A DISCRETA PRESENÇA AFRICANA NA TOPONÍMIA DA BAHIA

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Transcrição:

A DISCRETA PRESENÇA AFRICANA NA TOPONÍMIA DA BAHIA Clese Mary Prudente 1 Celina Márcia Abbade 2 RESUMO expõe-se uma amostra dos dados coletados na pesquisa envolvendo os topônimos dos municípios do Estado da Bahia presentes nos volumes XX e XXI da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2 de julho de 1958. Neste artigo, são analisados os fatores históricos, econômicos, políticos e sociais responsáveis pela reduzida presença africana na toponímia da Bahia, região que recebeu grande número de traficados durante a diáspora negra que perdurou da Idade Moderna ao final do século XIX. Entendendo que traços culturais da memória e da identidade de um povo podem ser revelados pelo termo toponímico, considera-se que estudar a Bahia através dos designativos de seus municípios significa promover uma viagem na história de sua terra e de sua gente e, assim, identificar os motivos da pouca representatividade toponímica desse importante contingente do mosaico étnico que se constitui o povo brasileiro e a cultura do Brasil. Palavras-chave: Toponímia. Etimologia africana. Municípios baianos. ABSTRACT this paper presents data collected in the toponymic study of Bahia municipalities contained in XX and XXI volumes of the Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (EMB), published by Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) in 1958. Historical, economic, political and social factors are analyzed in order to understand the poorly represented African presence in the place names of Bahia, a region that received a large amount of people traded as slaves during the Black Diaspora, which lasted from the Modern Age to the late nineteenth century. Because cultural features of memory and identity could be revealed by toponymic signs, it is argued that studying Bahia through its municipalities names can promote a journey across the history of its land and people and help to identify the reasons for the poor toponymic representativeness of that significant element of the ethnic mosaic that constitutes the people and culture of Brazil. Key-words: Toponymy. African etymology. Bahia municipalities. 1 Mestranda em Linguagens, Discurso e Sociedade pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade do Estado da Bahia PPGEL/UNEB. E-mail: cleseprudente@gmail.com. 2 Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade do Estado da Bahia PPGEL/UNEB. E-mail: celinabbade@gmail.com. Universidade Federal de Sergipe - UFS ISSN 1980-8879 p. 47-59 47

Clese Mary Prudente; Celina Márcia Abbade CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS Considerada como a parte da Lexicologia que estuda os nomes próprios de pessoas (antropônimos) e de lugares (topônimos), a Onomástica tem representado uma fonte de estudo da língua e sua relação com o patrimônio cultural de um povo, mais especificamente, em relação à Toponímia, o ato de dar nomes aos lugares, por estar ligado a aspectos motivacionais importantes dos valores sociais, políticos e culturais da comunidade, estabelece uma forte relação de identidade entre a designação escolhida e o espaço designado. Objetos de estudo de geógrafos, linguistas e historiadores, tendo em vista todo o significado cultural presente no processo de nomeação dos lugares e na dinâmica de sua evolução, os topônimos são considerados por Dick (1990) como Verdadeiros testemunhos históricos de fatos e ocorrências registrados nos mais diversos momentos da vida de uma população, encerram, em si, um valor que transcende ao próprio ato da nomeação: se a Toponímia situa-se como a crônica de um povo, gravando o presente para o conhecimento das gerações futuras, o topônimo é o instrumento dessa projeção temporal (DICK, 1990, p.22). Desse modo, compreendendo o léxico como patrimônio cultural de um povo e os topônimos como testemunhos da história da língua, tendo em vista que eles registram os contatos linguísticos e culturais e guardam marcas de um passado histórico, os estudos toponímicos relacionam-se à Etnolinguística, concebida como o estudo da civilização e da cultura refletidas nas línguas, quer dizer, fundamentalmente da organização da cultura, material e intelectual (concepções, ideologias), manifestada no léxico (MELLO, 1990, p. 30). Conciliando as abordagens teóricas da Etnolinguística e da Lexicologia, com foco na Onomástica, discute-se os fatores responsáveis pela discreta presença africana na toponímia dos municípios do Estado da Bahia, documentados nos volumes XX e XXI da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (doravante EMB), publicados pelo IBGE em 1958 3. Justifica-se a análise, tendo em vista o grande 3 Este estudo faz parte do Projeto de Pesquisa Redescobrindo a Bahia: um estudo toponímico dos seus municípios, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Língua e Linguagens (PPGEL) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e insere-se no macroprojeto 48 p. 47-59 ISSN 1980-8879 Universidade Federal de Sergipe - UFS

A DISCRETA PRESENÇA AFRICANA NA TOPONÍMIA DA BAHIA contingente de indivíduos traficados para o Estado durante a diáspora negra que perdurou da Idade Moderna ao final do século XIX, grupo este considerado um dos principais componentes do mosaico étnico que se constitui o povo brasileiro e a cultura do Brasil. A DIÁSPORA NEGRA: UM NEGÓCIO LUCRATIVO Segundo Bueno (2004), esta é uma nação erguida por seis milhões de braços escravos e sobre três milhões de cadáveres (BUENO, 2004, p.112). Durante mais de trezentos anos os porões dos navios negreiros trouxeram para o Brasil mais de três milhões de africanos em uma viagem sem volta. Segundo o historiador, um em cada cinco não sobrevivia à viagem, e os que conseguiam chegar não viviam mais do que sete anos, em média, em decorrência das condições de trabalho: jornada de até dezoito horas diárias, maus-tratos frequentes, péssimas condições de alojamento e alimentação. Por isso, a escravidão africana tem sido considerada como um dos grandes holocaustos da humanidade, identificada por Pinsky (1988) como o holocausto negro. Embora não tenham sido os criadores da prática de escravizar outros povos, quase tão velha quanto a própria humanidade, a rede de tráfico de escravos estabelecida pelos portugueses em meados do século XVI entre a Europa, a África e a América constituiu um negócio organizado e bastante lucrativo. Utilizando a cachaça e o tabaco como mercadoria de troca (BUENO, 2004), brasileiros e portugueses se tornaram os maiores e mais eficientes traficantes de escravos africanos da história, com postos de captura e troca espalhados por quase toda a África negra. De acordo com Pessoa de Castro (2001), durante os quase três séculos de tráfico, são identificados quatro ciclos, tendo por base a região da África de onde as peças eram capturadas: ciclo da Guiné (Séc. XVI), provenientes de toda a costa atlântica ocidental africana, que vai do Senegal até o Golfo de Benin, na Nigéria; ciclo do Congo-Angola (Séc. XVII), quase todos do grupo banto (congos, angolas, benguelas); ciclo da Costa da Mina (Séc. XVIII), principalmente povos sudaneses ATOBAH Atlas Toponímico da Bahia, em desenvolvimento no NEL Núcleo de Estudos Lexicais, coordenado pela Profa. Dra. Celina Márcia Abbade. Universidade Federal de Sergipe - UFS ISSN 1980-8879 p. 47-59 49

Clese Mary Prudente; Celina Márcia Abbade (iorubás, jejes, minas, hauças); ciclo da Baía de Benin, Angola e Contra-Costa (Séc. XIX), marcado pela persistência do tráfico ainda que ilegal. A ausência de documento 4 não permite que se estabeleça com precisão o número de africanos traficados para o Brasil, no mais perverso processo de imigração dirigida que o mundo presenciou. No entanto, pode-se, sem dúvida, afirmar que, dos engenhos de açúcar às minas de ouro e diamante, do plantio de café e algodão à produção de fumo-de-corda, esse grande contingente de indivíduos formou o alicerce da economia e da cultura brasileira, tornando o Brasil um dos maiores países mestiços do mundo. Mais do que as mãos e os pés dos senhores de engenho, os escravos foram os olhos e os braços dos donos de minas; os pastores dos rebanhos e as bestas de carga; os ombros, as costas e as pernas que fizeram andar a Colônia e, mais tarde, o Império (BUENO, 2004, p.118-119). Segundo Tavares (2001), a Bahia recebeu grandes levas de africanos em todos os quatro ciclos, pertencentes às mais diferentes nações (povos), sendo os Iorubá, Ewe, Jeje, Fula, Tapa, Hauça, Arda e Calabare os mais conhecidos. Entretanto, fosse qual fosse a sua área geográfica de origem, sua nação, seu falar, sua cultura, o africano escravizado era considerado uma mercadoria, tendo enriquecido todos os grandes comerciantes da cidade de Salvador que participaram do comércio de exportação e importação no século XVIII e boa parte do XIX. A discriminação, a má remuneração do trabalho braçal e as dívidas sociais com os descendentes das populações africanas escravizadas são, segundo Vicentino e Dorigo (2010), as cicatrizes deste nefasto sistema escravista na história contemporânea brasileira. ETIMOLOGIA AFRICANA NA TOPONÍMIA BAIANA: UMA LEITURA DA AUSÊNCIA Os designativos geográficos que compõem o corpus da pesquisa foram inicialmente organizados de acordo com a distribuição dos municípios em territórios de identidade, desconsiderando, assim, a organização original utilizada pela EMB, a qual dispõe os topônimos em ordem alfabética. Essa segmentação, proposta pelo 4 O despacho do Ministro das Finanças do 1º governo republicano, Rui Barbosa, de 14 de dezembro de 1890, determinando a queima de todos os livros e documentos referentes à escravidão existentes no ministério, para evitar assim os pedidos de indenização por parte dos escravocratas, é responsável também pela falta de documentação estatística sobre esse triste período da história do Brasil (BUENO, 2004). 50 p. 47-59 ISSN 1980-8879 Universidade Federal de Sergipe - UFS

A DISCRETA PRESENÇA AFRICANA NA TOPONÍMIA DA BAHIA Governo da Bahia através do Decreto 12.354, de 25.08.2010, com base na especificidade de cada região e no sentimento de pertencimento, reconhece a existência de vinte e sete territórios de identidade: Irecê, Velho Chico, Chapada Diamantina, Sisal, Litoral Sul, Baixo Sul, Extremo Sul, Médio Sudoeste da Bahia, Vale do Jiquiriçá, Sertão do São Francisco, Bacia do Rio Grande, Bacia do Paramirim, Sertão Produtivo, Piemonte do Paraguaçu, Bacia do Jacuípe, Piemonte da Diamantina, Semiárido Nordeste II, Litoral Norte e Agreste Baiano, Portal do Sertão, Vitória da Conquista, Recôncavo, Médio Rio de Contas, Bacia do Rio Corrente, Itaparica (BA/PE), Piemonte Norte do Itapicuru, Metropolitano de Salvador e Costa do Descobrimento, localizados na Figura 1. Figura 1 Mapa dos Territórios de Identidade do Estado da Bahia. Fonte: CEDETER, 2011 apud SEPLAN, [20--] Universidade Federal de Sergipe - UFS ISSN 1980-8879 p. 47-59 51

Clese Mary Prudente; Celina Márcia Abbade Por envolver características comuns que mantêm entre si algum tipo de identidade, e favorecendo a valorização das diversidades étnica, social, cultural, econômica e geográfica, essa forma de segmentação do território baiano foi considerada mais congruente com a relação língua e cultura desenvolvida na pesquisa. Em seguida, os designativos foram classificados segundo o modelo teóricometodológico proposto por Dick (1990; 1992) para a realidade toponímica brasileira, que considera duas ordens de consequência: I. De natureza antropocultural, relacionadas a aspectos sociais, históricos e culturais: a) Animotopônimos: relativos à vida psíquica, à cultura espiritual; b) Antropotopônimos: relativos aos nomes próprios individuais; c) Axiotopônimos: relativos aos títulos e dignidades que acompanham nomes próprios individuais; d) Corotopônimos: relativos a nomes de cidades, países, estados, regiões e continentes; e) Cronotopônimos: relativos aos indicadores cronológicos representados pelos adjetivos novo(a), velho(a); f) Dirrematopônimos: constituídos de frases ou enunciados linguísticos; g) Ecotopônimos: relativos às habitações em geral; h) Ergotopônimos: relativos aos elementos da cultura material; i) Etnotopônimos: relativos aos elementos étnicos isolados ou não (povos, tribos, castas); j) Hierotopônimos: relativos a nomes sagrados de crenças diversas, a efemérides religiosas, às associações religiosas e aos locais de culto. Podem ser subdivididos em hagiotopônimos: nomes de santos, ou santas, do hagiológio católico romano; e mitotopônimos: relativos a entidades mitológicas; k) Numerotopônimos: relativos aos adjetivos numerais; l) Historiotopônimos: relativos aos movimentos de cunho histórico, a seus membros e às datas comemorativas; m) Hodotopônimos: relativos às vias de comunicação urbana ou rural; n) Poliotopônimos: constituídos pelos vocábulos vila, aldeia, cidade, povoação, arraial; o) Sociotopônimos: relativos às atividades profissionais, aos locais de trabalho e aos pontos de encontro da comunidade; 52 p. 47-59 ISSN 1980-8879 Universidade Federal de Sergipe - UFS

A DISCRETA PRESENÇA AFRICANA NA TOPONÍMIA DA BAHIA p) Somatotopônimos: empregados em relação metafórica à parte do corpo humano ou do animal. II. De natureza física, relacionadas ao ambiente físico: a) Astrotopônimos: relativos aos corpos celestes em geral; b) Cardinotopônimos: relativos às posições geográficas em geral; c) Cromotopônimos: relativos à escala cromática; d) Dimensiotopônimos: relativos às dimensões dos acidentes geográficos; e) Fitotopônimos: relativos aos vegetais; f) Geomorfotopônimos: relativos às formas topográficas; g) Hidrotopônimos: relativos a acidentes hidrográficos em geral; h) Litotopônimos: relativos aos minerais e à constituição do solo; i) Meteorotopônimos: relativos a fenômenos atmosféricos; j) Morfotopônimos: relativos às formas geométricas; k) Zootopônimos: relativos aos animais. Assim, por exemplo, a taxonomia hierotopônimo (topônimos relativos a nomes sagrados de diferentes crenças) é considerada como sendo de natureza antropocultural, enquanto a taxonomia hidrotopônimo (topônimos resultantes de acidentes hidrográficos em geral) se insere nas taxonomias de natureza física, relacionadas ao ambiente natural. Os dados coletados, contendo informações referentes aos aspectos etimológicos, morfológicos, motivacionais, históricos e culturais dos 169 topônimos, foram registrados, para fins de sistematização, em fichas lexicográfico-toponímicas, adaptadas do modelo sugerido por Dick (2004 apud SEABRA, 2006), que apresentam um conjunto estruturado de informações sobre cada topônimo estudado. A análise desenvolvida no corpus da pesquisa reconhece a preponderância numérica de designativos de etimologia portuguesa, em razão da força da colonização predominante, que deu origem a uma toponímia dos vencedores. Em sequência, encontra-se um número bastante significativo de designativos de etimologia tupi, os quais ressaltam a preocupação descritiva dos Universidade Federal de Sergipe - UFS ISSN 1980-8879 p. 47-59 53

Clese Mary Prudente; Celina Márcia Abbade primeiros habitantes em relação à identificação precisa do espaço, o que poderia, muitas vezes, significar a sobrevivência. Quanto à toponímia de etimologia africana, foi encontrado, no corpus analisado, que se limita aos topônimos de municípios baianos existentes no ano de 1958, data de publicação da obra base 5, apenas um exemplo: Caculé, um topônimo de natureza antropocultural. Identificado como antropotopônimo, por referir-se a um nome próprio individual, essa categoria carrega uma memória preciosa sobre a relação entre o homenageado e o local nomeado. Os dados coletados sobre o topônimo Caculé são apresentados na Ficha 1. Ficha lexicográfico-toponímica 1 Topônimo de etimologia africana. TOPÔNIMO: Caculé TAXONOMIA: Antropotopônimo NATUREZA DO TOPÔNIMO: Antropocultural TIPO DE ACIDENTE: Humano: município TERRITÓRIO DE IDENTIDADE: Sertão Produtivo LOCALIZAÇÃO: MESORREGIÃO: Centro-Sul Baiano CACULÉ, nome de origem africana e etimologia controvertida. A palavra de origem quimbundo kasule caçula, encontrada tanto em ETIMOLOGIA: Houaiss (2001) quanto em Pessoa de Castro (2001), é um provável étimo. ESTRUTURA N m [S sing] MORFOLÓGICA: Adoção do nome de Manuel Caculé, ex-escravizado na Fazenda MOTIVAÇÃO: Jacaré (IBGE Cidades). Em 1860, Dona Rosa Prates, proprietária do antigo domínio da fazenda "Jacaré", doou ao Santíssimo Coração de Jesus um terreno, onde deveria ser erguida uma capela sob a invocação desse orago. Formou-se ali um núcleo populoso tão promissor que, em 1880, era elevado à categoria de distrito de paz por lei provincial número 2.039, de 23 de julho do mesmo ano. Diz a tradição que Manuel Caculé, escravizado na Fazenda Jacaré, seguia mata a dentro a procura de água para o gado quando descobriu uma lagoa belíssima HISTÓRICO que ficava nos limites da fazenda de "sua proprietária". Diante daquele oásis, decide "fugir" e montar ali o seu quilombo solitário. Recapturado e alforriado, passou a morar à margem da lagoa. Os viajantes que tomavam aquela direção, ao se cruzarem pelo caminho, perguntavam, uns aos outros, de onde vinham e para onde iam, e a resposta era sempre a mesma: lagoa do Caculé. O topônimo passou a designar o acidente geográfico, depois o povoado e mais tarde estendeu-se a todo o município, criado pela Lei n. 1.365, de 14 de agosto de 1919 (EMB, 1958, vol. XX). 5 Atualmente é possível identificar pelo menos mais sete exemplos de designativos de etimologia africana na Bahia: Banzaê, Candiba, Gandu, Gongogi, Maiquinique, Mulungu do Morro e Quinjingue, em um universo de 417. 54 p. 47-59 ISSN 1980-8879 Universidade Federal de Sergipe - UFS

A DISCRETA PRESENÇA AFRICANA NA TOPONÍMIA DA BAHIA Diferentemente dos colonizadores portugueses, a vinda dos africanos ao Brasil não foi uma viagem espontânea de exploração e conquista. Trazidos compulsoriamente como trabalhadores subjugados e escravizados, desprovidos de qualquer direito e privilégio, eram ainda obrigados, na colônia, a aprender o português, a aceitar, através do batismo, um nome português e a se converter ao catolicismo. Esse processo de desvalorização da cultura e das línguas africanas constitui-se em uma das hipóteses levantadas para a tão discreta presença africana na toponímia da Bahia. Ou seja, esse imenso contingente de indivíduos teve sua identidade negada e marginalizada, ocupando, como afirma Dick (1992), um papel secundário em relação ao processo denominativo. Outro aspecto a ser considerado em relação à discreta representatividade africana na toponímia dos municípios baianos tem a ver com a função identificadora do topônimo, que, por diferenciar e especificar o lugar nomeado, também facilita a sua localização. Contrariando a ideia de passividade dos escravizados, a fuga, solitária ou coletiva, era a forma mais comum de luta contra a escravidão. Assim, ao buscarem refúgio em zonas cuja geografia não permitisse que fossem encontrados, os fugitivos, certamente, não tinham nenhum interesse em nomear seus mocambos 6. Observa-se ainda que, em alguns casos, topônimos de origem africana foram trocados, durante os processos de divisões territoriais, mudança de sede e municipalização, por outros de etimologia indígena ou portuguesa, o que representa, para Ramos (2008, p. 220), o desprezo da sociedade em geral e, sobretudo, de seus dirigentes políticos responsáveis, enfim, pela criação de novos municípios, à herança cultural e linguística africana para o (português do) Brasil. Sobre esse aspecto, apresentam-se as Fichas 2 e 3. Ficha lexicográfico-toponímica 2 Topônimo de etimologia indígena. TOPÔNIMO: Itaberaba TAXIONOMIA: Litotopônimo NATUREZA DO TOPÔNIMO: Física TIPO DE ACIDENTE: Humano: município LOCALIZAÇÃO: ETIMOLOGIA: TERRITÓRIO DE IDENTIDADE Piemonte do Paraguaçu MESORREGIÃO: Centro-Norte Baiano ITÁ-BERAB-A, em tupi antigo, pedra brilhante, que resplandece (SAMPAIO, 1914). 6 Esconderijos, em banto (PESSOA DE CASTRO, 2001). Universidade Federal de Sergipe - UFS ISSN 1980-8879 p. 47-59 55

Clese Mary Prudente; Celina Márcia Abbade ESTRUTURA MORFOLÓGICA: MOTIVAÇÃO: HISTÓRICO: N f [S sing] O topônimo provém da existência de enorme bloco de granito situado próximo à cidade (EMB, 1958, vol. XX). Em 1806, foi edificada uma capela, consagrada a Nossa Senhora do Rosário, na fazenda São Simão, local em que hoje se encontra a cidade de Itaberaba. Aí se formou povoação e, em 1817, já era um arraial Orobó pertencente ao município de Cachoeira. Ao povoado que se formou e cresceu em razão da capela, foram dadas honras de paróquia pela Resolução Provincial n. 195, de 18 de maio de 1843, com a denominação de freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Orobó, a mesma que criou o distrito com a denominação de Itaberaba. Em 1877, o distrito foi elevado à categoria de vila com a denominação de Orobó, pela Lei provincial n. 1715, de 26-03-1877. Em 1897, foi levado à condição de cidade com a denominação de Itaberaba, pela Lei estadual n. 176, de 25-06-1897 (EMB, 1958, vol. XX). NOTA: Diversos documentos existentes no Arquivo Público da cidade de Itaberaba revelam a existência, na região, de um dos mais importantes quilombos da Bahia, o quilombo do Orobó. Ficha lexicográfico-toponímica 3 Topônimo de etimologia portuguesa. TOPÔNIMO: Ruy Barbosa TAXIONOMIA: Antropotopônimo NATUREZA DO TOPÔNIMO: Antropocultural TIPO DE ACIDENTE: Humano: município LOCALIZAÇÃO: TERRITÓRIO DE IDENTIDADE Piemonte do Paraguaçu MESORREGIÃO: Centro-Norte Baiano RUY, do port. arc. der. de Rodrigo; BARBOSA, sobrenome ETIMOLOGIA: port. lugar onde há muitas barbas de bode ou de velho (plantas) (GUÉRIOS, 1981). ESTRUTURA MORFOLÓGICA: NC m [S sing + S sing] MOTIVAÇÃO: Homenagem ao jurista, político, diplomata, escritor e orador baiano, nascido em Salvador em 1849 (EMB, 1958, vol. XXI). De um ponto de pouso dos viajantes que demandavam às Lavras Diamantinas, surgiu, na fazenda Orobó Grande, uma rancharia e, em torno dela, uma pequena povoação, que conservou esse mesmo topônimo. Já em 1884, foi essa povoação elevada à freguesia, com a denominação de Santo Antônio dos Viajantes do Orobó Grande, e criado o distrito de HISTÓRICO: paz de Orobó Grande pela Lei provincial n. 2.476, de 26 de agosto do mesmo ano. Em 25 de junho de 1914, pela Lei n. 1022-A, a povoação foi elevada à categoria de vila de Orobó Grande, desmembrada de Itaberaba, e, em 28 de agosto de 1922, por força da Lei n. 1.601, foi a vila de Orobó Grande elevada à condição de cidade com o nome de Rui Barbosa, que foi estendido ao município pela Lei n. 1.637, de 13 de 56 p. 47-59 ISSN 1980-8879 Universidade Federal de Sergipe - UFS

A DISCRETA PRESENÇA AFRICANA NA TOPONÍMIA DA BAHIA agosto de 1923, e alterado de Rui Barbosa para Ruy Barbosa pelo decreto-lei estadual n. 141, de 31-12-1943, retificado pelo decreto estadual n. 12.978, de 01-06-1944 (EMB, 1958, vol. XXI). Embora a origem da palavra orobó seja controvertida 7, é provável que o arraial de Orobó, ao ser elevado à categoria de município em 1897, tenha perdido seu designativo africano, possivelmente derivado do quilombo de mesmo nome existente no local, recebendo a denominação de Itaberaba (Ficha 2), um litotopônimo de etimologia tupi. Pelo mesmo processo deve ter passado a vila Orobó Grande, municipalizada em 1922 com o designativo Ruy Barbosa (Ficha 3), um antropotopônimo de etimologia portuguesa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por entender que traços culturais da memória e da identidade de um povo podem ser revelados pelo termo toponímico, considera-se que estudar a Bahia através dos designativos de seus municípios significa promover uma viagem na história de sua terra e de sua gente para recuperar as primeiras denominações do seu espaço. E, dessa forma, buscar entender os fatores históricos, econômicos, políticos e sociais que explicam a desvalorização étnica responsável pela pouca representatividade da etimologia africana na toponímia da Bahia. No entanto, é importante ressaltar que os resultados aqui apresentados decorrem da leitura efetuada nos documentos aos quais se teve acesso e se constituem hipóteses de trabalho. Essas considerações representam assim uma construção de sentido e são passíveis de outras leituras e interpretações, as quais poderiam enriquecer esta análise, que busca, acima de tudo, preservar a toponímia baiana, considerando-a como patrimônio cultural de seu povo. 7 A EMB (1958) considera a tradição oral e a entende como uma corruptela de ouro bom, logo, de etimologia portuguesa. Ramos (2008) a considera uma variação de urubu, de etimologia tupi. Já Houaiss et al (2001) a define como a fruta noz-de-cola, e reconhece sua origem na palavra iorubá orogbó. Segundo Pessoa de Castro (2001), esse fruto africano é usado nos sacrifícios religiosos e é a comida predileta de Xangô. Universidade Federal de Sergipe - UFS ISSN 1980-8879 p. 47-59 57

Clese Mary Prudente; Celina Márcia Abbade REFERÊNCIAS BRASIL, IBGE Cidades. Disponível em: <http://www.ibge.com.br/cidadesat/ >. Acesso em 15 fev. 2015. BUENO, Eduardo. Brasil, uma História: a incrível saga de um país. São Paulo: Ática, 2004. DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Edições do Arquivo do Estado, 1990. DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de Estudos. 3. ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1992. EMB. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Volumes XX e XXI. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1958. GUÉRIOS, Rosário Farâni Mansur. Dicionário etimológico de nomes e sobrenomes. 3. ed. rev. aum. São Paulo: Ave Maria, 1981. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, 2001. MELLO, Linalda de Arruda [org.]. Sociedade, cultura e língua: Ensaios de sócio e etnolingüística. João Pessoa: Shorin, 1990. PESSOA DE CASTRO, Yeda. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afrobrasileiro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras; Topbooks Editora. 2001. PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 1988. RAMOS, Ricardo Tupiniquim. Toponímia dos municípios baianos: descrição, história e mudança. Salvador: ILUFBA/ PPGLL, tese de doutoramento, 2008. SAMPAIO, Theodoro. O tupi na geografia nacional. 2. ed. São Paulo: O Pensamento, 1914. SEABRA, Maria Cândida. ATEMIG Atlas Toponímico do Estado de Minas Gerais: variante regional do ATB. In: Múltiplas perspectivas em linguística: Anais do XI Simpósio Nacional e I Simpósio Internacional de Letras e Linguística (XI SILEL). Uberlândia: ILEEL, 2006. SEPLAN - SECRETARIA DO PLANEJAMENTO DO ESTADO DA BAHIA. Mapa Territórios de Identidade. Disponível em: <http://www.seplan.ba.gov.br/territorios-deidentidade/mapa>. Acesso em 13 ago. 2015. TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 11. ed. Salvador: EDUFBA. 2001. 58 p. 47-59 ISSN 1980-8879 Universidade Federal de Sergipe - UFS

A DISCRETA PRESENÇA AFRICANA NA TOPONÍMIA DA BAHIA VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2010. COMO CITAR ESTE ARTIGO: PRUDENTE, Clese Mary. A discreta presença africana na toponímia da bahia. Interdisciplinar-Revista de Estudos em Língua e Literatura. São Cristóvão: UFS, v. 24, p. 47-59. Celina Márcia Abbade Recebido: 31.01.2016 Aprovado : 25.04.2016 Universidade Federal de Sergipe - UFS ISSN 1980-8879 p. 47-59 59

Clese Mary Prudente; Celina Márcia Abbade 60 p. 47-59 ISSN 1980-8879 Universidade Federal de Sergipe - UFS