Agente de Solução: um esboço de leitura foucaultiano



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SESSÕES TEMÁTICAS Agente de Solução: um esboço de leitura foucaultiano Lucas Silva Costa 1 Co-autora: Maria Stella Goulart 2 lucascosta456@yahoo.com.br O objetivo do presente artigo é explorar a figura do Agente de Solução de uma empresa de telecomunicação no Brasil à luz das contribuições de Michel Foucault acerca do poder disciplinar contido na discussão sobre o panóptico. Esse é o nome dado por uma empresa de telecomunicações a seus funcionários do setor de telemarketing, que prestam atendimento ao consumidor através do telefone. O relato desta rotina será feito, tomando como referência um dia de trabalho - desde a chegada à empresa até o término do expediente - descrito por um ex-agente de Solução, que por sua vez é o principal autor do artigo que ora apresentamos. Assim, convidamos o leitor a nos acompanhar por um caminho que se denomina como um dia normal de trabalho. Na chegada à empresa, olho para a porta do prédio e no canto superior esquerdo, observo uma câmera de vídeo que lê rostos, trejeitos, atitudes, enfim, tudo e todos que pretendem, ou não, adentrar àquele pequeno mundo da telecomunicação. Após adentrar sinto um clima frio proporcionado pelo ar-condicionado, frio esse que diferencia o local de trabalho (dentro da empresa) de todo o resto (fora dos limites da empresa). Na portaria as cores utilizadas são escuras, tanto os assentos quanto o piso, as paredes são de cor neutra. Na portaria ficam dois funcionários, um faz a segurança do Call Center (sala onde os Agentes de Solução trabalham), o outro é, basicamente, o porteiro. A entrada no Call Center só é permitida após a passagem do crachá de identificação na catraca, que se mostra ao lado dos dois funcionários citados. Por determinação da empresa os horários de chegada e de saída devem ser, rigorosamente, respeitados, de modo que, se ocorrer, por exemplo, um atraso de um segundo, o extrato (planilha onde constam os horários Trabalho apresentado à matéria Estágio Supervisionado II do curso de Psicologia da PUC-MG. 1 Estudante de graduação do quinto período do curso de psicologia da PUC-MG. Primeiro semestre de 2007 2 Doutora em Ciências Humanas Sociologia e Política pela UFMG e professora de Psicologia Social da PUC-MG.

estipulados para o Agente de Solução) acusa queixa e muda de cor: torna-se vermelha. Se levantarmos a cabeça, alinhando-a com o horizonte, após passarmos pela catraca, veremos o Call Center. Tudo se vê. As paredes, da metade de cima para baixo, são de vidro transparente. A Visibilidade é Total. Radical. Todos subgrupos contendo de dezoito a vinte Agentes de Solução se fazem presentes. Caminhamos agora já acostumados com o frio do ar-condicionado, pelas cores neutras das paredes e pela visibilidade imposta pelos vidros, até a porta que dá acesso ao Call Center propriamente dito, onde, a princípio não se pode entrar identidades nem problemas, onde todos são, simplesmente, Agentes de Solução. Logo após a entrada, se faz necessário novamente a passagem do crachá em um terminal eletrônico, que se encontra ao lado direito da porta principal. Passado o crachá observa-se e ouve-se um ruído muito forte, formado por aproximadamente duzentas pessoas que falam todas ao mesmo tempo, umas mais calmas outras nem tanto. Neste momento o funcionário deve ir o mais rápido possível ao encontro de sua célula e diante de seu computador. Já na sua respectiva célula, o Agente de Solução rememora o número do registro: ele é mais um em meio à massa, e através dele ele é reconhecido pelo sistema, pelos outros Agentes de Solução e pelo site interno. O Agente também rememora as outras três senhas que dão acesso, ou não, as informações do sistema interno. Em meio à correria para ser imediatamente reconhecido pelo sistema, olho para o teto do Call Center e vejo uma câmera de vídeo localizada no alto de uma das pilastras da sala. A localização e o tamanho da câmera de vídeo mostram que o papel por ela exercido dentro do Call Center vai muito além do de captar imagens. A câmera faz com que o Agente de Solução saiba que está sendo vigiado por um olho que tudo vê, mas não é visto. Um pequeno e grande olho que diz do poder de quem vigia olho e que assume várias formas, e uma delas é o tamanho da câmera citada. A câmera tem o objetivo de se fazer visível para todos os Agentes de Solução, independente do lugar que estes se encontram no Call Center, o que presentifica um olho, que aparentemente tudo vê. Já reconhecido pelo sistema começa a rotina de pausas (rotina obrigatório estabelecida pela empresa). A primeira pausa é a atualização (sete minutos), a segunda corresponde a pausa ginástica (dez minutos), a terceira é a pausa lanche (vinte minutos). Estas pausas seguem o sistema de atraso, ou seja, caso o Agente de Solução saia ou volte atrasado para sua pausa o extrato certamente ficará vermelho.

Durante a pausa atualização, olho para o lado e observo a disposição dos computadores no Call Center. Um ao lado do outro, divididos apenas por uma divisória que até sua metade, de cima para baixo, é composta de vidro transparente, o que permiti a um outro Agente observar o que acontece no computador ao lado. Outra pausa que deve ser lembrada por sua importância, é a pausa banheiro. São cinco minutos em que o Agente pode passar todo e qualquer tipo de mal, seja físico ou psicológico. Esta pausa também segue o sistema de atraso, portanto, se o Agente de Solução não conseguir passar todo o mal dentro destes cinco minutos, ele terá uma queixa em seu extrato na próxima leitura feita pelo sistema. A exploração do sofrimento aumenta com o início do atendimento ao cliente. Nesse momento os Agentes de Solução tem que seguir um script, passado durante o treinamento na primeira semana de empresa, assim sendo com o passar do tempo os Agentes de Solução começam a agir e a falar como se fossem robôs, eles são condicionados pelo sistema da empresa. O Agente durante as ligações tem que ouvir com alegria na voz toda e qualquer agressão verbal que venha a sofrer do cliente, pois, além da câmera, da visibilidade total, o coordenador pode estar gravando a ligação. Assim, qualquer alteração na voz do Agente que for percebida pelo coordenador durante as monitorias surpresas ou qualquer erro mínimo ao verbalizar o script acarretará perda de pontos na planilha de avaliação, e a perda de pontos em longo prazo pode se transformar em uma demissão. Tendo em vista esse tipo de atendimento, quanto mais irritado o Agente estiver mais rápido e melhor ele atenderá as ligações, além de atender mais ligações durante o expediente. São computadas por dia em média cento e cinqüenta ligações. Em meio a essas cento e cinqüenta ligações diárias, o Agente de Solução tem breves momentos de descontração. Um deles durante os dez minutos de pausa ginástica. Nessa pausa os Agentes podem, além de fazer alguns exercícios para aliviar o stress, conversar e se distrair um pouco. Observa-se, ainda, que dentro da sala onde se reúnem existe uma pequena catraca que registra a presença de cada um que passa na sala. Após as sete pausas, obrigatoriamente, obedecidas, chega ao fim às seis horas e vinte minutos de breve labuta dita como normal. Assim, me despesso de meu companheiro de labuta, o computador, tiro meu fone de ouvido, me levanto, olho mais uma vez para todo o Call Center. Tento me atentar para o fim de minha escala, mas pareço anestesiado, e como mais um breve momento de descontração, me pego envolvido por sorriso, meio amarelo de stress e cansaço e sigo em frente para me

encontrar mais uma vez com uma catraca (reconhece o fim de minha jornada de trabalho), para assim, de fato, terminar minha escala. Passado o cartão olho mais uma vez para o Call Center e tento apanhar faces em meio às máquinas, e consigo ver algumas com o semblante de stress e cansaço. Em meio a isso já não consigo mais perceber o barulho que se faz no Call Center, barulho que vem das vozes daqueles Agentes que tentam destravar os entraves colocados pelo lógica capitalista e, assim, dar a Solução tão desejada tanto pela empresa como pelos cento e cinqüenta desconhecidos. Nesse momento em que saio do Call Center e me dirijo a rua, já posso elaborar uma breve leitura desse ambiente. Nesse sentido o modelo de disciplina/controle empregado no Call Center desta empresa faz pensar no Panóptico de Bentham, mais especificamente na leitura que Foucault faz desse modelo, em seu livro Vigiar e Punir, 1995. Na releitura de Foucault, o panóptico se aplica em instituições como a escola, a família, a empresa, enfim, todo e qualquer lugar onde se faça presente o poder disciplinar. No caso do Call Center aplica-se o modelo do panóptico, guardadas as determinadas proporções, o prisioneiro é o Agente de Solução, os coordenadores das células são os vigias, que vêem sem serem vistos, e o coordenador do Call Center é o delegado do presídio e é ponto para onde converge todo o olhar disciplinador, assim o é teoricamente, já que, todos se vigiam, portanto, todos são vigiados. Além dessa hierarquia, a disposição dos objetos no ambiente também proporciona a visibilidade total, onde teoricamente tudo é possível, desde que o possível não ultrapasse o limite do pensar. Segundo Bentham, citado por Foucault, até o pensar é disciplinado, pois, quanto mais tempo o sujeito vigiar o próprio comportamento, maior será o controle sobre o seu pensar, até que seu pensamento esteja disciplinado, adestrado. (FOULCAULT, 1995) Um ponto importante a se destacar no Call Center é como a disciplina se faz presente de uma forma tão natural que parece até não ser imposta pelos vidros transparentes, pelo clima frio do ar, pelas câmeras de vídeo (num total de dez, espalhadas por todo o prédio da empresa). Esta naturalidade é o ponto forte do poder disciplinar, tendo em vista que a disciplina se mostra e é colocada em prática, por um possível olhar do superior ou até mesmo do Agente que trabalha ao lado, pois, a disciplina é introjetada, e se assim o é cada um se torna um vigia que olha e é olhado. Ou seja, a cobrança de fazer o que é conferido ao Agente de Solução não é externa ao Agente, ela encontra-se intrínseca ao Agente. A disciplina que a empresa dita aos

Agentes, hora alguma é verbalizada durante o atendimento, sendo é sustentada, nutrida e desenvolvida pelo próprio Agente. O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens" (FOUCAULT, 1995, p221). O olhar que vê, porém não é visto, é o disciplinador do Agente de Solução que como o prisioneiro do presídio de Bentham, se auto-vigia, se auto-pune, se auto-adestra. No entanto, o vigia, ou melhor, o coordenador de cada célula, de onde poderá vir um possível olhar, também não é de confiança, portanto, ele também é um prisioneiro. No panopticon, cada um, de acordo com seu lugar, é vigiado por todos ou por alguns outros; trata-se de um aparelho de desconfiança total e circulante, pois não existe ponto absoluto" (FOUCAULT, 1999, p220). Ou seja, o vigia se confunde com o vigiado de tal forma a ser um só, dando à sua consciência o dever de punir, ou não, o corpo que ela própria pensa ter controle das ações. Sendo assim, com a transparência, com a visibilidade, com a luminosidade necessária à produtividade e lucro o Agente de Solução do Call Center, ou seja, o Homem moderno presente em organizações como a escola, a empresa, a família, se torna prisioneiro, não da escuridão dos calabouços, mas, da escuridão da sua própria sombra. O Panóptico de Bentham, relido por Foucault em seu livro Vigiar e punir, transportou meu olhar para pensar o processo disciplinar, aplicado nas presentes organizações, mais especificamente a empresa, na modernidade. Contudo, o poder disciplinar empregado no Call Center, ou seja, o poder sustentado pelo olhar, não é perfeito. Pois, da mesma forma que o olhar disciplinador se faz presente no Call Center durante todo o expediente, a escuridão da sombra do Agente de Solução se presentifica, na grande luminosidade do ambiente. Ao mesmo tempo em que o modelo de disciplina através do olhar, da transparência e pela luminosidade busca a perfeição, ele é falho. Porque é na escuridão da sombra do homem que a luminosidade e a transparência tentaram apagar é que se faz visível a acirrada luta pela produção e lucro nos tempos modernos, denunciada, muitas vezes, pelas fraudes, corrupções, etc. A sombra resultante da incidência da luz da perfeição lucrativa sobre o homem moderno, aqui lido como Agente de Solução, denuncia o predomínio da lógica capitalista em detrimento das identidades particulares, autonomias possíveis, subjetividades. A necessidade moderna de se ter um Agente que solucione, virtualmente, os possíveis entraves apresentados à produtividade lucrativa,

viabiliza a tendência ao aniquilamento da subjetividade na modernidade. Entretanto, mesmo que na qualidade de sombra, as subjetividades se presentificam, apontando para uma rede intersubjetiva, na qual possíveis conexões e desconexões podem iluminar o jogo imperativo do poder moderno capitalista e minimalista. Afinal, não existem sombras sem luzes. O Agente ao se desconectar da sua função de solucionar e assim se desconectar da lógica da empresa, pode se conectar a sua condição de sujeito que indo de encontro a outras subjetividades, pode denunciar a soberania do modelo capitalista moderno de forma crítica e responsável. Referências bibliográficas PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Graduação. Sistema de Bibliotecas. Padrão Puc Minas de Normalização: normas da ABNT apresentação de artigos de periódicos científicos. Belo Horizonte. Disponível em http://www.pucminas.br/biblioteca/. Acesso em 06/08/07 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 26. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 262p. FOUCAULT, Michel; MACHADO, Roberto. Microfísica do poder. 14. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 19