PDF elaborado pela Datajuris Processo nº: 1307/2008 Data: 2010-02-01 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I Relatório B., solteira, residente na Rua., Bloco., Entrada.., Casa.., Porto, veio, ao abrigo do disposto no art. 186º da OTM, requerer a fixação de alimentos a favor do seu filho menor C. contra o pai deste, D., residente no., Bloco.., Entrada, Casa.., Porto. Alegou para tal o seguinte: - que o menor seu filho e do requerido, nascido a 10 de Maio de 1994, está à sua guarda desde que nasceu; - que ela e o requerido já não mantinham qualquer relação ou vida em comum aquando de tal nascimento; - que é ela quem tem vindo a suportar todas as despesas com a alimentação, vestuário, educação, assistência médica e transportes do menor, no que despende a quantia mensal de 200,00 euros; - que actualmente está desempregada e tem de garantir o seu sustento e o dos seus dois filhos (entre os quais o menor referido), sendo que tem como única fonte de rendimento o Rendimento Social de Inserção no valor mensal de 363,82 euros; - que reside com os seus dois filhos e com os seus pais e participa mensalmente com a quantia de 70,00 euros para despesas com a renda da habitação e electricidade. Realizada a conferência a que alude o art. 187º da OTM, não houve qualquer acordo. O requerido não contestou. Solicitados inquéritos sociais sobre a requerente e o requerido e juntos os mesmos aos autos, pela sra. Juiz foi proferida a seguinte sentença: ( ) Dos relatórios sociais juntos aos autos consta que o requerido se encontra detido, não tendo qualquer rendimento, pelo que o Ministério Público emitiu parecer no sentido de se mostrar inviável a fixação de quaisquer alimentos. Nos termos do disposto no art. 2004º nº1 do CC, a prestação de alimentos deve ser proporcional aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. No caso dos autos, concordando na íntegra com a promoção que antecede, tendo em conta que o requerido não tem meios que lhe permitam prestar qualquer pensão de alimentos ao menor, julgo improcedente a acção. De tal sentença veio a requerente interpor recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que condene o requerido em prestação de alimentos, tendo apresentado as conclusões que se transcrevem: 1ª - A sentença padece de erro na decisão sobre a matéria de direito, bem como faz, salvo melhor opinião, uma errónea aplicação do direito ao vertente caso, contrariando assim a Lei, o Direito e a Justiça. 2ª A Recorrente considera que os autos contêm desde já toda a matéria de facto necessária para a boa decisão da causa. Desde logo, evidenciando a necessidade do menor de uma pensão de alimentos do Recorrido, seu pai. 3ª A Recorrente considera que a douta sentença deveria ter condenado o Recorrido a prestar uma pensão de alimentos ao menor, seu filho. Considera ilegal e injusto que a decisão do Tribunal a quo não condene o Recorrido numa pensão de alimentos, pelo facto de o mesmo não possuir meios que lhe permitam cumprir a mesma, dado que a questão em apreço no presente recurso é a de saber se o Recorrido terá ou não de prestar uma pensão de alimentos ao menor. E se o facto de estar temporariamente sem rendimentos económicos é causa para absolvê-lo da prestação de alimentos e de demissão das suas responsabilidades parentais! 4ª O primeiro argumento invocado para discordar da douta sentença é a não aplicação, no
caso de alimentos devidos a menores, do disposto no nº1 do art. 2004º do Código Civil, pois entende-se que a obrigação de alimentos decorre da imposição legal das responsabilidades parentais, decorrentes, desde logo, do disposto no nº1 e 2 do artigo 1874º e no nº1 do artigo 1878º, ambos do Código Civil. 5ª O segundo argumento decorre do facto da pensão de alimentos ser uma obrigação futura, pelo que é de esperar que a situação económica e financeira do Recorrido evolua em sentido positivo, podendo o mesmo conseguir atingir uma estabilidade e uma situação favorável que lhe permita fazer face ao encargo em que for condenado. 6ª Por fim, o terceiro argumento refere-se ao facto de a não fixação de qualquer prestação alimentar a cargo do progenitor impossibilitar a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, previsto na Lei nº75/98 de 19 de Novembro. 7ª A impossibilidade do menor poder solicitar a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores vai impedir que o mesmo possa ter condições de existência condigna e que possa desenvolver-se a nível físico e intelectual em condições ideais, pois estará sempre limitado pelas dificuldades económicas e financeiras da Recorrente, o que se afigura como contrário aos princípios do Estado e da sociedade quanto à defesa dos direitos dos menores. 8ª A decisão do Tribunal a quo vai ainda premiar quem nunca cumpriu as suas responsabilidades parentais e penalizar quem sempre cumpriu e com todo o sacrifício pessoal sempre lutou contra todas as adversidades para dar ao menor a melhor qualidade de vida possível, mesmo com as suas notórias dificuldades económicas e financeiras. 9ª Situação essa que se transforma numa injustiça patente face a outros menores em situações similares, mas em que o progenitor condenado na pensão de alimentos que apenas a título superveniente não possa cumprir com a sua obrigação ou por não se conseguir apurar os rendimentos do mesmo, o que será uma forma de violar o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. 10ª Pelo exposto, a douta sentença traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, em virtude de ter dado um prémio a quem nunca cumpriu com as suas responsabilidades parentais e penalizando fortemente um menor que tem o direito ao seu desenvolvimento físico, intelectual e até social com a total protecção de uma sociedade que advoga desses mesmos valores. 11ª A sentença peca por erro na apreciação da matéria de direito, violando assim o disposto no nº1 e 2 do artigo 1874º e no nº1 do artigo 1878º, ambos do Código Civil, e o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. 12ª A sentença deveria considerar que o menor tem direito a uma pensão de alimentos e que o Recorrido deveria ter sido condenado a prestar a mesma, pois mesmo que não conseguisse cumprir o seu pagamento o menor teria sempre a possibilidade de recorrer ao Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores, como consequência de um normativo que protege os menores e pretende que aos mesmos seja assegurado, em termos de igualdade, as condições necessárias e essenciais ao seu desenvolvimento. A Magistrada do Ministério Público respondeu às alegações de recurso da recorrente nos termos constantes de fls. 78 e sgs., pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo terminado com as seguintes conclusões, que se transcrevem: I A obrigação de alimentos a que aludem os arts. 1874º e 1878º do C. Civil, e tal como se encontra prevista no art. 2004º do C. Civil, é integrada também pelas possibilidades económicas do progenitor obrigado. II Apurando-se que o progenitor está detido, sem qualquer rendimento, não pode fixar-se pensão de alimentos, por ausência de uma das proposições contidas no preceito citado art. 2004º do C. Civil. III A fixação de pensão de alimentos com o único objectivo de possibilitar o recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores Lei 75/98 não tem qualquer fundamento legal. IV Não configura tratamento desigual (quando o progenitor tem ou não meios para se fixar a pensão), mas tão só tratar de modo diverso situações que são também diversas. V Não foi violado qualquer preceito legal ou princípio de direito, designadamente o da igualdade, devendo negar-se provimento ao recurso. Corridos os vistos legais, cumpre decidir, e, considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões (art. 684º nº3 do CPC), são essencialmente as seguintes
as questões a tratar: a) apurar se é de fixar prestação de alimentos mesmo no caso de o progenitor titular da respectiva obrigação não ter possibilidades económicas de a cumprir, em vista da possível intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores; b) caso se conclua que não é de fixar tal prestação, inviabilizando assim a intervenção daquele Fundo, apurar se tal viola o princípio da igualdade consagrado na Constituição, por gerar diferença de tratamento entre a situação de um progenitor que supervenientemente não cumpre a prestação de alimentos judicialmente fixada e a situação daquele que originariamente não presta alimentos. II Fundamentação Vamos à primeira questão enunciada. Como já no relatório desta peça se referiu ao transcrever-se a fundamentação e decisão da sentença recorrida, na sequência de se ter dado como provado que o requerido, pai do menor, se encontra detido (em estabelecimento prisional, como decorre desde logo da documentação junta a fls. 28 a 31 e do relatório social constante de fls. 45 a 49) e não tem qualquer rendimento, considerou-se, à luz do disposto no art. 2004º nº1 do C. Civil, que o requerido não tem meios que lhe permitam prestar qualquer pensão de alimentos ao menor e, na sequência disso, foi julgada improcedente a acção. A recorrente defende que mesmo não tendo o requerido meios económicos para cumprir a prestação de alimentos deve ainda assim a respectiva obrigação ser-lhe judicialmente fixada, por forma a poder fazer-se intervir o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores previsto na Lei 75/98 de 19/11. Analisemos. A obrigação de o progenitor pagar alimentos ao filho prevista nos arts. 1874º nº2 e 1878º nº1 do C. Civil, como obrigação com fonte legal que é, deve ser articulada com o disposto no capítulo das disposições gerais relativas aos alimentos previstas nos arts. 2003º a 2014º do C. Civil. Tal é o que decorre desde logo do disposto naquele art. 2014º, nos seus nºs 1 e 2, que pressupondo a aplicação de tal regime às obrigações de alimentos previstas no art. 2009º - onde se inclui, como ascendente, a do pai em relação ao filho - manda ainda aplicar tais disposições à obrigação alimentar que tenha por fonte um negócio jurídico (nº1) e a todos os outros casos de obrigação alimentar imposta por lei (nº2). Deste modo, é aplicável à obrigação de alimentos por parte do progenitor prevista naqueles arts. 1874º nº2 e 1878º nº1 do C. Civil o disposto no art. 2004º nº1 do mesmo diploma. Como se dispõe neste preceito, os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los. Ora, tendo-se provado que o requerido porque está detido em estabelecimento prisional e não tem qualquer rendimento não tem meios que lhe permitem prestar qualquer pensão de alimentos, parece-nos óbvio que, enquanto se mantiver tal situação, falta o pressuposto (existência de meios) para fixar o seu montante e a obrigação de os pagar. Em reforço deste entendimento, veja-se o disposto no art. 2013º nº1 b) do C. Civil, onde se prescreve que a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los efectivamente, se a obrigação de prestar alimentos cessa quando o devedor não pode continuar a prestá-los, há-de concluir-se (por maioria de razão) que não deverão ser fixados alimentos quando esteja demonstrada a sua impossibilidade de os prestar, obrigação que certamente não iria, nem podia, cumprir (nos exactos termos aqui referidos, veja-se Tomé d Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, Quid Júris, 2009, pág. 163). Será porém que, não obstante tal situação, ainda assim é de fixar a prestação de alimentos, para se poder provocar a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores criado pela Lei 75/98 de 19/11, a qual foi regulamentada pelo Dec.Lei 164/99 de 13/5? Entendemos que não. A intervenção de tal Fundo, como decorre dos arts. 1º e 2º nº2 da Lei 75/98 e do art. 3º nº1 a) e nº3 do Dec.Lei 164/99, tem natureza subsidiária, na medida em que pressupõe a prévia fixação judicial de uma prestação de alimentos (neste sentido, entre outros, vide o acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de 30/9/2008, sob o nº de documento RP0809300824117, disponível www.dgsi.pt.)
Por sua vez, a fixação judicial da prestação de alimentos pressupõe a acima referida existência de meios por parte do titular da obrigação de os prestar. Logo, não existindo meios por parte do obrigado, não se pode fixar a prestação de alimentos e, por isso, não poderá fazer-se intervir aquele Fundo. Na verdade, todo o regime de funcionamento de tal Fundo está traçado para casos de incumprimento da obrigação de alimentos fixada judicialmente (fixada, por isso, no pressuposto de que o obrigado tinha meios para os prestar) e não para casos de impossibilidade originária de cumprimento. Se também estivesse traçado para estes casos referidos por último, tal regime preveria ou permitiria logo a demanda, chamada ou intervenção inicial do Fundo, sem necessidade de, falaciosamente, se exigir a fixação dos alimentos a uma pessoa que já se sabe que não tem qualquer possibilidade económica de os pagar. Além disso, diga-se, existem outros meios para prover à situação de impossibilidade originária de prestação de alimentos por parte do responsável: desde logo, a lei atribui a outras pessoas essa obrigação alimentar, de acordo com a ordem referida no art. 2009º nº1 als. c), d) e e), nº2 e nº3 do C. Civil (onde se incluem, por ex., os avós e os tios do menor). Como tal, fixar-se uma prestação de alimentos a cargo do progenitor sempre que esteja demonstrada a inexistência de meios económicos deste apenas para se poder accionar o Fundo de Garantia de Alimentos, para além de violação clara e grosseira do disposto no art. 2004º nº1 do C. Civil, conduzir-nos-ia, por um lado, à pura arbitrariedade, sem qualquer critério legal e objectivo que permitisse determinar o seu montante, e, por outro, excluiria a responsabilização dos restantes familiares, cuja obrigação decorre do art. 2009º nºs 1, 2 e 3 do C. Civil (neste sentido, vide Tomé d Almeida Ramião, obra citada, pág. 164). Assim, em conformidade com o que se acaba de expor, é de concluir que, no caso de o responsável por alimentos não ter possibilidades económicas de a cumprir, não é de lhe fixar prestação de alimentos apenas tendo em vista a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. * Passemos à segunda questão enunciada. Concluindo-se como se concluiu no tratamento da questão anterior, do que decorre a inviabilização da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, será que tal viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição, por gerar diferença de tratamento entre a situação de um progenitor que supervenientemente não cumpre a prestação de alimentos judicialmente fixada e a situação daquele que originariamente não presta alimentos? Entendemos que não. Não há desigualdade de tratamento quando se tratam de forma diversa situações diversas. Quando não é fixada a prestação de alimentos porque o obrigado à mesma não tem meios económicos para a cumprir, o menor, ab initio, não está a contar com um qualquer quantitativo a título de pensão por parte daquele obrigado. Diferentemente, quando tal pensão é fixada e a obrigação de a pagar vem a ser incumprida, o menor deixa de poder contar com algo que lhe foi judicialmente atribuído e com que, naturalmente, contava. Naquela primeira situação, e apesar de não poder haver lugar (como já vimos) à intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos, os alimentos como já anteriormente se referiu podem vir a ser exigidos a outras pessoas legalmente também obrigadas (de acordo com a ordem referida no art. 2009º nº1 als. c), d) e e) e nºs 2 e 3 do C. Civil e onde se incluem, por ex., os avós e os tios do menor), além de que pode o menor, através de quem o representa, vir a usufruir de outras formas de protecção social, como acontece em sede de atribuição do Rendimento Social de Inserção e/ou na concessão de prestações sociais no âmbito do sistema da segurança social [arts. 8º nº2 a), 29º nº2, 30º c) e 41º nº1 a) e f) da Lei 4/2007 de 16/1, que define as bases gerais do sistema de segurança social], nomeadamente através do subsistema de acção social, que assegura a especial protecção de crianças e jovens através de prestações pecuniárias de carácter eventual [arts. 29º nº2 e 30º c) daquela Lei 4/2007] neste sentido, vide Tomé d Almeida Ramião, obra citada, pág. 166. Na segunda situação, esgotadas as possibilidades de cobrança da prestação alimentar previstas no art. 189º da OTM, intervirá o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (arts. 1º e 6º da Lei 75/98 de 19/11 e arts. 2º nº2 e 3º nº1 a) do Dec.Lei 164/99 de 13/5).
Embora de diferentes maneiras, quer uma quer outra das situações estão legalmente acauteladas, não sendo claro que haja um qualquer desequilíbrio entre ambas. Como tal, é de concluir que se não verifica a violação do princípio da igualdade defendida pela recorrente. * Sumariando o decidido (art. 713º nº7 do CPC): I No caso de o responsável por alimentos a menor não dispor de meios económicos, não é face ao disposto no art. 2004º nº1 do C.Civil de lhe fixar a obrigação de prestação de alimentos; II Não obstante a não fixação de alimentos por via judicial impossibilitar o recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devido a Menores, tal não constitui qualquer tratamento desigual em relação à situação em que foi judicialmente fixada a prestação alimentar e que, por isso, se pode recorrer a tal Fundo; III Na verdade, apesar daquela impossibilidade de recurso a tal Fundo, os alimentos podem vir a ser exigidos a outras pessoas legalmente também obrigadas, além de que pode o menor, através de quem o representa, vir a usufruir de outras formas de protecção social, como acontece em sede de atribuição do Rendimento Social de Inserção e/ou na concessão de prestações sociais no âmbito do sistema da segurança social, nomeadamente através do subsistema de acção social, que assegura a especial protecção de crianças e jovens através de prestações pecuniárias de carácter eventual [arts. 8º nº2 a), 29º nº2, 30º c) e 41º nº1 a)e f) da Lei 4/2007 de 16/1, que define as bases gerais do sistema de segurança social]. III Decisão Por tudo o exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Porto, 01/Fevereiro/2010 António Manuel Mendes Coelho José Augusto Fernandes do Vale Baltazar Marques Peixoto (Vencido com fundamentação que junto) Vencido. Julgaria procedente o recurso, defendendo a fixação da prestação alimentos do pai do menor, com os fundamentos que inteiramente subscrevo, constantes do acórdão proferido nesta Relação e Secção no Proc. 360/07.2TBMCN-A.P1 de 4 de Janeiro de 2010. Baltazar Marques Peixoto