Prevalência de bebês pré-termo em usuárias do SUS, no Estado do Rio de Janeiro: comparação de dados primários e SINASC *

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Transcrição:

Prevalência de bebês pré-termo em usuárias do SUS, no Estado do Rio de Janeiro: comparação de dados primários e SINASC * Bruno Wedson de Carvalho Letícia Marinho de Oliveira Pauline Lorena Kale Katia Silveira da Silva & Sandra Costa Fonseca Resumo Introdução: A taxa de mortalidade neonatal (TMN) vem decrescendo no Brasil, porém com taxas ainda altas para o desenvolvimento do país nos últimos anos. Um dos fatores associados com a mortalidade neonatal é a prematuridade nascimento antes de 37 semanas de idade gestacional. No Brasil, tem havido aumento da prevalência de prematuridade, mas se observam magnitudes distintas conforme a fonte de dados: menores quando se usa o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e maiores quando baseadas em estudos primários. Objetivos: Estimar a prevalência de prematuridade em maternidades públicas das cidades do Rio de Janeiro e Niterói e comparar com os dados do SINASC. Métodos: Estudo transversal em duas maternidades do Sistema Único de Saúde (SUS) em Niterói (A) e no Rio de Janeiro (B) em 2011. Todas as mulheres internadas para parto entre setembro a novembro do ano de 2011 eram elegíveis. Foram coletados os dados maternos e neonatais, por meio de entrevistas, cartões de pré-natal e prontuários médicos. As variáveis maternas foram: Idade, Cor/raça, Escolaridade, tipo de união, Ocupação, Renda, pré-natal. Para o recémnascido (RN), foram avaliados: peso e idade gestacional (IG), segundo diferentes métodos (Data da última menstruação, USG de até 20 semanas, exame clínico do recém-nascido). A melhor estimativa da Idade Gestacional (IG-melhor) foi calculada de acordo com um algoritmo. As prevalências de prematuridade encontradas foram comparadas com as do SINASC, para as maternidades estudadas, no mesmo período. Resultados: Houve 1782 nascidos vivos (558 e 1224, respectivamente nas Maternidades A e B). As puérperas da Maternidade A eram mais desfavorecidas no âmbito socioeconômico: maior percentual de adolescentes, menor renda familiar e menor escolaridade. As prevalências de prematuridade, usando o algoritmo, foram 23,5% na Maternidade A e 10,2% na B. Segundo o SINASC, a prevalência seria de 17,1% na maternidade A e 8,9% na maternidade B, resultando em subestimativa de 27% e 12%, respectivamente. Destaca-se a faixa de 34-36 semanas, 17,9% e 7,2%, nos dados primários e 12,8% e 6,3%, no SINASC, com subestimativas de 28,3% e 12% para as maternidades A e B. Discussão: A prevalência de prematuridade na Maternidade B foi semelhante à estimativa corrigida para o Brasil em 2011 (11,7%), enquanto na Maternidade A, com usuárias mais vulneráveis, foi praticamente o dobro, apontando necessidade de estudos sobre desigualdades neste evento. A subestimativa de prematuridade do SINASC para as duas maternidades foi compatível com a encontrada para o Brasil (15%) e aponta para a necessidade de reavaliação do preenchimento da declaração de nascido vivo, para que o SINASC possa subsidiar adequadamente estudos na área perinatal. Palavras-chave: prematuro; nascimento vivo * Trabalho apresentado no XIX Encontro Nacional de Estudos populacionais, ABEP, realizado em São Pedro/SP, Brasil entre os dias 24 e 28 de novembro de 2014 Universidade Federal Fluminense Programa de Iniciação Científica Bolsa CNPq Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Universidade Federal do Rio de Janeiro &Instituto Fernandes Figueira FIOCRUZ Instituto de Saúde da Comunidade Universidade Federal Fluminense

2 Introdução A mortalidade perinatal, indicador de condições socioeconômicas e assistência à saúde, vem decrescendo no Brasil, porém com taxas ainda altas para o desenvolvimento do país. Um dos fatores associados com a mortalidade perinatal, principalmente o componente neonatal, é a prematuridade nascimento antes de 37 semanas de idade gestacional (LAWN et al., 2014). A prematuridade acomete 15 milhões de bebês anualmente no mundo e é responsável por 35% das mortes neonatais; nos sobreviventes, existe uma carga de morbidades, como cegueira, atraso do desenvolvimento neuromotor e hospitalizações frequentes. (BLENCOWE et al., 2013) No Brasil, tem sido relatado aumento da prematuridade (SILVEIRA et al., 2008; SILVEIRA et al., 2009), tanto em estudos populacionais com dados primários, como naqueles baseados em dados secundários do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). No entanto, observam-se magnitudes distintas das prevalências de prematuridade conforme a fonte de dados: menores quando se usa o SINASC e mais elevadas nos estudos com dados primários. Recentemente, Silveira et al. (2013) estimaram um fator de correção para a idade gestacional registrada no SINASC. Com base neste fator de correção, Matijasevich et al. (2013) estimaram a prevalência nacional de prematuridade entre 11 e 12%, valor superior ao fornecido pelos dados do SINASC entre 6 a 7%. Uma recomendação importante é o investimento na qualidade da informação sobre idade gestacional, para se dimensionar a real magnitude do problema (LAWN et al., 2010). Dentre os métodos disponíveis, o cálculo da idade gestacional a partir de informações da data da última menstruação (DUM), recomendada pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 1994), é o mais simples, de menor custo, mas apresenta limitações. Erros de classificação da idade gestacional com este método podem ocorrer em função da duração do ciclo menstrual, do espaçamento entre nascimentos, a presença de sangramento consequente à implantação do óvulo fecundado (PEREIRA et al., 2013), memória materna (PEREIRA et al, 2013; PEARL et al., 2007; HAGLUND, 2007) e preferência de dígito (Pearl et al., 2007; Haglund, 2007). A acurácia do exame físico do recém-nascido, mesmo com escores mais refinados, também vem sendo questionada em função da subestimação de nascimentos pré-termo (MORAES; REICHENHEIM, 2000; LYNCH; ZHANG J, 2007). A ultrassonografia (US) é bem

3 precisa nas primeiras 20 semanas de gestação (PEREIRA Et al, 2013, ASSUNÇÃO et al, 2011), embora o acesso e a qualidade do exame de imagem devam ser considerados ao adotá-lo como método de aferição em estudos de base populacional. Erros de registro e digitação podem ocorrer independentemente do método de aferição (PEARL et al., 2007; HAGLUND, 2007). O método a ser utilizado vai depender do grau de desenvolvimento tecnológico do país e da qualificação dos profissionais (BLENCOWE et al., 2013). Portanto, estudos primários, usando a melhor estimativa possível da idade gestacional, são importantes para a correta classificação da prematuridade. O objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de prematuridade em maternidades públicas das cidades do Rio de Janeiro e Niterói e comparar com os dados do SINASC. Metodologia Foi realizado um estudo transversal em duas maternidades do Sistema Único de Saúde (SUS) uma em Niterói (A) e outra no Rio de Janeiro (B) em 2011. As maternidades foram escolhidas pela alta frequência de nascimentos e, no caso da maternidade A, por ser referência para gravidez de risco na região metropolitana II do estado do Rio de Janeiro. Todas as mulheres internadas para parto entre setembro e novembro do ano de 2011 eram elegíveis. Foram coletados os dados maternos e neonatais, por meio de entrevistas, consulta aos cartões de pré-natal e prontuários médicos. O banco de dados primários foi relacionado ao banco de dados secundários do SINASC da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. As variáveis maternas foram: Idade, Cor/raça, Escolaridade, tipo de união, Ocupação, Renda, pré-natal. Para o recém-nascido (RN), foram avaliados: peso e idade gestacional (IG), segundo diferentes métodos (Data da última menstruação, USG de até 20 semanas, exame clínico do recém-nascido). A melhor estimativa da Idade Gestacional (IG-melhor) foi calculada de acordo com o seguinte algoritmo: caso a IG estimada pela data da última menstruação (IG- DUM) e a IG estimada pela ultrassonografia (IG-USG), realizada antes de 20 semanas de gestação, fossem iguais ou com diferença menor que 2 semanas, prevaleceria a primeira. Caso a diferença fosse igual ou maior a 2 semanas, seria usada a IG-USG. Em

4 caso de ausência da IG-DUM e/ou IG-USG apropriadas, seria usada a estimativa neonatal, em geral pelos métodos de exame físico do recém-nascido, Capurro ou Ballard. As prevalências de prematuridade encontradas foram comparadas com as do SINASC, para as maternidades estudadas, no mesmo período. Análise dos dados Os formulários contendo as informações coletadas foram revisados pelos alunos bolsistas e pela supervisora antes de serem digitados. Após digitação, os dados foram processados e analisados pelo pacote estatístico SPSS, versão 17. As variáveis foram descritas em termos de valores absolutos e relativos. Para as variáveis contínuas, calcularam-se média e desvio-padrão e mediana. Foram construídos histogramas para as seguintes variáveis: peso ao nascer e idade gestacional. Para verificar associação entre as variáveis categóricas, foi utilizado o teste quiquadrado de Pearson (χ2). A concordância entre as variáveis idade gestacional de dados primários (IG-melhor) e de dados secundários (SINASC) foi estimada pelo coeficiente kappa. Foi considerando um nível de significância de 0,05. Resultados Das 1989 mulheres elegíveis, houve apenas 4% de perdas. Houve 1782 nascidos vivos (558 e 1224, respectivamente nas Maternidades A e B). As diferenças entre as maternidades revelaram que na Maternidade A, as puérperas eram mais desfavorecidas quanto ao status socioeconômico: menor renda mensal familiar per capita e menor escolaridade (tabela 1). No entanto, em relação à adequação do pré-natal, houve resultado mais favorável às mulheres da Maternidade A, com maior frequência de adequação (tabela 1). Para as outras variáveis maternas, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas.

5 Tabela 1: Características maternas e de pré-natal nas maternidades públicas, Niterói e Rio de Janeiro, RJ, 2011. Características maternas e de pré-natal Maternidade / Município A B Niterói Rio de Janeiro n % n % p-valor a Faixa etária (anos) 0,24 10-19 165 23,0 303 24,8-20 - 34 510 71,1 805 65,8-35 42 5,9 116 9,5 - União estável 0,47 sem companheiro 158 28,6 362 30,3 - com companheiro 394 71,4 832 69,7 - Cor da pele 0,59 branca 150 27,3 330 28,0 - preta 140 25,5 273 23,2 - parda 260 47,3 574 48,8 - Escolaridade Materna (anos de estudo) 0,04 < 4 15 2,7 34 2,8-4-7 174 31,5 307 25,1-8-11 347 62,7 831 68,0-12 17 3,1 50 4,1 - Renda mensal familiar per capita (R$) 0,08 <200,00 116 23,1 233 20,7-200,00 a 749,99 329 65,4 718 63,8-750,00 58 11,5 175 15,5 - Paridade 0,84 primípara 231 41,4 500 40,8 multípara 327 58,6 724 59,2 Adequação do pré-natal <0,001 Inadequado 167 33,3 424 37,5 - Intermediário 207 41,2 493 43,6 - Adequado 102 20,3 199 17,6 Mais que adequado 26 5,2 16 1,4 a Teste do Qui-Quadrado de Pearson

6 Considerando as duas maternidades, a informação da idade gestacional estava ausente para 3,9% dos RN no SINASC e 0,3% nos dados da pesquisa. A prevalência de nascimentos com baixo peso e de pré-termo foi mais elevada na maternidade A quando comparada à maternidade B, independentemente da fonte de informação (tabela 2). Quanto ao peso ao nascer praticamente não houve diferença entre as prevalências nas duas maternidades, comparando-se os dados primários e o SINASC. Já em relação à idade gestacional, houve subestimativa de prematuridade nas duas maternidades, mais acentuada na maternidade de Niterói. Com base nos dados do SINASC, a prevalência seria de 17,2% na maternidade A e 8,9% na maternidade B. Usando a melhor estimativa dados primários, estes valores sobem para 23,5 e 10,2%, mostrando subestimativa de 26,8% e 15%, respectivamente. Tabela 2: Prevalência de baixo peso ao nascer e de nascimentos pré-termo segundo fonte de dados em maternidades públicas, Niterói e Rio de Janeiro, RJ, 2011. Prevalências/Fonte de dados Niterói Rio de Janeiro n % n % p-valor a Baixo Peso ao Nascer (<2500 gramas) A B Dados primários 96 17,3 118 9,7 <0,001 SINASC 96 17,3 121 9,9 <0,001 Pré-termo (<37 semanas) Dados primários 130 23,5 124 10,2 <0,001 SINASC 95 17,2 107 8,9 <0,001 a Teste do Qui-Quadrado de Pearson Destaca-se a faixa de 34-36 semanas, 20,1% e 8,5%, nos dados primários e 14% e 7,6%, no SINASC, com subestimativas de 30% e 11% para as maternidades A e B. A prevalência total de prematuridade foi 11,4% segundo o SINASC e 14,3% usando a melhor estimativa da pesquisa. A maior diferença foi para a idade gestacional de 36 semanas, registrada em 3,9% dos nascidos vivos no SINASC e estimada em 5,6% pela pesquisa. Quanto à concordância entre as duas fontes de informação para a classificação dos RN em pré-termo, o coeficiente kappa foi 0,64 (p=0,03), apontando concordância moderada.

7 Considerando que a pesquisa teve a informação mais acurada, o SINASC subestimou RN pré-termo e superestimou o pós-termo (Tabela 3). As prevalências de prematuridade, usando os dados primários (IG-Melhor) para a idade gestacional inferior a 32 semanas foram 3,6% (maternidade A) e 1,8% (maternidade B). Do total de RN de BPN, 63,6% eram pré-termos. Pelos dados do SINASC, a população de BPN seria constituída de 56% de RN pré-termo. Para a classificação de baixo peso ao nascer (sim/não) a concordância entre as duas fontes de informações foi excelente correspondendo ao coeficiente kappa foi 0,96 (p<0,001), Tabela 3 Concordância entre idade gestacional com base nos dados secundários do SINASC e dados primários da pesquisa, maternidades públicas, Niterói e Rio de Janeiro, RJ, 2011. Dados secundários SINASC Dados primários - PESQUISA prétermo a termo pós-termo ignorado Total pré-termo 154 46 0 1 202 a termo 92 1381 23 5 1500 pós-termo 1 48 8 0 57 ignorado 7 16 0 0 23 Total 254 1491 31 6 1782 A distribuição dos recém-nascidos por idade gestacional segundo a fonte de informação (dados primários IG melhor e dados secundários SINASC) é apresentada no gráfico abaixo. As frequências foram mais elevadas entre a trigésima e trigésima sétima e na quadragésima-primeira semanas quando aplicado o algoritmo para o cálculo da idade gestacional (IG-melhor) comparadas às informações do SINASC. Os dados secundários do SINASC apresentaram maior frequência de pós-termo (42 e mais semanas) em relação aos dados primários da pesquisa.

8 Gráfico: Distribuição dos recém-nascidos por idade gestacional a partir da 30 a semana segundo a fonte de informação* em maternidades públicas de Niterói e Rio de Janeiro, RJ, 2011. 600 500 400 300 IG-melhor IG-SINASC 200 100 0 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42+ * Dados primários IG melhor e dados secundários IG-SINASC Discussão A prevalência de prematuridade na Maternidade B foi semelhante à estimativa corrigida para o Brasil em 2011 (11,7%), enquanto na Maternidade A, com usuárias mais vulneráveis, foi praticamente o dobro, apontando necessidade de estudos sobre desigualdades neste evento. A subestimativa de prematuridade do SINASC (menos 22%) para as duas maternidades foi maior que a encontrada para o Brasil (menos 15%) em uma revisão sistemática (SILVEIRA et al., 2013), talvez pela maior acurácia do algoritmo para idade gestacional usado nesta pesquisa. Este valor é bem elevado, apontando que o uso de dados do SINASC, além de subestimar a magnitude do problema, teria impacto nas estimativas de crescimento intrauterino restrito, em estudos de impacto da prematuridade sobre a mortalidade infantil, assim como em estudos de determinantes do nascimento pré-termo. Na presente pesquisa, observou-se que 63% dos bebês de baixo peso eram prétermo, enquanto, ao usar os dados do SINASC, encontraríamos o valor de 56%. O primeiro resultado está mais consistente com o que mostra a literatura sobre os bebês de baixo peso nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil (BARROS et al., 2011). As diferenças entre as duas fontes de informação ficaram concentradas na faixa etária de 34 a 36 semanas, considerados pré-termos tardios. Estudos recentes têm

9 mostrado aumento de nascimentos nestas faixas gestacionais e o maior risco de mortalidade, comparados aos RN a termo (ARAÚJO et al., 2012; MACHADO et al., 2014). A avaliação da concordância mostrou, além da subestimativa de nascimentos pré-termo no SINASC, erros no outro extremo de idade gestacional, com a superestimativa de RN pós-termo. Estes dois tipos de erro podem ser explicados pelo uso frequente da data da última menstruação (DUM) e/ou do método de Capurro, a primeira, com tendência a superestimar a pós-maturidade e o segundo, com tendência a subestimar prematuridade (ASSUNÇÃO et al., 2011; PEREIRA et al., 2013). Por outro lado, observou-se elevada concordância para a variável peso ao nascer, corroborando a confiabilidade deste indicador nas diferentes fontes de dados (THEME et al.,2004). A distribuição de frequência das semanas de gestação, comparando a melhor estimativa e os dados do SINASC foi semelhante à encontrada por Barradas et al. (2014), comparando IG estimada por ultrassonografia e pela DUM, com subestimativa de IG menor que 38 semanas e superestimativa a partir de 40 semanas, quando usada a DUM. A partir de 2011, houve grandes mudanças na declaração de nascido vivo e o campo relativo à idade gestacional passou a priorizar a data da última menstruação. Ainda não há estudos mostrando os efeitos desta mudança, mas deve ser lembrado que, em outros países, como nos Estados Unidos (BARRADAS et al., 2014) e nos países nórdicos, é recomendado o uso da ultrassonografia como método preferencial para o preenchimento da IG na declaração de nascimento, por sua maior acurácia. Vários autores têm enfatizado a importância da qualidade de estatísticas vitais para estimativa de indicadores populacionais perinatais, como frequência de prematuridade e adequação do peso para idade gestacional (curvas de referência), com repercussão no âmbito das políticas de saúde e na pesquisa (LYNCH; ZHANG J, 2007; CALLAGHAN; DIETZ, 2010; HALL ET AL., 2014). Nossos resultados corroboram a necessidade de reavaliar o preenchimento da informação sobre IG na declaração de nascido vivo no Brasil, para que o SINASC possa subsidiar adequadamente os gestores na área materno-infantil e pesquisadores na área perinatal.

10 Referências ARAÚJO, B.F.; ZATTI, H; MADI, J.M; COELHO, M.B; OLMI, F.B; CANABARRO, C.T. Analysis of neonatal morbidity and mortality in late-preterm newborn infants. Jornal de Pediatria (Rio J), v.88, n3, p. 259-66, 2012. ASSUNÇÃO, P.L.; NOVAES, H.M.D.; ALENCAR, G.P.; MELO, A.S.O.; ALMEIDA, M.F. Desafios na definição da idade gestacional em estudos populacionais sobre parto pré-termo: o caso de um estudo em Campina Grande (PB), Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 14, n. 3, p.455-466, 2011. BARRADAS, D.T.; DIETZ, P.M.; PEARL, M.; ENGLAND, L.J.; CALLAGHAN, W.M.; KHARRAZI, M. Validation of Obstetric Estimate Using Early Ultrasound: 2007 California Birth Certificates. Paediatric and Perinatal Epidemiology, v.28, n. 1, p.3-10, 2014. BARROS, F. C.; BARROS, A.J.; VILLAR, J.; MATIJASEVICH, A.; DOMINGUES, M.R.; VICTORA, C.G.. How many low birthweight babies in low- and middle-income countries are preterm? Revista de Saúde Pública, v. 45, n. 3, p. 607 616, 2011. BLENCOWE, H.; COUSENS, S.; CHOU, D.; OESTERGAARD, M.; SAY, L.; MOLLER, A. Born Too Soon: The global epidemiology of 15 million preterm births. Reproductive Health, v.10, Suppl. 1, p.:s2, 2013. http://www.reproductivehealth-journal.com/content/10/s1/s2. CALLAGHAN, W.M.; DIETZ, P.M. Differences in birth weight for gestational age distributions according to the measures used to assign gestational age. American Journal of Epidemiology, v.171, n. 7, p. 826-36, 2010. HAGLUND, B. Birthweight distributions by gestational age: comparison of LMP-based and ultrasound-based estimates of gestational age using data from the Swedish Birth Registry. Paediatric and Perinatal Epidemiology, v. 21, Suppl. 2, p.72-78, 2007. HALL, E.S.; FOLGER, A.T.; KELLY, E.A.; KAMATH-RAYNE, B.D. Evaluation of gestational age estimate method on the calculation of preterm birth rates. Maternal and Child Health Journal, v.18, n.3, p.755-62, 2014. LAWN, J.E.; BLENCOWE, H.; OZA, S. et al, for The Lancet Every Newborn Study Group. Progress, priorities, and potential beyond survival. Lancet, v. 384, n. 9938, p.189-205, 2014. LAWN, J.E.; GRAVETT, M.G.; NUNES, T.M.; RUBENS, C.E.; STANTON, C; GAPPS Review Group. Global report on preterm birth and stillbirth (1 of 7): definitions, description of the burden and opportunities to improve data. BMC Pregnancy and Childbirth, v. 10, Suppl. 1, p.s1, 2010. LYNCH, C.D.; ZHANG, J. The research implications of the selection of a gestational age estimation method. Paediatric and Perinatal Epidemiology, v. 21, Suppl. 2, p.86-96, 2007.

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