ESCAVAÇÃO DE GRANDE PROFUNDIDADE PARA A CONSTRUÇÃO DA BIBLIOTECA CENTRAL E ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA

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Transcrição:

ESCAVAÇÃO DE GRANDE PROFUNDIDADE PARA A CONSTRUÇÃO DA BIBLIOTECA CENTRAL E ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA DEEP EXCAVATION FOR THE NEW CENTRAL LIBRARY AND MUNICIPAL ARCHIVE OF LISBON Pinto, Alexandre, JetSJ Geotecnia, Lda., Lisboa, Portugal, apinto@jetsj.pt Pereira, Ana, JetSJ Geotecnia, Lda., Lisboa, Portugal, apereira@jetsj.pt Villar, Miguel, Betar, Lda., Lisboa, Portugal, mvillar@betar.pt RESUMO No presente artigo são apresentados os principais critérios de concepção e de execução adoptados nas soluções de escavação e de contenção com profundidade máxima de 40m, para a construção de 10 pisos enterrados da futura Biblioteca Central e Arquivo Municipal de Lisboa. São apresentados os principais condicionamentos, nomeadamente os geológico-geotécnicos e os topográficos. As soluções adoptadas são constituídas essencialmente por cortina de estacas moldadas, colunas de jet-grouting e betão projectado, suportados por ancoragens definitivas e provisórias. Refere-se o dimensionamento efectuado, através de análises estáticas e dinâmicas. O plano de instrumentação e observação implementado é descrito e são apresentados alguns dos principais resultados obtidos. ABSTRACT In this paper the main design and execution criteria for the solutions adopted for a 40 m deep excavation performed for the construction of 10 underground floors of the New Central Library and Municipal Archive of Lisbon are presented. The main geological and geotechnical characteristics of the site are shown, as well as the geometrical and topographical conditionings. The adopted solutions consist of bored pile walls, jet grouting columns and reinforced shotcrete, supported by permanent and temporary anchors. Results of the finite element static and dynamic calculations are presented. The monitoring plan is described and some of the main results are shown. 1. INTRODUÇÃO O edifício da futura Biblioteca Central e Arquivo Municipal de Lisboa (BCAML), a construir no Vale de Santo António, terá, no total, 17 pisos. A entrada principal do edifício será ao nível do piso 0, junto à Avenida Mouzinho de Albuquerque (a Nordeste) e terá uma segunda entrada ao nível do piso 5 junto à Rua Álvares Fagundes (a Sudoeste). Abaixo do piso 0 haverá 5 pisos enterrados. O local de implantação do edifício da Biblioteca Central e Arquivo Municipal de Lisboa fica situado em meio urbano e numa zona de topografia agressiva. O edifício apresenta geometria rectangular com 100 40m 2 de área em planta (Figura 1a). O terreno actual junto à rua Álvares Fagundes encontra-se sensivelmente à cota +65,00, sendo que para atingir a cota de fundo da escavação (+25,06), correspondente ao piso 5, a escavação realizada dispõe, no máximo, de cerca de 40m de profundidade (Figura 1b), constituindo assim, provavelmente, a escavação em meio urbano de maior profundidade realizada até hoje em Portugal.

(a) Figura 1 - (a) Planta de dimensionamento. (b) Corte transversal na zona de maior altura de escavação. Dados os condicionamentos existentes, em particular a geometria do edifício, a topografia do local e as condições geológicas e geotécnicas, traduzidas pela presença de aterros com espessura significativa, tendo parte deles sido depositados após 1993, aquando da realização de terraplenagens e da construção de algumas edificações na Rua Álvares Fagundes, definiram-se três tipos de soluções de contenção, adequados às particularidades de cada um dos quatro alçados da obra. Em Pinto et al (2007 a) podem encontrar-se detalhes de alguns aspectos construtivos e em Pinto et al (2007 b) foram apresentados alguns resultados preliminares da instrumentação. No presente artigo descrevem-se as soluções adoptadas, focando em especial os aspectos do dimensionamento e os resultados da observação. (b) 2. PRINCIPAIS CONDICIONAMENTOS 2.1. Condicionamentos geológico-geotécnicos De acordo com a informação resultante das duas campanhas de prospecção realizadas, a geologia do local caracteriza-se pela presença do substrato de idade Miocénica, recoberto por aterros heterogéneos e, no canto Norte, por materiais aluvionares que estão relacionados com a presença de uma linha de água. Os terrenos heterogéneos pertencentes ao Miocénico são constituídos por areias siltosas e (ou) argilosas com lumachelas, argilas siltosas e (ou) arenosas, calcarenitos e calcários margosos. Foram definidas três zonas geotécnicas principais: - ZG1 - corresponde aos terrenos do Miocénico localizados a maior profundidade, constituídos por areias e por argilas com concentrações fossilíferas e ainda por calcarenitos e por calcários margosos. - ZG2 - formada por areias e por argilas do Miocénico descomprimido, com concentrações fossilíferas, atingindo a profundidade máxima de 19m. - ZG3 - constituída pela camada de aterros heterogéneos e pelos aluviões existentes no canto Norte, com espessuras variáveis entre 1,5 e 20m, com maior espessura a Sudoeste, na zona onde a contenção se aproxima da Rua Álvares Fagundes. No Quadro 1 apresentam-se os parâmetros geomecânicos considerados para as três zonas geotécnicas referidas, aferidos através do conjunto de ensaios in-situ e de laboratório realizados,

nomeadamente SPT (Standard Penetration Test), pressiométricos, ensaios laboratoriais de identificação e de compressão uniaxial e triaxial. Quadro 1 - Principais parâmetros geomecânicos das três zonas geotécnicas 2.2. Restantes condicionamentos Zona N SPT γ c' φ' E (kn/m 3 ) (kpa) ( ) (MPa) ZG1 60 21 80 45 140 ZG2 15 a 60 19 20 36 40 ZG3 9 a 30 17 0 25 7 No que se refere aos restantes condicionamentos que influenciaram o tipo de soluções adoptadas, podem ser destacados os seguintes: - As condições de vizinhança, em particular a existência de arruamentos e edificações próximas da zona de maior profundidade de escavação, com cerca de 6 pisos elevados, e as infra-estruturas existentes nos arruamentos (Figura 1a). - A topografia, determinada pela inclinação agressiva da encosta a escavar, traduzida pelos desníveis de cerca de 30m entre a rua Álvares Fagundes, a Sudoeste, e a rua Barão de Monte Pedral, a Nordeste (Figura 1b). - A arquitectura e a estabilidade do edifício da BCAML que determinou que os impulsos de terras do alçado SW não pudessem ser transmitidos à estrutura do edifício na fase definitiva e ainda a necessidade de compatibilização com a futura envolvente paisagística. 3. SOLUÇÕES ADOPTADAS 3.1. Introdução Tendo por base os condicionamentos referidos, definiram-se três tipos de soluções principais de contenção e de estabilização de taludes: - Solução 1 - cortina de estacas de betão armado, moldadas no terreno, travadas com ancoragens definitivas. - Solução 2 - cortina de estacas de betão armado, moldadas no terreno, travadas com ancoragens provisórias e estabilização de talude de pré - escavação através da realização de colunas de jet grouting inclinadas, com vigas ancoradas no topo. - Solução 3 - estabilização de taludes de escavação com inclinação de 1H:3V, revestidos com betão projectado drenado, pregado e armado com malha electrossoldada. 3.2. Descrição das soluções de contenção A solução 1 foi adoptada no alçado Sudoeste, com profundidade máxima de escavação de cerca de 40m, incluindo cerca de 20m de espessura de aterros (ZG3). Foram adoptadas estacas com 1000mm de diâmetro, afastadas de 1,30m, na zona com profundidade superior a 36m e estacas com 800mm de diâmetro, afastadas de 1,50m, no restante desenvolvimento da contenção.

A estabilidade da cortina de estacas face aos impulsos do terreno foi garantida pelas ancoragens definitivas, seladas na zona geotécnica ZG1 e realizadas sobre as vigas de coroamento e de distribuição de betão armado (Figura 2). O afastamento horizontal das ancoragens é de 2,6m na zona onde a escavação apresenta profundidade superior a 36m e de 3,0m na restante extensão. O recurso a ancoragens definitivas neste alçado foi justificado pelo facto da estrutura do edifício não poder suportar o desnível de impulsos do terreno na fase definitiva entre os dois alçados longitudinais (Sudoeste e Nordeste). De forma a limitar a descompressão e a conter o terreno entre estacas foram realizadas colunas de jet-grouting ao nível das formações mais descomprimidas, correspondentes às zonas geotécnicas ZG2 e ZG3, e foi aplicado betão projectado armado com malha electrossoldada, ao nível da ZG1. (a) Figura 2 - Solução 1: corte transversal (a) e vista final do alçado Sudoeste (b) Entre a cortina de estacas e a estrutura do edifício haverá uma galeria técnica com cerca de 3,0m de largura que permitirá as operações de manutenção e de observação das ancoragens definitivas ao longo do período de vida da obra. A solução 2 foi adoptada no alçado Noroeste, que apresenta profundidade máxima de escavação de cerca de 36m. Entre a cota do piso 0 (+43,74) e a do piso 5 (+25,06) foram executadas estacas de 800mm de diâmetro, afastadas de 1,5m, travadas por 4 níveis de ancoragens provisórias, afastadas de 3,0m. Acima da cota do piso 0 foi executada uma cortina de colunas de jet-grouting com diâmetro de 1200mm, afastadas de 1,2m, para estabilização e protecção dos taludes de escavação inclinados a 1H:2V e com 18m de altura máxima, intersectando na totalidade a zona geotécnica ZG3. No topo destes taludes foram executadas ancoragens provisórias sobre vigas de distribuição de betão armado, apoiadas em microestacas (Figura 3). Esta solução, que garante a minimização dos trabalhos de terraplenagem, foi concebida de forma a permitir uma adequada compatibilização com as soluções que vierem a ser definidas no âmbito do projecto de arranjos exteriores do edifício, acima da cota do piso 0. A solução 3 foi adoptada nos alçados Nordeste e Sudeste pelo facto de a altura de escavação ser relativamente reduzida (cerca de 7m), intersectando principalmente terrenos da zona geotécnica ZG1. Consiste na estabilização de taludes de escavação com inclinação de 1H:3V, revestidos com betão projectado drenado, pregado e armado com malha electrossoldada. A opção por esta solução teve por base as cotas e as características do terreno, assim como a necessidade de inserir a rampa de acesso ao fundo da escavação (lado direito da Figura 1b). (b)

Vigas de betão armado ancoradas 66,08 Colunas jet grouting φ1,2m//1,2m 1 2 ZG3 ZG2 Microestacas 1 2 43,74 Ancoragens provisórias ZG1 25,06 (a) Cortina estacas φ0,8m//1,5m Figura 3 - Solução 2: corte transversal (a) e vista final do alçado Noroeste (b) A Figura 4 mostra a vista geral da escavação e das estruturas de contenção do alçado sudoeste e do alçado Noroeste na fase final dos trabalhos. (b) Figura 4 - Vista geral das estruturas de contenção dos Alçados Sudoeste e Noroeste. 4. DIMENSIONAMENTO O comportamento das estruturas de contenção foi analisado, em termos de esforços e de deformações, para todas as fases construtivas de escavação e de aplicação de pré-esforço, através de um programa de elementos finitos (Plaxis V8) vocacionado para a realização de análises tensão-deformação de estruturas geotécnicas. Nos cálculos efectuados foi admitido para os terrenos interessados um comportamento elástico perfeitamente plástico, associado ao critério de rotura de Mohr-Coulomb. O dimensionamento de todos os elementos estruturais teve por base os resultados obtidos nos cálculos efectuados, adoptando o princípio dos estados limites, consagrado na actual regulamentação europeia. Na Figura 5a) apresenta-se um exemplo dos deslocamentos obtidos no cálculo numérico efectuado para o caso estático. No que se refere aos efeitos da acção sísmica, em particular sobre a contenção do alçado Sudoeste, que não será travada pela estrutura do edifício em fase definitiva, realizaram-se análises pseudo-estáticas, com o mesmo programa de cálculo, que permitiram estimar os esforços e as deformações na cortina de estacas, no terreno e nas estruturas adjacentes. A acção

sísmica foi definida de acordo com o regulamento português RSA. A obra está localizada na zona A, à qual corresponde o valor máximo do coeficiente de sismicidade: α=1,0. Os terrenos foram classificados como do tipo II: solos coerentes duros a muito duros e solos incoerentes compactos. Foi considerada a acção sísmica tipo 2 que corresponde a um sismo de maior magnitude e a uma maior distância focal, sendo a mais gravosa para o domínio das baixas frequências. As análises pseudo-estáticas foram realizadas considerando três coeficientes sísmicos: 0.04, 0.10 e 0.16. Atendendo ao tipo de estrutura, considerou-se um coeficiente de comportamento de 2%. As frequências correspondentes tomaram assim os valores de 0.6, 1.0 e 1.2 Hz. Na Figura 5b) apresenta-se um exemplo dos deslocamentos obtidos no cálculo pseudo-estático realizado, considerando um coeficiente sísmico horizontal de 0.10. Deformada da malha de elementos finitos Deformada da malha de elementos finitos Deslocamentos horizontais est á ticos [mm] Deslocamentos horizontais Pseudo-estáticos [mm] (a) Figura 5 - Exemplo dos resultados obtidos no cálculo numérico para o caso estático (a) e para o caso pseudo-estático (b) De forma a balizar os resultados obtidos nos cálculos efectuados através do método pseudoestático para cada um dos valores de frequências estimadas, foi realizada a análise dinâmica da estrutura com o módulo dinâmico do mesmo programa, com base em 10 acelerogramas gerados a partir do espectro de potência, o qual foi obtido através do espectro de resposta definido no Eurocódigo 8, considerando o Documento Nacional de Aplicação. (b) 5. INSTRUMENTAÇÃO E OBSERVAÇÃO O Plano de Instrumentação e Observação, sendo uma ferramenta de prevenção e de gestão de riscos, indispensável numa obra com as características da presente, foi definido com o objectivo de garantir a realização, em condições de segurança e de economia, dos trabalhos de escavação e de contenção, assim como de permitir a análise do comportamento das estruturas de contenção e das estruturas e infra-estruturas vizinhas durante e após a execução da obra.

No enquadramento descrito, foram instalados os seguintes dispositivos de observação, cuja localização se indica na Figura 6a: 4 inclinómetros, 28 alvos topográficos, 23 células de carga, 5 réguas topográficas nas fachadas de edifícios, 11 marcas topográficas nos arruamentos vizinhos. Marcas Réguas Células Alvos Inclinómetros Figura 6 - (a) Planta com a localização dos Dispositivos de Observação. (b) Resultados das leituras efectuadas na direcção perpendicular à cortina no inclinómetro I3 O conjunto de aparelhos instalado foi lido, durante a execução dos trabalhos de escavação e de contenção com uma frequência, no mínimo, semanal. Após a conclusão destes trabalhos e dos de construção civil, prevê-se a continuação da realização das leituras dos dispositivos instalados no alçado Sudoeste, pelo menos uma vez por ano, por um período de 50 anos. Baseados nos resultados dos cálculos efectuados foram definidos os seguintes critérios de alerta e de alarme para os deslocamentos da estrutura de contenção e para a variação de carga nas ancoragens: - Critério de alerta: deslocamentos horizontais máximos de 0,15% H escavação e assentamentos de 0.10% H escavação ; variação de carga nas ancoragens de 10%. - Critério de alarme: deslocamentos horizontais máximos de 0,30% H escavação e assentamentos de 0.20% H escavação ; variação de carga nas ancoragens de 20%. Na Figura 6b) apresenta-se um exemplo dos resultados dos deslocamentos obtidos num dos inclinómetros (I3) instalados na cortina no alçado Sudoeste. Os deslocamentos apresentados são relativos ao plano perpendicular à cortina e o sentido positivo corresponde aos movimentos no sentido da escavação. Este inclinómetro foi instalado em 21-06-2006 e no dia 23-06-2006 a ancoragem localizada na viga de coroamento próxima do inclinómetro foi pré-esforçada, tendo sido registado um deslocamento para o interior do terreno. As leituras apresentadas correspondem às efectuadas, em geral, 2 dias após a realização da escavação para cada nível de

vigas de distribuição das ancoragens. Refere-se que a obra esteve parada entre 23-10-2006 e 24-01-2007. Tendo em consideração a profundidade de escavação (40m) e as características dos terrenos interessados, os deslocamentos obtidos até à conclusão da escavação (semelhantes nos restantes inclinómetros e nos alvos topográficos instalados) são reduzidos ( h/h = 0,012/40 0,03% ) e inferiores aos estimados nos cálculos efectuados. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da invulgar profundidade da escavação apresentada, provavelmente a maior realizada até hoje em Portugal em meio urbano, as soluções de contenção adoptadas, concebidas com o objectivo de garantir a minimização da descompressão dos terrenos durante as várias fases de escavação, mostraram-se particularmente ajustadas aos condicionamentos existentes e que se salientam de seguida: - Condições geológicas e geotécnicas desfavoráveis, devido à presença de aterros com espessura significativa (máx. 20m). - Topografia do local com desníveis elevados (30m) entre os alçados Sudoeste e Nordeste. - Arquitectura e estabilidade do edifício da BCAML que não era compatível com a utilização da estrutura do mesmo como travamento definitivo a cortina do alçado Sudoeste, devido ao desnível de impulsos a acomodar. - Necessidade de realizar uma escavação de grande profundidade (40m). Os resultados da instrumentação comprovaram o bom comportamento das estruturas de contenção e das estruturas envolventes. Os deslocamentos obtidos nos diversos dispositivos de observação instalados foram, até à conclusão da escavação, muito reduzidos, tendo o deslocamento horizontal para o interior da escavação, na secção de maior altura, sido da ordem de 12 mm, o que corresponde a cerca 0,03% da profundidade de escavação. Por último, considera-se importante destacar que se encontra prevista a continuação da observação da obra por um período de 50 anos, podendo estes resultados vir a contribuir de forma importante para um melhor conhecimento do comportamento deste tipo de solução a médio e a longo prazo. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Câmara Municipal de Lisboa e à Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, na pessoa, respectivamente, do Arq. Jorge Ramos de Carvalho e do Eng. Luís Cantante de Matos a autorização para a divulgação técnica da obra em referência. REFERÊNCIAS Pinto, A.; Pereira, A.; Villar, M.; Lopes, N. e Cunha, V. (2007 a). Biblioteca Central e Arquivo Municipal de Lisboa. Escavação e Contenção Periférica, Engenharia e Vida, nº36, Junho 2007, 30-37. Pinto, A.; Pereira, A. e Villar, M. (2007 b). Deep Excavation for the New Central Library of Lisbon Proc. 14th European Conference on Soil Mechanics and Geotechnical Engineering, Madrid, Spain, Vol. 2, 623 628.