O SIGNIFICADO DA INDISCIPLINA E SUAS RELAÇÕES COM O FRACASSO ESCOLAR EM MATEMÁTICA NA VISÃO DE PROFESSORES DA ESCOLA BÁSICA



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Transcrição:

O SIGNIFICADO DA INDISCIPLINA E SUAS RELAÇÕES COM O FRACASSO ESCOLAR EM MATEMÁTICA NA VISÃO DE PROFESSORES DA ESCOLA BÁSICA Paulo Henrique Apipe Avelar de Paiva Universidade Federal de São João del-rei paulojufra@yahoo.com.br Romélia Mara Alves Souto Universidade Federal de São João del-rei romelia@ufsj.edu.br Resumo: Apresentamos neste trabalho resultados parciais de uma pesquisa que estamos conduzindo com o intuito de melhor compreender o significado da indisciplina e relacionála ao fracasso escolar dos alunos em matemática, a partir da visão de professores que atuam na rede de educação básica. Para isto, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com professores da rede estadual de educação da cidade de São João del-rei/mg. As entrevistas foram transcritas e analisadas e os resultados obtidos até o momento mostram que, para aqueles professores, a indisciplina é o fator determinante do fracasso escolar. No entanto, os professores não reconhecem relação alguma entre a sua atuação em sala de aula e o fracasso dos alunos, tratando esse fenômeno como algo externo e anterior à sua prática. Palavras-chave: Indisciplina; Educação Matemática; Fracasso escolar. INTRODUÇÃO 1 A sociedade contemporânea vive muitas crises e talvez a mais reconhecida seja a chamada crise da educação, marcada pelo que se convencionou chamar fracasso escolar. Trata-se de um fenômeno bastante generalizado, evidenciado pelo fato de que a maioria das pessoas que passa pelo sistema escolar não consegue concluir satisfatoriamente os oito anos mínimos de escolaridade obrigatória. A própria imagem social da escola está debilitada, o que tem acarretado uma falta de credibilidade profissional do professor. O ensino de matemática tem um papel importante nesse contexto, contribuindo em larga escala para o insucesso dos alunos na escola. O fato de que o ensino da matemática vai mal é reconhecido pelos educadores matemáticos do mundo todo e há muito tempo vem sendo discutido na literatura nacional e internacional. Atualmente esse problema ganha outros contornos e torna-se ainda mais complexo em face 1 Este trabalho desenvolve-se no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica da UFSJ e conta com apoio do CNPq. 1

das novas dificuldades trazidas por manifestações dos alunos que são interpretadas, de uma maneira geral, como indisciplinadas. Esse problema tem ocupado um espaço cada vez maior no cotidiano escolar e a insatisfação daí decorrente é preocupante, pois chega mesmo a se constituir em causa de abandono do magistério. O foco do trabalho que vamos delinear aqui reside, pois, no problema da indisciplina como um dos fatores associados ao fracasso escolar em matemática na visão de professores que atuam na escola básica. Na tentativa de melhor compreender o problema, estamos conduzindo uma investigação no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica da Universidade Federal de São João del-rei-ufsj, que visa alcançar o significado atribuído por professores da educação básica sobre as influências da indisciplina no desempenho dos alunos em matemática. Entrevistamos oito professores da rede pública de educação básica e estamos na fase final de análise dessas entrevistas. No início do trabalho, decidimos fazer uma análise prévia do conteúdo de três das oito entrevistas, a fim de testar o método escolhido. Os resultados já apontaram elementos que julgamos interessantes e que, a nosso ver, auxiliam na compreensão do problema da indisciplina nas aulas de matemática. São, portanto, esses resultados parciais que comunicamos aqui. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para buscar compreender o significado que professores da educação básica atribuem à relação da indisciplina com o fracasso escolar em matemática, realizamos uma pesquisa de natureza qualitativa com um grupo de professores que atuam nos níveis de ensino fundamental e médio em escolas públicas de São João del-rei/mg. A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semi-estruturadas, para as quais elaboramos um roteiro básico e flexível, permitindo que fossem feitas adaptações no decorrer do diálogo. Para cada entrevistado foi colocada uma mesma pergunta inicial e, a partir daí, outras perguntas poderiam surgir caso fosse necessário. A princípio, estabelecemos a seguinte pergunta-norteadora: Como você percebe a relação da indisciplina com o fracasso escolar dos alunos em matemática? As entrevistas foram gravadas, posteriormente transcritas e estão sendo analisadas em busca do significado que esses professores atribuem à relação da indisciplina com o fracasso escolar em matemática. A análise das entrevistas é composta 2

por alguns momentos que podem, conforme Martins & Bicudo (1989), ser especificados como segue. Num primeiro momento, dá-se a leitura dos textos, buscando seu sentido geral. Depois, num segundo momento, busca-se a identificação dos trechos que parecem mais reveladores, mais significativos ao pesquisador, em função da interrogação (esses trechos, as "unidades de significado", são respostas que o pesquisador encontra para a sua interrogação). Tais unidades são expressas na linguagem do pesquisador, imerso no contexto da Educação Matemática. A análise ideográfica, terceiro momento, busca as unidades de significado que respondem à pergunta (em cada entrevista). Finalmente, chega-se à análise nomotética, que consiste na procura de relações de convergência, divergência e individualidade entre os diversos discursos. Ao final, são construídas categorias abertas e as compreensões obtidas são articuladas com a revisão de literatura realizada sobre o tema aqui focalizado. Esse procedimento foi realizado, inicialmente, com três entrevistas, conforme esclarecemos na introdução deste trabalho. AS ENTREVISTAS Para o primeiro entrevistado, indisciplina significa desinteresse e constitui o maior problema da sala de aula hoje. Para ele, o comportamento indisciplinado ou desinteressado manifesta-se nas conversas paralelas e na bagunça em sala de aula. No discurso desse professor, a indisciplina provoca uma falta de concentração do aluno nas atividades propostas, conduzindo-o ao fracasso escolar. Para ele, a quantidade de alunos numa sala de aula não faz com que a indisciplina seja maior ou menor. As causas da indisciplina relacionam-se com a falta de pré-requisitos do aluno. O entrevistado atribui ao aluno a maior parcela de responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso escolar. O segundo entrevistado associa a indisciplina com a falta de concentração do aluno e com a perturbação às aulas. A indisciplina e o desinteresse que para esse professor são dissociados - são os maiores problemas da sala de aula atualmente. Também para esse sujeito, a indisciplina leva à falta de concentração do aluno que, por sua vez, provoca mais indisciplina. O professor acredita que a indisciplina, aliada a outros fatores que não foram especificados, conduz fatalmente ao fracasso escolar e que para lidar com essa situação é necessário conhecer os alunos com os quais se está trabalhando. 3

Várias situações caracterizam a indisciplina para o terceiro entrevistado. Ele apresenta exemplos de comportamentos indisciplinados e qualifica esses comportamentos como mais ou menos graves. Em seu discurso, ele ressalta a falta de perspectiva dos alunos em relação ao conhecimento escolar e, em decorrência, a falta de inclusão da escola no projeto de vida desses alunos. Por esse motivo, ele acredita que os estudantes não se preocupam com o fato de não se saírem bem na escola. O entrevistado credita a esses fatores a indisciplina dos alunos. Para ele, o fracasso escolar está associado também à falta de recursos didáticos. A RELAÇÃO DA INDISCIPLINA COM O FRACASSO ESCOLAR EM MATEMÁTICA ESTABELECIDA PELOS SUJEITOS ENTREVISTADOS Ao iniciar a análise das entrevistas, numa leitura atenta das transcrições, procuramos trechos que apresentavam respostas à indagação inicial. Sublinhamos, nas três entrevistas, 55 desses fragmentos que, depois de eliminadas as repetições, foram transcritos para a linguagem dos pesquisadores. Obtivemos 29 unidades de significado, que mostramos na Tabela a seguir. Os números arábicos nas colunas das entrevistas indicam os trechos que foram agrupados em cada entrevista para formar a unidade de significado correspondente. Tabela Primeiras unidades de significado Unidades de significado 1 o desinteresse é um dos maiores problemas da sala de aula atualmente 2 são atitudes de indisciplina: o desinteresse, a dispersão e o não cumprimento das atividades propostas 3 a disciplina é fundamental à concentração, ao interesse pela matemática e ao aprendizado 4 apesar de a indisciplina e o fracasso escolar se relacionarem, há situações que mostram o contrário 5 a realização de atividades paralelas às propostas são uma forma de indisciplina 6 há alunos que são indisciplinados devido à delonga no ensino dos conteúdos 7 caso haja muitos alunos em uma mesma sala de aula, a indisciplina torna-se maior Entrevistas I II III 1, 2, 6 2 3 16 4, 7, 8 3, 5 5 9 5 2, 6 10 11, 14 21 4

8 trinta alunos, em média, em cada turma é a quantidade ideal (continua) Tabela (continuação) Primeiras unidades de significado Unidades de significado Entrevistas I II III 9 a falta de certos conhecimentos por parte do aluno contribui para o fracasso escolar 17 23 10 formas de lecionar, alternativas às tradicionais, podem ajudar a combater a indisciplina e o fracasso 18 22, 26 escolar 11 os alunos precisam ser responsabilizados por suas vidas e seus insucessos escolares 19, 21 12 a relação entre professor e aluno é um contrato que carece ser cumprido 20 13 turmas pequenas e focadas em um objetivo é o ideal 12, 15, 16 14 assim como a desordem, a falta de concentração é uma situação de indisciplina 1 15 é possível ensinar sem que os alunos aprendam 4 16 a quantidade de alunos não interfere na questão disciplinar 6 17 para conseguir que o aluno seja disciplinado, é preciso conhecê-lo 7 18 Apenas é possível ensinar com disciplina, que leva ao aprendizado 8 19 a indisciplina é uma maneira dessa geração mostrar às gerações anteriores que possui valores 8, 12, 10 próprios 20 há falta de perspectiva do aluno em relação à escola, que não está incluída no seu plano de vida 13, 15, 19, 25, 27 21 há dois graus de indisciplina: a moderada e a inadmissível 9 22 a indisciplina é uma forma de o aluno se justificar para o seu grupo 17, 18 23 a violência (física, psicológica, verbal, dentre outras) é uma situação grave de indisciplina 7 24 o aluno mudou sua postura em relação ao conhecimento 14 25 a indisciplina é um dos maiores problemas da sala de aula atualmente 11 26 os problemas da educação advêm de professores, da estrutura escolar e da clientela 24 27 devido à falta de recursos materiais, o barulho é inevitável 4 28 no conceito de indisciplina, o mais complicado de compreender são os variados graus com que ela se 1 13 5

manifesta 29 a abertura da escola a todos levou à sua descrença pois, ao invés de expulsar os alunos que não se 20 adaptam, ela tem de ficar e trabalhar com eles As unidades de significado foram interpretadas e reagrupadas, produzindo 14 grupos de significado. Finalmente, após um novo esforço de interpretação, chegamos a duas categorias que, a nosso ver, representam bem a compreensão expressa pelos professores entrevistados acerca da indisciplina e sua relação com o fracasso escolar em matemática. Os grupos de significado e a convergência para as categorias abertas são mostrados no esquema a seguir. a indisciplina manifesta-se fundamentalmente no desinteresse pelas aulas, promovendo o fracasso escolar a indisciplina dificulta ou mesmo inviabiliza a aprendizagem matemática quanto maior o número de alunos numa sala, maior a indisciplina que causa o fracasso escolar a indisciplina e o fracasso escolar estão relacionados ao ensino tradicional a responsabilidade pelo fracasso escolar deve ser atribuída apenas no aluno o número de alunos numa classe não está relacionado com a indisciplina e, portanto, com o fracasso escolar uma solução para o problema da indisciplina e do fracasso escolar seria conhecer o aluno a indisciplina está relacionada às crises de valores entre gerações e de objetivos da educação escolar a indisciplina é uma forma do aluno que não consegue aprender justificar perante o grupo o seu fracasso uma das manifestações da indisciplina, que leva ao fracasso escolar, é a violência as responsabilidades pelo fracasso escolar devem ser de professores, do sistema escolar e dos alunos a indisciplina deve-se à falta de recursos materiais o fracasso escolar deve-se à universalização do ensino a indisciplina pode ser resultado do ensino de conteúdos que estão além ou aquém da capacidade do aluno aprender A indisciplina é a principal causa do fracasso escolar em matemática A indisciplina e sua consequência mais imediata, o fracasso escolar, deve-se a diversos fatores, geralmente externos ao professor. 6

Quadro Exemplos de algumas falas dos professores que enquadramos nas duas categorias finais A indisciplina é a principal causa do fracasso escolar em matemática não vejo como aprender matemática, ou ter interesse pela matemática, sem ter concentração [...] a indisciplina faz com que perca essa concentração como eles (os alunos) são indisciplinados, eles não conseguem se concentrar na aula e aprender a indisciplina é, entre os adolescentes [...] uma forma também de uma [...] geração se opor a outra geração o problema principal é a falta de interesse dos alunos [...] a falta de interesse é uma indisciplina A indisciplina e sua consequência mais imediata, o fracasso escolar, deve-se a diversos fatores, geralmente externos ao professor um deles é a falta de pré-requisitos (fatores que se relacionam ao fracasso escolar). Eu acho que a gente tem que deixar claro pros alunos [...] que a responsabilidade é deles [...]ele tem que [...] resolver o problema do fracasso a gente pode ensinar, mas não necessariamente eles vão estar aprendendo além da questão dos recursos, que todo mundo já sabe, que é pobre, que só giz e falar [...] há uma mudança comportamental em relação ao conhecimento eu acho que o maior problema da sala de aula é a questão que [...] os alunos [...] não tem isso (o estudo) como projeto de vida DISCUSSÃO DOS RESULTADOS No depoimento dos professores que entrevistamos ficou clara a relação imediata que eles estabelecem entre a indisciplina e o fracasso escolar dos alunos. A indisciplina, na maioria das vezes identificada com as diversas manifestações de desinteresse, inviabiliza a aprendizagem e chega a ser vista como o maior, senão o único fator responsável pelo fenômeno do fracasso escolar. Na concepção desses professores, o desinteresse dos alunos (e consequentemente a indisciplina) manifesta-se de variadas formas, que eles classificam como mais ou menos graves. As falas dos professores nos levam a pensar no fracasso escolar como a manifestação mais contundente de indisciplina. Nesse caso, os alunos estariam rejeitando as experiências escolares e essa rejeição se traduz no baixo rendimento, no desinteresse generalizado e na evasão. Jesus (2004) ao considerar a perda de prestígio 7

social da profissão docente, chama a atenção para o fato de que a escola está deixando de ser o principal espaço de acesso ao conhecimento e um meio de ascensão econômica e social, o que pode explicar a desvalorização do saber escolar (p. 194). Para muitos educadores, a falta de interesse dos alunos deve-se ao fato da inadequação dos conteúdos e das metodologias às expectativas e necessidades dos alunos. Para D Ambrosio, por exemplo, do ponto de vista de motivação contextualizada, a matemática que se ensina hoje nas escolas é morta (D AMROSIO, 1996, p. 31). E num outro momento, o mesmo autor acrescenta que salvo raras exceções, a escola vem tentando promover a aquisição de conhecimento através de experiências, situações, vivências padronizadas, desinteressantes e pouco criativas, objetivando a transmissão de um conteúdo congelado, obsoleto, desligado de tudo o que povoa a imaginação de uma criança, e que a criança sabe que de nada lhe servirá, será inútil, na marcha para o futuro, seja como profissional, como cidadão, como indivíduo criativo. (D AMBROSIO, 1996, p.3) Percebemos no discurso dos professores, indícios de que eles atribuem também a indisciplina dos alunos a uma crise geral de valores. O aluno não encontra na escola respaldo para os valores que cultiva. Silva (2004) observa que os alunos, ao não encontrarem na escola os valores que julgam prioritários passam a desvalorizá-la, pois, para eles, o conhecimento escolar nada teria a acrescentar: os fenômenos da indisciplina e da violência nas escolas estão relacionados, dentre outros, à quase absoluta consideração de regras e valores morais privados (fidelidade aos amigos, por exemplo) e ligados à glória (beleza, força física, prestígio social e status financeiro) em detrimento ou pela banalização dos valores morais públicos (justiça, honestidade, respeito mútuo) (SILVA, 2004, p. 19) A indisciplina seria, então, mais uma manifestação da rejeição dos alunos pela escola. O desinteresse dos alunos pelas atividades escolares tem se constituído frequentemente na literatura numa das hipóteses para explicar o problema da indisciplina. Aquino (1998) analisa três grandes hipóteses explicativas para a questão da indisciplina na escola: a primeira é a hipótese do aluno desrespeitador ; a segunda, do aluno sem limites ; e a última, do aluno desinteressado. O autor demonstra que essas versões diagnósticas não se sustentam por três razões: 8

- estão apoiadas em algumas evidências equivocadas e em alguns pseudoconceitos (como a visão romanceada da educação de antigamente, a moralização deficitária por parte dos pais,além da ideia do conhecimento escolar como algo ultrapassado e desestimulante); - de uma forma ou de outra, elas acabam isolando a indisciplina como um problema individual e anterior do aluno, quando, ao contrário, o ato indisciplinar revela algo sobre as relações institucionais-escolares nos dias atuais; - as três hipóteses esquivam-se de levar em consideração a sala de aula, a relação professor-aluno e as questões estritamente pedagógicas. Elas esboçam razões para a indisciplina, mas não apontam caminhos concretos para sua superação ou administração. (AQUINO, 1998, p.11) Associar os comportamentos indisciplinados com o desinteresse dos alunos implica em colocar o problema unicamente no aluno. Isso nos remete à segunda categoria que estabelecemos no final da análise que fizemos dos discursos dos professores entrevistados. Para eles a indisciplina é algo pré-existente, próprio do aluno e independente de suas atuações em sala de aula, da maneira como se relacionam com os alunos e das concepções que eles trazem sobre a escola e sobre os processos de ensino. Para Aquino a indisciplina deve ser compreendida como um indício de que a intervenção docente não está se processando a contento e, desse ponto de vista, ela passa a ser algo salutar e legítimo para o professor, sinalizando que algo na sala de aula não está se processando de acordo com as expectativas dos envolvidos. (AQUINO, 1998, p.12) Como expressão de crises de sentidos, de objetivos, de limites, ou da autoridade docente, às vezes se confundindo com a violência, os distúrbios disciplinares têm representado um dos maiores entraves ao trabalho pedagógico na atualidade. Embora o tema esteja frequentemente na mídia, seja a tônica das queixas dos professores e objeto de preocupação de uma variada gama de profissionais, tais como psicólogos, psicanalistas, sociólogos, pedagogos e filósofos, trata-se de um assunto ainda pouco investigado e, portanto, pouco frequente na literatura especializada. A já mencionada questão do interesse do aluno e a crise dos objetivos da escolarização nos remetem para a complexidade do tema, que é proporcional à complexidade da escola. Finalmente, desejamos salientar, uma vez mais, que nossos resultados são parciais também no sentido de que apresentam a perspectiva dos pesquisadores em relação aos discursos analisados que podem ser explorados sob outros pontos de vista. Pretendemos 9

aprofundar a discussão iniciada aqui quando completarmos a análise das oito entrevistas que realizamos, na expectativa de compreendermos melhor o fenômeno da indisciplina na escola e sua relação com o fracasso escolar, principalmente em matemática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINO, J. G. A indisciplina na escola atual. Revista da Faculdade de Educação. Vol. 24, no. 2. São Paulo, jul/dez. 1998. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-25551998000200011&script=sci_arttext... (acesso em 20/03/2009). D AMROSIO, U. Educação Matemática: da teoria à prática. Campinas, SP: Papirus, 1996. (Coleção Perspectivas em Educação Matemática) JESUS, S. N. Desmotivação e crise de identidade na profissão docente. Revista Katálysis, vol. 7, n. 2, p. 192-202, 2004. MARTINS, J.; BICUDO, M. A. V. A pesquisa qualitativa em Psicologia - fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes, 1989. SILVA, N. P. Ética, indisciplina & violência nas escolas. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. 10