O Pescador Artesanal e as Políticas Públicas: a percepção ambiental dos pescadores de Macaé sobre a ação do Estado, no contexto da reestruturação produtiva Thiago Perciano Oliveira thiagoperciano@hotmail.com Instituto Federal Fluminense Ricardo Pacheco Terra riterra@gmail.com Instituto Federal Fluminense Gleison das Chagas Abreu gleisonchagas@yahoo.com.br- Instituto Federal Fluminense Vinicius Corrêa Coelho correa_vinicius@hotmail.com Instituto Federal Fluminense Vinicius Santos Lima limavinicius@uol.com.br Instituto Federal Fluminense Palavras chave: Pescador artesanal, Políticas públicas, reestruturação produtiva. INTRODUÇÃO Macaé, até o período de implantação do complexo industrial de exploração do petróleo no final da década de 1970, possuía uma organização econômica local, com atividades produtivas tradicionais. Dentre estas, a pesca figurava como uma das principais, sendo Macaé conhecida como vila de pescadores antes das mudanças oriundas de uma reestruturação produtiva. Nas últimas décadas, pôde ser observado no Brasil um processo que desencadeou muitas mudanças e que afetaram diretamente a sua dinâmica produtiva. Este processo, chamado de reestruturação produtiva, acontece com o fim da bipolaridade entre os EUA e a URSS, o que culminou em usos de políticas neoliberais, normalmente voltadas para o mercado. Tendo em vista estas transformações e nos atendo ao caso de Macaé, com o setor de exploração de petróleo na bacia de Campos, em um contexto de mercado global e de abertura econômica após a implantação da indústria de exploração petrolífera estatal, neste caso a Petrobras, teve início uma reestruturação com a finalidade de elevação da eficiência, produtividade e competitividade, levando a redução do número de empregados diretos e a ampliação da terceirização na contratação de força de trabalho (CRUZ, 2005, Pág. 53, 75). 1
As notórias mudanças sócio-espaciais em Macaé podem ser observadas nos diferentes usos do espaço e na materialização do capital, onde novas dinâmicas são inseridas, como na instalação de objetos técnicos, na formação de um setor terciário - que orbita a indústria de exploração de petróleo - e nas mudanças e exigências para os postos de trabalho criados no município. No entanto, a pesca artesanal ainda representa uma importante atividade produtiva nos dias de hoje, pois é um setor que recebe mão-de-obra não qualificada, em que o conhecimento é reproduzido, atualmente, por meios diversos e não somente por influência dos parentes próximos envolvidos com a pesca, como acontecia anteriormente. Há de se destacar a importância cultural da pesca artesanal, podendo ser percebida na relação homem-natureza, que revela a identidade do pescador com o ambiente natural marinho de maneira imediata. Também, a análise da sua percepção enriquece material e substancialmente o entendimento das relações sócio-ambientais ali existentes, permitindo uma análise mais qualitativa do estudo de caso. Desta forma, podem ser observados elementos importantes como os recursos de pesca e o meio ambiente, além de permitir o conhecimento dos impactos causados pela relação homem-natureza, principalmente naqueles ocorridos em ambientes marinhos, que são a fonte da sua reprodução social. Os fatores da reorganização espacial do município que influem na pesca estão no conhecimento empírico dos pescadores, sendo substância relevante para os estudos científicos. Além disso, permite um diálogo horizontal sobre a relação homem-natureza, estreitando a análise científica com a realidade do pescador. Neste contexto, o presente trabalho busca a percepção do pescador sobre as políticas públicas. Segundo SOUZA (2006), políticas públicas são ações fortemente ligadas ao Estado, executadas com os recursos captados na cobrança de impostos da população, para uso em favor da própria. Considerando as políticas públicas nas suas ações de interesse social, no caso deste estudo, de atores sociais envolvidos em uma atividade tradicional, como é a pesca artesanal, é aparente que estes envolvidos não estejam integrados diretamente ao fenômeno de reestruturação produtiva no município de Macaé, mas percebem diretamente seus impactos. 2
OBJETIVOS No caso deste estudo, toma-se por objetivo o entendimento da percepção dos pescadores artesanais de Macaé sobre as políticas públicas, levando-se em conta a reestruturação produtiva do Norte-Fluminense, com seus impactos sócio-econômicos e ambientais em Macaé, o que demanda ações feitas pelo Estado. METODOLOGIA Pretendendo gerar um debate acerca das políticas públicas desenvolvidas para determinada atividade tradicional, aqui entendida como toda técnica intermediária da relação sociedade-natureza, desenvolvida de maneira sustentável (econômica e ambientalmente) e estruturada ao longo de um tempo e de um espaço delimitável o que as tornam aptas de serem estudadas pela Geografia, foi adotado como método a Percepção Ambiental, por entendermos ser uma exigência do próprio objeto de estudo uma metodologia que aproxime os conhecimentos populares, como o dos pescadores artesanais, e o conhecimento científico praticado nas universidades. Tal escolha justifica-se ainda por permitir o trabalho com dados quantitativos e qualitativos, à medida que sem negar a contribuição de uma lógica cartesiana (notável na exigência de um N amostral apurado), trazem para o debate político informações só passíveis de serem trabalhadas através de dados qualitativos, que em última instância, pretende-se representativa da opinião dos diretamente envolvidos com a atividade da pesca, através do conhecimento empírico destes atores sociais. Todo o material obtido para este artigo é fruto de dois trabalhos de campo desenvolvidos no Mercado Municipal de Macaé, principal entreposto de pesca do município. No primeiro campo, realizado na data 17/10/2009, através da aplicação de questionários que procuravam levantar o perfil sócio-econômico da pesca, foram contemplados 100 pescadores, levando-se em consideração um universo de 1000 (dado cedido pela colônia de pesca Z-3, instalada naquele município). Tendo por base Tuan e partir do bando de dados montado com o primeiro trabalho de campo, foi elaborado um questionário mais específico, que contemplava a percepção dos pescadores de como as políticas públicas (ou a ausência destas) tem afetado a pesca em Macaé (e o contexto em que essa vem sendo praticada nos últimos anos). O questionário foi 3
aplicado no dia 09/03/10, contando com a entrevista de 39 pescadores no mercado pesqueiro da cidade. RESULTADOS PRELIMINARES Dentre os resultados obtidos, pôde-se perceber um baixo grau de escolaridade entre os pescadores entrevistados, explicitado pela maioria que não possui o ensino fundamental concluído. Como pode ser percebido no Gráfico 1: Gráfico 1 Quase a totalidade dos pescadores entrevistados residem em Macaé (Gráfico 2), o que justifica a abordagem sobre uma percepção mais abrangente, visto que os dados que foram levantados sobre os pescadores transcende o ambiente marinho e as suas relações comerciais e de trabalho no embarque e desembarque e revelam outras escalas dos espaços que normalmente interage. Gráfico 2: 4
Sobre os fatores migratórios no universo pesquisado (Gráfico 3), partindo da informação de que 51% dos pescadores entrevistados nasceram em Macaé, pode-se perceber o peso do fenômeno de reestruturação produtiva no processo de imigração em Macaé, no entanto, como abordado, na percepção dos pescadores artesanais a pesca foi o principal motivador para migrarem para Macaé. Gráfico 3: Constatou-se, também, que 21% dos pescadores não concorda com o período de defeso (gráfico 4), no entanto, segundo os relatos dos pescadores, que concordam com o 5
esta política, consideram que o período deveria ser estendido, ou melhor, definido, já que não condizem com o tempo real de reprodução das espécies protegidas. Gráfico 4: A questão do valor pago é bem controversa (gráfico 5). Embora a maior parte entenda que o valor pago é suficiente, outra muito significativa dos pescadores considera o valor pago insuficiente e argumenta que na sua atividade recebe valores maiores. Gráfico 5:. Sobre as Políticas Públicas fornecidas pelo Estado, 70% dos pescadores, segundo suas percepções, não participam de nenhum programa ou assistência estatal, enquanto uma parcela bem pequena confirma a participação. Os pescadores que se entendem integrados em alguma política pública citam o Bolsa Família, o seguro defeso, o financiamento do Estado 6
para compra de barco e equipamentos para embarcação (via Banco do Brasil), políticas de assistência municipal, PRONAF e o Seguro Desemprego. Em uma abordagem qualitativa, o argumento dos pescadores sobre as possíveis ações do Estado para que haja uma melhora nas suas atividades foram mencionados: financiamentos, subsídios para compra de petrechos e embarcações, as mudanças na legislação do defeso até um melhor suporte para as colônias. Também, sobre a atividade petrolífera, sob o olhar do pescador em seus relatos, explicam que a poluição gerada na transformação espacial recente, assim como no uso do espaço marítimo tem atrapalhado nas atividades de pesca e na quantidade do pescado. Alguns pescadores entendem como benefício à formação pesqueiros nas estruturas das plataformas de exploração de petróleo, o que normalmente é proibido por motivos de segurança. No entanto, fica aparente uma pouca integração com as possibilidades de acesso as políticas vigentes, assim como a existência de políticas que os contemplem em outros universos que não sejam da pesca. Isto posto, pensar a importância do entendimento dos pescadores artesanais sobre as políticas públicas, tendo em vista o contexto em que se encontra integrado, permite levantar a discussão sobre uma atividade tradicional tão importante, como é a pesca artesanal. Mesmo em um contexto de expansão da estrutura produtiva e com as mudanças no espaço macaense, como a pesca predatória, a poluição por efluentes domésticos e industriais, a movimentação de embarcações nas áreas de pesca, a pesca artesanal se mantém com o passar dos tempos, reproduzido uma cultura local, gerando postos de trabalho diretos e indiretos e fornecendo alimentos. Por fim, cabe o debate sobre as políticas públicas, pois, embora existam ações aplicáveis e bem direcionadas, nem sempre elas se dão de maneira plena, na medida em que elas não são percebíveis por quem deveria ser o foco destas ações do Estado, tal como pôde ser concluído na percepção dos pescadores artesanais de Macaé. BIBLIOGRAFIA CLAUZET, M.; RAMIRES, M. & BARRELLA, W. Pesca Artesanal e o Conhecimento de Local de duas Populações Caiçaras (Enseada do Mar Virado e Barra do Uma) no Litoral de São Paulo, Brasil. Revista Multiciência 2005. 7
CRUZ, José Luiz Vianna. Os desafios na região brasileira do petróleo. In CRUZ, José Luiz Vianna (Org.). Brasil, o desafio da diversidade experiências de desenvolvimento regional. Rio de Janeiro: Senac, 2005 SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. IN Sociologias nº 16. Junho/dezembro 2006, p. 20-45. TUAN, YI-FU. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980. 8