Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/99

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Transcrição:

Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/99 A violência doméstica é um flagelo que põe em causa o próprio cerne da vida em sociedade e a dignidade da pessoa humana, razão pela qual essa problemática tem ocupado um lugar central nas preocupações do actual governo. De facto, no ano em que se comemora o 50.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Conselho de Ministros não poderia deixar de se debruçar sobre a violência doméstica, aprovando um plano integrado e abrangente de combate a este fenómeno. Recentemente foram aprovadas várias medidas, quer de natureza legislativa, quer outras, de combate contra a violência doméstica. Estas medidas visam, em primeiro lugar, proteger as vítimas, na sua maioria mulheres, permitindo-lhes obter os meios materiais, psicológicos e físicos para se libertarem da situação de submissão em que são colocadas pelo seu agressor. Este aspecto assume particular relevância, visto que todos os tipos de violência, e a violência familiar em especial, assentam em relações de dominação e de força, que colocam a vítima numa situação que a fragiliza, limitando-a na sua capacidade de autodeterminação. Saliente-se, apenas a título de exemplo, a regulamentação e execução das medidas previstas na Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, tendo chegado agora o momento de definir um conjunto de medidas e objectivos mais ambiciosos. Portugal fica, assim, dotado de um programa que, de forma integrada e coerente, congrega um conjunto de medidas a adoptar a vários níveis (justiça, administração interna, educação, saúde, entre outras), seguindo a orientação que tem presidido à elaboração dos mais recentes documentos internacionais sobre esta matéria adoptados pela Organização das Nações Unidas e pelo Conselho da Europa. Efectivamente, com a aprovação deste plano, o Estado Português acerta o passo com a Europa e os mais recentes desenvolvimentos nesta matéria. Aliás, nas recomendações aprovadas na Conferência de Colónia, em 30 de Março, exortam-se os Estados a aprovar planos globais de combate à violência doméstica, particularmente sobre as mulheres. Refira-se ainda que o Governo Português irá acentuar a canalização de fundos, quer nacionais, quer europeus, designadamente através do Programa DAPHNE, para a resolução do problema da violência doméstica e para a protecção das suas vítimas, procurando, sempre que possível, envolver organizações não governamentais neste complexo desígnio. A eliminação da violência doméstica, objectivo primordial da aprovação e desenvolvimento das medidas constantes do plano, é um factor indispensável à construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, assente nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da justiça como pilares fundamentais de um Estado de direito democrático. Assim: Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve: 1 - Aprovar o plano nacional contra a violência doméstica, em anexo à presente resolução e que dela faz parte integrante. 2 - Atribuir ao Alto-Comissário para as Questões da Promoção da Igualdade e da Família competência para, junto dos ministérios envolvidos, acompanhar a execução das medidas

constantes do plano, através da secção interministerial do Conselho Nacional da Família. 3 - O plano nacional contra a violência doméstica tem uma vigência de três anos a partir da data da sua aprovação, devendo o Alto-Comissário para as Questões da Promoção da Igualdade e da Família apresentar ao Conselho de Ministros relatórios anuais relativos à execução das medidas constantes do plano referido no n.º 1 da presente resolução. 4 - Compete a cada um dos ministérios envolvidos na execução das medidas que integram o plano nacional contra a violência doméstica assumir a responsabilidade dos encargos delas resultantes. Presidência do Conselho de Ministros, 27 de Maio de 1999. - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres. PLANO NACIONAL CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Introdução A publicação de um plano nacional contra a violência doméstica enquadra-se no 50.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A violência doméstica põe em causa a ideia essencial do edifício dos direitos da pessoa humana, segundo a qual todos os seres humanos têm igual valor e dignidade. A questão da violência doméstica é de âmbito social e psicológico. Tem as suas raízes no mais profundo dos indivíduos, mas também nas ideias, valores e mitos que estruturam a sociedade. Não se pode ignorar que a violência está presente desde os primórdios da vida humana e que é o seu domínio que torna possível as sociedades. É neste momento que a norma jurídica intervém estabelecendo direitos e valorando factos e comportamentos. É-se vítima de violência por parte de outrem quando as manifestações agressivas deste, pela sua intensidade, criam no outro uma situação de constrangimento e de submissão de que não consegue sozinho(a) libertar-se, ficando, portanto, numa situação de sofrimento e risco psíquico e ou físico, de que o outro abusa de forma arbitrária e injusta. Têm-se registado alguns progressos, nomeadamente no âmbito legal, nos últimos tempos, no que se refere à abordagem deste autêntico flagelo social. Mas a lei para nada serve se não for aplicada. O papel do Estado é fundamental: nem a política de não ingerência nos assuntos privados nem os valores e costumes tradicionais podem ser invocados para impedir a luta contra a violência doméstica. De entre as várias definições de violência contra as mulheres destacamos a do grupo de peritos do Conselho da Europa, segundo a qual «qualquer acto, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, directa ou indirectamente, por meio de enganos, ameaças, coacção ou qualquer outro meio, a qualquer mulher e tendo por objectivo e como efeito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la ou mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental e moral ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais». A utilização da violência, nomeadamente contra as mulheres, crianças e idosos, constitui uma violação dos direitos fundamentais da pessoa humana: esta afirmação assenta no consenso internacional. Várias conferências internacionais (Declaração de Viena e programa de acção da Conferência

Mundial dos Direitos Humanos, 1993; 4.ª Conferência Mundial sobre as Mulheres, Pequim, 1995) se preocuparam com a questão. O Conselho da Europa abordou-a de diversos modos desde há vários anos, tendo o Comité dos Ministros do Conselho da Europa adoptado duas recomendações sobre o assunto: as recomendações da Conferência da Presidência Austríaca da UE, Baden, Viena, Dezembro de 1998, e as da Conferência da Presidência Alemã da UE, Colónia, Março de 1999. A Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e a Declaração dos Direitos da Criança adoptada pelas Nações Unidas em 1959 reconhecem que «a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma protecção e cuidados especiais, nomeadamente de protecção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento». A Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Novembro de 1989, nomeadamente nos artigos 19.º e 20.º, refere a necessidade de protecção por parte do Estado às crianças vítimas de violência na família e o direito à protecção e assistência especiais do Estado quando, no seu superior interesse, são temporária ou definitivamente privadas do seu ambiente familiar. É assim que o plano internacional de acção de Viena sobre o envelhecimento, publicado na sequência da Assembleia Mundial do Envelhecimento, que teve lugar em Viena em 1982, já aponta, em algumas das suas recomendações, para a necessidade dos países estarem atentos às questões da violência contra as pessoas idosas. A Organização das Nações Unidas, na sua Recomendação n.º 46/91, alerta os governos para a necessidade de integrarem nos seus programas nacionais os seguintes princípios: dignidade (aos cidadãos mais velhos devem ser garantidas condições dignas de existência, de segurança, de justiça), autonomia, desenvolvimento pessoal, acesso a cuidados e participação. O Conselho da Europa, na sua Recomendação R (98) 9, de 18 de Setembro de 1998, do Conselho dos Ministros dos Estados membros relativa à dependência, refere que «quando a liberdade de escolha não é possível em razão da incapacidade da pessoa idosa, uma protecção jurídica deve ser assegurada». Devemos libertar-nos de estereótipos, estudar as atitudes e definir as estratégias para combater o processo de violência doméstica. É altura de agir concretamente e com lucidez: a eliminação da violência doméstica é um elemento indispensável na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, fundada no respeito dos direitos da pessoa e na dignidade humana. Considera-se fundamental procurar uma aproximação prática e inovadora ao tema, sublinhando o papel dos agressores em todos os aspectos da questão e abordando-o como problema social e não como problema das vítimas. Proteger e ajudar as vítimas não é suficiente para pôr cobro à violência e aos maus tratos. Para combater a violência é necessário ocuparmo-nos da pessoa violenta. Considera-se urgente aprofundar os métodos de cooperação entre todos(as) os(as) implicados(as) pessoal ou institucionalmente nos processos de resposta aos problemas da violência doméstica. As dificuldades e os obstáculos que se lhes deparam deverão ser debatidos.

É importante continuar a examinar as razões da violência doméstica, estudando os contextos e os mecanismos. Há dificuldades de apuramento de dados, face à não declaração de inúmeras situações, pelo que o estudo e investigação são essenciais. A constituição de uma plataforma contra a violência doméstica, visando reforçar a integração dos esforços desenvolvidos pelos poderes públicos e pelos diversos organismos privados, é o caminho escolhido. Como resulta das conclusões de um seminário sobre o tema «Violência contra as mulheres» patrocinado pelo Gabinete do Alto-Comissário, a questão deverá ter uma abordagem integral e integrada. Integral porque o fenómeno se articula com questões tais como a desigualdade entre mulheres e homens e a vulnerabilidade dos idosos e das crianças, a pobreza e a exclusão social. Integrada no sentido de uma intervenção articulada dos mecanismos governamentais e não governamentais. É sabido que a especial vulnerabilidade de muitas das pessoas com deficiência as torna, também, um alvo privilegiado do exercício da violência doméstica. A sua não referência expressa no plano resulta do facto de estarem, naturalmente, incluídas nos diversos grupos mencionados, pois em todos eles há pessoas com deficiência. Objectivo I Sensibilizar e prevenir Medidas 1.1 - Integrar nos planos curriculares e desenvolver nas práticas pedagógicas, desde a educação pré-escolar e numa perspectiva de não violência, nos currículos escolares e na prática pedagógica temas relacionados com os direitos humanos na família, designadamente a igualdade de todas as pessoas que a compõem os direitos dos seus membros mais vulneráveis, os aspectos positivos das relações interpessoais, dos valores da cidadania, do afecto e da sexualidade e o princípio da regulação negociada dos conflitos. 1.2 - Desenvolver na prática pedagógica, desde a educação pré-escolar, procedimentos que permitam a vivência concreta destes princípios, reconhecendo-se a necessidade de intensificar a articulação com a família e os serviços existentes, dimensionando-os de acordo com as necessidades e promovendo a adequada supervisão. 1.3 - Sensibilizar os diversos agentes do sector da comunicação social (media, profissionais, autoridades de regulação e órgãos de auto-regulação, associações de profissionais e de empresários, escolas de jornalismo, instituições de ensino superior e centros de formação profissional com cursos em áreas da comunicação social), públicos e privados, para os fins da presente resolução. 1.4 - Encorajar as entidades referidas no n.º 1.3 a contribuir para a promoção de uma cultura de respeito pelos direitos e deveres de cada um dos membros da família, em particular dos mais fragilizados (mulheres, crianças e idosos), assente na sensibilização para uma efectiva partilha das responsabilidades domésticas e do cuidado com os filhos no sentido de evitar a transmissão de imagens e estereótipos que impliquem superioridade de um dos sexos, podendo, assim, fomentar a violência doméstica, neste caso no que se refere às mulheres. 1.5 - Realizar campanhas de sensibilização da opinião pública que visem contribuir para a promoção de uma cultura de não violência baseada no respeito pelos direitos e deveres de

cada um dos membros da família, em particular dos mais fragilizados (mulheres, crianças e idosos). 1.6 - Integrar, nas diversas campanhas de sensibilização da opinião pública, a consciência de que a violência doméstica é um crime previsto na lei portuguesa, uma violação grave dos direitos humanos e uma responsabilidade de toda a sociedade. 1.7 - Elaborar material informativo e formativo sobre a prevenção, a identificação e os factores da violência doméstica, dando particular atenção ao material destinado aos profissionais, bem como transcrever, publicar e difundir textos internacionais sobre a problemática da violência doméstica. 1.8 - Conceber e executar uma estratégia coordenada e pluridisciplinar entre os diversos serviços da administração central, regional e local e os parceiros sociais, nomeadamente nas áreas da educação, da justiça, da saúde, da cultura, da solidariedade e da administração interna, tendo em consideração quer a prevenção, quer o apoio, quer a reparação de situações de vítimas de violência doméstica. Objectivo II Intervir para proteger a vítima de violência doméstica 2.1 - Criar uma base de dados organizada em rede sobre serviços, equipamentos e medidas legislativas, de gestão conjunta de vários ministérios e parceiros sociais a que possam aceder serviços da administração central, regional e local e organizações/associações particulares, para resolução imediata de situações de risco ou de violência. 2.2 - Alargar o horário de funcionamento dos serviços telefónicos de emergência existentes (vinte e quatro horas/dia) para informação e encaminhamento permanente das vítimas de violência doméstica. 2.3 - Reforçar as secções de atendimento directo às vítimas de violência junto dos órgãos de polícia criminal competentes. 2.4 - Atribuir prioridade a cursos ou módulos de formação profissional adequada que visem potenciar capacidades e promover a consciencialização dos direitos humanos a todos os profissionais envolvidos na resolução de situações de violência a nível policial, judiciário, do Ministério Público, da saúde, da educação e dos serviços sociais, no sentido de um melhor conhecimento da dinâmica da violência doméstica e do seu impacte nas crianças, a fim de minimizar as consequências da agressão e proteger as vítimas, prevenindo futuras agressões. 2.5 - Elaborar e distribuir guias destinados às vítimas de violência doméstica e aos técnicos que com ela lidam. 2.6 - Promover e reforçar o apoio técnico e financeiro adequado às organizações/associações cujo objectivo seja a protecção das vítimas de violência doméstica, dando prioridade a programas que visem o seu apoio e acompanhamento. 2.7 - Estudar a possibilidade da concessão de poderes legais suplementares, quer às forças de segurança, quer às autoridades judiciais, que as legitimem a determinar a expulsão imediata e provisória do agressor da casa de morada da família, quando haja indícios de violência que, razoavelmente, façam prever que os actos de agressão se venham a repetir por forma a criar um perigo para a vida ou para a integridade física da vítima. 2.8 - Criar, no âmbito da lei penal, uma pena acessória que consista na proibição de o

agressor se aproximar da vítima. 2.9 - Criar medidas processuais para protecção de testemunhas, sejam elas as vítimas ou pessoas com informação e conhecimento sobre factos constitutivos do objecto do processo. 2.10 - Sugerir a inclusão no relatório anual da Procuradoria-Geral da República de um capítulo específico dedicado à violência doméstica. 2.11 - Propor, entre outros, a celebração de um protocolo entre a Ordem dos Advogados, o Ministério da Justiça e o Gabinete do Alto-Comissário para as Questões da Promoção da Igualdade e da Família, com o objectivo de dotar os advogados com formação específica na área da violência doméstica para assistência às vítimas em todas as fases do processo. 2.12 - Possibilitar às organizações/associações com objectivos de protecção das vítimas de violência constituírem-se assistentes em processo penal, salvo oposição da vítima ou de quem legalmente a represente. 2.13 - Desenvolver uma rede de refúgios para vítimas de violência, em parceria entre o Governo central, o poder local e organizações/associações particulares, com a eventual colaboração, com pessoal especializado, gestão e regulamentação adequadas ao contexto em que estão inseridas, de instituições privadas. 2.14 - Facilitar o acesso das vítimas de violência doméstica a cursos de formação profissional, bem como o acompanhamento e aconselhamento gratuitos, a fim de lhes facilitar um projecto de vida autónoma. 2.15 - Fomentar a criação, junto dos centros de saúde, de equipas multidisciplinares que identifiquem, acompanhem e apoiem as vítimas de violência e consultas especializadas destinadas ao tratamento e acompanhamento dos agressores e das vítimas de violência. 2.16 - Fomentar o desenvolvimento de projectos de iniciativa privada e ou pública dirigidas aos agressores, no sentido de desenvolverem comportamentos não violentos. Objectivo III Investigar/estudar 3.1 - Elaborar estudos sobre os custos humanos, sociais e materiais da violência doméstica. 3.2 - Fomentar a recolha, o tratamento e a publicação de dados estatísticos relativos à violência doméstica que permitam a sua comparação a nível nacional, comunitário e internacional. 3.3 - Desenvolver projectos de investigação para a identificação dos factores e valores culturais que perpetuam a manutenção do ciclo da violência na família, bem como para a caracterização dos agressores, projectos que contribuam, de forma eficaz, para a prevenção da violência. 3.4 - Criar um observatório para o acompanhamento do problema da violência doméstica. 3.5 - Procurar o apoio dos órgãos directivos das instituições de ensino superior que realizam cursos nas áreas das ciências médicas, jurídicas e sociais para a realização de colóquios, seminários e conferências, com o objectivo da sensibilização dos alunos para a questão da violência doméstica. Vigência do plano O plano nacional contra a violência doméstica terá uma vigência de três anos a contar da data da sua aprovação, por resolução do Conselho de Ministros, devendo ser elaborados

relatórios anuais para análise da sua execução que incluam a orçamentação dos meios financeiros adequados à execução das acções decididas.