Arquitetura de ninhos de Mischocyttarus cerberus styx Richards, 1940

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Transcrição:

Arquitetura de ninhos de Mischocyttarus cerberus styx (HYMENOPTERA, VESPIDAE) Edilberto Giannotti 1 NEST ARCHITECTURE OF Mischocyttarus cerberus styx (HYMENOPTERA, VESPIDAE) ABSTRACT: The nest architecture of Mischocyttarus cerberus styx was described. This population nidificated in the arboreto of Navarro de Andrade Forest Station, in Rio Claro, São Paulo State. The wasps build an only little paper comb (mean of 30 cells and 3,5 cm 2 ), with an excentric thin peduncle attached on the tree trunk or branch. The cells are used up to five times and this high nest reutilization is useful for the maintenance of little monoginic colonies. The nest site, the size and color of the comb were considered as defensive adaptations used by the wasps against natural enemies. The nest growing is highly correlated to the number of adult wasps. Key words: Combs, Mischocyttarus, nest, social wasps, Vespidae. 1 Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Caixa Postal 199, 13506-900, Rio Claro, SP, Brasil. E-mail edilgian@rc.unesp.br p. 7-18

Arquitetura de ninhos de Mischocyttarus cerberus styx (HYMENOPTERA, VESPIDAE) p. 7-18 8 INTRODUÇÃO Mischocyttarus cerberus styx é um vespídeo social, sem distinção morfológica de castas, que constrói seu ninho formado por um único favo descoberto, fixo ao substrato por um pedúnculo (do tipo estelocítaro gimnódomo). Segundo RICHARDS (1978), possui três subespécies: M. cerberus cerberus Ducke, 1918, que ocorre no Pará, Maranhão e Suriname; M. cerberus acheron, na Guiana e M. cerberus styx em Goiás, Mato Grosso (provavelmente Mato Grosso do Sul) e São Paulo. Mischocyttarus cerberus styx nidifica em árvores ou em edificações humanas, sendo que seus ninhos são geralmente pequenos e pouco populosos, com cerca de 30 células e quatro vespas adultas por ninho, em média, nunca ultrapassando 12 indivíduos (POLTRONIERI & RODRIGUES, 1976; SIMÕES et al., 1985; GIANNOTTI, 1998). Essas vespas possuem colônias anuais, com ciclos de vida assincrônicos, ou seja, ocorrem todos os estágios de desenvolvimento colonial em qualquer mês do ano, independente da estação. As fundações geralmente são por haplometrose (fundadora solitária) e a monoginia permanente parece ser a regra geral. O nome latino cerberus styx que significa cão mitológico, com sete cabeças, guardião do inferno, não se justifica em relação à sua pouca agressividade. Aliás, esta espécie é muito semelhante fisicamente à agressiva Agelaia pallipes (Olivier, 1791), tanto no tamanho como na coloração (amarela com a extremidade do gaster preta). Este mimetismo de Mischocyttarus com outras espécies agressivas, principalmente Epiponini, parece ser comum e deve lhe trazer algum benefício. RICHARDS (1978) citou a ocorrência de quinze casos de mimetismo Mulleriano envolvendo Mischocyttarus e espécies de Agelaia, Angiopolybia, Parachartergus e Polybia. No entanto, os ninhos de Mischocyttarini quando comparados com os de Epiponini são completamente diferentes, podendo ser utilizados como um caracteres taxonômicos complementares. O objetivo deste trabalho foi descrever a arquitetura de ninhos de M. cerberus styx, sua dinâmica de crescimento e os locais escolhidos para nidificação por uma população ocorrendo no Horto Florestal Navarro de Andrade, em Rio Claro, SP.

MATERIAL E MÉTODOS Edilberto Giannotti Foram efetuadas observações de campo no período de 15 de fevereiro de 1991 a 08 de junho de 1993 em colônias de M. cerberus styx localizadas no arboreto do Horto Florestal Navarro de Andrade, pertencente à FEPASA - Ferrovia Paulista S.A., uma área de 79.900 m 2 (a área total do Horto é de 23.148.000 m 2 ), no município de Rio Claro, SP (22 o 24 36" S; 47 o 33 36" W; altitude média de 612 metros). Este local possui 11 canteiros de diferentes tamanhos (Figura 1), com 496 árvores de 204 espécies, pertencentes a 164 gêneros e 57 famílias. É uma área aberta à visitação pública, localizada atrás de uma lagoa. Talhão de Pinus Talhão de Pinus Talhão de Eucaliptus Estrada Gramado Lagoa Figura 1 Arboreto do Horto Florestal Navarro de Andrade, em Rio Claro, SP, mostrando a disposição dos canteiros (1-10) e das árvores substratos (a-k) dos ninhos de Mischocyttarus cerberus styx. Árvores: a. Tamarindus indica, b. Bauhinea variegata, c. Tipuana speciosa, d. Chorisia insignis, e. Pinus patula, f. Delonix regia, g. Nectandra Puberola, h. Illigera sp., i. Hymenaea courbaril, j. Phoebe porosa, k. Bauhinea variegata. p. 7-18 9

Arquitetura de ninhos de Mischocyttarus cerberus styx (HYMENOPTERA, VESPIDAE) As observações foram efetuadas semanalmente, com intervalos de 2 a 10 dias, no período de fevereiro de 1991 a julho de 1992, quando os estudos foram conduzidos de forma mais intensa e, posteriormente, de agosto de 1992 a junho de 1993, foram quinzenais ou mensais (intervalos de 10 a 34 dias), quando foram feitas apenas visitas de inspeção às colônias, totalizando 500 horas de trabalho de campo. Inicialmente houve o esforço de localização dos ninhos e registro do substrato utilizado (espécie de árvore). Foi feito um mapeamento periódico dos ninhos, registrando-se o número de células e a seqüência de construção de cada uma. Registrava-se também o número de indivíduos adultos em cada colônia. Os ninhos abandonados foram coletados para medições do comprimento e largura do favo e do pedúnculo, a altura e largura das células, altura e número de camadas de mecônio depositadas no fundo de cada célula. Para obtenção da área dos ninhos foi feito um esquema de cada favo em papel sulfite, em tamanho natural, que foi recortado e pesado em balança analítica, assim como de um quadrado de 25 cm 2. Através do cálculo da proporção entre o quadrado de área conhecida e o molde do ninho, obteve-se a área de cada favo. RESULTADOS E DISCUSSÃO p. 7-18 10 As 31 colônias de M. cerberus styx estudadas no arboreto do Horto Florestal Navarro de Andrade nidificaram em apenas 10 (4,9%) das 204 espécies de árvores identificadas nesta área (Tabela 1). Todos os ninhos foram construídos nos troncos ou galhos grossos, em alturas que variaram de 1,2 a 3,5 m do solo. Os substratos mais freqüentes foram árvores da família Leguminosae (48,4%), sendo que, 6 ninhos foram construídos em Tipuana speciosa; a paineira amarela Chorisia insignis (Bombacacea) foi utilizada nove vezes (29,1%), o pinheiro Pinus patula (Pinaceae) quatro vezes (12,9%) e Nectandra puberola, Phoebe porosa (Lauraceae) e Illigera sp. (Hernandiaceae) foram utilizados uma vez cada (3,2%). RAPOSO-FILHO & RODRIGUES (1984) verificaram que colônias de Mischocyttarus

extinctus Zikán, 1935 têm preferência em nidificar em edificações humanas, em detrimento dos substratos naturais. Esse fenômeno também pode ocorrer com M. cerberus styx em centros urbanos, no entanto, nas condições de estudo não haviam esses substratos artificiais disponíveis na proximidade. Edilberto Giannotti Tabela 1 - Substratos (árvores) escolhidos por Mischocyttarus cerberus styx para construção de seus ninhos, tamanho do favo (largura x comprimento, em cm), área do favo (em cm²) e número total de células construídas Ninho Espécie Família Nome popular Tamanho Área (cm²) Células do favo 1 Chorisia insignis Bombacacea Palmeira amarela 1,6 x 2,0 1,77 14 2 Tipuanaspeciosa Leguminosae Tipuana 3,7 x 4,0 7,59 62 3 Tipuanaspeciosa Leguminosae Tipuana 2,3 x 3,3 5,18 41 4 Bauhinea variegata Leguminosae Árvore de São 1,8 x 5,4 7,22 61 Tomás 5 Delonix regia Leguminosae Flamboyant 2,2 x 2,9 5,68 46 6 Chorisia insignis Bombacacea Palmeira amarela 1,1 x 1,3 1,01 8 7 Chorisia insignis Bombacacea Palmeira amarela 2,3 x 4,3 7,68 59 8 Chorisia insignis Bombacacea Palmeira amarela 1,1 x 1,3 1,01 8 9 Delonix regia Leguminosae Flamboyant 1,1 x 1,3 1,01 8 10 Hymenaea courbaril Leguminosae Jatobá 2,3 x 2,3 4,95 39 11 Pinus patula Pinaceae Pinheiro 1,6 x 2,2 2,29 18 12 Tamarindus indica Leguminosae Tamarindeiro 2,3 x 3,2 5,27 43 13 Tipuanaspeciosa Leguminosae Tipuana 0,8 x 1,1 0,53 4 14 Nectandra puberola Lauraceae Canela 2,6 x 4,5 7,84 68 15 Pinus patula Pinaceae Pinheiro 2,8 x 2,9 2,31 19 16 Hymenaea courbaril Leguminosae Jatobá 1,5 x 1,6 1,66 14 17 Tipuanaspeciosa Leguminosae Tipuana 2,3 x 5,2 9,90 78 18 Chorisia insignis Bombacacea Palmeira amarela 2,2 x 2,9 4,17 34 19 Pinus patula Pinaceae Pinheiro 1,1 x 3,1 3,03 17 20 Chorisia insignis Bombacacea Palmeira amarela 0,8 x 1,1 0,68 5 21 Tipuanaspeciosa Leguminosae Tipuana 1,1 x 1,6 1,93 11 22 Tipuanaspeciosa Leguminosae Tipuana 1,1 x 1,6 1,93 11 23 Pinus patula Pinaceae Pinheiro 0,8 x 0,7 0,46 3 24 Illigera sp. Hernandiaceae - 2,2 x 5,0 6,72 54 25 Hymenaea courbaril Leguminosae Jatobá 1,5 x 6,1 7,44 58 26 Chorisia insignis Bombacacea Palmeira amarela 1,1 x 1,3 1,01 8 27 Chorisia insignis Bombacacea Palmeira amarela 1,5 x 1,9 2,16 17 28 Bauhinea variegata Leguminosae Árvore de São 1,1 x 1,6 1,31 11 Tomás 29 Phoebe porosa Lauraceae Imbuia 1,9 x 2,9 3,54 29 30 Chorisia insignis Bombacacea Palmeira amarela 1,1 x 1,3 1,08 9 31 Tamarindus indica Leguminosae Tamarindeiro 1,5 x 1,6 1,66 14 p. 7-18 11

Arquitetura de ninhos de Mischocyttarus cerberus styx (HYMENOPTERA, VESPIDAE) p. 7-18 12 A distribuição espacial dos ninhos está ilustrada na Figura 1, onde estão representadas apenas as árvores que serviram de substrato para as colônias de M. cerberus styx. Todos os ninhos estavam voltados para a lagoa, à oeste. Pode-se dizer que esta distribuição era esperada, uma vez que nas faces norte e leste haviam talhões de pinheiros e na sul uma estrada, seguida de um talhão de eucaliptos, formando barreiras naturais de vegetação densa. A face oeste foi a escolhida devido à presença da lagoa e de uma área gramada anterior a ela, onde deveria haver maior abundância de presas e, certamente, de água. Os substratos (troncos das árvores) fornecem uma ótima camuflagem, pois os ninhos têm a mesma cor da casca. Eles são construídos com fibra vegetal, retirada das árvores pelas vespas por raspagem da casca com suas mandíbulas. Esse material é misturado com a saliva do inseto e, posteriormente, acrescentado ao ninho em camadas visíveis. A camuflagem do ninho ainda é mais completa pelo fato de que as vespas têm o hábito de recobrir o casulo de seda branca das pupas com essa polpa de madeira. Isso também ajuda a ocultar o ninho pois evita o contraste evidente da cor branca dos casulos com o cinza mais escuro do ninho e da árvore. Desta forma, eles se confundem com o substrato e só são visíveis a pequena distância, necessitando de uma acurada inspeção para serem localizados. A escolha do local de nidificação é um fator importante na defesa dessas colônias suscetíveis à predação, em vista da precariedade de funcionamento de seu aparelho de ferrão e do fato de seus ninhos não serem recobertos por envelope (RAPOSO-FI- LHO & RODRIGUES, 1984). Outra forma de defesa indireta da colônia foi descrita por JEANNE (1970, 1972), que relatou pela primeira vez o comportamento que Mischocyttarus tem de esparramar uma secreção repelente de formigas, produzida por glândulas abdominais, sobre o pedúnculo e a parte superior do ninho. A Figura 2 mostra o formato da maioria dos ninhos de M. cerberus styx construídos no Horto Florestal Navarro de Andrade durante o período de estudos. Apesar de variáveis na forma final, eles são geralmente alongados, com a parte mais velha afilada ou triangular, onde se localiza o pedúnculo, que é excêntrico (periférico). Pode-se observar pela seqüência das figuras 2a-e, que todos eles seguem um padrão básico inicial de construção até a oitava célula. Suas medidas extremas foram

0,8 x 0,7 cm (menor ninho, com apenas 3 células) e 2,3 x 5,2 cm (maior ninho, com 78 células), sendo que, sua área pode variar de 0,46 a 9,90 cm 2, respectivamente (em média 3,55 ± 2,76 cm 2 ) (Tabela 1). Os ninhos são portanto muito pequenos, o que também ajuda na sua camuflagem. Edilberto Giannotti 1cm Figura 2 Ninhos de Mischocyttarus cerberus styx. De a-e: seqüência básica de construção de células ocorrida em todas as colônias observadas desde a fundação. As letras correspondem aos seguintes ninhos: b. 23; c. 13; e. 6, 8, 9, 26; f. 30, g. 21; h. 1; i. 27; j. 11; k.19; l. 18; m. 4; n.2; o.14; p.24; q.17; r. 7; s. 10; t. 5; u. 12; v. 3; w. 25. p. 7-18 13

Arquitetura de ninhos de Mischocyttarus cerberus styx (HYMENOPTERA, VESPIDAE) p. 7-18 14 O número médio de células construídas nos ninhos de M. cerberus styx foi de 28,1 ± 22,6 (3-78, n = 31), mas se for levado em consideração apenas as colônias que alcançaram o estágio de pós emergência, ou seja, as colônias maduras que produziram pelo menos uma vespa adulta, o número médio de células foi de 35,8 ± 22,5 (8-78, n = 22). POLTRONIERI & RODRIGUES (1976) verificaram um número médio maior de células por ninho de M. cerberus styx: 54,3 (4-141 células). Já SIMÕES et al. (1985) verificaram 28,7 (6-104 células). Esses autores, que estudaram colônias dessa espécie em ambiente urbano, encontraram colônias de M. cerberus styx atingindo um tamanho maior do que 100 células, o que não ocorreu no arboreto do Horto Florestal. GIANNOTTI (1998) concluiu que as taxas de construção de células e de posturas são baixas durante todo o ciclo colonial, refletindo no pequeno tamanho dos ninhos e das colônias de M. cerberus styx que possuem organização social tipicamente monogínica de baixa produtividade (0,17 células/dia, 0,17 adultos/dia, 0,87 adultos/célula e 51,2 % de células produtivas). Se comparada a M. cassununga von Ihering, 1903 (GOBBI & SIMÕES, 1988), pode-se verificar que ambas constróem um número semelhante de células, porém M. cassununga tem uma taxa maior de células/dia. A produtividade das colônias variou também em relação aos seus estágios de desenvolvimento (GIANNOTTI, 1998): em colônias no estágio de pré-emergência, a média de células/ dia construídas foi semelhante às posturas efetuadas (0,15 e 0,16 respectivamente). No estágio de pós-emergência, a taxa de células construídas foi semelhante ao estágio anterior (0,19 células/dia), mas a de posturas foi significativamente maior (0,53 posturas/dia), embora seja comum que o crescimento dos ninhos seja mais acelerado no final do período pré-macho. No estágio de declínio, não foi observada a construção de células novas, não havendo, portanto, mais investimentos na estrutura do ninho. Os poucos ovos postos no estágio de declínio ou foram comidos ou abandonados no ninho. O pedicelo do ninho possui em média 3,3 ± 0,5 mm de comprimento (2,5-4,0, n = 6) e, em secção transversal apresenta formato elíptico, cuja largura maior foi de 1,6 ± 0,2 mm (1,5-2,0, n = 6) e a largura menor de 0,7 ± 0,3 mm (0,5-1,0, n = 6). Tanto o pedicelo como a parte superior do ninho tem

uma cor escura e brilhante (semelhante a um verniz), decorrente da secreção bucal esparramada pelas vespas, para maior aderência ao substrato e que enrijece e impermeabiliza a estrutura. As células foram reutilizadas até cinco vezes. Este alto índice de indica que ninhos muito pequenos de M. cerberus styx, para serem viáveis, precisam ter suas células utilizadas várias vezes. Cada vez que isso ocorre, o que equivale ao sucesso na produção de uma vespa adulta, acumula-se no seu assoalho uma camada de mecônio (fezes da larva), eliminado pela larva de último instar antes da pupação. O acúmulo destas camadas faz com que as células utilizadas mais de uma vez sejam significativamente aumentadas em altura (teste de correlação de Spearman r s = 0,58, t = 6,39, g.l. = 80). Sua largura no entanto foi invariável (Tabela 2). Este fenômeno também foi verificado por GIANNOTTI (1992) em ninhos de P. lanio lanio (Fabricius, 1775). Edilberto Giannotti Tabela 2 - Altura e largura média das células construídas por Mischocyttarus cerberus styx em relação com o número de vezes que cada uma foi utilizada. Número de utilizações Altura da célula Largura da célula das células (em mm) (em mm) 1 13,4 ± 1,5 3,9 ± 0,3 2 14,6 ± 0,9 3,9 ± 0,3 3 15,4 ± 1,2 3,9 ± 0,3 4 16,3 ± 0,3 4,0 ± 0,2 5 16,6 ± 0,6 3,8 ± 0,3 As Figuras 3 e 4 mostram o crescimento dos ninhos das colônias 7 e 12 que foram observadas desde a sua fundação até o abandono. Essas colônias apresentaram um padrão inicial de crescimento lento do ninho pois, desde a fundação até um certo período, os ninhos possuem poucas células. Posteriormente, ocorreu um súbito aumento do número de células e de adultos e o abandono logo em seguida. Foram constatados altos índices de correlação de Spearman (0.84 para a colônia 7 e 0,80 para 12), entre o número de células construídas e o número de p. 7-18 15

Arquitetura de ninhos de Mischocyttarus cerberus styx (HYMENOPTERA, VESPIDAE) adultos na colônia. Em todos os casos, pode-se observar a manutenção de colônias muito pequenas, nunca maior do que 12 indivíduos adultos, chegando mesmo a haver períodos em que a rainha permaneceu solitária no ninho. GIANNOTTI (1998) verificou que o número médio de fêmeas nas colônias variou de 1,43 a 3,94 ao longo do ano. JEANNE (1972) também observou que colônias de M. drewseni de Saussure, 1857 se mantêm pequenas ao longo do ciclo, porém maiores que M. cerberus styx, pois raramente havia mais de 30 adultos numa colônia em qualquer estágio de desenvolvimento. Figura 3 - Desenvolvimento da colônia 7 de Mischocyttarus cerberus styx: número de células construídas e população adulta, desde a fundação até o abandono (índice de correlação de Spearman r = 0,80, p = 0,0001). p. 7-18 16

Edilberto Giannotti Figura 4 - Desenvolvimento da colônia 12 de Mischocyttarus cerberus styx: número de células construídas e população adulta, desde a fundação até o abandono (índice de correlação de Spearman r = 0,84, p = 0,0001). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GIANNOTTI, E. 1992. Estudos biológicos e etológicos da vespa social neotropical Polistes (Aphanilopterus) lanio lanio (Fabricius, 1775) (Hymenoptera, Vespidae). Tese de Doutoramento, Instituto de Biociências, UNESP, Rio Claro, SP. 212 p. GIANNOTTI, E. 1998. The colony cycle of the social wasp, Mischocyttarus cerberus styx (Hymenoptera, Vespidae). Revta bras. Ent. 41(2-4): 217-224. GOBBI, N. & D. SIMÕES. 1988. Contribuição ao entendimento do ciclo básico de colônias de Mischocyttarus (Monocyttarus) cassununga von Ihering, 1903 (Hymenoptera, Vespidae). An. Soc. ent. Brasil, 17(2): 421-436. JEANNE, R.L. 1970. Chemical defense of brood by a social wasp. Science, 168: 1465-1466. p. 7-18 17

Arquitetura de ninhos de Mischocyttarus cerberus styx (HYMENOPTERA, VESPIDAE) JEANNE, R.L. 1972. Social biology of the Neotropical Wasp Mischocyttarus drewseni. Bull. Mus. Comp. Zool. 144(3): 63-150. POLTRONIERI, H.S. & V.M. RODRIGUES. 1976. Vespídeos sociais: estudos de algumas espécies de Mischocyttarus Saussure, 1853 (Hymenoptera, Vespidae, Polistinae). Dusenia, 9(3): 99-105. RAPOSO-FILHO, J.R. & V.M. RODRIGUES. 1984. Habitat e local de nidificação de Mischocyttarus (Monocyttarus) extinctus Zikán, 1935 (Polistinae Vespidae). An. Soc. ent. Brasil, 13(1): 19-28. RICHARDS, O.W. The social wasps of the Americas, excluding the Vespinae. British Museum (Natural History), London, 1978. 580 p. SIMÕES, D.; N. GOBBI & B.R.M. BATARCE. 1985. Mudanças sazonais na estrutura populacional em colônias de três espécies de vespas do gênero Mischocyttarus (Hymenoptera, Vespidae). Naturalia, 10: 89-105. p. 7-18 18