A INCERTEZA CIENTÍFICA E A OPINIÃO PÚBLICA NA BALANÇA DAS NEGOCIAÇÕES SOBRE MUDANÇA DE CLIMA



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A mídia mundial tem chamado o ano de 2007 de o ano das mudanças climáticas. Isso se deve, primeiramente, ao fato de o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) ter publicado neste ano a quarta série de três relatórios de avaliação sobre o aquecimento global: o primeiro se concentra sobre as bases científicas da mudança climática e já foi publicado em Paris em fevereiro. O segundo trata dos impactos das mudanças climáticas e das vulnerabilidades regionais a essas mudanças, e foi divulgado em abril. A última parte avalia como podemos mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e foi publicado em maio. A principal mensagem desses relatórios é que as mudanças climáticas estão ocorrendo em uma velocidade sem precedentes na história e por isso é necessário tomar duas atitudes básicas: reduzir drasticamente as emissões globais de GEE e começar a se adaptar às mudanças que já se iniciaram. Um outro motivo é que vários especialistas em clima têm afirmado que o efeito estufa conjugado com o fenômeno climático El Niño farão de 2007 o ano mais quente já registrado, com conseqüências para todo o planeta. Uma confirmação parcial dessa previsão já se realizou: o inverno no hemisfério Norte foi o mais quente dos últimos 128 anos. A julgar pela grande cobertura dada pela mídia para a publicação dos relatórios do IPCC, e a sua grande repercussão na sociedade, espera-se ainda muito mais discussão e mobilização de vários setores da sociedade ainda este ano sobre o problema do aquecimento global. O ano de 2007 promete ser também um ano de decisões políticas importantes nesta área. Pouco tempo depois da publicação do IPCC em Paris, a União Européia decidiu fixar a meta de reduzir pelo menos 20% de suas emissões de gases do efeito estufa (GEE) até 2020. Mas nem tudo neste ano pode representar avanços políticos nesta área. Discussões de bastidores para a 13 a Conferência das Partes que acontecerá no final do ano em Bali e que definirá as políticas de reduções de emissões após o período de cumprimento do Protocolo de Quioto, 2008-2012 têm indicado que, apesar de várias declarações recentes de muitos governos sobre a necessidade de ação mais vigorosa a partir de 2013, ainda existem muitas dificuldades a serem superadas até que se alcance um consenso sobre quem deve nessa próxima etapa reduzir suas emissões e de quanto deve ser essa redução. Os Estados Unidos, maior emissor mundial de GEE, se negaram a participar do acordo de Quioto, e sua participação em um acordo após 2012 será muito importante para que haja políticas eficazes de controle do aquecimento global, mas sua posição ainda é incerta. O Congresso norte-americano tem há muito tempo condicionado um compromisso dos Estados Unidos em qualquer acordo global a que países em 2 Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.2, n.5, Artigo 7, dez 2007

desenvolvimento tais como Índia, China e Brasil também assumam metas obrigatórias. De outro lado, esses países ainda resistem fortemente a quaisquer obrigações de reduções de emissões, pois, argumentam, precisam crescer para resolver seus graves problemas sociais, e cortar suas emissões representa um freio nesse processo. O caminho até a ratificação do Protocolo de Quioto demonstrou que o consenso entre os países, e mesmo dentro deles, é de difícil obtenção. E não parece que as negociações para o próximo período serão mais fáceis, embora aparentemente haja um momento mais propício a um consenso mais amplo, sobretudo pela publicação dos relatórios do IPCC. Sem dúvida todos esses acontecimentos poderão ter influência no final deste ano em Bali. A esperança é que o ano termine com a perspectiva de um acordo que amplie aquele já feito em Quioto. Na realidade ainda é impossível prever o impacto que os documentos do IPCC terão sobre essas negociações. O estado do conhecimento científico sobre as mudanças climáticas expresso nos relatórios do IPCC tem sido a plataforma a partir da qual os governos, as ONGs e as corporações tomam suas decisões sobre o que fazer para lidar com o problema das mudanças climáticas. Por isso, espera-se que a cada publicação desses relatórios assistamos a mudanças cada vez mais significativas nas atitudes dos governos e no comportamento geral da sociedade em direção a uma política global eficaz de combate às mudanças climáticas. O motivo básico é a expectativa de que as incertezas científicas sobre o aquecimento global e seus efeitos diminuam sistematicamente. Dessa forma, pensa-se, as negociações tenderão cada vez mais a acordos globais mais amplos. Será que a relação entre o avanço do conhecimento sobre mudança de clima e os acordos internacionais segue essa lógica simples? Esses relatórios, embora sejam a melhor informação que temos sobre o assunto, estão ainda repletos de incertezas sobre quanto exatamente a temperatura global subiria se nada fizéssemos para evitar o aquecimento. As incertezas se ampliam significativamente quando tentamos prever essas elevações de temperatura para daqui a 20, 30, 50 ou 100 anos à frente. Uma cascata de incertezas é gerada nos modelos de circulação geral oceano-atmosfera acoplados, por causa das incertezas nos valores de inúmeros dos seus parâmetros levando a um largo espectro de situações possíveis quando se tenta prever quais exatamente seriam os níveis médios de precipitação e de elevação do nível médio do mar, e qual a distribuição de impactos nos ecossistemas através do globo. O sistema do clima é altamente complexo, envolve não-linearidades, muitas delas ainda não muito bem compreendidas, e o fenômeno do aquecimento global e das 3 Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.2, n.5, Artigo 7, dez 2007

mudanças climáticas resultantes é de muito longo prazo. Quando esses modelos são usados para calibrar modelos climáticos de menor complexidade acoplados a modelos ecológicos e econômicos a situação piora, pois a cascata de incertezas se amplia ainda mais quando incorpora o elemento humano, que é em muitos aspectos imprevisível. Em geral os cenários gerados por esses modelos apontam para futuros com inúmeros impactos negativos em extensas áreas do globo, mas a sua intensidade e a época precisa em que ocorreriam são questões ainda sem resposta e não podem ser obtidas rapidamente. Para algumas questões as incertezas são intrínsecas e não simplesmente estatísticas, o que implica nunca poderem ser reduzidas. Parece despropositado falar das incertezas em um momento como este, pósrelatório do IPCC, em que a sociedade parece estar alcançando uma conscientização sem precedentes, cuja mobilização pode pressionar muito os governos a tomarem medidas mais severas no combate ao aquecimento global. Mas os fatos mostram que os governos do mundo todo estão avançando muito pouco nos esforços para dar seqüência ao Protocolo de Quioto mesmo diante da crescente preocupação da opinião pública com as mudanças climáticas e os alertas da ONU, de que o problema representa uma ameaça de dimensões semelhantes às de uma guerra. O fato é que a grande amplitude das incertezas científicas sobre o tema ainda oferece muito espaço para que coexistam várias posições contrárias ao movimento de intensificação de reduções de emissões e permite que vários governos possam continuar a resistir a qualquer compromisso formal para reduzirem suas emissões de GEE. Estudos têm mostrado que os países formam suas posições nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas a partir da avaliação de sua vulnerabilidade potencial àquelas mudanças e dos custos em que incorreriam se viessem a reduzir suas emissões. Essa conclusão tem sido chamada de teoria do auto-interesse dos países nas negociações ambientais internacionais, pois preconiza basicamente a idéia de que cada país forma suas posições visando unicamente seus interesses nacionais, em oposição a qualquer atitude altruísta que busque o bem-estar de outras nações (SPRINZ & VAAHATORANTA, 1994). Um país que, segundo essa teoria, estimasse para seu território danos climáticos altos e custos baixos para o abatimento de suas emissões domésticas, tomaria uma atitude promovedora de políticas de reduções mais severa. Daria o exemplo aos outros países assumindo voluntariamente metas mais ambiciosas de reduções e cobraria desses países atitudes semelhantes. Esse comportamento é o que observamos, por exemplo, na União Européia, que assumiu o compromisso acima indicado. 4 Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.2, n.5, Artigo 7, dez 2007

Um país que, ao contrário do primeiro tipo, estima danos climáticos baixos e custos de abatimento altos, seguiria o comportamento inverso: resistiria a qualquer acordo que o levasse a ter de assumir reduções intensas de emissões. Ele pode ser caracterizado por uma atitude procrastinadora nas negociações. O exemplo típico de um protelador são os Estados Unidos. Já uma nação que avalia danos climáticos altos, e custos de abatimento também altos, tem uma atitude intermediária entre os casos anteriores e sua atitude é na maior parte do tempo ambígua, procurando evitar assumir custos de abatimento, mas pressionando os outros países a reduzirem suas emissões. Esse é o caso, por exemplo, da China, do Brasil e da Índia. Finalmente, o país que estima danos e custos baixos tem uma atitude expectadora, procurando se aproveitar das situações para fazer acordos que o beneficiem em outras áreas. Esse é o caso, por exemplo, da Rússia nas negociações do Protocolo de Quioto. UM MODELO DE NEGOCIAÇÔES SOB INCERTEZA A partir dessa tipologia, o que podemos esperar daqui para frente em termos das negociações sobre a mudança de clima? Para tentar responder a esta pergunta, construiu-se um modelo matemático que representa as economias nacionais e suas emissões de GEE, as vulnerabilidades de cada país ao aquecimento global e a maneira como as expectativas de cada um, em função das incertezas científicas, influenciam seu papel nas negociações. Cada país foi representado como um agente que tem um modelo clima-economia no qual alguns de seus parâmetros-chave têm incertezas representadas por distribuições de probabilidades que mudam ao longo do tempo (AÍMOLA, 2006). Nesse último aspecto, o modelo é inovador. Baseia-se em um método ainda pouco utilizado para modelagem em mudanças climáticas, a Simulação de Sistemas Multiagentes. Nele, cada governo faz planos, usa uma metodologia para projetar cenários futuros de mudança de clima e de impactos econômicos, assim como um critério de decisão para escolher sua posição. Para modelar as negociações propriamente ditas, usou-se a Teoria dos Jogos, uma área da Ciência Econômica que trata do comportamento estratégico dos agentes. Foram escolhidos alguns parâmetros-chave ainda altamente incertos, sobre os quais a resolução das incertezas, ainda que gradual, é crucial para antecipar o comportamento do clima e da economia, e levar à ação mais eficaz. Para o clima, foram escolhidos como parâmetros incertos a sensibilidade climática e a inércia térmica do 5 Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.2, n.5, Artigo 7, dez 2007

oceano. Para as economias, a vulnerabilidade às mudanças climáticas e os custos marginais de abatimento de emissões de GEE. A partir dessa representação, o modelo explora cenários de evolução dos conhecimentos científicos sobre o aquecimento global e sua influência no processo político internacional. O modelo permite realizar simulações variando-se com diferentes velocidades as distribuições de probabilidades para representar a redução das incertezas e os possíveis ritmos de tais reduções. É impossível prever como se dará a evolução do conhecimento científico sobre o clima, a vulnerabilidade de cada país em seu território, bem como os custos domésticos de abatimento de emissões, mas no modelo podem-se explorar diversos cenários de redução de incertezas e fazer uma análise global dos resultados de cada simulação. O modelo é capaz de reproduzir a tipologia de comportamentos dos países nas negociações sobre mudança de clima como descritos pela teoria do auto-interesse para várias situações de incertezas. Com ele podem-se simular cenários em que a diminuição das incertezas se dá de forma lenta 5% por década ou rápida 20% ou mais por década, o que significaria a resolução completa das incertezas na metade deste século e observar a mudança de comportamento de cada país toda vez que negocia metas de reduções de emissões de GEE. Assim, por exemplo, um país que inicialmente é protelador nas negociações, com a diminuição das incertezas sobre sua vulnerabilidade e seus custos pode vir a adotar uma atitude promovedora de reduções de emissões. Países de comportamento intermediário podem passar a ter posição mais definida, seja pelo lado da ação vigorosa, seja pela procrastinação. Promotores podem manter suas atitudes, ou não, e países indiferentes podem se tornar promotores ou proteladores, dependendo do resultado final da diminuição das incertezas dos impactos e dos custos esperados. A partir dessas mudanças de papéis, que implicam diferentes distribuições de metas de reduções de emissões negociadas entre os países, é possível avaliar o efeito da diminuição das incertezas sobre o aquecimento global e a magnitude dos danos econômicos em cada território nacional. Desenvolveu-se um programa de computador, o Proclin Protótipo para Simular o Papel das Incertezas nas Negociações Climáticas, para simular situações simples, considerando inicialmente somente dois grandes blocos de países, representando as nações industrializadas e aquelas em desenvolvimento. Isto é, um dos blocos foi calibrado com parâmetros que representam um grupo de países ricos com emissões altas, 6 Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.2, n.5, Artigo 7, dez 2007

enquanto o outro representa nações com renda mais baixa e emissões ainda reduzidas, mas crescendo rapidamente (AÍMOLA, 2006). O objetivo das simulações é saber sob que condições de diminuição das incertezas científicas as futuras negociações podem gerar políticas que evitem impactos climáticos severos ainda neste século em pelo menos um ou nos dois blocos de países. Considerou-se como dano econômico severo a situação em que o Produto Interno Bruto de cada bloco começaria a declinar, levando à recessão econômica em virtude das perdas advindas do aquecimento global destruição de infraestrutura, quebras de safras agrícolas, aumento drástico de doenças infectocontagiosas etc. CONCLUSÃO A conclusão das simulações preliminares é que somente para reduções muito rápidas das incertezas, tais como 20% por década, as negociações evitam recessão econômica em ambos os blocos de países. No modelo, isso ocorre apenas em cenários onde o aquecimento se dá de forma muito lenta. Para elevações rápidas de temperatura, a recessão é inevitável para os dois blocos mesmo que as incertezas diminuam muito rapidamente. Algumas simulações indicaram que se as incertezas não diminuíssem, ou se o fizessem muito lentamente, as recessões econômicas viriam mais rápida e intensamente. Isso mostra que a pesquisa científica tem papel relevante nas negociações, mas limitado no que se refere à eficácia das reduções negociadas. Ou seja, o clima pode reagir à quantidade de emissões mais rapidamente do que mudanças significativas de posição dos países nas negociações. No modelo, é importante lembrar, as mudanças de posições ocorrem somente após os países obterem um conhecimento científico mais seguro. As ações são tomadas a partir de nova informação. Em um cenário de incertezas diminuindo lentamente e com países possuindo elevada aversão à recessão, a seqüência de negociações simulada evitou a contração do PIB. O resultado indica que a precaução quanto ao que de pior pode ocorrer é um fator relevante no processo, mesmo que esse cenário seja considerado de baixa probabilidade. Nesse caso, abre-se a oportunidade de uma postura proativa por parte de governos e sociedades, e o conhecimento avança junto com as ações preventivas. Além da informação científica a aversão ao risco é um fator chave para levar os governos a tratar o problema com a seriedade que ele merece, e nesse sentido a 7 Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.2, n.5, Artigo 7, dez 2007

percepção da sociedade com relação às ameaças das mudanças climáticas poderá ter um papel decisivo como elemento de pressão, para que se amplie o acordo de Quioto. Por isso, na balança das negociações a mídia e movimentos ambientalistas como o mega show Earth Live, liderado pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, realizado em julho deste ano, que alcançou dois bilhões de pessoas em todo o mundo pela TV e pela internet, podem contribuir de forma decisiva para mudar o panorama político sobre as mudanças climáticas. REFERÊNCIAS AIMOLA, L. A. L. Cascata de incertezas, impactos climáticos perigosos e negociações internacionais de mudança de clima global: um modelo exploratório. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) Procam/USP. São Paulo, 2006. SPRINZ, D., VAAHATORANTA. The Interested-based explanation of international environmental policy. International Organization, v.48, n.1, 1994. Artigo recebido em 10.09.2007. Aprovado em 01.10.2007. 8 Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.2, n.5, Artigo 7, dez 2007