Uma cultura partilhada

Documentos relacionados
AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DA QUINTA DO CONDE Escola Básica Integrada/JI da Quinta do Conde. Departamento de Ciências Humanas e Sociais

AGRUPAMENTO de ESCOLAS de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2015/2016 PLANIFICAÇÃO ANUAL

Senhor Ministro da Defesa Nacional, Professor Azeredo Lopes, Senhora Vice-Presidente da Assembleia da República, Dra.

Cerimónia de Assinatura Protocolo AICEP/CRUP

Prova bimestral 4 o ANO 2 o BIMESTRE

Colégio Senhora de Fátima

I - Disposições gerais. Artigo 1.º Âmbito da cooperação

TEMA E EXPANSÃO E MUDANÇA NOS SÉCULOS XV E XVI

VIAGEM DE GRUPO A MARROCOS

de Direito que oferecem.

Guia de Codificação. Projeto de Leitura Online

A CIDADELA DE CASCAIS: O MONUMENTO, A ENVOLVENTE URBANA E O VALOR SOCIAL

PROVA DE HISTÓRIA 2 o TRIMESTRE 2012

18. Convenção sobre o Reconhecimento dos Divórcios e das Separações de Pessoas

O FIM DO FEUDALISMO E A CENTRALIZAÇAO POLÍTICA

FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS AGUALVA MIRA SINTRA

AVALIAÇÃO PARCIAL I CAPÍTULO 4 PP. 76 A 84; 92 CAPÍTULO 5 PP. 98 A 107 CAPÍTULO 15 PP

Rota dos 3 Castelos. 2.ºAbrantes. 3.º Belver. 1.ºAlmourol. Monte da Várzea Almourol. 38 km. Almourol Abrantes. 20 Km. Abrantes Belver.

Conteúdos/conceitos Metas curriculares Atividades Calendarização

EXPANSÃO EUROPÉIA E CONQUISTA DA AMÉRICA

ENTREVISTA Coordenador do MBA do Norte quer. multiplicar parcerias internacionais

AS GRANDE NAVEGAÇÕES. Professora de História Maria José

HISTORIA DE PORTUGAL

Ensaio sobre o Conceito de Paisagem

Economia e Sociedade Açucareira. Alan

EUROPA, UM PATRIMÓNIO COMUM. Título: Solares de Portugal na Europa das Tradições

Escola Básica e Secundária das Lajes do Pico História e Geografia de Portugal 2º Ciclo Ano Lectivo 2007/2008

IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA PROTECÇÃO DOS PRODUTOS TRADICIONAIS PORTUGUESES

Cópia autorizada. II

Estudo Dirigido - RECUPERAÇÃO FINAL

A INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA E A SUA EVOLUÇÃO

[Aprender Português / Portugiesisch lernen]

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 10 de Junho de 2010

Europa no Século XIX FRANÇA RESTAURAÇÃO DA DINASTIA BOURBON LUÍS XVIII CARLOS X LUÍS FELIPE ( )

Superioridade ibérica nos mares

RIBEIRINHA DAS ORIGENS À ACTUALIDADE

MESOPOTÂMIA ORIENTE MÉDIO FENÍCIA ISRAEL EGITO PÉRSIA. ORIENTE MÉDIO origem das primeiras civilizações

O IMPACTO DA DESCENTRALIZAÇÃO NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO LOCAL A EXPERIÊNCIA DE CABO VERDE

ESTRATÉGIAS CORPORATIVAS COMPARADAS CMI-CEIC

E.E. Dr. João Thienne Geografia

SEMINÁRIO A EMERGÊNCIA O PAPEL DA PREVENÇÃO

Plano de Comunicação Reestruturação Comunicação e Marketing

CENTRO CULTURAL DE BELÉM. PALESTRAS SOBRE HISTÓRIA DE PORTUGAL Janeiro Março de Segunda Parte Época Moderna

Igreja!de! Nossa!Senhora!do!Carmo! Da!Antiga!Sé!

Os aparelhos de GPS (Sistema de Posicionamento Global) se tornaram

Novos hotéis de 5 estrelas quadruplicaram em três anos

Sugestões de avaliação. Geografia 9 o ano Unidade 8

Intervenção do Secretário Executivo da. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) Embaixador Murade Murargy

Ei-los que partem. Virão um dia ricos ou não contando histórias de lá de longe onde o suor se fez em pão virão um dia ou não

Restituição de cauções aos consumidores de electricidade e de gás natural Outubro de 2007

'DWD 7HPD $FRQWHFLPHQWR

Conteúdo: Aula: História da língua espanhola: surgimento, consolidação e expansão, e o contato com outras línguas. - Espanhol ou Castelhano.

A expansão portuguesa do século XV

A Quinta do Anjinho faz parte de uma história que ainda poucos conhecem. O imóvel que é actualmente a sede da Escola Nacional de Bombeiros foi

ABREU INTERNATIONAL LEGAL SOLUTIONS. OUR INNOVATIVE SOLUTIONS WHEREVER YOU NEED US. our innovative solutions wherever you need us.

DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS COMBINADAS


Património, gastronomia, natureza, cidades, praia enfim, uma multiplicidade de oferta turística e cultural para conhecer, sempre a viajar de comboio.

Sistema de Ensino CNEC a-20s-tg-09 Trabalho de Geografia Eu no Mundo

História/15 6º ano Turma: 2º trimestre Nome: Data: / / RECUPERAÇÃO FINAL 2015 HISTÓRIA 6º ano

As Grandes navegações: a conquista da América e do Brasil. Descobrimento ou Conquista?

Decreto n.º 17/2000 Acordo entre a República Portuguesa e a República de Cuba sobre Cooperação Cultural, assinado em Havana em 8 de Julho de 1998

Esta esperança, este sonho e este legado aos vindouros também tem de ser concretizado no Cartaxo.

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA FAMÍLIA GOYOS

AS QUESTÕES OBRIGATORIAMENTE DEVEM SER ENTREGUES EM UMA FOLHA À PARTE COM ESTA EM ANEXO.

Palestra: História da Cana-de. de-açúcar no Centro-Oeste Professora: Ana Paula PROJETO: PRODUÇÃO DO AÇÚCAR ORGÂNICO NA JALLES MACHADO S/A

Programa de Incentivo em Lisboa Top Vip

Recenseamento Geral da População e Habitação 2014

História. Antigo regime, Estados nacionais e absolutismo

População estrangeira em Portugal modera crescimento

APRESENTAÇÃO. Sobre Fernando Pessoa

SOUSA GALITO, Maria (2010). Entrevista ao Embaixador Miguel Costa Mkaima. CI-CPRI, E T-CPLP, º8, pp. 1-6.

GRUPO IV 2 o BIMESTRE PROVA A

A parceria entre TozziniFreire e PLMJ foi

Geografia QUESTÕES de 01 a 06 INSTRUÇÕES: Questão 01 (Valor: 15 pontos)

PROJECTO: EUROPA DAS DESCOBERTAS PLANTAS MEDICINAIS

ITINERARIOS TURISTICOS. Tema I - Considerações Gerais. 3º ano Gestão de Mercados Turísticos Informação Turística e Animação Turística

MINISTÉRIO DA HOTELARIA E TURISMO

FORMAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E DIVISÃO POLÍTICA DO BRASIL

Período pré-colonial

Os Domínios Estrangeiros sobre o Brasil Colonial

A QUALIDADE E A CERTIFICAÇÃO

Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte: Artigo único

EIXO TEMÁTICO I: HISTÓRIAS DE VIDA, DIVERSIDADE POPULACIONAL E MIGRAÇÕES.

HISTÓRIA - 1 o ANO MÓDULO 55 O CONGRESSO DE VIENA E A SANTA ALIANÇA

FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO

Case study. Galpshare UM PROGRAMA DE MOBILIDADE SUSTENTÁVEL EMPRESA

PROJECTO DE LEI N.º 307/VIII DEFINE E REGULA AS HONRAS DO PANTEÃO NACIONAL

FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DE LINHARES FACELI DIREITO INGLÊS E O COMMUN LAW

ESTRUTURA EMPRESARIAL NACIONAL 1995/98

REPÚBLICA DE ANGOLA MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

As descobertas do século XV

SEMANA DA RESPONSABILIDADE SOCIAL REGENERAÇÃO URBANA E RESPONSABILIDADE SOCIAL NA INTERNACIONALIZAÇÃO

Decreto n.º 118/80 Acordo Económico e Comercial entre o Governo da República Portuguesa e o Governo dos Estados Unidos Mexicanos

PORTUGUÊS LÍNGUA NÃO MATERNA

Nome: nº. Recuperação Final de História Profª Patrícia

MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS

As A p s e p c e t c os o s Só S c ó i c o o P r P of o iss s i s on o a n i a s s d a d a I nf n or o mát á ica c 2º Trabalho Prático Abril de 2007

Transcrição:

O património arquitectónico luso-marroquino Uma cultura partilhada INTRODUÇÃO Dada a conjuntura socioeconómica do séc. XV, Portugal e os Estados renascentistas da Europa sofreram o estímulo da fuga além-fronteiras, de modo a respirar melhor, sob outros céus. Mais que descobertas geográficas, tratou-se de um movimento de prospecções geográficas e económicas. Depois dos primeiros conflitos, devidos à questão das Canárias e da Madeira, entre ingleses, franceses, castelhanos, italianos e portugueses, Portugal conquistou Sebta (Ceuta), em Marrocos, no ano de 1415, atingindo o Cabo Bojador em 1434. Entre este ano e 1507, Portugal investigaria ambas as costas africanas (ocidental e oriental), conquistando regiões e estabelecendo entrepostos comerciais (Cabo Verde, Guiné, Gâmbia, o banco de Arguim, os Camarões, S. Jorge da Mina (Gana), o Congo, Angola, o Cabo das Tormentas (futuro Cabo da Boa Esperança), Mombaça, Sofala e Moçambique). Em 1498, Vasco da Gama chega às Índias, a Calicute, de onde serão tomadas, sob alçada directa ou indirecta do Reino de Portugal, o Golfo de Ormuz, Goa, Malaca, Macau, Sumatra e outros entrepostos, em toda a Ásia. Do outro lado do globo, a conquista do Brasil e a criação de um Estado constituem um dos fulcros da história do Império português. Portugal combatia em duas frentes: além de batalhar contra tribos e poderes locais, procurava contrariar a acção de Castela. Nesse contexto, surgem várias circunstâncias em que o recurso à mediação da Santa Sé é colocado em prática, no sentido de arbitrar a validade das conquistas (efectuadas ou prospectivas) de cada uma das partes envolvidas. No que diz respeito ao continente africano, ambos os países assinaram vários tratados, entre os quais podemos citar o tratado de Toledo (1480), o tratado de Tordesilhas (1494) e o tratado de Sintra (1509). Ocupação portuguesa em Marrocos Naquela era, concorriam dois fenómenos: a decadência do mundo muçulmano e uma Europa renascentista. As ciências dominam a esterilidade, a artilharia abate a catapulta, o fuzil e a caravela esmagam a caravana. Sijilmassa, Tumbuctu, Agadez, senhoras do comércio trans-sahariano, desvanecem-se, sob a penúria e a miséria. Marrocos tornava-se conquistável, malgrado a resistência. Portugal enceta a primeira surtida expansionista digna desse nome a 21 de Agosto de 1415, com a ocupação de Sebta, depois de uma luta sangrenta 1. Ceuta constituía a última e longínqua base de apoio ao reino de Granada, numa Andaluzia em degradação, face à Reconquista e a uma Castela em ascensão. Ceuta era com Qsar Seghir as narinas pelas quais respirava Marrocos coevo, fragilizado pelas guerras intestinas da frágil dinastia Merínida. 1 D. LOPES - Les Portugais au Maroc, in Revue d Histoire Moderne, T.XIV, n. 39, Août-Septembre 1939, p. 339.

No ano de 1434, Portugal investiga e dobra o Boujdour (Cabo Bojador). No Sahara marroquino, a 23 de Outubro de 1458, toma Qsar Seghir (Alcácer Ceguer). Em Agosto de 1471, Afonso V entra, triunfalmente, em Asilah (Arzila) e Tânger. Perto de Larache, conquista impossível, enceta-se a construção de uma fortaleza, de nome Graciosa, mas My Cheikh caça os homens de D. João II. Em contraponto à ideia de uma tempestade inesperada, o contingente liderado por Jorge de Mello desembarca, voluntariamente, em 1502, no porto de Al-Brija, maravilhado com a facilidade da ancoragem em Mazaghan ou Mazighan (Mazagão em português, Mazagan em francês). Constrói-se, aí, uma cidadela, obra-prima dos arquitectos Arruda, Francisco e Diogo. Depois da libertação, em 1541-1542, de Santa Cruz, Safi e Azamor, a cidadela é transformada em fortaleza imponente, de acordo com o plano do italiano Benedetto di Ravenna, no tempo do ilustre Governador Luís de Loureiro. Entre 1505 e 1513, D. Manuel I cerca Marrocos por todos os lados. O entreposto português de Massa, datado de 1497, torna-se, em 1505, Santa Cruz do Cabo de Guir (Agadir), fortaleza de João Lopes de Sequeira, comprada, em 1513, por D. Manuel I, que podia, oficialmente, reclamar as praças-fortes conquistadas ou a conquistar, no território de Marrocos, depois do tratado de Sintra. Diogo de Azambuja ergue o Castelo Real de Mogador (1506); nas suas ruínas, Sidi Mohamed ben Abdallah (1757-1790) edificará, dois séculos mais tarde, a actual Essaouira. Pouco depois, em 1507 e 1508, Agouz e Safi (Safim/Çafim) são tomadas. Os portugueses haviam construído, em Mazagão, uma cidadela única, no ultramar luso; além disso, dotaram Safim de um Castelo do Mar e de uma Catedral, estruturas ímpares. A 3 de Setembro de 1513, D. Jaime, Duque de Bragança, toma de assalto Azamor. A suserania portuguesa precedia, casualmente, a ocupação, e essa fora a singularidade de Azamor (1486), Safim (1488) e Massa (1497). Uma evacuação nostálgica A uma ocupação, segue-se a inevitável evacuação. As últimas vilas ocupadas serão as primeiras libertadas, devido à conjugação de escaramuças tribais com o poder Saadiano e Alauita. Mogador é libertada antes de 1516. Agouz é abandonada em 1523 ; em 1541, os súbditos de D. João III são constrangidos a abandonar Agadir, Safim e Azamor, seguindo Qsar Seghir, em 1549-1550. Os portugueses saem de Arzila no mesmo biénio, reconquistando-a e perdendo-a, consecutivamente, até 1589, aquando da derrota final, na batalha de Oued Al-Makhazine (Batalha dos Três Reis), a 4 de Agosto de 1578. Mazagão foi libertada a 11 de Março de 1769, graças ao ilustre sultão alauita Sidi Mohamed ben Abdallah, aquele que foi o primeiro soberano a reconhecer a independência dos Estados Unidos da América, sem qualquer proveito próprio. Os habitantes de Mazagão iriam fundar, no Brasil, Mazagão Nova, em memória da sua pérola marroquina. Ceuta e Tânger constituem uma particularidade. Em 1661. Tânger foi doada, em dote, à coroa britânica, por ocasião de matrimónio, e seria libertada, perto de 1684, por Moulay Ismail (aquele que cultivava uma amizade turbulenta com Luís XIV, diznos Younés Nekrouf). Ceuta foi guardada por Castela (Espanha) Ora, após a derrota na Batalha dos Três Reis e a desaparição do celebérrimo rei D. Sebastião, a coroa espanhola passa a deter soberania sobre Portugal. Em 1640, Castela devolve, a Lisboa, todo o Império, à excepção de Ceuta.

Portugal não pôde digerir este golpe fraterno. Marrocos, pela sua parte, multiplicou os cercos contra o ocupante, mas tratou-se sempre de uma tarefa inglória, incluindo o cerco mais duro à Ceuta ibérica, sob o comando de Moulay Ismail. Características e transformações das praças-fortes luso-marroquinas As praças luso-marroquinas podem ser divididas em dois blocos : - Medinas marroquinas, já existentes, conquistadas pelos portugueses (Sebta, Qsar Seghir, Tânger, Arzila, Azamor, Safim). Os conquistadores adaptavam o traçado urbano às suas necessidades, transformando aquilo que já existia, ou implantando novos elementos arquitectónicos; - Fortalezas erguidas ex nihilo (Santa Cruz de Cabo Guir, Agouz, Mazagão, Castelo do Mar de Safim; a Graciosa não chegou a ser construída). Paralelamente, em Mogador, Agouz e Mazagão, os portugueses encontraram estruturas que não davam, às localidades, a qualificação de cidade. Estas fortalezas e castelos subdividem-se em, pelo menos, quatro categorias arquitectónicas. Os seus planos e esquemas, borjs e bastiões, muralhas e parapeitos, são, essencialmente, elementos que conferem, a um grupo de cidades, características particulares, que as distinguem de outra praça-forte ou de um grupo de praças. Portanto, as praças portuguesas formam, na verdade, o mapa do património lusomarroquino 2, cujo estado de conservação é assaz satisfatório, quando comparado com o restante património milenar marroquino. De facto, alguns monumentos e elementos necessitam de uma atenção particular, mas Marrocos em iniciativas particulares ou em parceria com organismos portugueses fez bastante pela preservação deste conjunto patrimonial. Poderíamos enumerar as operações efectuadas, nos últimos quinze anos, em Asilah, Tânger, Azamor, Safim, Qsar Seghir e, sobretudo, em Mazagão 3. Estas operações foram, essencialmente, financiadas pelo ministério da Cultura, pelo ministério do Habitat ou do Turismo, ou, até, pelas colectividades e autoridades locais 4, além de conjuntos ocasionais de parceiros. Se me é permitido o regozijo por uma bem sucedida parceria local, citarei o exemplo de Mazagão e Azamor. Aquando da visita de Hassan II (11-7-1994), havíamos lançado o restauro do amuralhamento de Azamor e Mazagão. Tive a ínsigne honra de dirigir esses trabalhos, tal como os esforços desenvolvidos em Azamor, no ano de 1998, e Mazagão, de 1995 a 2000 (antes de me mudar para Rissani). Em Mazagão, os trabalhos continuaram até 2004, incluindo a reabilitação, que ultrapassa a intervenção de restauro. O sucesso destes projectos foi alvo da (quase) total unanimidade dos especialistas, das autoridades e de visitantes nacionais e estrangeiros 5. 2 Para preservar este património comum, o governo de Marrocos criou, em 1994, o Centro de Estudos e Investigação sobre o Património Luso-Marroquino (CPLM), sob alçada directa do Ministério da Cultura e trabalhando em estreita colaboração com parceiros portugueses, no que diz respeito ao património de origem portuguesa, no território marroquino, e ao património de origem islâmica, em Portugal. 3 Reconhecendo o esforço, a UNESCO inscreveu Mazagão Al-Jadida na lista do património universal, em Junho de 2004. 4 Arrancará, em breve, a recuperação da Catedral de Safim e do centro urbano da Médina, numa operação de financiamento cruzado (Fundação Gulbenkian, Ministério da Cultura de Marrocos, a Comuna Urbana, o Conselho Regional e outros parceiros, incluindo a Embaixada Portuguesa). 5 As intervenções de restauro de Azamor e Mazagão (Al-Jadida) serão objecto de uma comunicação que apresentarei no colóquio que a Direcção do Património Cultural e o nosso Centro (CPLM) organizarão, em colaboração com o GECoRPA (Portugal) e o Instituto de Estudos Hispânicos e Lusitanos (Rabat), a ter lugar na cidade de Rabat, em 2008.

CONCLUSÃO Devemos repetir que o património comum entre Portugal e Marrocos tem um grande impacto na consciência colectiva dos marroquinos e dos portugueses; corporiza a tenacidade de ambos os povos. Duas grandes nações que se encontraram, após 711, quando Tariq ibn Ziyad atravessou o Estreito. De 1415 a 1769, os recontros entre ambos os povos tornaram recíproca a admiração da grandeza e do património partilhado, malgrado as peripécias históricas. Estes recontros seculares constituíram um fenómeno intercultural exemplar. Portugueses e marroquinos vivem, ainda, esta interculturalidade, num clima de profunda amizade. Por fim, o património luso-marroquino não é feito, somente, de fortalezas e igrejas. É, também, feito de tradições e costumes, de traços em ambas as línguas, artes culinárias e marítimas, de relações consanguíneas e genéticas, de um rico património de origem islâmica/marroquina em Portugal. Todo esse legado material e imaterial merece, de todos nós, uma atenção cada vez maior, no sentido da sua redinamização, com o intuito de colocá-lo na frente da locomotiva do desenvolvimento de dois países irmãos. Bibliografia geral e selectiva AZURARA, Gomes Eanes de - Crónica da tomada de Ceuta, Pub. par F.M. Esteves Pereira, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1915. BENSAUDE, Joaquim - Origem do plano das Indias, Tiré à part de Boletim da Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1931. ELOUFRANI, Mohamed Seghir - Nouzhat Al Hádi, Histoire de la dynastie saadienne au Maroc (1511-1670), trd. par O. Houdas, Paris, Leroux, 1889. GÓIS, Damião de - Crónica do Principe D. João, annotée et commentée par Garcia Almeida Rodrigues, Universidade Nov., Lisboa, (1978?). LOPES, David - Crónica do felicissimo Rei D. Manuel (de: Damião de GÓIS), 4 Tomes, Coimbra, 1949, 1953, 1954, 1955. LOPES, David - Les Portugais au Maroc, in Revue d Histoire Moderne, T.XIV, n 39, Août Septembre 1939, p. 337-368. LOPES, David - A expansão (portuguesa) em Marrocos, in Historia da expansão portuguesa no mundo, Lisboa, 1938, T.I, p. 131-210. PERIALE, Marise - Maroc lusitanien (1415-1769), éd. Revue des Indépendants, Paris, 1938, p. 113. RICARD, Robert - Etudes sur l Histoire des Portugais au Maroc, 1955. Sources Inédites de l Histoire du Maroc (plusieurs séries). VALERO, Denis - Petite histoire des ruines portugaises au Maroc, Casablanca, 1952.

Mazagão. Bastião do Anjo e amuralhamentos nascidos no Oceano Qsar Seghir (Qsar Al-Majaz). Vestígios portugueses Arzila. Amuralhamento islâmica readaptada pelos portugueses Azamor. Em 2.º plano, porta marroquina tornada bastião Tânger. Muralha portuguesa Azamor. Restauro dirigido por A. CHEBRI (1994) Aboulkacem Chebri, Arqueólogo-restaurador, Director do Centro para o Património Luso-Marroquino, Al Jadida (Marrocos)