Análise das linhas de crédito do PRONAF para o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar

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Transcrição:

11186 - Análise das linhas de crédito do PRONAF para o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar Analysis of lines of credit PRONAF for sustainable development of family agriculture SAMBUICHI, Regina Helena Rosa 1 ; OLIVEIRA, Michel Angelo Constantino 2 1 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA, regina.sambuichi@ipea.gov.br; 2 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA, michel.oliveira@ipea.gov.br Resumo: Este trabalho apresenta uma análise da aplicação de recursos através das linhas de crédito de investimento Pronaf Agroecologia, Pronaf Floresta, Pronaf Semi-árido e Pronaf Eco, discutindo a sua possível contribuição para a mudança do modelo de desenvolvimento agrícola brasileiro. Observou-se uma baixa aplicação de recursos através das linhas estudadas, que juntas aplicaram recursos equivalentes a 1,6% do volume total de créditos de investimento financiados pelo PRONAF geral no período das safras 2004-2005 a 2009-2010, sendo que o Pronaf Agroecologia apresentou o menor desempenho entre as linhas. Os dados indicam que a contribuição dessas linhas para a transição para um modelo agrícola mais sustentável é ainda muito pequena, sendo necessários ajustes nas regras de crédito e uma maior integração com outras políticas para melhorar o seu desempenho. Palavras-Chave: Crédito agrícola. Política agrícola. Agricultura sustentável. Agroecologia. Sistemas agroflorestais. Abstract: This paper presents an analysis of the application of resources through credit lines for investment Pronaf Agroecologia, Pronaf Floresta, Pronaf Semi-árido e Pronaf Eco, discussing its possible contribution to changing the model of agricultural development in Brazil. There was a poor use of resources through the lines studied, which together have applied resources equivalent to 1.6% of total investment financed by credit PRONAF overall yields in the period 2004-2005 to 2009-2010, and the Pronaf Agroecologia had the lowest performance among the lines. The data indicate that the contribution of these lines for the transition to a more sustainable model of agriculture is still very small, requiring adjustments in the credit rules and greater integration with other policies to improve their performance. Key Words: Agricultural credit. Agricultural policy. Sustainable agriculture. Agroecology. Agroflorestry systems. Introdução O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) foi criado em 1996 com a finalidade de prover crédito agrícola e apoio institucional aos pequenos produtores rurais. Sua criação se deu em resposta às pressões dos sindicatos e movimentos sociais rurais diante das sérias dificuldades que os pequenos agricultores encontravam para se manter no campo devido ao modelo de desenvolvimento agrícola brasileiro, altamente concentrador de terras e renda e cada vez mais dependente de insumos e tecnologias industriais. Ao longo dos seus anos de existência, apesar dos impactos positivos observados na esfera econômica, promovendo um aumento Cadernos de Agroecologia ISSN 2236-7934 Vol 6, No. 2, Dez 2011 1

expressivo da produção nos segmentos da agricultura familiar apoiados por sua política de crédito, o PRONAF sofreu várias críticas por não ter sido capaz de estimular uma mudança efetiva no modelo de desenvolvimento agropecuário brasileiro. Estudos mostraram que o crédito oferecido pelo PRONAF, em vez de estimular a diversificação econômica, o uso de tecnologias alternativas adaptadas à realidade ambiental de cada região e a autonomia dos produtores, estaria servindo para disseminar e fortalecer entre os agricultores familiares o modelo convencional de especialização produtiva, extremamente focado na produção, muito impactante ambientalmente e altamente dependente de insumos externos. Além disso, o crédito estaria contribuindo para aumentar as desigualdades regionais, sendo acessado principalmente pelos agricultores das regiões mais ricas (sul e sudeste) (MATTEI 2006). Para tentar minimizar esses problemas e incentivar a transição para um modelo agrícola mais sustentável, foram criadas, a partir de 2003, novas linhas de crédito de investimento como o Pronaf Agroecologia, Pronaf Floresta, Pronaf Semi-árido e Pronaf Eco. O Pronaf Agroecologia tem por objetivo financiar a implantação e manutenção de sistemas agroecológicos de produção, conforme normas estabelecidas pela Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e sistemas orgânicos de produção, conforme normas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O Pronaf Floresta financia a implantação e manutenção de sistemas agroflorestais, manejo florestal e exploração extrativista ecologicamente sustentável, áreas de preservação permanente, reserva legal, recuperação de áreas degradadas e enriquecimento de áreas que já apresentam cobertura florestal diversificada com espécies nativas. O Pronaf Semi-árido financia investimentos em projetos de convivência com o semi-árido, focando na sustentabilidade dos agroecossistemas e priorizando projetos de infra-estrutura hídrica e implantação, ampliação, recuperação ou modernização das demais infra-estruturas. O Pronaf Eco financia a implantação, utilização e/ou recuperação de tecnologias para produção de energia renovável, tecnologias ambientais, sistemas de armazenamento hídrico, silvicultura e a adoção de práticas conservacionistas e de correção da acidez e fertilidade do solo. O presente trabalho teve por objetivo analisar a aplicação do crédito nessas quatro linhas do PRONAF, discutindo a sua representatividade em relação aos volumes de créditos financiados pelo programa e a sua possível contribuição para a mudança do modelo de desenvolvimento agropecuário brasileiro. Metodologia Para a realização das análises, foram utilizados dados disponibilizados pelo MDA sobre valores financiados e número de contratos por safra, por estados e regiões, em cada uma das quatro linhas estudadas. Para analisar a representatividade das linhas, esses dados foram comparados com os montantes financiados pelo PRONAF geral e pela linha Pronaf Mais Alimentos (que financia cultivos alimentares específicos, atividades pecuárias e pesca). Informações sobre as regras de financiamento das linhas foram obtidas também junto ao MDA. Resultados e discussão O Pronaf Agroecologia financiou, ao longo das cinco safras analisadas (2005-2006 a 2009-2010), um total de 11,4 milhões de reais em 979 contratos, variando entre as safras de 0,6 milhões (na safra 2005-2006) a 5,1 milhões (na safra 2008-2009) (Figura 1). A distribuição dos recursos entre as regiões variou também entre as safras, sendo que as 2 Cadernos de Agroecologia ISSN 2236-7934 Vol 6, No. 2, Dez 2011

regiões Centro-oeste, Sul, Norte e Nordeste receberam os maiores volumes em diferentes safras. A região Norte foi a que recebeu o maior volume de recursos no total do período (40% do total financiado), a maior parte para o Estado do Pará (4,4 milhões de reais). O total financiado pelo Pronaf Floresta, nas seis safras analisadas (2004-2005 a 2009-2010), foi de 75,0 milhões de reais, em 14.927 contratos, sendo que a maior parte desses recursos foi liberada para as regiões Sul e Sudeste (45% e 41% do total financiado respectivamente). Observa-se que os recursos aplicados aumentaram significativamente nas primeiras safras, chegando ao pico de 25,3 milhões de reais na safra 2006-2007, quando então houve uma drástica redução, chegando ao valor de 5,9 milhões de reais na safra 2009-2010 (Figura 1). Essa redução coincide com a mudança feita pelo Governo Federal nas regras da linha Pronaf Floresta, que passou a ter um maior direcionamento para os sistemas agroflorestais a partir da safra 2007-2008, sendo que o financiamento da silvicultura de espécies exóticas e monocultivos florestais em geral, antes financiadas nessa linha, passaram a ser financiados, além do PRONAF geral, pela linha Pronaf Eco. Isso indica que a maior parte dos recursos dessa linha eram antes direcionados para o monocultivo florestal, principalmente para abastecer a indústria de papel e celulose nos estados do Sul e Sudeste. Com a mudança de direcionamento da linha, além da queda substancial no número de contratos e recursos, observou-se também uma mudança na distribuição dos recursos entre as regiões, sendo que na safra 2009-20010 a maior parte dos recursos (37%) foi aplicado na região Norte. O Pronaf Semi-árido financiou um total de 188,4 milhões de reais, em 38.120 contratos, nas seis safras analisadas (2004-2005 a 2009-2010). A região nordeste recebeu 94% dos recursos, a maior parte destes (51,3 milhões de reais) para o estado do Ceará. O menor valor financiado ocorreu na safra 2004-2005 (15,4 milhões de reais), observando-se um aumento substancial no volume de recursos financiados na safra seguinte, que passou para 47,9 milhões. Na sequência, porém, observou-se uma redução progressiva no valor financiado, chegando a 17,5 milhões na safra 2009-2010 (Figura 1). O Pronaf Eco é a mais recente das quatro linhas, mas já financiou um montante de 40,3 milhões de reais, em 3.026 contratos, nas três safras (2007-2008 a 2009-2010), sendo que o menor valor financiado foi de 2,7 milhões, na safra 2007-2008, e o maior valor de 19,0 milhões na safra 2009-2010. A região Sul recebeu o maior volume de recursos no período (54% do total financiado). Observa-se que, entre as linhas analisadas, o Pronaf Agroecologia foi a que financiou o menor volume total de recursos e o menor número de contratos, mesmo quando comparado com a linha Pronaf Eco, que é a mais recente. Todas as linhas mostraram uma redução do montante financiado na safra 2009-2010 em relação à safra anterior, com exceção do Pronaf Eco que apresentou um modesto aumento. O valor total financiado pelas quatro linhas juntas no período das seis safras analisadas foi de 315,1 milhões de reais, o que representa apenas 1,6% do volume total de recursos (20,1 bilhões de reais) financiados em investimentos pelo PRONAF geral no mesmo período, e 8,2% dos recursos financiados pela linha Pronaf Mais Alimentos (3,8 bilhões de reais) em apenas duas safras (2008-2009 e 2009-2010). Cadernos de Agroecologia ISSN 2236-7934 Vol 6, No. 2, Dez 2011 3

Figura 1: Valores financiados através das linhas de crédito Pronaf Agroecologia, Pronaf Eco, Pronaf Floresta e Pronaf Semi-árido nas safras 2004-2005 a 2009-2010. Fonte: MDA. Os dados mostram que a representatividade do volume de recursos aplicados por essas linhas de crédito em relação ao aplicado pelo PRONAF geral e pelo Pronaf Mais Alimentos é muito pequena. Isso indica que os sistemas convencionais de produção continuam recebendo um volume muito maior de recursos do PRONAF do que os sistemas agroecológicos, orgânicos, agroflorestais ou ambientalmente mais sustentáveis. A linha Pronaf Mais Alimentos, apesar de representar um ganho de sustentabilidade ao estimular a produção de alimentos para consumo da população brasileira, em vez de cultivos industriais de exportação, continua financiando principalmente no modelo convencional de produção e apresenta também o viés de estimular a especialização produtiva, pois o agricultor precisa comprovar que, no mínimo, 70% (setenta por cento) da renda da unidade familiar é oriunda das atividades especificamente apoiadas pela linha. Vários fatores podem explicar o baixo desempenho das linhas de crédito associadas aos modelos sustentáveis de produção agropecuária familiar, especialmente a linha Pronaf Agroecologia. A dificuldade de acesso ao crédito junto aos bancos, os quais não estariam devidamente preparados para analisar e aprovar projetos agrícolas não convencionais, especialmente projetos agroecológicos, é um dos fatores que levou à pressão para o surgimento das linhas especiais de crédito, mas que continua sendo citado como um fator limitante mesmo após da criação das mesmas (Silva 2010). Os problemas relativos à liberação do crédito pelos bancos passam desde a normatização inadequada das planilhas, que não foram preparadas para sistemas de produção muito diversificados, o desconhecimento por parte dos funcionários dos bancos sobre o funcionamento dessas linhas, a morosidade dos processos, até a resistência dos bancos em financiar pequenos projetos de baixa rentabilidade. Por outro lado, são citados também problemas como a 4 Cadernos de Agroecologia ISSN 2236-7934 Vol 6, No. 2, Dez 2011

falta de conhecimento dos agricultores sobre a existência e funcionamento dessas linhas de crédito e a falta de assistência técnica capacitada para auxiliar na elaboração de projetos agrícolas não convencionais (FERRARI E ABRAÃO 2008). É importante destacar que, embora os sistemas agroecológicos de produção, em geral, não apresentem uma demanda tão elevada por crédito como a apresentada por sistemas convencionais, principalmente em relação ao crédito de custeio, o aporte de crédito de investimento para esses sistemas é importante para viabilizar o processo de transição para uma agricultura mais sustentável (WEID 2006). Convém afirmar também que o mero aporte de crédito não é suficiente para provocar as mudanças necessárias para essa transição. É preciso que a política de crédito esteja integrada a outras políticas importantes como a educacional, de assistência técnica, de apoio à comercialização dos produtos, de melhoria da infra-estrutura rural, de desenvolvimento e difusão de tecnologias menos agressivas ao meio ambiente, além da política de redistribuição fundiária (AQUINO 2009). São observados pequenos avanços, como a melhor distribuição proporcional de recursos entre as regiões mais pobres, observadas nas linhas Pronaf Agroecologia, Pronaf Semiárido e Pronaf Floresta (este após a mudança das regras de financiamento) em relação ao PRONAF geral. Esforços têm sido empreendidos também no sentido de difundir o modelo agroecológico de produção através das políticas de capacitação e assistência técnica do MDA. Entretanto, os dados indicam que esses esforços ainda são insuficientes e precisam ser ampliados. Além disso, a transição tecnológica é lenta e são necessários também alguns ajustes nas linhas de crédito para adequar os prazos de carência e o parcelamento da liberação dos recursos às necessidades dos agricultores (FERRARI E ABRAÃO 2008). Agradecimentos Agradecemos ao IPEA pelo apoio à pesquisa e ao MDA pela disponibilização dos dados. Bibliografia Citada AQUINO, J. R. Avanços e limites da política de crédito do PRONAF no Brasil (1996-2008): uma reflexão crítica. In: Anais do XLVII Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER), Porto Alegre/RS, 2009. FERRARI, E. A. ; ABRAAO, S. S. Pronaf Agroecología: sistematización de una experiencia llevada a cabo en la Zona da Mata de Minas Gerais. In: Gabriela Scotto. (Org.). Aun hay tiempo para el sol. Pobrezas rurales y programas sociales: Brasil, Venezuela, Guatemala. Una mirada desde lo local.1 ed. Rio de Janeiro: Action Aid - Oficina Regional Américas, 2008, v. 1, p. 65-89. MATTEI, L. Pronaf 10 anos: mapa da produção acadêmica Brasília: MDA, 2006. 202 p. (NEAD Estudos; 12) SILVA, M. G.. Políticas públicas de desenvolvimento rural e organizações de agricultura familiar no Município de Espera Feliz-MG. (Dissertação de mestrado) 2010. UFV.. WEID, J. M. A transição agroecológica das políticas de crédito voltadas para a Cadernos de Agroecologia ISSN 2236-7934 Vol 6, No. 2, Dez 2011 5

agricultura familiar. Agriculturas v.3 n.1 p.18-20, 2006. 6 Cadernos de Agroecologia ISSN 2236-7934 Vol 6, No. 2, Dez 2011