Morfoanatomia Foliar e Caulinar de Dedaleiro: Lafoensia pacari A. St.-Hil. (Lythraceae)

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Latin American Journal of Pharmacy (formerly Acta Farmacéutica Bonaerense) Lat. Am. J. Pharm. 26 (4): 522-9 (2007) Trabajos originales Recibido el 6 de febrero de 2007 Aceptado el 2 de abril de 2007 Morfoanatomia Foliar e Caulinar de Dedaleiro: Lafoensia pacari A. St.-Hil. (Lythraceae) Sílvia Raquel MUNDO 1 e Márcia do Rocio DUARTE 2* 1 Pós-graduanda em Ciências Farmacêuticas; 2 Laboratório de Farmacognosia, Departamento de Farmácia, Universidade Federal do Paraná, Av. Pref. Lothário Meissner, 632, CEP 80210-170 Curitiba, PR, Brasil RESUMO. Lafoensia pacari A. St.-Hil. é uma planta arbórea pertencente à família Lythraceae e conhecida vulgarmente como dedaleiro. É utilizada como febrífugo, cicatrizante e tônico na medicina popular. Este estudo teve como objetivo analisar a morfoanatomia de folha e caule da espécie com fins farmacognósticos. O material botânico foi fixado, seccionado e corado com azul de toluidina ou azul de astra-fucsina básica. Testes microquímicos usuais também foram realizados. As folhas são opostas, simples, simétricas e possuem forma oblongo-oboval. As células epidérmicas constituem um estrato único e, em vista frontal, apresentam contorno ondulado. Estômatos do tipo anomocítico ocorrem na face abaxial. O mesofilo é dorsiventral e a nervura principal, em secção transversal, é levemente côncava na face adaxial e nitidamente convexa na superfície oposta. Percorrendo o parênquima fundamental, há um feixe vascular bicolateral, em arco fechado e envolto por uma bainha esclerenquimática praticamente completa. O caule, em estrutura secundária inicial, é revestido por uma epiderme uniestratificada. O felogênio tem instalação periférica, o córtex é parenquimático e podem-se distinguir os cilindros floemáticos externo e interno limitando o xilema. A medula é constituída de células parenquimáticas, fibras e células pétreas. Células mucilaginosas e cristais de oxalato de cálcio estão presentes na folha e no caule. SUMMARY. Leaf and Stem Morpho-anatomy of Dedaleiro: Lafoensia pacari A. St.-Hil. (Lythraceae). Lafoensia pacari A. St.-Hil. is a woody plant which belongs to the family Lythraceae and is commonly known as dedadeiro. It is used as antipyretic, wound healing and tonic in folk medicine. This work has aimed to study the morpho-anatomy of the leaf and stem of this species for pharmacognostic purposes. The botanical material was fixed, sectioned and stained either with toluidine blue or astra blue-basic fuchsine. Standard microchemical tests were also carried out. The leaves are opposite, simple, symmetric and have oblong-obovate shape. The one-layered epidermal cells, in surface view, exhibit wavy contour. Anomocytic stomata occur on the abaxial side. The mesophyll is dorsiventral and the midrib, in cross-section, is slightly concave on the adaxial surface and evidently convex on the opposite side. Embedded in the ground parenchyma, there is a bicollateral vascular bundle, in close arc and encircled by a practically complete sclerenchymatic sheath. The stem, in initial secondary growth, has a uniseriate epidermis. The phellogen is formed superficially, the cortex is parenchymatic and it can be distinguish external and internal phloem cylinders bounding the xylem. The pith consists of parenchymatic cells, fibres and stone cells. Mucilaginous cells and calcium oxalate crystals are present in the leaf and stem. INTRODUÇÃO Lafoensia pacari A. St.-Hil. (Fig. 1A) é uma planta de porte arbóreo, pertencente à família Lythraceae, a qual é representada por cerca de 600 espécies distribuídas principalmente nos trópicos 1,2. Essa espécie é conhecida vulgarmente como dedaleiro, dedal, mangava-brava e pacari, e encontra-se principalmente disseminada em florestas de altitude, no cerrado 3-6 e na arborização de ruas 7. É utilizada pela população brasileira como febrífugo 8, cicatrizante 4 e tônico 9. Ensaios farmacológicos, empregando extrato de folha e caule, têm comprovado as atividades antifúngica 10, antimicrobiana 11,12 e antiinflamatória 13, bem como a presença de anti-radicais livres 14. Em razão dos poucos estudos que tratam de aspectos morfológicos dessa espécie medicinal, este trabalho teve como objetivo analisar a morfoa- PALAVRAS-CHAVE: Dedaleiro, Farmacognosia, Lafoensia pacari, Lythraceae, Morfoanatomia. KEY WORDS: Dedaleiro, Lafoensia pacari, Lythraceae, Morpho-anatomy, Pharmacognosy. * Autor a quem correspondência deve ser enviada. E-mail: marciard@ufpr.br 522 ISSN 0326-2383

Latin American Journal of Pharmacy - 26 (4) - 2007 verificação de lignina 21, cloreto férrico para compostos fenólicos 16, Lugol para amido 17, Sudan III para substâncias lipofílicas 22, ácido sulfúrico para cristais de oxalato de cálcio 23 e azul de metileno para mucilagem 23. O registro das observações foi realizado por meio de fotomicrografias em microscópio fotônico. Figura 1. Lafoensia pacari A. St.-Hil.: A. aspecto geral da árvore; B. ramo vegetativo apical, mostrando folhas simples e opostas. ab - face abaxial, ad - face adaxial. Barra = 1 cm. natomia foliar e caulinar de L. pacari com fins farmacognósticos. MATERIAL E MÉTODOS Material botânico Porções apicais de ramos de Lafoensia pacari A. St.-Hil. (Lythraceae) foram coletadas de exemplares cultivados no Centro Nacional de Pesquisa de Florestas (CNPF), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no município de Colombo-PR (aproximadamente nas coordenadas de 25 17 S e 49 13 W e na altitude de 950 m) e identificados no Herbário Fernando Cardoso - Embrapa (exsicata HFC 709). Metodologia A morfologia foliar externa foi descrita segundo a caracterização sugerida por Hickey 15. O material botânico foi fixado em FAA 70 16 e armazenado em etanol a 70% 17, sendo estudada a anatomia do terço inferior de folhas adultas e de fragmentos de caules jovens obtidos entre 2-10 cm do ápice caulinar. Lâminas semipermanentes foram confeccionadas de material seccionado nos sentidos paradérmico, transversal e longitudinal, à mão livre, e os cortes corados com azul de toluidina 18 ou com azul de astrafucsina básica 19. Para o preparo de lâminas permanentes, o material fixado foi incluído em glicolmetacrilato 20, de acordo com as indicações do fabricante (Leica ), e seccionado em micrótomo rotatório. Os cortes obtidos foram distendidos em lâminas e postos para secar em mesa térmica a 40 C. A coloração foi realizada com azul de toluidina 18. Testes microquímicos foram executados com material fixado, seccionado à mão livre, utilizando-se as soluções de floroglucina clorídrica para RESULTADOS Folha As folhas são opostas, simples, de textura coriácea e medem entre 5 a 9 cm de comprimento e 2 a 4 cm de largura. São simétricas, de forma oblongo-oboval, com ápice praticamente obtuso, base aguda e pecíolo curto (Figs. 1B e 2A). Apresentam margem lisa e nervação pinada, camptódroma do tipo broquidódromo (Fig. 2B). As células epidérmicas, em vista frontal, têm contorno ondulado (Figs. 2C-2E), comparativamente mais pronunciado na face abaxial (Fig. 2E). Constituem um estrato único e são revestidas em ambas as superfícies por uma cutícula delgada (Figs. 3A e 3B) e levemente estriada (Fig. 2D). Estômatos do tipo anomocítico ocorrem na face abaxial (Fig. 2E) e inserem-se no mesmo nível das células circunvizinhas (Fig. 3A). O mesofilo é dorsiventral, constituído geralmente de uma camada de parênquima paliçádico voltado para a face adaxial e vários estratos de parênquima esponjoso no lado oposto, o qual representa 75% da altura do clorênquima. Dispersos no mesofilo são encontrados feixes vasculares de pequeno porte do tipo colateral, envoltos por uma bainha parenquimática (Fig. 3A). Nos feixes de médio porte, notam-se fibras lignificadas no floema. A nervura principal, em secção transversal, é levemente côncava na face adaxial e nitidamente convexa na superfície oposta (Fig. 3C). A epiderme é uniestratificada, revestida por uma cutícula delgada. Junto a ambas as superfícies, notam-se algumas camadas de colênquima com espessamento anelar (Fig. 4A). Percorrendo o parênquima fundamental há um feixe vascular bicolateral (Fig. 3D), em arco fechado (Fig. 3C) e envolto por uma bainha esclerenquimática (Fig. 4B) praticamente completa, composta de diversas fibras e algumas células pétreas. Esses elementos esclerenquimáticos ocorrem esparsamente também no parênquima fundamental (Fig. 4C). Pequenos grupos de fibras estão presentes nos floemas interno e externo. O pecíolo (Fig. 4D), seccionado transversalmente, revela formato praticamente côncavo- 523

MUNDO S.R. & DUARTE M. do R. Figura 2. Lafoensia pacari A. St.-Hil. - folha: A. folhas simples; B. nervação foliar camptódroma-broquidódroma, C, D. face adaxial da epiderme, evidenciando células de paredes anticlinais onduladas e cutícula estriada, respectivamente; E. face abaxial da epiderme, em que se observam estômatos anomocíticos. ab - face abaxial, ad - face adaxial, es - estômato. Barra = 1 cm (A, B), 20 µm (C-E). convexo com duas pequenas projeções laterais na face adaxial. A organização estrutural é semelhante à da nervura principal. Células mucilaginosas são freqüentes na face adaxial da epiderme (Figs. 3A e 3B) e no parênquima fundamental da nervura principal (Fig. 4A) e do pecíolo. Cristais distribuem-se no mesofilo (Figs. 3A e 3B), bem como no parênquima fundamental (Figs. 4A-4C) e no floema da nervura principal e do pecíolo. Ainda, nessas duas regiões da folha ocorrem células contendo traços de compostos fenólicos no colênquima. Caule O caule, em estrutura secundária inicial, é revestido por uma epiderme uniestratificada em fase de destacamento (Figs. 5A e 5B). O felogênio tem instalação periférica (Fig. 5B) e origina externamente súber, que consiste de células com paredes suberizadas e impregnadas de lignina. 524

Latin American Journal of Pharmacy - 26 (4) - 2007 Figura 3. Lafoensia pacari A. St.-Hil. - folha: A. detalhe de porção do limbo, em secção transversal, revelando mesofilo dorsiventral; B. pormenor da figura anterior, em que se notam célula mucilaginosa e idioblasto com drusa; C. nervura principal, em secção transversal; D. detalhe de porção da nervura principal com feixe vascular bicolateral. dr - drusa, ep - epiderme, es - estômato, fle - floema externo, fli - floema interno, fx - feixe vascular, mu - célula mucilaginosa, pe - parênquima esponjoso, pf - parênquima fundamental, pp - parênquima paliçádico, pr - prisma, xi - xilema. Barra = 20 µm (A, B, D), 100 µm (C). O córtex, na região analisada, é formado de cerca de 10 camadas de células parenquimáticas (Figs. 5A e 5B). No cilindro vascular, podem-se distinguir os cilindros floemáticos externo (Figs. 5A e 5B) e interno (Figs. 5A e 5C) limitando o xilema, que é totalmente lignificado e apresenta raios estreitos (Figs. 5A-5C). O floema é proporcionalmente reduzido e notam-se algumas células pétreas e numerosas fibras dispostas em faixa praticamente contínua (Figs. 5A e 5B). A medula é constituída de células parenquimáticas, fibras (Fig. 5D) e células pétreas. Células muci- 525

MUNDO S.R. & DUARTE M. do R. Figura 4. Lafoensia pacari A. St.-Hil. - folha: A. detalhe de secção transversal da nervura principal, evidenciando drusa, célula mucilaginosa e colênquima anelar junto à face abaxial da nervura principal; B. detalhe de porção da nervura principal, com floema externo e bainha esclerenquimática; C. pormenor de drusas e fibras no parênquima fundamental da nervura principal; D. organização estrutural do pecíolo. be - bainha esclerenquimática, co - colênquima, dr - drusa, ep - epiderme, fi - fibra, fle - floema externo, fli - floema interno, mu - célula mucilaginosa, pf - parênquima fundamental, xi - xilema. Barra = 20 µm (A-C), 100 µm (D). laginosas, cristais de oxalato de cálcio, representados por prismas e drusas, e amiloplastos estão presentes no caule. Células contendo compostos fenólicos são evidenciadas no sistema de revestimento, no córtex e na medula. DISCUSSÃO Os aspectos gerais da morfologia foliar externa de L. pacari assemelham-se aos caracteres descritos por Fernandes 24, Cronquist 25, Barroso 1 e Judd et al. 2 para a família, por Cavalcanti 26 526

Latin American Journal of Pharmacy - 26 (4) - 2007 Figura 5. Lafoensia pacari A. St.-Hil. - caule: A. detalhe de porção de ramo em secção transversal, revelando a organização estrutural caulinar; B. instalação superficial do felogênio e detalhe do floema externo; C. pormenor do xilema e do floema interno; D. fibras em meio a células parenquimáticas da medula. cx - córtex, ep - epiderme, fg - felogênio, fi - fibra, fle - floema externo, fli - floema interno, me - medula, sv - sistema vascular, xi - xilema, zc - zona cambial. Barra = 100 µm (A), 50 µm (B-D). para o gênero e por Lorenzi 5 e Cavalcanti 27 para a espécie. Entretanto, diferem da forma elíptica descrita por Corrêa 9 e da base cuneada relatada por Cavalcanti 26 para a mesma espécie. Com relação a Lafoensia pacari A. St.-Hil. ssp. petiolata estudada por Meira 28, esta essencialmente se distingue por apresentar pecíolo mais alongado. Considerando as observações anatômicas de folha, a ocorrência de células epidérmicas com paredes anticlinais onduladas, em vista frontal, é similar à descrição de outras espécies do gêne- ro, a exemplo de Lafoensia densiflora Pohl, Lafoensia numularifolia A. St.-Hil., Lafoensia replicata Pohl 28, Lafoensia speciosa (Kunth) DC. 29, bem como L. pacari ssp. petiolata 28. Com relação à cutícula que reveste essas células, a espessura é próxima da encontrada em Lafoensia glyptocarpa Koehne 28 e L. speciosa 29, porém é mais delgada que nas demais espécies acima citadas. Essa variação na espessura da cutícula pode ser justificada por influências ambientais, na opinião de Esau 30. Neste trabalho, estômatos anomocíticos estão 527

MUNDO S.R. & DUARTE M. do R. presentes na face abaxial da epiderme, de modo semelhante à descrição na família 25,31 e nas espécies Lafoensia vandelliana Cham. & Schltdl., L. densiflora, L. glyptocarpa e L. replicata 28. Todavia, Meira 28 menciona para L. pacari ssp. petiolata estômatos de mesma classificação nas duas faces da epiderme. O mesofilo dorsiventral, padrão do gênero 31, e relatado em L. speciosa 29, L. densiflora, L. numularifolia, L. replicata e L. vandelliana 28, é visualizado em L. pacari nesta investigação. Contraditoriamente, nos estudos de Meira 28 para L. pacari ssp. petiolata a disposição é isobilateral. Na família Lythraceae, os feixes vasculares são tipicamente do tipo bicolateral 31, assim como nas descrições das espécies L. densiflora, L. glyptocarpa, L. numularifolia, L. pacari ssp. petiolata, L. replicata, L. Vandelliana 28 e L. speciosa 29, e nas observações deste trabalho. A duplicação do floema pode ser atribuída ao desenvolvimento fisiológico, em que se faz necessário um incremento nesse sistema de condução 32, embora em alguns casos o fluxo de transporte seja menor no floema interno 33. Contudo, a forma em arco fechado observada em L. pacari é relatada por Meira 28 apenas na nervura principal de L. glyptocarpa, sendo que nessa região foliar e no pecíolo das demais espécies o formato é em arco aberto. Considerando-se a estrutura do caule, Metcalfe & Chalk 31 relatam na família raios parenquimáticos nos cilindros de floema e xilema e fibras na medula. No gênero Lafoensia, os mesmos autores descrevem súber com origem no córtex primário, presença de anel esclerenquimático e floema interno, características similares aos resultados obtidos neste trabalho. Outros aspectos marcantes de Lythraceae são a presença de células mucilaginosas, principalmente na epiderme, e cristais de oxalato de cálcio 25,31. As primeiras são idioblastos que possuem em seu interior um conteúdo constituído de polímeros complexos de elevado peso molecular e de consistência mais fluida que a de gomas. No tecido vegetal, têm variadas funções, como evitar o dessecamento de sementes e gemas apicais, auxiliar no armazenamento de água e na imobilização de presa 34. Neste estudo, células contendo mucilagens são visíveis na epiderme e no parênquima foliar, tanto quanto no córtex, no floema e no xilema do caule, concordando com os relatos de Metcalfe e Chalk 31 e Cronquist 25 para a família, e com a descrição das espécies investigadas por Meira 28 e Little et al. 29, anteriormente citadas. Cristais de oxalato de cálcio são produzidos por muitas plantas, sendo tipicamente formados no interior de células denominadas idioblastos e ligados a muitas necessidades do vegetal, como na armazenagem de cálcio, na manutenção do equilíbrio iônico, na detoxificação e na proteção contra o ataque de herbívoros. A distribuição e a forma dos cristais são úteis à taxonomia para a distinção de grupos 35-37. No gênero Lafoensia, Metcalfe & Chalk 31 descrevem drusas, ráfides e areia. Meira 28 relata prismas em folha de L. glyptocarpa, L. numularifolia e L. pacari ssp. petiolata, e drusas em L. densiflora, L. replicata e L. vandelliana. Essas duas formas cristalíferas são observadas na espécie em estudo, da mesma forma que em L. speciosa 29. CONCLUSÕES Os caracteres morfoanatômicos de L. pacari concordam com referências da família e do gênero, podendo-se destacar folhas opostas, simples, hipoestomáticas, com a ocorrência de estômatos anomocíticos, mesofilo dorsiventral e feixe vascular bicolateral em arco fechado na nervura principal e no pecíolo. No caule, verificamse felogênio com instalação periférica, cilindros floemáticos externo e interno limitando o xilema, e fibras e células pétreas na medula. Nesses órgãos vegetativos, encontram-se também células mucilaginosas e cristais de oxalato de cálcio. A divergência estrutural observada entre a espécie investigada e L. pacari ssp. petiolata analisada por Meira 28 deve ser reavaliada. Essa autora, após estudar a morfoanatomia foliar de diferentes espécies de Lafoensia, ponderou que, em razão dos caracteres anatômicos discrepantes apresentados por L. pacari ssp. petiolata, a identificação desta deveria ser revista, previamente ao estabelecimento de conclusões taxonômicas. Agradecimentos. Os autores são gratos ao Centro Nacional de Pesquisa de Florestas (CNPF), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) pelo fornecimento do material botânico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Barroso, G. M. (1991) Sistemática de angiospermas do Brasil, UFV, Viçosa, Vol. 2, págs. 107-12. 2. Judd, W.S., C.S. Campbell, E.A. Kellogg & P.F. Stevens (1999) Plant systematics - a phylogenetic approach, Sinauer, Sunderland, págs. 30-2. 528

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