Multidisciplinar Mapeamento do uso do solo para manejo de propriedades rurais Allan Arnesen Frederico T. Genofre Marcelo Pedroso Curtarelli
CAPÍTULO 1 Conceitos básicos de cartografia e SIG 1. Introdução Esta apostila foi desenvolvida para ser utilizada como material complementar do curso de Mapeamento do uso e ocupação do solo para o manejo de propriedades rurais, oferecido pelo Instituto de Estudos Pecuários (IEPEC). Nesta versão da apostila são contemplados os assuntos abordados ao longo dos capítulos 1-4 (parte teórica do curso), servindo como referência de estudo durante o desenvolvimento do curso e como material de consulta rápida após o término do curso. No primeiro capitulo da apostila são abordados conceitos básicos de cartografia e Sistemas de Informação Geográfica (SIG), necessário para a execução de qualquer tipo de serviço de mapeamento. O segundo capítulo traz como tema fundamentos de sensoriamento remoto, abordando conceitos básicos de sensoriamento remoto e as principais características das imagens de satélite utilizadas para fins de mapeamento (p.ex. resoluções espacial, temporal, espectral e radiométrica). Já o terceiro capítulo aborda temas como aquisição de imagens; neste capítulo são apresentadas as características dos principais sistemas sensores de observação da Terra, como por exemplo, os sensores a bordo dos satélites da
Mapeamento do uso do solo para manejo de propriedades rurais série Landsat. Por fim, no capítulo quatro são apresentadas as principais técnicas de classificação de imagens utilizadas em mapeamentos de uso e ocupação do solo; são apresentadas técnicas de classificação supervisionada, não supervisionada e manual. 2. Conceitos básicos de cartografia e SIG Mapas são muito mais do que simples figuras e desenhos; mapas são dados. De acordo com Câmara(2014) tratar mapas como dados significa dar forma numérica ao espaço ao associar, a cada localização, um valor que representa a grandeza em estudo. Desta forma, a elaboração de um mapa, para qualquer que seja o seu fim, requer o conhecimento de conhecimentos básicos de diversas áreas como geografia, cartografia, processamento de dados, entre outras relacionadas a este tipo de atividade. Neste contexto, para que haja uma melhor compreensão do curso por parte dos alunos, este capítulo aborda conceitos básicos de cartografia e de SIG necessários para elaboração de um mapa. Este capítulo foi elaborado com base no livro intitulado Anatomia de Sistemas de Informações Geográficas de Câmara et al. (1996). Para maiores detalhes sobre os tópicos abordados ao longo do capítulo e maior aprofundamento nos temas, os alunos são convidados a consultar o texto original, disponível em: http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/anatomia.pdf 2.1. Sistemas de coordenadas Um objeto geográfico qualquer (p.ex. uma casa, um rio, uma fazenda) somente poderá ser localizado se puder ser descrito em relação a outros objetos cujas posições sejam previamente conhecidas, ou se tiver sua localização determinada 12 IEPEC
Capítulo 1 Conceitos básicos de cartografia e SIG em uma rede coerente de coordenadas. Quando se dispõe de um sistema de coordenadas fixas, pode-se definir a localização de qualquer ponto na superfície terrestre. Usualmente os sistemas de coordenadas dividem-se em dois grandes grupos: sistemas de coordenadas geográficas e sistemas de coordenadas planas (cartesianas): 2.1.1 Coordenadas geográficas ou terrestres Neste sistema de coordenadas cada ponto da superfície terrestre é localizado na interseção de um meridiano com um paralelo (Figura 1). Figura 1. Sistema de coordenadas geográficas. a) Meridianos: são círculos máximos da esfera cujos planos contem o eixo dos polos. O meridiano de origem (também conhecido como inicial ou fundamental) O portal do agroconhecimento 13
Mapeamento do uso do solo para manejo de propriedades rurais é usualmente aquele que passa pelo antigo observatório britânico de Greenwich. Ele é escolhido convencionalmente como a origem das longitudes sobre a superfície terrestre e como base para a contagem dos fusos horários, correspondendo ao meridiano a 0. A leste do meridiano de origem, os meridianos são medidos por valores crescentes até + 180. A oeste, suas medidas são decrescentes até o limite mínimo de 180 ; b) Paralelos: são círculos da esfera cujos planos são perpendiculares ao eixo dos polos. O Equador é o paralelo que divide a Terra em dois hemisférios: Norte e Sul. O paralelo a 0 corresponde ao Equador, 90 ao Polo Norte e 90 ao Polo Sul. Todos os meridianos se encontram em ambos os polos e cruzam o Equador em ângulo reto. A distância entre meridianos diminui do Equador para os polos. Os paralelos jamais se cruzam. Representa-se um ponto na superfície terrestre por um valor de latitude e longitude. Longitude é a distância angular entre um ponto qualquer da superfície terrestre e o meridiano de origem. Latitude é a distância angular entre um ponto qualquer da superfície terrestre e a linha do Equador. Pontos que não correspondem à medição média dos oceanos podem ter também a altitude como terceiro parâmetro. Como o sistema de coordenadas geográficas considera desvios angulares a partir do centro da Terra, não é um sistema conveniente para aplicações em que se buscam distâncias ou áreas. Para estes casos, utilizam-se outros sistemas de coordenadas, mais adequados, como, por exemplo, o sistema de coordenadas planas, descrito a seguir. 2.1.2. Sistema de coordenadas planas ou cartesianas Este sistema de coordenadas baseia-se na escolha de dois eixos perpendiculares, usualmente denominados eixos horizontal e vertical, cuja interseção é denomi- 14 IEPEC
Capítulo 1 Conceitos básicos de cartografia e SIG nada origem, estabelecida como base para a localizaçãode um ponto qualquer no plano (Figura 2). Nesse sistema de coordenadas, um ponto é representado por dois números: um correspondente à projeção sobre o eixo x (horizontal), associada principalmente à longitude, e outro correspondente à projeção sobre o eixo y (vertical), associada principalmente à latitude. Estas coordenadas são relacionadas matematicamente às coordenadas geográficas, de maneira que umas podem ser convertidas nas outras. Figura 2. Sistema de coordenadas planas. 2.2. Datum O termo datum refere-se ao modelo matemático teórico da representação da superfície da Terra ao nível do mar utilizado pelos cartógrafos numa dada carta ou mapa. Pelo fato de existirem diversos datum, esta informação é usualmente O portal do agroconhecimento 15
Mapeamento do uso do solo para manejo de propriedades rurais informada na legenda das cartas e mapas. De uma forma muito simplificada, o datum fornece o ponto de referência a partir do qual a representação gráfica dos paralelos e meridianos, e consequentemente do todo o resto que for desenhado no mapa, está relacionado e é proporcionado. A importância do datum prende- -se à necessidade de projetar um corpo curvo e que possuí 3 dimensões (a Terra), num plano a duas dimensões mantendo, no entanto os cruzamentos em ângulos retos dos meridianos e paralelos (o mapa). No Brasil, os mapas mais antigos adotam o datum de Córrego Alegre - MG e o datum SAD 1969 (datum Sul Americano de 1969). Mais recentemente o datum SIRGAS 2000 passou a ser mais utilizado, sendo o datum utilizado por órgãos governamentais como o IBGE. 2.3. Projeções cartográficas Todos os mapas são representações aproximadas da superfície terrestre, que projetam cada ponto do globo terrestre em uma superfície plana. Para obter essa correspondência, utilizam-se os sistemas de projeções cartográficas. Atualmente há um grande número de projeções cartográficas existentes, uma vez que há uma variedade de modos de projetar em um plano, os objetos geográficos que caracterizam a superfície terrestre. Contudo, é praticamente impossível se fazer uma cópia plana da superfície do globo terrestre sem desfigurá-la ou alterá-la o que dá origem à noção de grau de deformação de uma projeção. Via de regra, a deformação pode ser considerada nula nos locais onde a superfície toca o globo. As projeções cartográficas podem ser classificadas quanto ao tipo de superfície de projeção adotada em planas ou azimutais, cônicas, cilíndricas e poliédricas. Na projeção plana ou azimutal, constrói-se o mapa imaginando-o projetado num plano tangente ou secante à superfície da Terra. Na projeção cônica, pode-se 16 IEPEC
Capítulo 1 Conceitos básicos de cartografia e SIG imaginar que o mapa é inicialmente projetado sobre um cone tangente ou secante à superfície terrestre, que é em seguida desenrolado sobre um plano. O mesmo ocorre na projeção cilíndrica, onde a projeção é imaginada sobre um cilindro. Em todas as projeções cônicas, os meridianos são retas que convergem em um ponto (que representa o vértice do cone), e os paralelos são circunferências concêntricas a esse ponto. Em todas as projeções cilíndricas, os meridianos e os paralelos são representados por retas perpendiculares. A Figura 3 apresenta ilustrações esquemáticas com os diferentes sistemas de projeção apresentados. Figura 3. Sistemas de projeção cartográfica: (a) Projeção plana ou azimutal; (b) Projeção cônica e (c) Projeção cilíndrica. Quanto ao aspecto, a superfície de projeção pode ser classificada em equatorial, polar, oblíqua ou transversa. O aspecto equatorial ocorre quando a superfície de projeção é centrada em algum ponto do Equador. O aspecto polar resulta quando a superfície de projeção é centrada em um dos polos; o aspecto oblíquo ou horizontal acontece quando a superfície de projeção é alinhada ao longo de qualquer outro ponto do globo. Já o aspecto transverso ocorre quando a superfície de projeção é cilíndrica e a linha central de projeção é alinhada a um par O portal do agroconhecimento 17
Mapeamento do uso do solo para manejo de propriedades rurais de meridianos, ao invés do Equador. Por fim um aspecto é dito normal se ele é o mais simples para uma dada superfície de projeção, ouseja, polar, no caso de azimutal; oblíquo, no caso de cônica; e equatorial, no caso de cilíndrica. Cada método de projeção da superfície terrestre preserva diferentes propriedades espaciais, tais como área, direção, distância e forma. A preservação de uma propriedade implica normalmente na distorção das demais. Assim, quanto ao grau de deformação das superfícies representadas, as projeções podem ser classificadas como: conformes ou isogonais, equivalentes ou isométricas e equidistantes. As projeções conformes mantêm fidelidade aos ângulos locais observados na superfície representada. As projeções equivalentes conservam as relações de superfície, não havendo deformação de área. Por fim, as projeções equidistantes conservam a proporção entre as distâncias, em determinadas direções, na superfície representada. A escolha do sistema de projeção cartográfica depende da aplicação que se busca para o mapa, precisão desejada e o tipo de dado disponível. A Tabela 1 apresenta um resumo das principais projeções utilizadas em serviços de mapeamento: 18 IEPEC
Capítulo 1 Conceitos básicos de cartografia e SIG Tabela 1. Análise comparativa das projeções Projeção Classificação Aplicações Características Albers Cônica Equivalente - Cartas gerais e geografia. - Preserva áreas; - Garante precisão; - Substitui com vantagens todas as outras cônicas equivalentes. Bipolar Cônica Conforme - Indicada para base cartográfica do continente Americano. - Preserva ângulos; - É uma adaptação da cônica de Lambert. Cilíndrica equidistantes Cilíndrica Equidistante - Mapa mundi; - Mapas em escala pequena; - Trabalhos computacionais. - Altera áreas; - Altera ângulos. Gauss Cilíndrica Conforme - Cartas topográficas; - Mapeamento básico em escalas médias e grandes. - Altera áreas; - Preserva ângulos; - Similar a UTM com defasagem de 3 de longitude entre os meridianos centrais. Estereográfica Polar Plana Conforme - Mapeamento das regiões polares; - Mapeamento da Lua, Marte e Mercúrio. - Preserva ângulos; - Preserva forma de pequenas áreas; -Oferece distorção de escalas. Lambert Cônica Conforme - Cartas gerais e geográficas; - Cartas militares; - Cartas aeronáuticas. - Preserva ângulos; - Mantém a forma de áreas pequenas inalteradas; - Oferece grande precisão de escala. Lambert Million Cilíndrica Conforme - Atlas; - Carta ao milionésimo. - Preserva ângulos; - Mantém a forma de áreas pequenas inalteradas; - Oferece grande precisão de escala. Mercator Cilíndrica Conforme - Cartas náuticas; - Cartas geológicas; - Mapa mundi. - Preserva ângulos; - Mantém a forma de áreas pequenas. Miller Cilíndrica Equidistante - Mapa mundi; - Mapas em escala pequena. - Altera ângulos; Altera áreas. Policônica Cônica Equidistante - Mapeamento temático em escala pequena. - Preserva distâncias; - Altera áreas; - Altera ângulos; Universal Transverse Mercator (UTM) Cilíndrica Conforme - Mapeamento básico em escalas médias e grandes; - Cartas topográficas. - Preserva ângulos; - Altera áreas (porém as distorções não ultrapassam 0,5%). Fonte: Câmara et al. (1996). O portal do agroconhecimento 19
Mapeamento do uso do solo para manejo de propriedades rurais 2.4. Escala Escala é a relação entre as dimensões dos elementos representados em um mapa e a grandeza correspondente, medida sobre a superfície da Terra (Figura 4). A escala é uma informação obrigatória para qualquer mapa e geralmente está representada de forma numérica. A escala numérica é expressa por uma fração, na qual o numerador representa a distância no mapa enquanto que o denominador representa a distância na superfície real. A escala de 1 para 50.000 (notação 1:50.000 ou 1/50.000), por exemplo, indica que uma unidade de medida no mapa equivale a 50.000 unidades da mesma medida sobre o terreno real. Assim, 1cm no mapa corresponde a 50.000cm (ou 500m) no terreno. No entanto, a escala pode ser representada também de forma gráfica. A escala gráfica é aquela que expressa diretamente os valores da realidade mapeada. Este tipo de escala é a representação desenhada da escala unidade por unidade, onde cada segmento mostra a relação entre as dimensões da representação e da área real. Figura 4. Exemplos de escalas numéricas e escalas gráficas. Os termos escala grande ou escala pequena podem confundir. Para esclarecê-los basta lembrar que escalas são representadas por números fracionários. Assim, uma escala 1:100.000 é menor que uma escala de 1:20.000. Ainda, um objeto representado em um mapa em uma escala pequena é menor que o mesmo representado em um mapa em uma escala grande. 20 IEPEC
Capítulo 1 Conceitos básicos de cartografia e SIG 2.5. Sistema de Informações Geográficas De acordo com Câmara et al. (1996), os Sistemas de Informação Geográficas (SIG) são sistemas automatizados usados para armazenar, analisar e manipular dados geográficos, ou seja, dados que representam objetos e fenômenos em que a localização geográfica é uma característica inerente à informação e indispensável para analisá-la. Os SIG permitem compatibilizar a informação proveniente de diversas fontes, como informação de sensores espaciais (sensoriamento remoto), informação recolhida com GPS ou obtida com os métodos tradicionais da topografia. Dentre as vantagens na utilização de um SIG para a produção de mapas podemos destacar: produção de mapas de maneira muito mais rápida; barateamento no custo de produção de mapas; facilidades na utilização de mapas; produção de mapas mais elaborados; possibilidadede automação da atualização e revisão; possibilidade de análise quantitativa de dados espaciais de maneira integrada. Numa visão abrangente, pode-se considerar que um SIG possui os seguintes componentes: (1) interface com usuário; (2) entrada e integração de dados; (3) funções de processamento; (4) visualização e plotagem; e (5) armazenamento e recuperação de dados. A Figura 5 indica o relacionamento entre estes componentes. Cada SIG, em função de seus objetivos e necessidades, possui estes componentes implementados de forma distinta, mas todos estão usualmente presentes num SIG. O portal do agroconhecimento 21
Mapeamento do uso do solo para manejo de propriedades rurais Figura 5. Arquitetura de Sistemas de Informação Geográficas. Fonte: Câmara et al. (1996). 22 IEPEC
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