Auto da Compadecida Dramático Ariano Suassuna

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Transcrição:

OBRA ANALISADA GÊNERO AUTOR DADOS BIOGRÁFICOS Auto da Compadecida Dramático Ariano Suassuna Nome completo: Ariano Vilar Suassuna Nascimento: 16 de junho de 1927 -, cidade de Nossa Senhora das Neves, então capital da Paraíba. Eleito em 1989 para a Cadeira nº 32 da Academia Brasileira de Letras (ABL). BIBLIOGRAFIA Uma mulher vestida de sol (1947) O desertor de Princesa (1948) Os homens de barro(1949, inédita) Auto de João da Cruz (1949) O arco desabado (1952) O rico avarento (1954) Auto da Compadecida (1955); Ode (1955); Fernando e Isaura (1956) O santo e a porca (1957) O casamento suspeitoso (1957) A pena e a lei (1959) O Homem da Vaca (1959) O Poder da Fortuna (1959) A Farsa da boa preguiça (1960) A caseira e a Catarina (1962) Romance d a pedra do reino e o príncipe de Sangue do Vai-e-Volta (1971, traduzida para o inglês, alemão, francês, espanhol, polonês e holandês). A Pena e a Lei (1971) Farsa da Boa Preguiça (1974) História d O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: ao Sol da Onça Caetana (1977) Sonetos com Mote Alheio (1980) Sonetos de Albano Cervonegro (1985) A História de Amor de Romeu e Julieta (1997) Condecoração Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico - Presidente da República do Brasil - jun/2004 RESENHA Em O Auto da Compadecida o escritor com base em três folhetos de cordel, apresenta uma peça de teatro com personagens populares do nordeste - o malandro, o mentiroso, o padre, o mulher adúltera, o coronel, o cangaceiro e seus capangas - numa série de situações cômicas. A trama da peça é permeada de peripécias mirabolantes. O herói ou o anti-herói da peça, o amarelinho João Grilo, se mete e, ao mesmo tempo, envolve todo mundo em infinitas trapalhadas, que começam em uma cidadezinha do interior e continuam depois da morte, nos limites do purgatório e do inferno. Ele é um herói típico da linhagem picaresca da literatura de cordel nordestina, da mesma família espiritual de Canção de Fogo e Zé do Telhado, personagens que dão nó até em pingo d água.

ESTILO DE ÉPOCA PÓS-MODERNISMO Quando tentamos verificar a que estilo de época se liga um texto teatral, deveremos fazê-lo, não em função de critérios válidos para a Literatura, mas em função de critérios possíveis para a história do teatro. Certo? Nesse sentido, verificamos que a obra analisada apresenta os seguintes elementos que permitem a identificação de sua participação num determinado estilo de época da evolução cultural brasileira: 1- O texto propõe-se como um auto. Dentro da tradição da cultura de língua portuguesa, o auto. Essa proposta conduz a que a primeira intenção do texto está em moldá-lo dentro de um enquadramento do teatro medieval português, ou mais precisamente dentro das perspectivas do teatro de Gil de Vicente, que realizou o ideal do teatro medieval um século mais tarde, isso no século XVI, portanto, em plano Quinhentismo (estilo de época). 2- O texto propõe-se como resultado de uma pesquisa sobre a tradição oral dos romanceiros e narrativas nordestinas, fixados ou não em termos de literatura de cordel. Propõe, portanto, um enfoque regionalista ou, pelo menos, organiza um acervo regional com vista a uma comunicação estética mais trabalhada. 3- A síntese de um modelo medieval com um modelo regional resulta, na peça, como concebida pelo Autor. Se verificarmos que as tendências mais importantes do Modernismo definem-se no esforço por uma síntese nacional dos processos estáticos, poderemos concluir que o texto do Auto da Compadecida se insere nas preocupações gerais desse estilo de época, deflagrado a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Regionalismo do século XX é ligado ao neonaturalismo; a minha obra tem ligação com o mágico e poético do folheto de cordel Ariano Suassuna buscou inspiração precisamente nos folhetos de cordel ouvidos e lidos nos tempos da infância e, ao mesmo tempo, estabeleceu ou restabeleceu conexões com essas fontes da tradição medieval e picaresca, da Divina Comédia, de Dante, e do Dom Quixote, de Cervantes, dois dos seus autores preferidos. Nesta obra, podemos sentir a força poética e popular da peça, o catolicismo que ela transmite, a simplicidade dos diálogos. Peça teatral em forma de AUTO uma modalidade do teatro medieval, cujo assunto é basicamente religioso - com três atos. Uma comédia de tipo sacramental: põe em relevo problemas e situações peculiares da cultura do Nordeste do Brasil; insere elementos da tradição da literatura de cordel, apresenta traços do barroco

católico brasileiro, mistura cultura popular e tradição religiosa. A preocupação maior reside em compor um auto de moralidade, ao estilo quinhentista português (modelo Gil Vicente), mas seguindo alinha do teatro dirigido aos catecúmenos, do Padre Anchieta. Para tanto, a peça se embasa em determinadas tradições localistas e regionalistas do folclore, com vista à sua sublimação como instrumento pitoresco de comunicação com o público (os catecúmenos). Com isso, nota-se que a realidade regional brasileira, ou melhor, a realidade nordestina, está presente através de seus instrumentos culturais mais significativos: as crenças e a literatura de cordel. Suassuna não pretende analisar essa realidade brasileira, mas a partir dela moralizar os homens, isto é, dinamizar nas suas consciências a noção do dever humano e da responsabilidade de cada um em relação a seus semelhantes e em relação a Deus, onisciente e onipresente. LINGUAGEM: a mais próxima possível da oralização, isto é, o texto serve de caminho para uma via oral de expressão. Os únicos registros diferentes correm, com indicados no próprio texto, por conta do Bispo, personagem medíocre, profundamente enfatuado, como se nota nesta passagem: "Deixemos isso, passons, como dizem os franceses"; de Manuel (Jesus Cristo) e da Compadecida (Nossa Senhora), figuras desataviadas, embora divinas, porque são concebidas como encarnadas em pessoas comuns, como o próprio João Grilo: Manuel: Foi isso mesmo, João. Esse é um dos meus nomes, mas você pode me chamar de Jesus, de Senhor, de Deus... Ele / isto é, o Encourado, o Diabo / gosta de me chamar Manuel ou Emanuel, porque pensa pode persuadir de que sou somente homem. Mas você, se quiser, pode me chamar de Jesus". PERSONAGENS As personagens são colocadas em primeiro lugar na análise da estrutura da peça, porque elas assumem uma posição simbólica, e é desse simbolismo que deriva a importância do texto. São quinze personagens de cena e uma personagem de ligação e comando do espetáculo: = Bispo = padre João, sacristão, = Manuel (Jesus Cristo) e Compadecida (Nossa Senhora) = 4 regionais: João Grilo, Chico, seu companheiro constante, Severino do Aracaju e o Encourado (o Diabo) = Antonio Morais, autoridade decorrente do poder econômico, resquício do coronelismo nordestino, a quem se curvam à política, os sacerdotes e a gente miúda. = cangaceiro = padeiro e sua mulher = Palhaço faz a apresentação da peça e dos atores

(ligação); faz o papel do Corifeu, no teatro clássico, e sua intervenção corresponde à parábase da comédia clássica trecho fora do enredo dramático em que as idéias e as intenções ficam claramente expressas. = PROTAGONISTA: João Grilo, figura típica do nordestino sabido, analfabeto; habituado a sobreviver e a viver a partir de expedientes, trabalha na padaria, vive em desconforto; a miséria é sua companheira. Em todas as seqüências a presença de João Grilo é fundamental. Daí a afirmação de que a peça gira em torno dessa personagem, do ponto de vista estrutural. Observe! AMBIENTE = representação ocorre num circo, o Palhaço marca as situações técnicas e estabelece a ligação entre o circo e a representação no circo. INTERTEXTUALIDADE Como proposição estética, a obra procura corporificar as seguintes noções: 1- a criação artística, o teatro em particular, devem levar o povo, a cultura desse povo a ele mesmo. Daí o circo, seu picadeiro e a representação dentro da representação. 2- menos do que essa realidade regional e cultural de um povo, o que importa é criar um projeto que defina idéias e concepções universais (as da Igreja, no caso) com o fim de conscientizar o público. Por esse motivo, a realidade regional nordestina é, no caso, instrumento de uma idéia e não fim em si mesma; 3- criar um texto teatral é, antes de tudo, criá-lo para uma encenação, daí a absoluta liberdade que o Autor dá para qualquer modalidade de encenação. O próprio texto final da peça é o resultado da experiência colhida à representação pública. Concorda? Foi a leitura que me abriu o mundo. (A. Suassuna) Partindo da realidade intertextual, é fundamental dizer que não há obra radicalmente original, pelo simples motivo de que há um elo profundo que une toda a criação e composição literária, seja no aspecto da linguagem, seja no do gênero. Sem a intertextualidade seria muito difícil entender uma obra literária. Todo o sentido e estrutura de uma obra literária é explicada a partir de seus arquétipos. Vamos conferir? Intertextualizar com os autos de Gil Vicente teatro medieval português - e observar tendências e similitudes. A obra analisada recebeu várias montagens no teatro e uma minissérie de 4 capítulos para a TV. Na tela dos cinemas, sob a direção de Guel Arraes & Mauro Mendonça Filho, as aventuras de um sertanejo pobre e mentiroso, e seu amigo nos são apresentadas como personagens picarescos. O trapaceiro, ardiloso espertalhão, João Grilo e seu

amigo Chico tentam sobreviver em uma pequena cidade do nordeste. João Grilo se diverte enganando na melhor tradição do jeitinho brasileiro seu patrão o Padeiro Eurico casado com a fogosa Dora e o Padre João. Infelizmente, as mentiras de João Grilo o acabam colocando frente a frente com sanguinário cangaceiro Severino de Aracaju E apesar de toda a lábia, João Grilo acaba morrendo. Vai para o purgatório e resolve a apelar para Nossa Senhora Compadecida para ver se escapa literalmente de um destino pior do que o inferno. Como o filme termina na hora certa, sem exageros e com uma direção competente, Nossa Senhora deve ter dado uma forcinha. Por que filme brasileiro inteligente só na base no milagre... O diretor Guel Arraes filmou em Cabaceiras, no sertão da Paraíba (a peça é situada em Taperoá, pertinho de Cabaceiras), e ainda ganhou trilha sonora original, com produção de João Falcão, e um tratamento visual que faz um paralelo entre o Nordeste dos anos 30 e a Idade Média. O autor compara o povo brasileiro ao personagem principal da peça, João Grilo, herói na arte da sobrevivência e da resistência. Antunes Filho adaptou obras de Suassuna para o teatro. A partir da microssérie Hoje é dia de Maria (Luis Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho, 2005 na TV) resgata-se a tecitura das histórias populares, entremeadas de fantástico e recriadas a partir da oralidade. Logo de início a microssérie nos mostra a protagonista, Maria, tentando sobreviver às agruras da vida. Nas suas andanças em busca das franjas do mar, ela encontra e reencontra arquétipos que retomam à ancestralidade que permite a imaginação, Os saltimbancos aos quais Maria adulta, se junta, armam um palco, cuja boca de cena tem uma moldura que remete aos antigos palcos da Comedia del arte, com pequenas esculturas de máscaras e objetos de cena. O dialogismo é marca do homem, a alteridade seria a definidora de nossa humanidade, pois é impossível pensar o homem sem relacioná-lo com o outro. Quando Suassuna bebe nas fontes populares, no romanceiro popular nordestino, o que ele está promovendo é um diálogo com essas fontes. Ao pinçar das histórias anônimas que circulam, muitas delas orais, no sertão do nordeste e inseri-las em suas obras, ele está dialogando com elas e trazendo à luz um novo discurso. Samba-enredo da E.S. Império Serrano no RJ (2002): "Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino: Ariano Suassuna" Carros alegóricos e alas da escola lembraram personagens de "A Pedra do Reino", "Uma Mulher Vestida de Sol" e "O Auto da Compadecida".

VISÃO CRÍTICA Dentro do panorama dramatológico brasileiro, o teatro de Suassuna é visto de forma diferenciada por apresentar características de uma criação pessoal e original. Ao reutilizar como fonte de criação a literatura de cordel tradicional do Nordeste brasileiro associandoa com uma literatura convencionalmente rotulada como "erudita", vinda de Roma e passando pelo teatro popular de Gil Vicente; Suassuna dissolve por completo paradigmas, fricciona conceitos e propicia montagens e conexões originais favorecendo a criação de um espaço semiótico rico e polifônico. Seus autos, além de explorar muitos recursos estéticos, se prestam à análise dos elementos estéticos do teatro observados pelos semioticistas russos. O ERUDITO ABARCANDO O POPULAR Ao proclamar a existência do Movimento Armorial, nos anos 70, Ariano Suassuna assume publicamente seu compromisso com a arte popular e define a arte armorial na sua relação com as literaturas da voz e do povo, fundamento de sua poética. (Idelette Muzart Fonseca dos Santos, O Decifrador de Brasilidades) ATENTE!! Movimento Armorial - manifestação de caráter artístico-cultural nascida em Pernambuco na década de 70 que visava dar uma nova roupagem à cultura popular brasileira e, em especial, à cultura nordestina, nas suas mais variadas formas de expressão como pintura, música, escultura e literatura, entre outras. Para transformar o local em simbólico e universal, ARIANO SUASSUNA, o decifrador de brasilidades, como já foi chamado, e um dos principais preservadores da cultura do país, alia os valores mais arraigados de sua região a seu imenso arcabouço erudito e teórico. Em o Auto da Compadecida, Ariano Suassuna consegue realizar uma magnífica síntese de duas tradições: a dos autos da era medieval e a da literatura picaresca espanhola. Na era medieval, a cultura era indissociável da religião, mesmo porque a Igreja controlava tudo com mão de ferro. A Igreja cultivava os autos dramáticos de devoção aos santos para doutrinar e tolerava os autos cômicos para divertir o povo. A tradição da literatura picaresca espanhola vem da cultura popular e chega ao ápice no Dom Quixote, de Cervantes. O pícaro é o personagem astuto, esperto, sagaz, velhaco, que quer enganar os homens, deus e o diabo, e ainda pedir o troco. "Meus personagens ora são recriações de personagens populares e de folhetos de cordel, ora são familiares ou pessoas que conheci. No Auto da Compadecida, por exemplo, estão presentes o Palhaço e João Grilo. O Palhaço é inspirado no

palhaço Gregório da minha infância em Taperoá. Já o João Grilo é o típico nordestino 'amarelo, que tenta sobreviver no sertão de forma imaginosa. Costumo dizer que a astúcia é a coragem do pobre. O nome dele é uma homenagem ao personagem de cordel e a um vendedor de jornal astucioso que eu conheci na década de 50 e que tinha este apelido." (Suassuna) Com uma escrita que junta, a um só tempo, elementos do Simbolismo, do Barroco e da literatura de cordel, esse ficcionista, poeta, dramaturgo e pensador da cultura, transforma o sertão no palco das questões humanas de qualquer lugar do mundo. Espaço Ariano Suassuna, inaugurado em outubro de 2001, ocupa todo o 2º piso do Rio Scenarium (Rua do Lavradio, 20 Centro Antigo do Rio)