História e Cultura Afro-brasileira Guia de Auto-estudo Aula 4 O tráfico de escravos e os africanos no Brasil Profa. Mônica Quaresma
I - HABILIDADES A DESENVOLVER 1 - Conhecer como funcionava o tráfico de escravos na África; 2 - Discutir os efeitos do tráfico nas regiões africanas; 3 - Conhecer aspectos da vida do africano no Brasil: do cativeiro à escravidão. II APLICAÇÃO Você conhecerá aspectos gerais do tráfico de escravos africanos para o Novo Mundo e os efeitos provocados nas sociedades africanas. Poderá relacionar, posteriormente, esse tema estudado com a trajetória da África no século XIX, a colonização européia, as lutas pela Independência e as dificuldades das novas nações africanas no século XX e XXI. III O ASSUNTO EM SI Como era o tráfico de escravos africanos? Você já se deu conta de que relacionamos o tema escravidão e tráfico com o continente africano? Entretanto, a escravidão é muito antiga e esteve presente em diferentes sociedades, não apenas envolveu africanos e europeus. Textos bíblicos relatam aspectos dessa instituição presentes nas civilizações egípcia, romana, grega, portanto não foi inventada a partir da deportação de africanos na idade moderna.
As guerras sempre foram a maior fonte de escravos para as sociedades da Antiguidade. E o que difere essa escravidão da escravidão instituída pelos europeus? Resposta A partir do século XV, os europeus impulsionados pela política mercantilista após chegarem à Ásia e à África Ocidental, destinaram-se ao Novo Mundo e à região Centro-Ocidental da África Subsaariana. A empresa colonial visava a objetivos econômicos, ligados ao comércio de especiarias e de ouro, mas também objetivos geopolíticos e religiosos. A utilização da mão-de-obra compulsória foi justificada para garantir a produção em larga escala com menor custo. Em contrapartida, o tráfico de escravos representou uma importante etapa no processo de acumulação primitiva de capitais. Como vimos em aulas anteriores, a escravidão já existia no continente africano antes da chegada dos europeus. Escravos eram utilizados como concubinas, criados e soldados, além de serem exportados para o deserto do Saara.Também foi comum que povos subjugados em guerras fossem submetidos à servidão. Fome, seqüestros, penas por crime e dívidas também podiam resultar na escravização de pessoas no continente africano. Na África, muitos escravos eram obtidos pela troca de produtos como cobre e sal. Nas sociedades organizadas em aldeias, dava-se preferência a mulheres que trabalhariam nas terras e teriam filhos. Nos reinos, era freqüente a presença de escravos. Mulheres eram recrutadas para trabalhos domésticos, agrícolas e para o harém do rei. Prisioneiros e condenados ingressavam no exército real e eram utilizados nas caravanas como carregadores. Nas áreas muçulmanas,
o escravo eunuco era muito valioso. Castrado, era utilizado como guardião dos haréns dos sultões. O historiador Kabengele Munanga lembra-nos que não existia tráfico negreiro nas sociedades africanas tradicionais, mas a existência de relações de sujeição. Neste caso, os sujeitos não eram transformados em mercadoria. Isso só acontece a partir da organização do tráfico transatlântico. Segundo o autor, nada, na África antes do tráfico oriental e transaariano liderado pelos árabes e do tráfico transatlântico liderado pelos europeus, comprova a existência de tráfico humano e da relação de enriquecimento e acumulação de riquezas recorrentes. (MUNANGA, 2004, p.26) Entretanto, foi no século XVII que a escravidão se expandiu no continente africano devido à procura crescente por mão-de-obra escrava. A expansão da produção agrícola na América e o uso da tecnologia militar fornecida pelos europeus são fatores que explicam o aumento da oferta de escravos e a organização do tráfico com fins lucrativos. Posteriormente, com a descoberta de ouro no Brasil, no século XVIII, a demanda por braços aumenta mais ainda. A participação de estrangeiros deu ao tráfico proporções gigantescas e trouxe conseqüências dramáticas para a sociedade africana. No início, o tráfico demora a organizar-se, mas, no século XVII, torna-se um empreendimento para os reinos do interior do Golfo da Guiné. Portugueses e espanhóis passam a comprar escravos diretamente aos reis ou aos mercadores africanos. Surgem 4
mercados no sul, no Congo, Angola, Benguela e mesmo no litoral da África oriental. A organização do comércio de escravos no império português assumiu três formas: - o tráfico como empreendimento privado; - o tráfico exercido pelas grandes companhias do ramo; - o tráfico submisso às normas do assiento: trata-se de repassar o pagamento dos direitos devidos à saída dos escravos dos portos africanos a um contratador. E como funcionavam as relações comerciais entre os portugueses e africanos? Foi por meio das feitorias que os portugueses iniciaram o comércio no litoral da África Ocidental.Por volta do ano de 1445, os portugueses usaram esses locais para o confinamento de escravos e para a troca deles por ouro, marfim, almíscar, pimenta, pedras preciosas e até trigo. Dessa maneira, portugueses estabeleceram relações com grandes reinos africanos, como Mali, Tacrur e Futa Jalom.Outras vezes, os portugueses ajudaram reis em guerras locais e atenderam exigências de reis africanos. As ilhas de São Tomé e Príncipe e de Cabo Verde foram, ao longo da segunda metade do século XV, integrados ao sistema colonial português, transformando-se em importantes entrepostos comerciais. Nos golfos de Benin conhecido como a Costa dos Escravos e de Biafra, escravos eram comprados pelos portugueses e trocados por ouro desde a metade do século XV.Os escravos eram vendidos por povos costeiros como ijós, igalas e iorubás.
Entre 1502 e 1860, segundo Kátia de Queirós Mattoso, mais de 9 milhões de africanos serão transportados para as Américas. Para o Brasil, vieram africanos, principalmente da costa da Mina e de Angola, e os principais portos de entrada foram: Recife, Salvador e Rio de Janeiro.Você já reparou como é a composição étnica dessas cidades nos dias atuais? Mas o que o tráfico provocou nas sociedades africanas? Podemos resumir o impacto do tráfico a partir das seguintes conseqüências: - Impérios e reinos estáveis antes da chegada dos europeus desapareceram para dar lugar a novos estados, como o de Daomé; - as sucessivas invasões misturaram grupos étnicos e a estrutura comunitária africana perdeu o sentido; - a família ampliada, na África, dissolve-se; - em algumas regiões, provocou despovoamento; - a penetração portuguesa deu origem, ao longo dos anos, a uma sociedade mestiça; principalmente com relação aos hábitos, crenças, às maneiras de viver e pensar; - a cobiça de chefes e reis africanos provocou intensa procura por mais escravos. Do cativeiro à escravidão Uma vez capturado na África, começa o percurso que transformará esse indivíduo (cativo) em um escravo, em uma mercadoria de um importante comércio cada vez mais estruturado. Arrancados às famílias, à comunidade das tribos, aos seus hábitos espirituais, materiais e culturais, o cativo transforma-se em escravo a partir da revenda.
(Planta de um tumbeiro e recorte do seu interior. Disponível em: www.br.geocities.com/.../escravidao2.html. Acesso em: 08/08/2008). A viagem para a América segue um ritual: revista sanitária do escravo após o embarque em um tumbeiro e marcação a ferro no ombro, na coxa ou no peito.o número de cativos embarcados em cada navio variou conforme a capacidade das embarcações, apesar das determinações da regulamentação imposta pela Coroa Portuguesa. A viagem podia durar cerca de 35 dias ou até 50 dias e as condições da travessia eram penosas. Segundo as fontes, a taxa de mortalidade a bordo era elevada, estima-se em torno de 20%. A preferência era por escravos do sexo masculino.
Antes de ser colocado à venda, o cativo é engordado, pois era necessário apresentar-se em boa aparência ao comprador. Nos portos, nos séculos XVI e XVII, aguarda essa espécie de quarentena em barracões. É levado à alfândega, onde o traficante terá que pagar o imposto de entrada. É batizado, ganhando nome cristão, no desembarque ou quando chega à fazenda do comprador. A venda faz-se em mercados, nas ruas ou em praças, em duas modalidades: leilões públicos ou vendas privadas.o preço do cativo dependeu da concorrência, da distância entre o porto de embarque e o ponto de venda, do sexo, da saúde, da qualificação profissional e até mesmo da especulação. Vendido como qualquer outra mercadoria, começava sua vida de escravo na América. Na próxima aula, veremos como isso se deu. Resumo Nesta aula, você conheceu aspectos gerais do comércio de escravos africanos.e percebeu os efeitos danosos desse comércio nas sociedades africanas. Deve ter concluído que era um comércio que foi, ao longo dos séculos, especializando-se.
IV ATIVIDADE, ORIENTAÇÃO E FONTES 1 - Pesquise sobre o traficante de escravos Francisco Félix de Souza e elabore um pequeno resumo dos aspectos que lhe chamaram mais a atenção. Reserve seus achados. 2 - É possível afirmar que o comércio de gente desapareceu no século XXI? Justifique sua resposta e coloque-a no fórum da sala virtual. V REFERÊNCIAS MUNANGA, Kabengele ; GOMES, Nilma Lino. Para entender o Negro no Brasil de hoje. História, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global, 2004. MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. SILVA, Alberto da Costa. A manilha e o libambo - a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Fundação Biblioteca Nacional, 2002. SOUZA, Marina de Mello. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2008. Indicação de Filme Assista ao filme Amistad (EUA, 1997, Direção Steven Spielberg). É o relato de uma rebelião de escravos, em 1839, dentro de um
navio negreiro espanhol (La Amistad).Os escravos matam parte da tripulação e obrigam os demais a retornar à África. Mas, isso não acontece e eles chegam aos Estados Unidos. Quer saber mais? Assista. 10