que os militantes de um mesmo partido político devem ter uma ideologia comum e uma linguagem comum, caso alguém passe a falar algo diferente desse ideário, este será considerado um dissidente, podendo até ser expulso do partido. As palavras têm seus sentidos determinados pelas formações discursivas em que se inscrevem. É por esse motivo que uma determinada palavra faz sentido de um jeito e não de outro, dependendo da formação discursiva em que se inscreve o sujeito. Desses dois conceitos é que resulta a noção de que os sentidos são sempre determinados ideologicamente. Tudo o que dizemos possui um traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. Logo, conforme Orlandi (2005), inferimos que o estudo do discurso explicita a maneira como linguagem e ideologia se articulam, e se afetam em sua relação recíproca. 1.2.5 Interdiscurso e Memória Discursiva Orlandi (2005) trata o interdiscurso como memória discursiva, definindo que o interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada. É aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Assinalamos, ainda, que é lá que se encontram os dizeres, na rede de dispersão. O interdiscurso é constituído de todo dizer já-dito. Ele é o saber, a memória discursiva. Aquilo que preside todo dizer. Ressaltamos que é pelo funcionamento do

15 interdiscurso que o sujeito não percebe seu assujeitamento, uma vez que pelo efeito de transparência esse assujeitamento se apresenta sob a forma de autonomia. Enquanto Orlandi trata interdiscurso e memória discursiva como sendo equivalentes, Cazarin faz uma diferenciação entre eles, tratando o primeiro como aquilo que abarca o já dito e o a dizer, e o segundo como aquilo que já está na cadeia do que já foi dito, não atingindo o que está por ser dito. talvez seja o caso de compreendermos que o interdiscurso fornece elementos para a reconstituição/restabelecimento da memória discursiva, que é da ordem do interdiscurso, mas que, para produzir sentidos, precisa ser mobilizada pela posição-sujeito. Mobilização essa que funcionaria, então, tanto como gesto de interpretação, quanto como categoria de análise, nos moldes do trabalho de Courtine (1981). Isso nos levaria a aceitar, como já sinalizamos, que a memória discursiva é lacunar (pois aí interfere a posição-sujeito que a mobiliza), ao passo que o interdiscurso é saturado de sentidos tudo está lá. Se nosso entendimento se sustenta, a noção de interdiscurso, então, não poderia ser colocada numa relação de equivalência com a de memória discursiva. (CAZARIN, 2005, p. 5) Sendo assim, através da compreensão do funcionamento das formações discursivas e do interdiscurso é possível compreender o funcionamento da ideologia na constituição do sujeito e do sentido. O efeito de evidência do sentido corresponde ao efeito de interpelação- assujeitamento do sujeito discursivo. 1.2.6 Autoria e Esquecimentos É comum pensarmos que somos autores de nossos discursos, que temos autonomia sobre ele. Isso se deve à memória discursiva afetada pelos chamados esquecimentos. Orlandi (2005) explicita que, segundo Pêcheux, temos duas formas de esquecimento no discurso: o esquecimento número dois, que se refere ao fato de enunciarmos de uma forma e não de outra, e acreditarmos que tal enunciado só podia ser dito com aqueles termos. Dizendo de outro modo, elegemos algumas formas e sequências e esquecemos e/ou ocultamos outras. Fazendo-nos não perceber conscientemente que o dizer sempre pode ser outro. Segundo Orlandi, essa impressão é denominada ilusão referencial nos faz acreditar que há uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo, de tal modo que pensamos que o que dizemos só pode ser

16 dito com aquelas palavras e não outras, que só pode ser assim. (ORLANDI, 2005, p. 35) O esquecimento número um é de natureza inconsciente e ideológica, sendo inacessível ao sujeito. É esse esquecimento que faz termos a ilusão de que somos a origem do dizer, criadores absolutos de nossos discursos, quando na verdade o que fazemos é a retomada de sentidos preexistentes, é da ordem do ideológico, resulta do modo como somos afetados pela ideologia. Na realidade, embora se realizem em nós, os sentidos apenas se representam como se originando em nós: eles são determinados pela maneira como nos inscrevemos na língua e na história e é por isso que significam e não pela nossa vontade. (ORLANDI, 2005, p. 35) Nosso dizer é sempre um já-dito, nos apropriamos desses dizeres para construir nosso discurso. Essa apropriação/escolha não é aleatória, depende de fatores como as condições de produção da enunciação, da formação discursiva e ideológica de cada sujeito. 1.2.7 O Real, o Simbólico e o Imaginário Conforme vimos mencionando em nossa pesquisa, nosso objetivo é tratar como se dá a produção dos efeitos de sentido das sequências discursivas por parte dos consumidores do produto. Dessa forma, entendemos ser imprescindível uma explanação dos conceitos de real, simbólico e imaginário para a AD. Sabemos que a AD é uma teoria que mobiliza três regiões do conhecimento: a linguística, o materialismo histórico e a psicanálise. Talvez, a AD, por ser uma disciplina de entremeio, comporte o que há de mais significativo das outras áreas do conhecimento. E é da Psicanálise que a Análise do Discurso constitui as noções de real, simbólico e imaginário, precisamente da obra de Lacan. O imaginário visto pelo viés da AD é um deslocamento da concepção de imaginário da Psicanálise e da Filosofia, aproximando a questão da construção do eu (ilusão do sujeito) e a questão da instituição da sociedade (a invenção). Sendo assim, o imaginário em AD está vinculado à constituição do sujeito e aos mecanismos de projeção desse sujeito na sociedade.

17 Ao estudarmos a noção de imaginário na AD é necessário levar em conta a premissa, segundo Orlandi (apud PETRI, 2004, p. 121) de que não há relação direta entre o mundo e a linguagem, entre a palavra e a coisa. O que existe é ilusão de que tal relação se dá de forma direta, porque o imaginário produz esse efeito de sentido. Segundo Petri (2004), o que existe é um efeito de evidência que se realiza quando o sujeito acredita que o discurso o remete de forma direta a uma realidade empírica. Em AD, é a relação entre sujeito e história que provoca a eficácia do imaginário. O simbólico, por sua vez, representa o imaginário, isto é, é ele que estabelece as possibilidades da relação entre o sujeito e o mundo (natural e social). Sobre isso, Petri (2004, p. 122) postula que a constituição do sujeito e do sentido depende do simbólico para se efetivar, considerando que o simbólico se manifesta pela linguagem e depende da interpretação do sujeito para significar. Dessa forma, o simbólico não tem um único sentido, está aberto a diversas significações, dependendo necessariamente da interpretação do sujeito. Tudo aquilo que não couber no imaginário será comportado pelo real. É no real que encontramos a dispersão, a imperfeição, a falta, a não linearidade, a descontinuidade, a incompletude e o contraditório, que constituem o sujeito e o sentido no discurso. Em outras palavras, é por meio dele que podemos ver o sujeito além do efeito ilusório de origem e controle dos sentidos, afirma Petri (2004).

18 2 CAPÍTULO II - CONSIDERAÇÕES SOBRE O DISCURSO PUBLICITÁRIO 2.1 DIFERENÇAS ENTRE PUBLICIDADE E PROPAGANDA Diante da temática da presente pesquisa, faz-se necessário uma breve explanação conceitual dos termos publicidade e propaganda. Observamos que a diferença entre os dois conceitos é muito próxima, e, para alguns autores, publicidade e propaganda são sinônimas. Sendo assim, há possibilidade de encontrarmos diferentes interpretações para as proposições, de acordo com o teórico escolhido pelo pesquisador. No Brasil, o Conselho Executivo de Normas Padrão (CENP) define como sinônimos os termos publicidade e propaganda, apesar de em outros países existir uma pequena diferenciação entre os termos. A adoção de sinônimo pelo Brasil se dá em função de uma tradução utilizada pelas áreas de administração e marketing, que utilizam tradução da palavra em inglês advertising para publicidade e o termo publicity para propaganda. Não são poucos os autores que teorizam sobre a diferença das palavras publicidade e propaganda. Vejamos duas das acepções: Sandmann (1999) trata propaganda como sendo aquilo que deve ser propagado, ideias, principalmente de âmbito político, deixando de lado os produtos comerciais, publicidade, para o referido teórico, é quando a veiculação na mídia é paga, visa à divulgação de um produto e à compra pelo consumidor. Pinho (1990) assemelha-se a Sandmann em sua abordagem definido que a publicidade divulga produtos e serviços, através de anúncios, em sua maioria, pagos, e a propaganda difunde ideias, multiplica, propaga. Conforme tratamos acima, publicidade e propaganda são comumente tratados como sinônimos. Sendo assim, trataremos esses discursos como sinônimos, isto é, ora utilizaremos o termo propaganda ora publicidade somente, usando para propaganda a mesma distinção utilizada pelos autores Vestergaard e Schroder (1994) que tratam a propaganda como comercial e não comercial. A primeira pode-se definir como aquela que tem objetivo de publicidade, prestígio, anunciando mercadorias e serviços por empresas, como no caso dos enunciados de nosso objeto a ser analisado; a segunda se refere à comunicação, por exemplo, de

19 órgãos governamentais que propagam campanhas e ideias não visando vendas; tem finalidades caritativas ou políticas. Segundo os autores acima, a propaganda nunca nos abandona, é diário o bombardeio de anúncios nos vários meios de comunicação, em sua maioria, comerciais, isto é, objetivam vendas. Além disso, visam também criar uma receptividade duradoura com o público. E, conforme afirmamos, é desse tipo de propaganda que trataremos no decorrer da pesquisa. Chamamos a atenção para o fato de as propagandas comerciais trabalharem com valores e crenças existentes na sociedade, fazendo com que o consumidor se identifique com o discurso presente no anúncio. Conforme Rezende: o profissional de publicidade busca, a partir da práticas sociais vigentes, apropriar-se dos valores e crenças do universo do consumidor trazendo-os para o universo da publicidade. Este pode ser visto como receptáculo das representações sociais e como um lugar capaz de dizer sobre a sociedade em que se insere. Os valores e crenças extraídos da sociedade e expostos na publicidade são conhecidos e, sendo assim, esta passa a ser um espelho que reflete aspectos dessa mesma sociedade em um espaço social no qual o seu discurso está inserido e os refrata no imaginário coletivo. (REZENDE, 2006, p. 41) Pensando dessa forma, o anunciante produz seu produto na tentativa de atingir um público alvo que será investigado por um ou mais profissionais, na intenção de saber com o máximo de precisão os hábitos, papéis sociais, comportamentos, enfim, particularidades do possível consumidor. Vestergaard e Schroder (1994) concebem que, pela análise da publicidade, é possível medir a temperatura da ideologia popular, percebendo no que as pessoas de uma determinada sociedade, situadas em uma época, acreditam, quais são suas visões de mundo, doutrinas e crenças, elaborando uma ideologia comum. Os autores afirmam que a expressão temperatura ideológica deve ser entendida como não estática, ou seja, em mudança constante, num processo cultural complexo. Assim, por que não perguntar simplesmente às pessoas em que elas acreditam, quais são seus ideais e esperanças? A resposta é que as pessoas nem sempre têm acesso às suas atitudes e crenças mais profundas de fato, pode se dizer que a ideologia de uma pessoa equivale aos valores que ela assume numa situação de comunicação, valores que de tal modo falam por si que nem sequer

20 precisam ser expressos. (VESTERGAARD e SCHRODER,1994, p. 134) Tal afirmativa vai ao encontro do que tratamos até aqui em relação à teoria de Análise do Discurso, lembrando que a mesma também concebe que não temos acesso a certas ações. Isto se deve ao fato do inconsciente ser inacessível ao sujeito. Lembrando, que ao interpretar e produzir efeitos de sentido o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia. 2.2 MARKETING A explicação que segue nos ajuda a entender um pouco mais sobre o universo publicitário e seus recursos. Pinho (1976, p. 55), referindo-se ao marketing como fundamental para o sucesso da propaganda, afirma: pode-se aprender a chutar bola até em fundo de quintal. Mas não se faz gol onde não existem traves ou sem saber de que lado elas estão. Referindo-se ao marketing como fundamental ao sucesso da propaganda. Ainda para Pinho (1976), marketing é uma atitude, uma ação mobilizadora do mercado, que visa alcançar objetivos últimos de uma empresa - o lucro - através da mobilização de consumidores. Mobilizar, segundo o autor referido, é uma forma enfática de dizer fazer com que os consumidores comprem. Explica que é fácil ver, então, que a atividade mobilizadora da empresa envolve um nível investigatório e outro estratégico, ligados pelos objetivos que a investigação permite traçar e que a estratégia implementa (PINHO, 1976. p 59). Sendo assim, temos marketing definido como sendo as estratégias utilizadas nas vendas, comunicação que poderá interessar ao possível consumidor. Engloba as atividades de planejamento, concepção e concretização que visam à satisfação das necessidades do cliente/contratante e do público alvo. Em suma, ele identifica a necessidade e cria a oportunidade. Elegemos uma marca de cerveja como objeto de estudo, dada à popularização da mesma nos últimos tempos. A Polar Export tem aumentado suas vendas a cada dia graças ao investimento da publicidade, que dá ênfase em seus comerciais a tudo que for típico da cultura do RS e possível de ser explorado em um comercial.

21 Martins (1997 apud Schuh s/d) explica que, nos manuais de redação publicitária, podemos encontrar dois tipos de apelo que podemos recorrer ao formular um anúncio. Um deles é o apelo racional que consiste em argumentar sobre as qualidades reais e as razões objetivas para o consumo do produto como, por exemplo, o sabor, a composição, as vantagens nutricionais (se alimento); o outro é o apelo emocional que se baseia em atribuir valores e atributos subjetivos ao produto anunciado, o que leva o sujeito a consumir não convencido pela razão e sim pela emoção que lhe causou o anúncio. Isto posto, fica claro qual é o apelo escolhido pelo anunciante da Polar Export: a estratégia é emocional, já que utiliza como ferramenta a subjetividade e a própria emoção dentro de enunciados que têm como características o humor, a sedução, o individualismo, dentre outros. No tocante ao individualismo entra a questão do regionalismo ou bairrismo como forte argumento de venda. 2.3 O PRODUTO: CERVEJA POLAR Diz-se que a origem da cerveja se perde no tempo, em função da dificuldade em apontar onde primeiro foi produzida. A maioria dos estudiosos diz que este produto tão popularizado teve sua origem na Mesopotâmia, há cerca de 5.000 anos, mais precisamente na Suméria, atual Iraque. Surgiu por acaso, através da fermentação de uma massa de cereais que produziu uma bebida, que inicialmente levou o nome de Cervesia 1 ou Cervisia, provavelmente em homenagem a Ceres, deusa da agricultura. No Brasil, a cerveja chegou somente em 1808, trazida pela família real portuguesa. Nessa época, o vinho e a cachaça eram mais conhecidos e popularizados no país. Muitos acreditam que este produto foi trazido por imigrantes alemães, mas isto aconteceu somente décadas mais tarde. Nossa escolha pelo objeto cerveja se dá em função de considerarmos que esta não é somente um produto industrializado, mas sim um conjunto de representações de objetos de desejo presente na mente dos consumidores, dado as explorações realizadas do produto. São comuns os comerciais com mulheres bonitas tomando ou servindo cerveja, ou ainda comerciais que trazem cenários de 1 Informações sobre a história da cerveja foram extraídas de textos encontrados no link: <http://www.cervesia.com.br/historia-da-cerveja/411-a-historia-da-cerveja-no-brasil.html>, acesso em 01/12/2012.

22 casas luxuosas ou praias paradisíacas. Fatos como esses provocam fantasias e/ou fetiches nos sujeitos atraindo-os para a compra do produto. Levando em conta o exposto acima, a marca de uma determinada cerveja passa a ser, além de um artigo de consumo inserido num sistema social, econômico e cultural, um produto carregado simbolicamente e inserido no cotidiano das pessoas, veiculado pelo discurso publicitário, que, de acordo com a AD, nos faz produzir outros tantos a partir da formação discursiva em que nos inserimos. Nesse sentido, evidencia-se a identificação de alguns tipos de consumidores para uma devida marca. Optamos pela marca de cerveja Polar Export pela forma como sua propaganda é veiculada nos meios de comunicação. Constatamos que mesmo o produto pertencendo a uma empresa transnacional, seu comercial é de caráter regionalista, isto é, faz alusão à tradição e aos costumes do povo gaúcho. Enfim, explora a imagem do habitante do Rio Grande do Sul, conforme nos referimos anteriormente ao tratarmos do marketing. FIG. 1 Conforme afirmado anteriormente, a Polar é um produto de uma empresa transnacional, a AmBev, mas que mantém a cerveja como produto local. Sua fabricação teve início em 1912 com o nome de Cervejaria de Estrela-RS. Já em 1945 a empresa foi incorporada por um grupo de Santa-Cruzenses e passou a chamar-se Polar S/A. Em 1972, esta foi adquirida pelo grupo Antártica Paulista e, em 2000, foi efetivada a grande fusão das cervejarias Brahma e Antártica, Polar por consequência declara Stevens (2011).

23 FIG. 2 Segundo Stevens (2011), o anunciante da Cerveja Polar, adota claramente a estratégia de marketing baseada na segmentação de mercado, no caso a segmentação geográfica, ou seja, em um dos estados do país. O mesmo autor afirma que Por muito tempo, a cerveja Polar, vendida no Rio Grande do Sul, permaneceu à margem da mídia. Nos últimos anos, porém, a AmBev recuperou a marca, dando-lhe um novo apelo comercial. A agência procurou produzir os comerciais mostrando jovens bebendo a cerveja e utilizando gírias locais como ceva e baita trovador. (STEVENS, 2011, p. 80) Assim, recorrer ao bairrismo gaúcho como argumentação para a venda da Polar Export é, com certeza, a proposta utilizada pela empresa responsável pela publicidade da cerveja, proposta que parece estar dando certo, segundo Schuh (s/d): no senso comum, o povo gaúcho é conhecido (e até mesmo se reconhece) por seu apego as tradições, sua insistência em gostar e valorizar as coisas de seu estado. Reafirmamos então que a recuperação da marca se dá efetivamente em função da exploração da imagem do habitante do Rio Grande do Sul, o gaúcho. O que interessa à pesquisa é então analisar como se dá essa exploração e como os sentidos são produzidos a partir dos comercias da marca. Para isso, consideramos importante uma breve explanação de alguns aspectos sobre a cultura rio-grandense, que contribuirão para o entendimento da pesquisa.

24 3 CAPÍTULO III - CONSIDERAÇÕES SOBRE CULTURA E CULTURA GAÚCHA 3.1 CONCEITO DE CULTURA Podemos relacionar o conceito de cultura ao conjunto de características, comportamentos, valores e crenças de pessoas ou grupos. É possível ainda outra definição de (WALLESTERN apud STEVENS, 1990, p. 43) cultura é um conjunto de características que diferenciam um grupo do outro é como um determinado conjunto de fenômenos que são diferentes de (e superiores a) um outro conjunto de fenômenos dentro de qualquer outro grupo. Claval (apud NETO, BEZZI, 2008, p. 139) ressalta que a cultura obedece a alguns critérios, dentre eles destacam-se: a mediação entre homem e natureza, o fato de a cultura ser a herança, resultado de um jogo de comunicação, ela permite aos indivíduos e aos grupos se projetarem no futuro, é feita por palavras articuladas por discursos e realizada na representação, é ainda um fator essencial na diferenciação social. Sendo assim, a cultura é constituída em sociedade, é ela quem regra as condutas dessa organização, o que faz surgir as crenças, tradições e valores. Ressaltamos que a cultura é atualizada de tempos em tempos e influencia de forma significativa no comportamento daqueles que dela compartilham. Do conceito de cultura emerge a questão da identidade cultural, que entendemos ser um sentimento de pertencer ou não a um determinado grupo, identificar-se ou não com ele. Nesse sentido, Neto e Bezzi destacam: a identidade existe em função da cultura, como um produto resultante, capaz de exprimir suas características distintivas mais marcantes, atribuindo valores culturais. A cultura existe, a identidade classifica, pois a partir desta, ocorre à inclusão ou exclusão do grupo social. (NETO e BEZZI, 2008, 140) Depreendemos então, que a identidade existe como forma de individualizar as diferentes culturas. Significa dizer que a identidade cultural é baseada na diferença, ou seja, é determinada em relação à outra, é a distinção entre grupos. Ao mesmo tempo em que ela diferencia o sujeito dos outros povos ou culturas, os une aos seus semelhantes.

25 3.2 CULTURA GAÚCHA Antes de começarmos discorrer sobre a cultura gaúcha, o gaúcho e a formação da mesma, se faz necessário fazermos uma consideração. Este capítulo não tem a pretensão de descrever a história do Rio Grande do Sul e sim de forma sucinta elencar aspectos que contribuíram para a formação da mesma. Os mesmos contribuirão para o entendimento da pesquisa, visto que nossa intenção é explicitar brevemente como aconteceu a formação da cultura do Rio Grande do Sul, os principais aspectos constituintes. E assim como foi se construindo a imagem do habitante dessas terras: o gaúcho.. São inúmeros fatores que influenciam e contribuem para a formação de uma cultura, no Rio Grande do Sul não foi diferente. A cultura desse estado tem influências de várias etnias no que se referem à língua, os costumes as manifestações religiosas. Os primeiros habitantes do Sul foram os índios que sofreram com a ação de estrangeiros europeus que entendiam que estes deveriam ser catequizados, isto é, assumir a condição de católicos filhos de Deus, além de obedecer ao soberano terrestre, o Rei. Chamamos esse processo de aculturação, que foi baseado na imposição da cultura cristã europeia. Temos ainda no estado do Rio Grande do Sul forte influência alemã e italiana em função da imigração. Estas novas culturas com diferentes histórias e linguagens foram contrastadas com outras distintas, sendo inevitável a adaptação. Esse movimento de adaptação expõe o imigrante a novas tradições sem desprendê-lo das tradições anteriores, como a língua que muitos imigrantes mantiveram em estado original por longo tempo. O estado teve para a formação de sua cultura forte influência bélica em função da Revolução Farroupilha, que eclode em 1835. Nesta os sulistas lutavam contra os altos impostos do charque e da terra em comparação com o platino, contra os gastos excessivos da Corte e por esta não indenizar o RS por danos sofridos anteriormente com a perda do gado no Uruguai. A Guerra dos Farrapos teve duração de 10 anos, durante esse tempo essa terra foi palco de longas disputas armadas e diplomáticas. Daremos atenção especial a Revolução Farroupilha por entendermos que este fato acaba por caracterizar o habitante dessas terras, denominado gaúcho e conhecido como ser corajoso, viril, capaz de atos heroicos para defender seu chão.

26 Ressaltamos que após esse fato ou feito a percepção do gaúcho pelos outros povos muda de forma significativa, o mesmo não é mais visto como contrabandista e vagabundo e sim como um guerreiro leal e destemido conhecedor da terra e defensor dela. Porém, não podemos deixar de mencionar as contradições da Revolução, Oliven (apud Hees, s/d) destaca que mesmo sendo este o maior fato histórico do Rio Grande do Sul pela sua duração e magnitude, o resultado não foi igual para todas as classes que junto lutaram na revolução: No balanço final da guerra, internamente, somente os estancieiros foram beneficiados com a paz honrosa, que lhes garantiu a anistia, os cargos militares, suas propriedades (inclusive escravos), indenizações, melhor tratamento fiscal e a escolha do maior mandatário da Província, curiosamente Caxias, comandante das tropas inimigas imperiais. Por ser uma rebelião dos grandes proprietários, os demais contingentes são grandes perdedores nessa ímpia e injusta guerra. Nada substancialmente mudou nas relações e na vida dos gaúchos subalternos e sem acesso à terra e direitos que pudessem lhes garantir um cotidiano diferente e melhor (OLIVEN apud Hees, s/d). Seguindo essa acepção, entendemos que a imagem de mito do gaúcho foi constituída a partir deste momento histórico de grande repercussão, todavia tal feito conforme o escritor acima não merece comemorações tão grandiosas, que fazem alusão a tal momento da história, uma vez que, conforme o excerto, o povo que lutou não foi nem um pouco beneficiado. A partir disso, chamamos a atenção para o culto às tradições do Rio Grande do Sul, ou o tradicionalismo, que se baseia na conservação de costumes de cada região. Destacamos então o chimarrão, o churrasco, os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), a indumentária (pilcha e vestido de prenda). Tal manifestação se mostra muito forte no estado, sendo, por exemplo, dedicada uma semana ao culto das tradições gaúchas, denominada Semana Farroupilha. Esse tradicionalismo exagerado do gaúcho também é criticado pelo autor Golin (1983) que, em seu livro A ideologia do gauchismo, trata o culto a tradição como um trabalho de manipulação ideológica realizado pela classe dominante, este apenas soma-se as demais tarefas conjugadas (igreja, partidos, sindicatos, educação) em busca da dominação e hegemonia de classe.

27 Consideramos importante reiterar a questão do bairrismo, explicitada no Capítulo II, já que frequentemente o gaúcho é encaixado, denominado, classificado como bairrista. Entendemos bairrismo a partir de nosso conhecimento e de pesquisas na rede como sendo o indivíduo que defende de forma exagerada os interesses de sua terra, além de exaltar excessivamente as qualidades, virtudes de sua terra. O Dicionário Aurélio traz a seguinte definição para bairrismo: defensor exagerado dos interesses do bairro, ou da sua terra. Comprovamos a afirmação de que frequentemente o gaúcho é classificado como tal ao encontrarmos a definição de bairrismo no Yahoo respostas, site popular de grande acesso. Como resposta mais votada com 60% dos votos, encontramos o seguinte: Bairrismo é o sentimento de defender de forma exagerada um determinado local, os gaúchos por exemplo são extremamente bairristas, se for para escolher entre a Região Sul e o Brasil, eles escolheriam a região Sul, se for para escolher entre o Rio Grande do Sul e o Brasil, eles escolheriam o RS. Então o bairrista é o defensor dos interesses de sua terra. 2 A partir do excerto acima é possível perceber como o gaúcho é visto por habitantes de outros estados, uma vez que não foi um gaúcho que escreveu a resposta. A característica bairrista é comumente atribuída ao gaúcho, muitas vezes até pelo próprio gaúcho. Para um efeito de fechamento desse capítulo afirmamos que a cultura gaúcha tem suas raízes no legado glorioso dos farroupilhas. A magnitude do conflito pela sua duração pela quantidade de soldados e pelos investimentos realizados acaba por indicar a Revolução Farroupilha como maior fato histórico do Rio Grande do Sul, independente de quem foram os beneficiados. Reafirmamos que a explanação realizada dá conta dos principais aspectos da tradição e formação da cultura gaúcha, a mesma será imprescindível para a compreensão da presente análise, visto que nosso enfoque será como se manifesta a cultura e imagem do gaúcho nos enunciados da cerveja Polar, quais as significações que se produzem a partir deles. Seguiremos apresentando nossa metodologia e forma de seleção do corpus da pesquisa. 2 Citação extraída do site Yahoo Respostas. Disponível em: <http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080103192736aacikeo>, Acesso em: 22/11/12.

28 4 CAPÍTULO IV - SOBRE A METODOLOGIA E O CORPUS DA PESQUISA Esta pesquisa resulta de inúmeras observações em relação às publicidades de cerveja, mas uma em especial nos chama a atenção por seu caráter regionalista: a cerveja Polar Export, a propaganda e torno dessa marca será objeto de nosso estudo, conforme expusemos primeiramente, a escolha além de levar em conta o aspecto regionalista do produto, observa como se dão os possíveis sentidos no consumidor que se identifica com a Polar. Ressaltamos que por nosso trabalho ser fundamentado pela Análise do Discurso, nossas interpretações sobre os sentidos não estão fechadas, significa dizer que a interpretação pode ser outra se realizada por outro analista, nos remetendo a noção de incompletude do texto e ilusão de fechamento/final que vimos anteriormente. Não se objetiva, nessa forma de análise a exaustividade que chamamos horizontal, ou seja, em extensão, nem a completude, ou exaustividade em relação ao objeto empírico. Ele é inesgotável(...) Não há discurso fechado em si mesmo mas um processo discursivo do qual se podem recortar e analisar estados diferentes. (Orlandi, 2005, p. 62) Assim sendo, para AD o corpus resulta da construção do próprio analista. E ainda, análise e constituição do corpus estão intimamente ligadas, a decisão por um corpus é já pensar em suas propriedades discursivas, o mesmo se organiza através de recortes realizados pelo analista que seleciona de acordo com os aspectos que serão mobilizados em sua análise. Nosso primeiro passo, no que se refere à construção do corpus, foi escolher tudo o que fosse material de interesse e que remetesse ao possível objeto que pretendíamos analisar, a isso denominamos, segundo a AD, de arquivo. Posteriormente, optamos por enunciados que se encontravam nesse arquivo para serem analisados, consideramos então que a própria montagem do arquivo constitui a metodologia. Constituímos nosso arquivo a partir de enunciados veiculados pelos vários tipos meios de comunicação dentre eles televisão, rádio, internet, material impresso. Selecionamos então os enunciados que contemplariam nosso objetivo. Ao serem analisados os enunciados passam a se chamar sequências discursivas (SDs).

29 Salientamos novamente que a própria seleção se constitui como parte da metodologia. Dando sequência a ela, analisaremos os enunciados transformados em sequências discursivas mobilizando todos os conceitos possíveis da teoria, objetivando explicitar os possíveis efeitos de sentido depreendidos pelos consumidores nessas sequências. As mesmas foram divididas em 3 blocos, separados de acordo com a regularidade observada nas sequências. Para SDs analisadas, encontramos imagens reais que proporcionarão visualizar melhor a publicidade da marca. 4.1 AS ANÁLISES 4.1.1 Bloco I Serão apresentadas, neste bloco, sequências discursivas que remetem à imagem do RS, à questão territorial, isto é, a estratégia é de tratar o estado como o melhor, instigar o bairrismo que reiteramos estar tão arraigado no imaginário do gaúcho. A SD abaixo foi extraída de um comercial veiculado na televisão e internet. Descrição 3 Estão sentados em um bar dois homens jovens tomando a cerveja Polar. Um deles avista o Gaúcho da Fronteira (famoso cantor no RS) no balcão do bar, o reconhece e o chama: - Ô da Fronteira! Te aprochega aqui vivente. O Gaúcho se aproxima, senta e questiona: - E aí gurizada, tudo especial? Ao que um deles responde: - É, mais ou menos, né xirú, por que se tu tá aqui, quem é que tá cuidando a fronteira? Em seguida aparece o seguinte enunciado na tela: (RS) a fronteira mais cobiçada do mundo é daqui. 3 As descrições contemplam somente as narrativas. Não nos detivemos em descrever o espaço e demais aspectos constituintes da propaganda.