IMPACTOS DE ESTRADAS : UMA VISÃO ECOLÓGICA Marcelo Awade
O que é uma estrada? Num sentido amplo e genérico, estrada pode ser definida como qualquer caminho ou via terrestre utilizada para conectar duas localidades
Breve histórico Egípcios Mesopotâmicos Romanos por volta do ano 200 mais de 80000 km de estradas ao redor do Mediterrâneo
Breve histórico Idade Média período de grande estagnação Desestruturação do sistema feudal re-intensificação das relações entre os povos reestruturação das relações comerciais decorrentes da ascensão de uma burguesia mercantil expansionista Século XVIII modo capitalista de produção enraizado demanda por ligações entre os povos para efetivar as trocas comerciais considerável da rede de conexões
Breve histórico Início do século XX produção em larga escala de veículos motorizados exploração do petróleo e seus derivados Diversas facilidades novo uso das estradas Ampliação considerável da rede de estradas (EUA e Europa) Atualmente, o meio de transporte rodoviário está disseminado por todo o globo, mesmo que em diferentes magnitudes
E o Brasil? Nos países em desenvolvimento esta ampliação foi bem mais modesta No Brasil, se inicia mais tardiamente Governo de Washington Luis Governar é construir estradas Governo JK Incentivo às construtoras multinacionais (Volkswagen) Período militar Intensificação da industrialização brasileira e ampliação considerável do sistema rodoviário
Densidade de rodovias em alguns países Brasil (1 603 131) Forman et al. (2003) Brasil: Extensão = 8 514 877 km 2 Extensão de rodovias = 1 603 131 km
Impactos Econômicos Sociais Ecológicos INTER-RELACIONADOS Década de 50 preocupação com poluição (Europa e EUA) Década de 70 consolidação do movimento ambientalista atenção maior a outros aspectos ecológicos Década de 80 governos europeus criam departamentos para lidar com essa temática Final da década de 90 Consolidação da Ecologia de Estradas
Impactos O desenvolvimento humano em locais despovoados se inicia por meio da construção de uma estrada para facilitar o acesso! Exemplo clássico: espinha de peixe 1984-1998 Lotes de terra dispostos a cada 2-5 km Tamanho dos lotes: 25 a 100 ha Acelera fortemente o processo de fragmentação 70% DE DESMATAMENTO NOS PRIMEIROS 20 ANOS Metzger (2001)
Esta fragmentação se observa mesmo em locais não tão inóspitos
Aspectos físicos dos impactos transporte de sedimentos erosão e deslizamentos/escorregamentos TERRENOS MAIS ÍNGREMES DIFICULTAM A CONSTRUÇÃO DE ESTRADAS km 42 da Via Anchieta durante a duplicação da Rodovia dos Imigrantes (1999/2000)
Aspectos físicos dos impactos compactação do solo sobrevivência de animais subterrâneos sucesso de germinação de sementes (em casos onde a estrada é abandonada) alteração do curso d água conseqüências severas para a vida aquática transporte de químicos para a faixa lateral de estradas e além (nutrientes, sais corrosivos, metais pesados, pesticidas e agrotóxicos)
Morte por atropelamento Impacto mais direto Todos registrados em um trecho de menos de 20 km da rodovia que liga Uberaba a Uberlândia
Morte por atropelamento Estimativas não advém de métodos padronizados simples contagem Contudo, medidas absolutas podem nos dar uma boa noção desse impacto ALGUNS DADOS INTERESSANTES: Estima-se que: EUA cerca de 1 milhão de vertebrados mortos/dia entre 720 000 e 1.5 milhões de veados (Odocoileus sp.) mortos/ano 49% das mortes de Felis concolor coryi são decorrentes de atropelamentos Austrália cerca de 5.5 milhões de répteis e sapos mortos/ano Holanda 159 000 mamíferos e 653 000 aves mortos/ano Bulgária 7 milhões de aves mortas/ano
Morte por atropelamento Não há estimativas para o Brasil não há compliação de dados alguns estudos pontuais 22 onças pintadas mortas entre 1992-2000 na Rodovia do Parque Estadual do Morro do Diabo - SP
No Brasil, apenas uma estrada é regularmente monitorada!!! Cherem et al. (2007) Jornal do Brasil On-line (02/08/2008)
Fatores relacionados à taxa de mortalidade CARACTERÍSTICAS DA ESTRADA CARACTERÍSTICAS ECOLÓGICAS E COMPORTAMENTAIS DA ESPÉCIE Tipo da estrada número de vias e/ou faixas > mortalidade Pavimentação asfaltada > terra Volume de tráfego intenso >>> baixo Velocidade da pista velocidade > mortalidade Mobilidade alta > baixa Hábito generalista > especialista Área de uso grande > pequena Atração pelo ambiente da estrada e suas margens Fonte: Forman et al. (2003)
Será que esta taxa de mortalidade é suficiente para alterar significativamente as populações dessas espécies? DEPENDE DA ESPÉCIE!!!! Alta mortalidade de pardais (Passer domesticus) é compensada pela GRANDE POPULAÇÃO DESTA AVE E PELA ALTA TAXA DE REPRODUÇÃO (> TAXA DE MORTALIDADE PELA ESTRADA) Alta mortalidade de anfíbios reduz significativamente suas densidades locais Algumas espécies ameaçadas também são afetadas: (Felis concolor, Felis pardalis, Ursus americanus, Tyto alba, Crocodylus acutus) tx. mortalidade por estradas >>> mortalidade por outras causas Hodson (1962); Newton et al. (1991); Fahrig et al. (1995); Forman et al. (2003) MAS NO GERAL A MORTALIDADE NÃO CAUSA EFEITOS DRÁSTICOS NAS POPULAÇÕES Forman & Alexander (1998); Forman et al. (2003)
Barreira à dispersão Muitas espécies apresentam alta relutância em atravessar estradas isolamento das populações prob. de extinção local Mesmo estreitas, estradas de terra podem impedir o fluxo de algumas aves!!! Bandos mistos apresentam alta relutância em atravessar estradas Situação melhora quando as copas dos dois lados se tocam Develey & Stouffer (2001)
Barreira à dispersão Laurance et al. (2004) Para as espécies relutantes: a regeneração da mata nas laterais das estradas as torna mais permeáveis
Afastamento da fauna ao redor das estradas Muitas espécies evitam áreas próximas a estradas > predação < sucesso reprodutivo < riqueza ; < densidade
Afastamento da fauna ao redor das estradas Estudos mostram que a redução na densidade de aves está relacionado ao: fluxo de veículos barulho causado pelo tráfego Reijnen et al. (1995) verificaram que: 1) 60% das aves apresentam menor densidade 2) distância do efeito varia conforme tráfego 40 1500 m 10 000 veiculos/dia 70 2800 m 60 000 veiculos/dia 3) barulho muito intenso <<<<< densidade perda de audição aumento dos hormônios de stress interferência na comunicação Forman et al. (2003)
Efeitos cumulativos e Time-lag Os impactos acima menicionados parecem ocorrer em taxas diferentes, fazendo com que seus efeitos sobre as populações sejam percebidos em tempos diferentes também! Os efeitos vão se acumulando: perda de habitat é sentida imediatamente mortalidade após ~ 2 gerações barreira depende do intervalo de tempo das extinções locais RESPOSTA DAS ESPÉCIES AOS IMPACTOS PODEM LEVAR ATÉ 40 ANOS PARA SEREM OBSERVADOS Forman et al. (2003) Findlay & Bourdages (2000) appud Forman et al. (2003)
Analisando os impactos - planejamento Grande parte das estradas foi construída sem se levar em conta os aspectos ecológicos dos impactos Ao se pensar em planejamento devemos considerar pelo menos dois pontos: Melhorar as condições das estradas existentes Propor boas estratégias para a construção de novas estradas EXTENSÃO DOS EFEITOS CARACTERÍSTICAS DA REDE MELHORES TRAJETOS MITIGAÇÃO DOS EFEITOS
Qual a extensão dos efeitos de uma estrada? EFEITOS NÃO SE RESTRINGEM À AREA FÍSICA DA ESTRADA conhecer a real magnitude dos impactos estabelecer mais precisamente a área de influência do empreendimento EFEITOS SÃO ASSIMÉTRICOS E DEPENDEM DO FATOR CONSIDERADO Forman & Alexander (1998)
Qual a extensão dos efeitos de uma estrada? Exemplo: Forman (2000); Forman & Deblinger (2000) Mapeamento dos efeitos em 25 km de uma estrada com fluxo ~ 50 000 veiculos/dia, em Boston (Massachusetts) Analisaram diversos parâmetros: impactos sobre áreas úmidas, rios, invasão por exóticas, anfíbios, aves florestais, aves de savana, alces e veados Poucos efeitos se extenderam por mais de 1 km Em média se extendem por 600 m (300 m de cada lado)
Qual a extensão dos efeitos de uma estrada? DEPENDEM TAMBÉM DO VOLUME DE TRÁFEGO E DO RUÍDO Exemplo: Forman et al. (2002) 50% dos fragmentos e 50% da suas áreas estão dentro da zona de efeito das estradas! Além disso, o aumento da extensão do impacto não varia linearmente com o aumento do volume de tráfego e/ou ruído 10% volume 2-3% da zona de efeito 10% volume 7% da zona de efeito
A rede de estradas A estruturação da rede de estradas é outro fator a ser considerado
A rede de estradas Pode ser quantificada pela DENSIDADE DE ESTRADAS densidade, > impacto Estimativas apontam para um limiar entre 0,45 0,60 km/km 2, pelo menos para grandes carnívoros nos EUA Forman et al. (2003)
A rede de estradas DE QUE FORMA AUMENTAR CAPACIDADE DE TRÁFEGO AFETANDO MENOS OS PROCESSOS ECOLÓGICOS? Ampliar estradas existentes geralmente é melhor que construir uma nova! Forman et al. (2003)
A rede de estradas QUAL O MELHOR TRAJETO QUANDO SE DESEJA AMPLIAR A REDE? 2 3 1 TRAJETO 2 É O MELHOR
Medidas mitigadoras Algumas medidas mitigadoras vem sendo implementadas principalmente nos países europeus REDUÇÃO DA MORTALIDADE AUMENTO DE PERMEABILIDADE cercas de contenção túneis pontes como corredor
Medidas mitigadoras CERCAS DE CONTENÇÃO devem ser construídas com atenção, evitando buracos carecem de manutenção constante (caçadores) podem possuir portas de via única (sentido afastamento da estrada) geralmente construídas em trechos com maior incidência de casos podem estar associadas à túneis e pontes de passagem
Medidas mitigadoras TÚNEIS E PASSAGENS SUBTERRÂNEAS Tuneis pequenos (< 1,5 m de diametro) anfíbios, mamíferos de pequeno e médio porte Pequenos mamíferos: Fotos: J. P. Metzger túneis pequenos (<15 m) e mais estreitos (< 1 m de diâmetro) Podem ser associados a aquedutos Forman et al. (2003)
Medidas mitigadoras PASSAGENS SUBTERRÂNEAS Grandes passagens (> 1,5 m de diametro) principalmente p/ grandes mamíferos São mais eficientes quando permitem visão completa do ambiente dos dois lados
Medidas mitigadoras PONTES COMO CORREDOR: PASSAGENS VERDES Até 2003, haviam cerca 50 no mundo Maioria entre 30 50 m, chegando a 200 m de largura Destinados a animais de grande porte Afunilamento no centro e largura maior nas extremidades parece ser mais eficiente Segundo o governo holandês, 30 m no centro e 80 m nas extremidades é o ideal Forman et al. (2003)
Medidas mitigadoras E O CUSTO? 1 km de estrada: 15 a 200 milhões de Euros Forman et al. (2003)
Medidas mitigadoras Faltam estudos para confirmar a eficiência dessas estruturas! Do que se sabe, elas funcionam bem, mas tipo de estrutura mais eficiente parece estar relacionado com a espécie atração por predadores é anedótica Banff National Park, Canadá urso pardo, lobos e ungulados passagens verdes Felis concolor passagens subterrâneas urso preto sem preferência No caso da pantera da Flórida (Felis concolor coryi) a mortalidade baixou de 10% para 2% com os túneis construídos posteriormente OUTRAS MEDIDAS RECOMENDÁVEIS Diminuição do tráfego Desvio do tráfego de caminhões reduz ruído e efeito barreira Uso de combustíveis mais limpos reduzir emissão de poluentes Melhorar a engenharia da construção das superfícies da estrada, dos pneus, dos motores e melhorar a aerodinâmica dos veículos reduzir ruído
Exemplo de aplicação MÉTODO APLICADO NA HOLANDA (APROVADO EM LEI) 1) Fazer um mapeamento da área incluindo áreas de habitat, corredores e principais cursos d água 2) Sobrepor a rede de estradas, a fim de detectar áreas de conflito - pontos de estrangulamento ( bottlenecks ) Forman et al. (2003)
Aplicação NO GERAL 3 passos devem ser avaliados: 1) É possível evitar o problema? Prevenir ou evitar o impacto. 2) É possível mitigar o problema? Minimizar o impacto. 3) Compensação. Princípio sem perda resultante ( no-net-loss ) VALE LEMBRAR QUE A COMPENSAÇÃO É SEMPRE DESEJÁVEL, MESMO QUE MEDIDAS MITIGADORAS SEJAM APLICÁVEIS
Considerações finais 1) Ecologia de estradas é um tema complexo Mais estudos são urgentes!!! 2) Mais estudos no Brasil (planejamento inexistente ou superficial até o momento) Florestas tropicais estão sob forte pressão 3) Outros problemas não mencionados Impactos indiretos relacionados a obtenção do material usado para construção de estradas e para montagem dos veículos. QUESTÃO PARA REFLETIR: Será que investir fortemente em ampliação de sistemas rodoviários é a melhor alternativa? Ferrovias ou hidrovias apresentam grandes vantagens!
Referências base Forman, R. T. T. et al. (2003). Road ecology: Science and solutions. Island Press: Washington DC, 481 p. Forman, R. T. T. (1998). Road ecology: A solution for the giant embracing us. Landscape Ecology 13(4): iii - v. Forman, R. T. T. and L. E. Alexander (1998). Roads and their major ecological effects. Annual Reviews in Ecology and Systematics 29: 207-231. Trombulak, S. C. and C. A. Frissel (2000). Review of ecological effects of roads on terrestrial and aquatic communities. Conservation Biology 14(1): 18-30.